Conversa de bar
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 27 de janeiro de 2005
À guisa de introdução: o texto a seguir foi criado a seis mãos, por Renata Parpolov, Ian Black e este que vos escreve, e publicado originalmente na edição 004 do Spam Zine. O texto, descompromissado feito uma boa conversa numa mesa online de bar, aguarda por novos pitacos no espaço destinado aos comentários. =)
Inagaki: Ainda bem que depois que cresci deixei de alimentar meu coração com a pobre dieta das paixões platônicas, que só têm graça para filósofos gregos e adolescentes cheios de espinhas e dúvidas existenciais.
Parpolov: Que nada, Inagaki, amor platônico é muito legal! Tem amor que sem dúvida é pra ser vivido, sentido, com todas as suas bocas, beijos, e fluidos. Mas tem amor que você sabe que não é pra você, mas mesmo assim insiste em sentir. Amores que você só fica pensando na pessoa, imaginando como será que ela beijaria, ou faria sexo. E, claro, você imagina que a pessoa é perfeita, absurdamente perfeita em tudo, e que saberá te agradar da maneira mais detalhista que você jamais imaginou.
Inagaki: Ms. Parpolov, eu entendo o seu ponto de vista. E faço aqui um mea culpa: talvez seja eu quem esteja por demais mergulhado no mundo dos sentidos, plenamente convicto de que vale mais uma (sorry pela expressão, não achei outra mais adequada) trepada homérica do que zilhões de amores platônicos.
Ian: Não podemos esquecer o fato de que a masturbação é uma continuidade do amor platônico. São momentos em que o objeto do desejo é totalmente seu e você faz o que quiser, quando, onde e como você bem entender, seja ele uma personalidade hollywoodiana ou uma pessoa estranha que passou do outro lado da rua.
Parpolov: Platão tava certo sim. Quando você realiza o tal sonho platônico, descobre a imperfeição. Porque aí tudo vira realidade: o beijo nem é essas coisas, o fulano ou fulana faz um sexo meio medíocre mesmo, e apesar daquele rosto perfeito, o tal indivíduo ou indivídua fala muita, mas muita besteira mais broxante do que um pum debaixo do cobertor. E você levanta, põe a roupa e vai embora pensando: “nossa, como era mais legal quando tava só na minha cabeça…”.
Inagaki: Sonhos sonhos são. Sei lá Renata, sou um cara que, em termos de amor, procura não idealizar muito as coisas. Porque apaixonar-se é desencadear um processo de criação de expectativas que nem sempre se cumprem na realidade. Sim, eu compreendo a defesa que você faz do amor platônico. E sei, muito bem, o quanto é gostoso a gente de repente se perceber capturado pela arapuca da paixão, pensar naquela pessoa e sentir o coração criando asas, dando cambalhotas, enxergando estrelas onde não há. Mas, putz, tem coisa melhor do que transportar esse mundo onírico pro nosso plano terrestre? Não sei, acho que sonhos são uma maneira de felicidade ilusória e transitória.
Parpolov: Qual felicidade não é transitória, babe!!!?? Às vezes sonhar pode ser melhor do que a realidade, às vezes não. Tem vezes que você descobre, tipo, sonhar era bom, aí você vai, faz e vê que é melhor fazer do que sonhar. Tem vezes que não, que você vê que teria sido melhor ter ficado sonhando. Mas tem vezes que você não descobre, ué!! Tem um amigo meu que diz que tudo pode ser.
Ian: Um amor platônico envolve muito o MEDO de descobrir as imperfeições. Ou pior, o medo de nem haver a possibilidade de descobrirmos tais imperfeições. O problema é que sonhamos e sonhamos demais. O amor platônico acaba te incapacitando de criar elos possíveis de relacionamento. Mulder e Scully, a dupla do seriado “Arquivo X”, praticamente não tinham relacionamentos por culpa do amor platônico vivido por eles. Nesse caso, os telespectadores podiam entrar na roda e ficar imaginando como seria legal se os dois pudessem namorar, dividirem uma casa até. Mas no fundo ninguém gostaria disso, porque tínhamos a consciência de que a graça estava naquela tensão vivida pelos dois.
Parpolov: Amor platônico na verdade é um jeito de sentir amor por si mesmo. Pelo que você seria, pra te agradar, se fosse a tal pessoa. Descobrir mais ou menos o que você quer pra você, e o tal “amado platônico” não passa de cavalo do santo. Claro que não pode ser algo do tipo “preciso conquistar fulano de qualquer jeito”, porque aí vira um treco meio doentio e sem muita esperança de dar certo de nenhuma forma. Lembre-se: é tipo aquelas paixões do primário, que a gente não pode contar de jeito nenhum. Só que desta vez é diferente, porque você não quer que role, porque sabe que vai estragar.
Inagaki: Pressuposto básico pra gente ser capaz de dar amor é amar a si mesmo. Mas, mais uma vez, continuo valorizando a experiência prática. Nada como conviver com alguém de quem a gente gosta mesmo pra tentar se tornar uma pessoa melhor: menos egoísta, mais tolerante, mais generoso. Porque amar é fazer pequenas concessões em nome de algo maior. Eu até dou o braço (um pouquinho) a torcer: amores platônicos possuem lá o seu encanto. Mas, comparados com um amor pra valer, são como ossos pra cachorro. Jogue um pedaço de picanha, e veja se o cão vai pegar o osso ou a carne…
Parpolov: CALMA LÁ!!! Amor platônico não é lifestyle, é só uma certa massagem terapêutica na alma. Temos que amar SIM, temos que encontrar nossa cara-metade SIM, temos que ser bem resolvidos com nossos sentimentos e sexualidade SIM. “Amor platônico é um jeito de voar, porque alivia os pés cansados de só andarem na terra” (putz, falei bonito agora hein! Essa frase é de um cara chamado Ganymedes José :)).
Ian: Ainda insisto no medo como a maior influência do amor platônico. Às vezes superamos este medo e até conseguimos viver um amor de verdade. Mas pode acontecer da gente conviver com alguém que a gente gosta MESMO, e acabar se tornando uma pessoa pior, egoísta, intolerante, gananciosa. Amores platônicos são bons quando percebemos que é praticamente impossível que ele tenha continuidade no mundo de verdade. Amores platônicos são uma merda quando percebemos que há uma possibilidade mínima de dar certo, e preferimos ficar no quentinho das nossas ilusões com medo de nos machucarmos por aquilo que acreditamos.
Inagaki: Olhe, o fato é que ainda faço restrições quanto ao amor platônico porque valorizo mais as experiências práticas (continuo não trocando um beijo gostoso na boca por milhões de oníricos).
Parpolov: Eu também não troco. Mas troco um beijo ruim por meio beijo onírico gostoso. Pode até ser com a mesma pessoa aliás. Atualmente, uns três principes diferentes habitam os meus sonhos. Nada me garante que virarão sapos ao ser beijados, mas, ainda assim, melhor três príncipes na cabeça do que três sapos na mão. Irrrc!!!
Ian: Amores “práticos”, quando (possíveis e) bem resolvidos, são indiscutivelmente melhores que os platônicos. Poderíamos ter tido esta discussão algumas semanas atrás, não?
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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