Dez curiosidades sobre o Orkut nos 10 anos daquele que foi o maior site do Brasil

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 23 de janeiro de 2014

1. A última vez em que o Google comemorou oficialmente o aniversário do Orkut foi através de um post publicado em 24 de janeiro de 2012. Depois disso, o blog oficial do Orkut deixou de ser atualizado em outubro de 2012, e o blog do Google Brasil simplesmente ignorou a data em 2013. Pena: o Orkut foi esquecido de vez pela empresa que o criou. A captura de tela a seguir mostra o último bolo de aniversário criado especialmente para a rede social que, de 2004 a 2011, foi o maior site do Brasil (além de ter sido 90% bacana, 70% sexy e 80% confiável).

* * *

2. Nos seus primeiros dias, só conseguia criar um perfil no Orkut quem recebesse um convite, enviado por e-mail pelo próprio Google. Depois de algumas semanas, as pessoas que já tinham perfil receberam o direito de enviar 10 convites a amigos. Essa estratégia de lançamento despertou a curiosidade geral e fez com que o Orkut ganhasse o status de um clube fechado a poucos privilegiados. Naquela era paleozóica da internet brasileira, marcou época a comunidade “Tem mas acabou”. Criada por Nabor Leandro (pseudônimo de Ivan Siqueira), ela tinha como único objetivo reunir a quantidade, naquela época expressiva, de 100 membros. Quando a meta era atingida, a comunidade era sumariamente apagada.

Outra comunidade criada naqueles primeiros meses de Orkut no Brasil também marcou época: a “Como ou Não Como“, idealizada por Wagner Martins, o Mr. Manson. Suas regras, discriminadas na descrição da comunidade, eram simples:

Os membros mais empolgados da “Como ou Não Como” (CoNC para os íntimos) costumavam temperar suas respostas com comentários diversos: “como, ligo no dia seguinte e mando flores”, “como e lambo inteirinho”, “como de porrada”, etc etc. Sobre o tom jocoso e descontraído das respostas do CoNC, o jornalista Alex Antunes comentou:

Cafajeste, preconceituosa e evidentemente DIVERTIDA, a brincadeira trouxe como única novidade a grande desenvoltura das moças ao comerem (ou não comerem) os caras (e também outras moças), e ao fairplay metro (ou homo) sexual dos caras ao comerem (ou não comerem) outros caras. Quanto aos caras que comem (ou, muito raramente, não comem) as moças, não é nada que não tenhamos visto nos últimos séculos de patriarcado.

Em texto publicado na época, Alex também observou: “O Como Ou Não Como conseguiu, entre os dias 5 e 6 de março, dar o salto exponencial de 200 e poucos para 400 e poucos participantes, e, quando publico isso, no dia 7, chegou aos 528.” Esse crescimento, impressionante na época, foi movido pelo intenso boca a boca dos early adopters empolgados com a natureza amorosa-sexual-confessional da comunidade: vi muitos amigos criarem perfis no Orkut com o único intuito de virarem novos tópicos e interagirem com os já existentes. Quatro dias depois, em 11 de abril, Alexandre Matias publicou um post em seu Trabalho Sujo a fim de marcar a ocasião em que a CoNC chegou a 1.000 membros, com direito a captura de tela mostrando seus participantes. Não hesito em dizer: a criação da comunidade “Como ou Não Como” foi fundamental para que o Orkut se estabelecesse de vez no Brasil, superando sites como Friendster e Multiply.

* * *

add-to-crush-list3. Muito antes do Tinder avisar quando duas pessoas demonstram interesse mútuo, o Orkut possuía uma ferramenta com mecânica semelhante: a crush list, lista em que qualquer usuário do site podia incluir as pessoas com quem gostaria de, hmm, interagir de forma mais aprofundada. Se a outra pessoa também a adicionasse à sua crush list, o Orkut tratava de enviar uma mensagem para ambos, delatando o interesse de ambas as partes, com este singelo texto:

Olá Fulano, você e Sicrana têm uma queda um pelo outro! Respire fundo e pense nisto…

O Orkut revelou um sentimento mútuo de ardor
E mostrou as feridas causadas pelas flechas do Cupido.
Mas enquanto ajudamos na revelação desse amor,
Seu futuro caminho entre os seus corações será esculpido.

