A morte e a não-morte de Maria Elisa Guimarães
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 28 de janeiro de 2007
Soube da “morte” de Maria Elisa Guimarães no dia 14 de janeiro, ao receber um e-mail enviado por Milton Ribeiro, que também publicou um post intitulado A Pior das Notícias. Milton tomou conhecimento da notícia por intermédio de seu colega Paulo José Miranda, escritor português residindo atualmente em São Paulo, que na ocasião apresentou-se como o namorado de Meg. Paulo relataria as circunstâncias da suposta morte no post Minha Mulher Morreu, afirmando, por exemplo, que enviou-lhe mais de 4.000 e-mails, e que estiveram juntos apenas uma vez fisicamente, em julho de 2006 (Meg teria viajado de Belém, aonde residia, para encontrar-se com ele em São Paulo). Ainda segundo o relato, pouco tempo após esse encontro Maria Elisa foi até o Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque, fazer um tratamento de câncer, tendo a companhia da amiga Tereza Quetzal (que teria interrompido um pós-doutorado em Oregon a fim de acompanhar a internação). Os dois teriam conversado pela última vez cinco minutos antes do falecimento de Meg, notificado a Paulo por intermédio de Tereza.
Não se pode dizer que a notícia tenha surpreendido os amigos de Meg. Desde que comecei a trocar e-mails com ela, em idos de 2001, ouvia relatos acerca de sua saúde frágil. Na entrevista concedida a Elis Monteiro para o jornal O Globo em maio de 2002, Meg declarou: “O que me levou a blogar, sempre escrevo isso, foi a dor causada por duas doenças graves: câncer e severíssima depressão“. Elis, em seu blog pessoal, escreveu a respeito das circunstâncias dessa entrevista: “Fiquei alguns anos tentando conhecê-la pessoalmente. Meg vivia dodói e era de uma timidez impressionante“. Mais adiante, revela: “Nunca mais consegui encontrá-la. Além das viagens constantes à sua terra natal, Meg sofria com uma doença que a deixava cada vez mais isolada“. Ao contrário da Elis, nunca conheci Maria Elisa pessoalmente: mantive, ao longo desses anos, uma correspondência bissexta (em e-mails nos quais Meg constantemente intermediava por amigos, divulgando blogs pouco conhecidos que mereciam maior atenção), além de ter recebido dois ou três telefonemas dela.
Abatido pela notícia, e após encontrar diversas repercussões na Web (no total, cerca de 50 blogs dedicaram posts a Maria Elisa Guimarães, inclusive em Portugal), escrevi um post em sua homenagem. Diversas manifestações de pesar foram deixadas nos comentários, inclusive um relato de Marcus Pessoa, que revelou ter sido aluno, há cerca de 20 anos, das aulas de filosofia ministradas por Meg na Universidade Federal do Pará. Marcus escreveu: “Ela tinha problemas de depressão e às vezes faltava várias aulas seguidas, mas as demais que dava durante os períodos de boa saúde compensavam, e muito, as ausências. A turma toda gostava dela“.
No dia 21, recebi e-mail de uma amiga da Meg que manifestava dúvidas sobre sua morte. Meu primeiro pensamento, naturalmente, foi de ceticismo e perplexidade quanto à veracidade da mensagem. Porém, dois dias depois, Sergio Fonseca me procurou manifestando estranheza pelo fato de um recado, assinado por Meg no perfil que ela mantinha no Orkut (perfil que acabou sendo apagado no sábado), ter sido deixado no scrapbook de um certo Flávio S. no dia 19 de janeiro. Ou seja, cinco dias após ela supostamente ter falecido. A partir daí, iniciou-se uma troca de e-mails entre diversos amigos de Meg, compartilhando indícios cada vez mais crescentes de que, parafraseando a famosa frase de Mark Twain, as notícias acerca da morte de Maria Elisa haviam sido exageradas.
Tereza Quetzal, a amiga que teria acompanhado Meg no hospital em Nova Iorque, deixou comentários em diversos blogs que lamentaram os acontecimentos. Não foi difícil constatar, rastreando seu IP, que ela acessava a rede não dos Estados Unidos, onde teoricamente deveria estar, e sim de algum lugar cujo provedor de Internet é a Telemar Norte (Belém do Pará, por exemplo). E basta um olhar atento à “última foto“, publicada no blog de Paulo José Miranda, para constatar que a imagem foi grosseiramente manipulada. Além disso, a foto exibe um rosto que não corresponde, de modo algum, às feições atuais de uma mulher cujo primeiro emprego na Universidade Federal do Pará foi de bibliotecária na Biblioteca Central da UFPA, cargo para o qual foi admitida por intermédio de um concurso realizado em 1973. No qual, diga-se de passagem, foi aprovada em primeiro lugar.
