Adoro viajar de avião, mas detesto viajar de avião
Por Alexandre Inagaki ≈ sábado, 20 de abril de 2013
Há coisas que escapam do plano racional. O medo de viajar de avião, por exemplo. Toda vez que estou a bordo de um vôo, sinto que estou sendo confrontado com a minha mortalidade.
Ok, eu sei que posso bater as botas, ir para a terra dos pés juntos, subir no telhado, vestir pijama de madeira, comer capim pela raiz, ir desta para melhor, a qualquer momento. Mas a existência de tantos eufemismos para a morte é uma das provas de que não é fácil encará-la de frente. E eu, quando estou em um avião que começa a decolar, não consigo deixar de pensar uma série de bobagens. “Que última impressão eu gostaria de deixar ao mundo? A última palavra que eu disse às pessoas que amo foi bacana? Deixei de fazer muitas coisas das quais me arrependo? Disse alguma bobagem vexaminosa em meu último tweet? Espero que minha morte seja rápida e que eu não sofra muito. Bah, que seja uma explosão repentina, assim eu nem vou saber o que me aconteceu.”
E assim, com todo esse peso em minha cabeça, vejo da janela do avião casas e prédios se distanciarem, até que virem um analógico Google Maps, e consigo relaxar um pouco. Bem, ao menos até que um ruído diferente dos motores ou uma sacudida mais intensa ativem novamente aquele sentimento paranóico que fica me atazanando enquanto tento me distrair lendo a revista de bordo ou vendo alguma coisa no ultrabook. Caso o voo já esteja na fase de cruzeiro, claro. Afinal, eu não me atrevo a deixar o celular ou o computador ligados, a não ser que a tripulação anuncie que estamos autorizados a fazer isso (e eu não quero me sentir responsável por um acidente porque estava ouvindo “Medo de Avião” do Belchior nos fones do iPhone durante a decolagem).
Ao relatar esses sentimentos, você pode até pensar que sou uma daquelas pessoas que suam frio e sofrem durante toda a viagem, feito ateus que subitamente começam a acreditar em Deus quando um avião passa por uma turbulência. Não, não chego a tanto. Todo esse desconforto mental não me impede de apreciar uma boa refeição a bordo (isto é, quando a companhia aérea na qual viajo ainda serve uma) e nem se manifesta o tempo todo. O problema maior é quando o avião está na fase de decolagem ou de pouso.
Quando decola, é porque simplesmente não consigo tirar da cabeça o pensamento de que é assustador se imaginar a bordo de um aparelho que pesa toneladas saindo do solo e infringindo a lei da gravidade. E, quando pousa, é porque o projetor instalado na minha mente começa a exibir cenas daquele acidente em Congonhas no qual o avião não conseguiu frear e acabou se chocando com um prédio do outro lado da avenida (memória é um bicho traiçoeiro que esquece coisas importantes e resgata outras que deveriam ter se perdido no limbo há tempos).
O ato de viajar, conhecer outras cidades e países e viver experiências que escapam do cotidiano por vezes modorrento é algo imprescindível para mim. Por isso eu digo que adoro viajar de avião. Encaro meus pensamentos idiotas, os aeroportos vergonhosos do Brasil, os vôos que atrasam ou cujos embarques mudam de portão aos 44 minutos do segundo tempo (obrigando a gente a estar sempre atento para avisos em alto-falantes e monitores) numa boa, porque eu sei que conhecer novas ruas, ouvir outros sotaques ou ser recebido com um sorriso e um abraço caloroso ao desembarcar me fazem esquecer de quaisquer dissabores que possa ter enfrentado durante uma viagem.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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