Desencontros do amor no Grand Canyon
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 12 de novembro de 2007
O que mata na vida são relacionamentos mal resolvidos. Aquela menina que sorriu pra você na festa da formatura da 8a. série, e que você não abordou porque era um tremendo dum bunda-mole. A colega de trabalho com quem você teve um flerte que não foi adiante porque tanto ela quanto você estavam enrolados com outras pessoas, e que permanece encalacrada em seus pensamentos feito uma bala Soft entalada na garganta. A vida que poderia ter sido mas não foi, como escreveu o Bandeira.
Quando penso em affairs enrolados, lembro sempre dos desenhos do Papa-Léguas. Nada me tira a convicção de que aquele coiote pagava o maior pau pelo Bip-Bip. E todas aquelas bigornas que caíam em sua cabeça, as quedas nos abismos do Grand Canyon que terminavam em nuvens de pó e as explosões dos artefatos constantemente defeituosos da Acme não passavam de metáforas do desentendimento amoroso. Como um apaixonado desavisado, que ouve da amada uma frase como “não quero estragar nossa amizade”, e sente o chão escapar dos seus pés.
Uma vez, por uma só vez eu gostaria de ver o Bip-Bip se entregando à imensa fome de amar do desajeitado coiote. Assim como gostaria de ver os moleques escapando da Caverna do Dragão, ou o Pato Donald dando uma coça nos folgados do Tico e Teco. Mas crianças, como todos devem saber, são sádicas, e gostam de ver personagens se estrepando, e riem gostosamente de tantas desgraças, e sofrimentos, e explosões.
Esta história, há anos fora de catálogo, está disponível na internet graças a uma boa alma que escaneou todas as páginas do “Evangelho do Coiote”. Aproveite esta bênção e confira a obra-prima de Grant Morrison, uma reflexão aguda sobre a Criação e a natureza humana. Você nunca mais assistirá aos desenhos do Papa-Léguas da mesma maneira.
P.S. 2: Escrevi este texto originalmente em março de 2001. Mas personagens de quadrinhos e desenhos animados são uma constante fonte de (ins)piração, vide os posts “A tira mais triste de todos os tempos” e “Charlie Brown, a garotinha ruiva e o tal do amor”. Tenho uma dívida, diga-se de passagem, com Mestre Carl Barks. O homem que me despertou o gosto por leituras, e que representou para mim o mesmo que Monteiro Lobato, Júlio Verne, Charles Dickens ou J.K. Rowling fizeram por outras crianças. Ainda preciso escrever um texto sobre o seu legado.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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