Maria Elisa Guimarães não ficou muito tempo na função de bibliotecária. Após finalizar um curso de Letras e um mestrado em Filosofia, tornou-se uma das mais qualificadas professoras da UFPA. No entanto, foi aposentada da universidade alguns anos depois, após sofrer um processo administrativo no qual foi considerada incapacitada para trabalhar, devido a constantes ausências provocadas por crises desencadeadas pelo transtorno bipolar afetivo, doença na qual uma pessoa oscila entre euforia e depressão com raríssimas escalas no meio-termo, vivendo uma montanha-russa emocional extremamente desgastante e periculosa. Livros como o excelente Uma Mente Inquieta, de Kay Redfield Jamison, ou a entrevista que Drauzio Varella realizou com Valentim Gentil Filho, professor de Psiquiatria na USP, dão uma noção deste mal que, se não é diagnosticado e tratado com precisão, destrói a vida não apenas do paciente, como também das pessoas de convívio mais próximo (eu, que namorei por 4 anos uma mulher que sofre de transtorno bipolar, senti na alma a gravidade dessa doença).
Após conversar por telefone com alguns amigos que conhecem Meg pessoalmente, além de acionar colegas que moram em Belém a fim de apurar fatos e montar esse quebra-cabeça, posso afirmar: Maria Elisa Guimarães não se divertiu (como algumas pessoas insinuaram maldosamente por aí), nem um pouco, com a morte que acabou por forjar. Meg, que após os desastrosos acontecimentos dos últimos dias deletou seu blog Sub Rosa, mora atualmente em um dos apartamentos do prédio da foto ao lado, na companhia de sua fiel amiga, a professora de Matemática Selma S. (chamada por Meg de “irmã”). Sobre os motivos que levaram Maria Elisa Guimarães a criar esse drama burlesco, tomo emprestadas as palavras de Luiz Antônio Gravatá, talvez a voz mais serena a se pronunciar sobre o caso, ao comentar determinadas reações virulentas a uma morte forjada que, se não pode de maneira alguma ser justificada, foi criada por uma pessoa que indubitavelmente sofre de “um supremíssimo cansaço“:
“O que mais me impressiona é a falta de sensibilidade do ser humano. Quanta coisa se escreve de maneira fútil, quando não se conhece a verdade? Cora acertou na mosca. Onde estão as ‘maldades’ de Meg? Da Magali, com muita razão, todos sentimos pena. Mas, e se Meg tivesse entrado em contato com a Magali, uma senhora sofrida, e dela recebesse compreensão? Na segunda ‘maldade’ há que se explicar mais: seria, talvez, garantia de empréstimos, favores prestados? E se Meg tivesse querido se afastar de Paulo, como aventou Cora, e não tenha imaginado tal repercussão? Meg é inteligente, culta, tem a doença, foi uma pessoa bonita e pode estar em situação que nem eu, nem ninguém gostaria de estar: sem recursos, presa a uma cama, carente, com amigos virtuais somente. Nós somos felizes e não sabemos“.
Quem souber ler nas entrelinhas não necessita de mais esclarecimentos sobre o caso. Eu, que não conheço a Meg pessoalmente, e que dela só recebi amizade, carinho e compreensão durante os anos em que trocamos e-mails, fiquei em um primeiro momento extremamente aborrecido quando constatei a farsa de sua morte. Mas foi uma raiva egoísta, movida unicamente pelo sentimento de ter sido ludibriado. Reitero: não justifico o que ela fez, principalmente as lágrimas alheias que provocou em muitas pessoas. No entanto, não há ninguém que tenha sido mais prejudicada do que Maria Elisa Guimarães. Eu tenho, nós temos a grande sorte de não estarmos no lugar dela. Somos humanos: erramos, julgamos, condenamos outras pessoas. Mas quantos de nós fazem o esforço sobre-humano de se imaginar na pele do outro a fim de tentar, genuinamente, compreendê-lo?
Toda essa história me fez lembrar de uma composição do genial Noel Rosa, “Fita Amarela“, na qual o Poeta da Vila imagina como seria o seu funeral. A estrofe final diz: “Meus inimigos/ Que hoje falam mal de mim/ Vão dizer que nunca viram/ Uma pessoa tão boa assim“. De fato. Mas ninguém expressou melhor toda essa situação do que César Miranda, outro escriba que me obriga a assinar embaixo, em cima e do lado de suas palavras:
“Eu já desconfiava que o povo tem essa tese, de que defunto bom é defunto morto. É só saber que o defunto não morreu, que o povo desce o cacete no coitado. Antes, quando estava morto, era a melhor pessoa do mundo, agora que renasceu, não vale nada. Parece que o grande defeito da Meg teria sido não ter morrido. Se eu fosse a Meg, agora é que eu não morria mesmo, só de pirraça. (…) Mesmo se for uma farsa, continuarei amando a Meg e reafirmando que o fato de ela ter morrido, não a impede que desmorra, pois é direito de todo defunto deixar de sê-lo. Defunto bom é defunto ressuscitado. Oi, Meg!“
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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