* * *

4. A primeira grande celebridade do Orkut no Brasil foi o cantor Léo Jaime. Em matéria publicada pela Revista da Folha, em 18 de julho de 2004, escrita por Lulie Macedo, o intérprete de hits dos anos 80 como “A Fórmula do Amor” e “As Sete Vampiras” explicou por que lançou a moda de criar clones de si mesmo na rede social.

* * *

5. Qual seria o futuro do Orkut? Se crescesse demais, iria perder a graça? Se tivesse gente demais, o serviço passaria a ser pago? Essa mesma matéria da Revista da Folha pinçou um tópico da comunidade “O Orkut é uma Conspiração?“, especulando sobre os motivos da criação da maior febre virtual daquele ano.

* * *

6. O sucesso estrondoso do Orkut no país fez com que outros portais quisessem criar suas próprias versões. E foi assim que, em novembro de 2005, o UOL lançou com estardalhaço uma “rede de relacionamento gratuita” com o nome original de… UOLKut. A estratégia de divulgação dessa comunidade virtual incluiu até mesmo a veiculação de um comercial para a TV.

* * *

7. Em janeiro de 2006, um novo gênero musical foi criado pelo cantor e compositor Ewerton Assunção: o sertanerd, neologismo lançado junto com um hit instantâneo na web: “Vou te Excluir do Meu Orkut”.

O refrão de seu sucesso, que posteriormente foi regravado por Frank Aguiar e Aviões do Forró, marcou época:

Eu vou te deletar, te excluir do meu orkut
Eu vou te bloquear no MSN
Não me mande mais scraps nem e-mail Power Point
Me exclua também e adicione ele

Vale registrar ainda que Ewerton, sobre quem escrevi o post “Orkut, dor-de-cotovelo e música sertanerd: conheça Ewerton Assunção“, gravou uma versão em inglês de sua composição, singelamente intitulada “I Will Delete You From MySpace”.

* * *

8. Uma das primeiras matérias de capa dedicadas ao Orkut foi publicada na edição de setembro de 2004 da revista Superinteressante. Escrita por Marcos Nogueira, com as colaborações de Marcos Sergio Silva e Tania Menai, a reportagem elencou algumas regras de etiqueta para incautos confusos com aquele site que, com pouco mais de 7 meses de idade, possuía na época 1.357.966 membros, dos quais 51% eram brasileiros (quase 700 mil pessoas).

* * *

9. Outra celebridade instantânea catapultada pelo Orkut surgiu de forma singular. Durante a turnê de 2006 do U2 no Brasil, Bono Vox escolheu uma fã ao acaso para subir ao palco e interagir com ele enquanto a banda tocava “With or Without You”. Quando Bono perguntou o seu nome, aquela bancária de 28 anos deixou a anonimidade ao respondê-lo no microfone: Katilce. Graças à sua alcunha singular, não foi difícil encontrarem seu perfil no Orkut. O resultado foi um dos primeiros e mais retumbantes memes que este país já testemunhou. Em pouco menos de uma semana, sua página de scraps recebeu mais de 3 milhões de recados, tornando-se o maior ponto de encontro virtual da internet brasileira.

Sua súbita fama inspirou a criação de dezenas de comunidades, os Tumblrs daquela época, com nomes como “Katilce nunca me beijou”, “Katilce para o BBB7″, “Quando sai a Playboy da Katilce?”, “Eu Te Vi nos Scraps da Katilce”. Após ter tido os seus 15 GB de fama, Katilce Miranda voltou ao anonimato, mas sem antes deixar sua marca na história do Orkut.

