Domingo no Parque
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 22 de agosto de 2004
Sábado, dia 21 de agosto, o Parque do Ibirapuera completou 50 anos de existência. Só quem mora em São Paulo é que sabe da importância que esse oásis possui para os seus habitantes deveras saturados de cimento e fumaça. Um dado ilustrativo: a ONU recomenda que cada cidade possua pelo menos 12 m² de área verde por cada habitante. Pois bem: São Paulo possui apenas quatro desses metros quadrados, sendo que seus parques municipais representam apenas 1% da área total desta metrópole cinzenta.
Com seus quase 1,5 milhão de metros quadrados, não é difícil entender a paixão dos paulistanos por aquela que é a maior área de lazer da cidade de São Paulo. De fato, quase todo morador desta cidade tem uma história vivida no Ibirapuera. É o caso do casal Pedro, publicitário, 25, e Júlia Shimomura, agente de viagens, 26, que enquanto passeia por entre os ipês, tipuanas e sibipirunas do viveiro Manequinho Lopes recorda um domingo semelhante ao de hoje, quente e ensolarado. “Nós nos conhecemos em uma Bienal do Livro“, confidencia Júlia. “Eu trabalhava como recepcionista do stand da editora Record, e ele me abordou perguntando onde é que estavam as edições atrasadas da Mad“, comenta sorrindo. “Até hoje me pergunto como é que fui me apaixonar por alguém que vai até uma Bienal, com tantos livros interessantes, procurando por aquelas revistas idiotas“. Responde Pedro: “ainda bem que o amor, além de cego, é burro“.
Poucos sabem que Ibirapuera, em tupi-guarani Ypy-ra-puêra, significa “pau podre”. A origem desse nome vem do seu solo, que era bastante úmido e alagadiço até meados do século XIX, quando aquela área pantanosa começou a ser transformada pela crescente urbanização paulistana. No começo do século XX, a região do Ibirapuera era uma planície coberta de pastagens destinadas aos animais que puxavam os carros do Corpo de Bombeiros e aos bois que seguiam caminho até o Matadouro Municipal localizado no bairro da Vila Mariana. Suas feições atuais foram idealizadas na década de 20, quando o prefeito José Pires do Rio decidiu transformar aquelas pastagens em um parque. Porém, como o terreno era alagadiço, eis que entrou em cena o funcionário da prefeitura Manuel Lopes de Oliveira. Entomologista formado na Alemanha, Manuel (melhor conhecido pelo seu apelido, Manequinho Lopes) organizou em 1927 o plantio de centenas de eucaliptos australianos capazes de eliminar o excesso de umidade do solo, além de um grande número de plantas ornamentais. Esse viveiro, que posteriormente ganhou o nome de seu criador (morto em 1938 aos 68 anos por intoxicação com pesticidas), possui atualmente 300 espécies plantadas e produz 850 mil mudas por ano, e foi o embrião do futuro parque freqüentado por casais como Pedro e Júlia.
Projetado para ser o grande presente à metrópole paulistana no dia de seus 400 anos de fundação (25 de janeiro de 1954), o Parque do Ibirapuera acabou sendo inaugurado alguns meses mais tarde, devido a atrasos nas obras que duraram quase dois anos. Projetado por uma equipe capitaneada por Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx, o parque foi finalmente aberto ao público em 21 de agosto, ostentando diversas atrações como um ginásio poliesportivo (capaz de receber 20.000 espectadores), um planetário (previsto para ser reaberto à visitação pública ainda neste ano), dois lagos artificiais, o pavilhão da Bienal (que teve a honra de abrigar, por ocasião das comemorações do IV centenário de São Paulo, “Guernica”, a obra-prima de Pablo Picasso), a abóbada da Oca, o Monumento às Bandeiras (escultura de Victor Brecheret popularmente conhecida como “Deixa Que Eu Empurro”), o Pavilhão Japonês e o Museu de Arte Moderna.
Em meio a tantos atrativos, pesquisa recentemente feita pela Secretaria Municipal do Meio-Ambiente revelou que o principal motivo de visitação do parque, apontado por 33% dos freqüentadores, é “práticas esportivas”. Pudera: o Ibirapuera também abriga quatro quadras poliesportivas e uma pista de cooper com 1.500 metros de distância. O escrevente judiciário Gérson Guerrero, 30, palmeirense fanático e assíduo freqüentador das quadras de futebol, visita o parque todos os domingos a fim de jogar na quadra de terra, menos concorrida do que as três de salão. Gérson explica sua preferência: “na terra, os jogos duram meia hora ou dois gols, enquanto nas quadras de salão, que são de futebol society, o máximo que dá para jogar é vinte minutos“.
Atualmente o parque do Ibirapuera encontra-se aberto à visitação pública das 5h às 24h, recebendo em média 20 mil usuários de segunda a sexta e 200 mil aos finais de semana. Basta uma breve conversa com freqüentadores como a publicitária Joana Martins, 21, que sai para passear com seu golden retriever todas as manhãs pelo parque e já perdeu a conta de quantas vezes perguntaram o telefone de seu cachorro (“inclusive por algumas mulheres“), ou o farmacêutico Humberto Luz, 52, que afirma que o melhor show que viu na vida foi um de João Gilberto na Praça da Paz (“fiquei de pé das seis da manhã até às duas da tarde, mas valeu a pena“), para constatar: todo paulistano possui ao menos uma boa história para contar sobre o “Ibira”, este recanto tão amado por aqueles que moram nesta máquina de fazer malucos chamada São Paulo.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.