Criança tem cada uma…
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Sinto inveja da desconcertante criatividade das crianças que, sem cabecismos concretistas ou ambições pseudo-literárias, de repente criam do nada sacadas poéticas como esta: - A cor do céu depende da hora, do tempo e de quem olha. Quem diz que o céu é azul, nem desconfia que, de noite, ele pode ser preto e, quando vai anoitecendo, pode até ser rosa ou vermelho. Quem diz que o céu é azul é analfabeto de céu.
Adultos são o que as crianças se tornam depois que começam a produzir hormônios e a largar sonhos pelo caminho. E é assim que nos tornamos maduros, responsáveis e burrocráticos. Não é de se estranhar, pois, o sucesso da coluna que o dramaturgo e pediatra Pedro Bloch publicava toda semana na revista Manchete, intitulada “Criança Diz Cada Uma”. Nela, Bloch narrava tiradas espontâneas e engraçadíssimas, protagonizadas pelas crianças (de 3 a 11 anos de idade) que passavam pelo seu consultório (como a fala sobre a cor do céu do parágrafo acima).
Bloch compilou seus achados em dezenas de livros, dentre eles o Dicionário do Humor Infantil, meu predileto dentre todos por ter sido valorizado pelas ilustrações de Mariana Massarani, também autora de seis livros para crianças. Pena que o livro está fora de catálogo; tive de perambular por vários lugares até achar um lugar a fim de encontrar um exemplar para minha namorada. ;) Como não sou egoísta, compartilho aqui algumas das melhores definições deste sensacional dicionário:
ADULTO - É uma pessoa que sabe tudo, mas quando não sabe diz logo: “veja na enciclopédia”.
ALEGRIA - É um palhacinho no coração da gente.
AMAR - É pensar no outro, mesmo quando a gente nem tá pensando.
BOCA - É a garagem da língua.
BONITA - “Se eu sou bonita ou inteligente? Se eu sou bonita, você vê na cara. E se eu sou inteligente, nem respondo a uma pergunta boba dessas”.
CABELO - É uma coisa que serve pra gente não ficar careca.
CALCANHAR - É o queixo do pé.
CHOCOLATE - É uma coisa que a gente nunca oferece aos amigos porque eles aceitam.
COBRA - É um bicho que só tem rabo.
CRIANÇA - Ser criança é não estragar a vida.
DEUS - Um dia eu disse que Deus era muito distraído e todo mundo riu. Só não sei a graça que isso tem.
ELÉTRONS - São os micróbios da eletricidade.
ESPERANÇA - É um pedaço da gente que sabe que vai dar certo.
FÉ - É uma menininha, na praia, esvaziando o mar com um baldezinho de plástico furado.
FUTEBOL - É um jogo em que, às vezes, a trave joga melhor que o goleiro. Pega tudo.
FUTURO - É tudo que vem depois e, quando chega, já era.
INFERNO - É um lugar onde a gente morre muito mais.
MENTIRA - (ouve-se o estraçalhar de um vidro no banheiro e o menino grita) - “É mentira do barulho!”
MISTÉRIO - É uma coisa que a gente não sabe explicar direito e, quando explica, já não é.
NAMORADO - É uma pessoa que tem medo do claro.
NEVOEIRO - É poeira do frio.
PACIÊNCIA - É uma coisa que mamãe perde sempre.
PIADA - É uma coisa engraçada que perde a graça quando a pessoa avisa que vai ser.
POLUIÇÃO - É sujeira do progresso.
REDE - É uma porção de buracos amarrados com barbante.
REFLEXO - É quando a água do lago se veste de árvores.
RELÂMPAGO - É um barulho rabiscando o céu.
SAUDADE - É quando uma pessoa que devia estar perto está longe.
SONO - É saudade de dormir.
SORTE - É a gente acordar, se preparar pra ir pra escola e descobrir que é feriado nacional.
STRIP-TEASE - É mulher tirando a roupa toda, na frente de todo mundo, sem ser pra tomar banho.
TRISTEZA - É uma criança com gesso no pé, sem assinatura.
VEIAS - São raízes que aparecem no pescoço das meninas que gritam.
VIDA - A vida de muita gente é só gol contra.
VIDA - A vida a gente não explica. Vive.
XINGAR - Quando eu xingo a minha avó, só xingo a metade que é do meu irmão.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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