* * *

10. Muitas coisas marcaram os áureos tempos do Orkut: Colheita Feliz, os perfis com avisos de “me add só com scrap”, os testemunhos que eram publicados por engano (“não aceita o depô!!!!”), Buddy Poke, os tópicos estilo “vc beija ou passa a pessoa de cima?”, as correntes spameadas por scrapbooks (“oi, meu nome é Samara, tenho 14 anos - teria se estivesse viva)”… Porém, foram as comunidades do Orkut que realmente marcaram época, com sua variedade inacreditável de temas, compartilhamento incessante de conhecimentos (úteis e inúteis) e humor nonsense.

Em um país no qual a Wikipedia nunca emplacou de fato, o conceito de conteúdo colaborativo foi aplicado na prática em comunidades nas quais pessoas compartilhavam conhecimentos de forma gratuita e generosa. Se você queria saber fatos e curiosidades sobre uma banda, um filme, um time de futebol ou um assunto aleatório qualquer, certamente acabava encontrando uma comunidade dedicada a esse tema.

MaFrancais

As comunidades de fácil identificação, como “Eu amo chocolate”, “Eu amo minha mãe” e “Sou legal, não tô te dando mole”, logo passaram a ser as mais populares. Afinal, um dos comportamentos típicos dos usuários de Orkut era o de adicionar comunidades com as quais se identificavam, a fim de complementar a descrição de seus perfis. Em abril de 2007, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria de Roberta Salomone intitulada “Donos das maiores comunidades do Orkut falam de fama e assédio”. Um dos entrevistados foi João Paulo Mascarenhas, que em maio de 2004 criou a “Eu odeio acordar cedo”. Sobre o sucesso de sua comunidade, declarou: “Recebo cerca de 60 mensagens por dia e não posso negar que isso é gostoso”.

Cinco anos depois da reportagem da Folha, João Paulo vendeu a “Eu odeio acordar cedo”, que em 2009 havia chegado à marca de 6 milhões de membros, para José Santos, dono de um site pessoal que adquiria milhas aéreas. Em entrevista dada a Rafael Sbarai da Veja, João Paulo declarou que o valor da transição ficou na faixa de 3 a 5 mil reais. Porém, vale lembrar que negociações do tipo não eram novidade: em janeiro de 2007, a RBS comprou a comunidade “Eu amo Floripa”, que na época possuía 75 mil membros, por R$ 2 mil.

Mas divertido mesmo era acompanhar o surgimento de comunidades sem sentido algum, que multiplicavam-se feito Gremlins molhados pelo Orkut. Se hoje esse humor prolifera-se pela web na forma de memes, Tumblrs e fanpages no Facebook como o Site dos Menes, antes foram as comunidades que, através de um nome nonsense, complementado por uma imagem bizarra e uma descrição vagamente explicativa, fizeram com que o Orkut virasse a porta de entrada de uma nova geração de produtores de conteúdos criativos.

Clique aqui e leia uma matéria com Maurício Cid e George Macêdo, de outubro de 2009, feita quando eles participaram do evento Porto Cai na Rede.Dentre eles, destacaram-se figuras como Adonis Comelato (ex-roteirista do Saturday Night Live Brasil e um dos mentores da Talagada Filmes), B! (Bruno Predolin, que deixou a vida de blogueiro e trabalha com social media em uma agência em São Paulo), Golias Miranda (também conhecido como David Boutsiavaras, Misto Salazar e @zambinos), C! The Space Cowboy (pseudônimo usado por Maurício Cid, que anos depois criaria o Não Salvo, tornando-se um dos 100 brasileiros mais influentes segundo a revista Época) e Gordo Nerd (a alcunha internética/artística de George Macêdo).

