De mentiras e hímens leiloados
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 23 de março de 2004
Que a mentira nunca saiu de moda, isso é fato líquido e certo. Em todos os escopos do cotidiano encontramos casos de lorotas desbragadamente contadas, desde os clássicos “vamos esperar o bolo crescer para depois reparti-lo”, e “você merece alguém melhor do que eu” até os recentes “não vou desfilar no carnaval porque estou grávida”, “estamos absolutamente convictos de que a culpa é toda da ETA” e “aceitei fazer o comercial porque não agüentava mais tomar Brahma escondido”. Perguntar não ofende: dá pra tomar uma Kaiser antes?
Mas enfim, enquanto o mundo for mundo sempre haverá incautos dispostos a cair em historinhas para adormecer bovinos, com enredos mirabolantes que falam sobre armas de destruição em massa, espetáculos do crescimento, matérias assinadas por Jayson Blair e hospedagem de blogs para não-assinantes da Globlogger. Em meio a tantas fraudes, imposturas, contos da carochinha, falácias, cascatas, carapetas e sofismas, no quê acreditar?
Eu, por exemplo, fico com os três pés atrás quando leio manchetes como esta: “Vendi minha virgindade por £ 8.400,00″. A notícia na verdade (ops) já havia percorrido a Internet há algumas semanas. Rosie Reid, a mocinha da foto ao lado, teria oferecido sua virgindade em um leilão no eBay, com a pedida inicial de 10.000 libras. Após o eBay ter retirado a oferta do ar, Rosie prosseguiu com o leilão em seu próprio site, recebendo lances de mais de 2.000 homens mundo afora até fechar negócio com um divorciado de 44 anos, que ofereceu 8.400 libras (equivalentes a R$ 42 mil) pelo seu “defloramento”.
Segundo matéria publicada no tablóide inglês News of the World, o encontro entre Rosie (na foto à esquerda, provando que uma boa produção torna qualquer pessoa um pouco mais apresentável) e seu, hmm, cliente, se deu em 2 de março. A namorada da estudante inglesa (sim, Ms. Reid é lésbica) hospedou-se no mesmo hotel em que Rosie conheceu biblicamente o homem que tiraria sua virgindade. Afirmou a ex-Doris Day: “Foi horrível. Odeio o jeito como homens beijam”. Bobviamente o encontro não se resumiu a ósculos babados, mas prefiro poupá-los das descrições de detalhes mais picantes do tal intercurso carnal. Limito-me, pois, a informar que Rosie reencontrou a companheira, que estava em outro quarto do hotel, na manhã seguinte; e que ambas “abraçaram-se e choraram muito”.
Bem, vá lá, vamos supor que a história acima seja real, verídica e aconteceu de verdade. O que ela representa, a “degradação dos valores morais de nossa sociedade”? Menos, menos. Recorro às palavras de Rhett Butler para expressar minha opinião sobre o leilão de Rosie: “Frankly, my dear, I don’t give a damn”. Afinal de contas, se existem estudantes dispostas a entregar sua virgindade para quitar dívidas de faculdade, e se surgem incautos a fim de pagar tantas libras por, convenhamos, uma garota que está longe de ser um primor estético, que eles sejam (in)felizes do modo torto deles.
Contudo, se for uma encenação maquinada para vender mais jornais (como eu penso piamente que seja), não posso deixar de imaginar que, em um mundo infectado por falácias muito mais periculosas, uma mentira tão imbecil quanto essa passa completamente incólume pelo espectro de preocupações sobre os tempos que vivemos.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.