A Eterna Arapuca
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 09 de fevereiro de 2007
Nunca me envolvi com uma mulher que conheci em uma balada. Mas o motivo não é preconceito, muito pelo contrário. Meu problema é outro: absoluta falta de cara de pau para fazer aquele approach clássico, de abordar uma garota do nada e proferir uma cantada qualquer. E, ainda que conseguisse envolver alguma incauta, como conseguir trocar um mínimo de idéias qualquer na balbúrdia de uma pista de dança ou no zunzunzum de um bar com música ao vivo? Particularmente, prefiro trocar palavras com mulheres que estejam razoavelmente lúcidas e minimamente interessadas em entabular uma conversa agradável.
Mas o fato é que, já ciente da minha absoluta falta de xaveco, limito-me a ficar em meu canto, bebericando alguma coisa, ensaiando alguns passos desajeitados de dança e, principalmente, olhando as pessoas. Porque uma das ocasiões mais propícias para se conhecer o comportamento humano é observar como homens e mulheres agem durante uma festa, front estratégico de embate entre os sexos.
Estávamos, eu e meu amigo Ricardo, descansando após horas de desabalada dança, às duas da madrugada da festa de aniversário de uma amiga nossa, quando começamos a contemplar as estratégias de sedução de nossos incautos colegas de sexo e, principalmente, os seguidos furos n’água cometidos por eles. Nosso primeiro alvo de risos foi uma dupla que insistia em assediar seguidamente todas as garotas do ambiente, com cantadas do tipo “você é um anjo que caiu do céu“. Começavam pelas mais bonitas, e iam descendo o nível de exigência estética a cada investida fracassada que faziam, sem perceber que carbonizavam cada vez mais seu filme entre as mulheres da festa. Como homens são burros, meu Deus.
Fato número 1: diante de uma bela mulher, todo homem, que já não é muito provido de inteligência natural, torna-se mais aparvalhado ainda.
Nossa colega aniversariante é uma daquelas mulheres que, quando desfilam pelas ruas, causam torcicolos por onde quer que passam. De quebra, tem duas irmãs que herdaram os privilegiados genes da família. Naturalmente, pois, ela vive cercada de “amiguinhos” que a paparicam constantemente, buscando em cada sorriso seu a esmola de uma esperança futura. Foi-nos muito instrutivo, pois, observar a miríade de homens que, noite afora, cortejaram ela e suas duas irmãs.
Fato número 2: diante de uma bela mulher, homens agem como insetos cegos que buscam o calor de uma luz, batendo com a cabeça em lâmpadas e paredes vez após vez, até que caiam estatelados no chão frio dos rejeitados.
Não pude deixar de sentir certa piedade por meus colegas. No intervalo de duas horas vi cinco pretendentes serem esnobados pela irmã caçula de minha amiga, embora sempre com muita educação, simpatia e cortesia. Conversando com um dos desesperançados, investiguei a razão do fora que levou: “Ela me disse que não ficaria comigo porque senão o meu amigo, que também levou um não, viria a cena e se sentiria mal“.
Fato número 3: poucas coisas causam tantos estragos neste mundo quanto uma mulher que possui plena consciência de sua beleza. E que se torna tanto mais perigosa à medida em que se compraz com o seu poder de fascínio perante os homens. Porque bastam um belo par de pernas e um sorriso sugestivo para que toda a nossa racionalidade seja aniquilada em um piscar de olhos. Que o diga um ex-colega meu de banco, gerente de uma agência que resolveu descontar um cheque de milhares de reais simplesmente porque a cliente sentada em sua mesa era ruiva e exibia um decote daqueles que o Papa Bento XVI jamais aprovaria. Como era de se esperar, ele foi penalizado na região mais sensível do corpo humano: o bolso.
Enquanto mergulhava, levemente embriagado, pela insônia melancólica que bate às quatro da manhã em meio a uma balada, reparei em três rapazes completamente fisgados pela beleza de minha amiga aniversariante. Enquanto ela estava completamente absorta, sentada em uma mesa em animado colóquio com uma colega, via meus camaradas orbitando em torno daquela mulher, compreensivelmente aparvalhados pelo seu sorriso e pelo vestido repleto de entradas e reentrâncias que ela trajava naquela noite. Homens que a presenteiam com bombons, carregam suas sacolas de compras, sorriem latindo a cada palavra que ela lhes dirige, feito mendigos agradecendo por migalhas de pães adormecidos.
Ao observar tais cenas, faço a inevitável pergunta: será que um dia chegarei a esse estado de indolência mental?
Nos estertores finais da madrugada, converso com minha amiga e ouço as suas queixas. “Tudo é tão vazio e igual“, diz ela. Há excesso de ofertas e escassez de qualidade. Os homens cansam, os relacionamentos cansam, todos os lábios acabam se assemelhando, todos a enfastiam. “É verdade“, digo a ela em tom de brincadeira, “estou cansado desta minha vida de homem-objeto. Queria ser encarado como algo mais além de um rosto bonitinho“. Ambos rimos melancolicamente de nossas respectivas agruras amorosas, e assim saímos do bar em direção ao dia que já despontava no céu, enquanto o vento frio da manhã nos balbuciava histórias de malabaristas mancos, bailarinas vesgas e entrelinhas embaraçadas.
P.S. 1: Saiu uma entrevista comigo no blog mais bacana de São Paulo, o Sampaist. Nela, compartilho com a intrépida Renata Honorato algumas observações e dicas sobre Sampa City, e ainda cometo alguns versos.
P.S. 2: As imagens que ilustram este post foram extraídas do genial videoclipe que Michel Gondry dirigiu para “Human Behaviour”, música do primeiro álbum solo de Björk.
P.S. 3: Esta crônica também foi publicada no Cracatoa Simplesmente Sumiu.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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