NaoFuiEu

* * *

É uma pena que o Orkut, site que considero ter sido o grande responsável pela alfabetização digital brasileira, estimulando toda uma geração a ter pela primeira vez uma página pessoal, compartilhando ideias e pensamentos e deixando a passividade daqueles que são meros espectadores, atualmente é um lugar repleto de escombros do que já foi. Em coluna publicada na Trip, Ronaldo Lemos defendia a necessidade de se preservar o conteúdo integral do Orkut:

Nas infindáveis comunidades do Orkut é possível acompanhar dramas pessoais, pessoas lutando contra doenças, reclamações contra empresas e políticos, brigas, paqueras, discriminação sexual e racial, todo o coquetel de benesses e mazelas que acontecem em toda parte, mas que nem sequer se sonhava ter registro. É um material riquíssimo para pesquisar qualquer assunto, dos movimentos políticos às mudanças do uso do português nos últimos anos.

Pena: é tarde demais pra se fazer isso. Ao procurar por tópicos e comunidades a fim de redigir este post, constatei que muitas das discussões mais relevantes já foram apagadas. E, como o Google nunca implementou RSS e a indexação dos conteúdos do Orkut na própria ferramenta de busca nunca foi das melhores, não foi possível encontrar backups feitos pelo Archive.org ou outras gambiarras que permitissem vasculhar algum resquício digital. Neste país desmemoriado, toda a diversidade cultural que um dia encontrou o abrigo ideal no Orkut está sendo dissipada aos poucos. Espero que, ao menos, um dia seja feito um documentário resgatando algumas histórias do mais importante site que a internet brasileira já teve.

* * * * *

P.S.: Alguns dos posts que escrevi sobre o Orkut ao longo destes 10 anos de existência: Minha vida secreta de redator de perfis do Orkut, O Orkut será pago, Cocadaboa e o roubo das comunidades do Orkut: a verdade (ou não) sobre o caso, Vírus no Orkut: todo cuidado é pouco! e Orkut, dor-de-cotovelo e música sertanerd: conheça Ewerton Assunção.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

Comentários do Facebook

Comentários do Blog

  • Pingback: A Travessia - sobre o Orkut | Cine-Síntese

  • Rafael Pires

    Ola, eu ainda tenho meu perfil ativo no Orkut, mas não entro com tanta frequência como antes, e ainda existem comunidades muito ativas por lá, e tbm acho bem melhor de se realizar uma pesquisa sobre qualquer coisa, pois de uma maneira ou outra acaba achando… e não se perde com tanta facilidade o conteúdo colocado la, já que no “face” vc tem que passar um tempo procurando, e no orkut dependo da Comunidade e do tópico se acha com mais rapidez, fora que tbm ninguem ve o que tu coloca no teu perfil, só se alguém te procura…!!

  • Pingback: We Are Social Mashup #115 / We Are Social Brasil

  • Saulo Felippe

    Matéria fantástica. Que nostalgia absurda. Horas e horas perdidas (ou ganhadas) diariamente, se divertindo com as comunidades, mandando mensagens (scraps) e paquerando via depoimentos. Uma rede social que mudou muita coisa na internet.

  • Gustavo Vieira

    É sempre bom relembrar os tempos de orkut, sempre me rendo boas risadas, e com esse post não foi diferente. Pena que grande parte do conteúdo foi perdido. :/

    http://www.onee-day.net/

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Pois é, Gustavo. Como as comunidades não tinham RSS e os conteúdos não eram indexados pelo Google, não deu nem pra tentar resgatar alguma coisa no http://www.archive.org. Uma pena.

  • alexandredsc

    Ótimo apanhado sobre as fases do Orkut. Fico pensando em como estará o Facebook daqui há 10 anos e como vivemos hoje a “instantaneidade” das coisas.
    Sei que tudo o que escrevi nos meus blogs ainda está lá, ao contrário dos posts nas redes sociais, que podem continuar nos servidores, mas desaparecem do nosso alcance.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Exato. O problema de se compartilhar textos, fotos, vídeos em sites de terceiros é o de se estar sujeito a regras que sempre mudam. Um dia o Orkut (ou o Twitter, o Facebook, o Instagram, etc etc) modificam as regras de uso e você está sujeito a ter todo o conteúdo que postou lá apagado de vez.

  • George Macêdo

    tira essa minha foto ridícula aí, pô. hahaha. abs

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

Parceiros

Mantra

A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.