Amar hemburresce

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 09 de março de 2012

Como todos sabem, homens não são muito providos de inteligência natural. Apaixonados, então, tornam-se mais abobados ainda. Quando Alechandre viu Sessília pela primeira vez, seus olhos foram imediatamente fisgados. Nada como um belo par de pernas, cabelo chanel, mamilos querendo rasgar uma blusa justa e um sorriso sugestivo para ruir toda a racionalidade de um homem. Quando Alechandre encontrou Sessília pela primeira vez na pista de dança daquele barzinho, ele poderia jurar que todas as bocas se calaram, todas as estrelas se apagaram, o mundo todo caminhou na ponta dos pés e todas as rádios interromperam suas programações só para tocar The Killing Moon.

Mas enfim, amar é decretar uma chacina de neurônios.

Na condição de melhor amigo da vítima, fui testemunha privilegiada do processo de derrocada de Alechandre. Lembro-me muito bem de seu discurso derramadamente sentimental funcionando a todo vapor, comentando todas as suas afinidades com Sessília. Disse que ela lia Borges, Poe e Leminski; que seu jogo preferido do Atari era H.E.R.O.; que tinha a coleção completa de Sandman; que gostava de comer pão com manteiga e geléia de uva; que quando criança sonhara em ser chacrete, arquiteta e pintora antes de se tornar advogada; que gostava de yakult, Edward Munch e física quântica; que desistira de ler Ulisses porque cansava demais ficar carregando aquele calhamaço todo no ônibus; que seus ídolos eram Gaudi, Carl Barks e Clarice Lispector; que o que mais lhe doía na vida era a sensação de desamparo e vazio no peito toda vez que um amor acabava, e principalmente a sensação de pensar, “mas acabou de novo?”; que cantarolava Arnaldo Baptista enquanto tomava banho (“hoje percebi que venho me apegando às coisas materiais”); e que ao ouvi-la cantando justamente aquela música seu coração se encheu de ternura e seus olhos ficaram úmidos. E aí constatei, porra, o cara tinha caído direitinho na armadilha.

E depois de tudo isso, pra culminar, ele me diz: “Auberto, como é que nunca nos encontramos antes?”. E aí fiquei pensando, quantas vezes já ouvi na vida variações em cima desta mesma frase? “I look at you and what I see is me”, cantava o Pink Floyd, se é que minha memória pop não está enganada. Todos que se apaixonaram pelo menos uma vez na vida já passaram por essa fase de deslumbramento e assombro. Pena que quase sempre ela passa.

Mal sabia meu amigo que, a partir do momento em que seus olhos se umedeceram de ternura, começava ali sua derrocada na cadeia evolutiva, e que aquele rapaz promissor, um jovem jornalista recém-formado, em apenas duas semanas se veria transformado em um Neanderthal apaixonadão e completamente aparvalhado, capaz de brincar de mal-me-quer com um Häagen Dazs de cheesecake enfiado no meio da testa, com o sorriso mais alegre e estúpido do mundo estampado em um rosto subitamente repleto de espinhas.

Amar não é para amadores.

Quando a gente se esquece do tempo, é aí que ele passa mais depressa. Em questão de semanas Alechandre e Sessília percorreram todos os passos da via-crúcis da paixão. E de repente, tudo o que encantava tornou-se motivo de escárnio e ironias corrosivas. Citações de filmes tornaram-se “manifestações pretensamente intelectuais de erudição frustrada”. Se antes os olhos brilhavam de paixão, agora faiscavam de rancor, sarcasmo, raiva. “Mas acabou de novo?”.

Alechandre passou exatas duas semanas curtindo sua ressaca pós-amorosa em grande estilo. Estatelado em sua cama, olhando o teto branco de seu quarto na penumbra e ouvindo álbuns de Zezé di Camargo & Luciano, e o que é pior, identificando-se terrivelmente com todas as letras, cantando em altos brados: “O tempo todo, o dia inteiro/ Sinto o seu corpo, sinto o seu cheiro/ E a minha vida é só pensar em você”. Fatos que corroboraram, definitivamente, a minha tese: amar emburrece.

Hoje, três meses depois, Alechandre não pára de falar na Jizele, que tem 25 anos, 271 CDs e “o sorriso mais cool do mundo”, segundo suas próprias palavras. Por mais que ele quebre a cara, não aprende as lições. Discutindo sobre a imbecilidade da paixão, Alechandre disse que preferia ser o rei dos débeis mentais a insistir na “medíocre e conformada estupidez de um cético blasé neo-liberal”, obviamente referindo-se a mim. Ah, a verborragia dos apaixonados.

Observando essas cenas, pergunto-me: será que um dia chegarei a tal estado de torpor mental? Espero que não. É preciso estar sempre alerta para os riscos da paixão: olho para os dois lados antes de atravessar a rua, atento a movimentos de estranhas, essas coisas. Mas já deixei minha família de sobreaviso. Se um dia eu for pego pela armadilha do amor, quero que os aparelhos sejam desligados. Não desejo sofrimentos desnecessários.

* * *

P.S. 1: Escrevi este conto há alguns anos. Mas, por causa das mudanças de servidores pelas quais passou este blog, o texto não estava mais em meus arquivos. Valeu pelo aviso, Marcela!

P.S. 2: A ilustração deste texto é do mestre Fábio Coala. Se você ainda não é fã das tiras e ilustrações compartilhadas por Coala no Mentirinhas, sugiro que você confira O Monstro, Perfeição, A Batalha, Anjos e Memórias do Homem que Destruiu o Mundo 100 só para começar. :)

P.S. 3: Ainda sobre o assunto deste post, um vídeo para encerrar bem esta semana: Aqui Bate um Coração.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Pingback: Porque Ela, de Spike Jonze, é um filme tão significativo para a nossa geração - Pensar Enlouquece, Pense Nisso

  • Mariane

    Acredito que amar é importante porém tem pessoas que amam tanto que acabam se esquecendo do amor próprio, além de sufocar seu parceiro(a) chega-se ao ponto de não mais se concentrar nas tarefas corriqueiras e obrigações, o que acaba aborrecendo muitas pessoas. Lembrem-se que amar é bom, mais com moderação, senão o passarinho voa hehehe, bjinhus!!!

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  • Jimbo

    Bacana o texto. Tô passando da fase Elton John pra fase Adele direto…

  • http://www.ideiasnajanela.blogspot.com/ Kandy

    Concordo: o amor dói. Quando começa e quando termina, principalmente quando termina. Primeiro texto mais literário seu que eu leio. Adorei.

  • http://www.novidadesonline.com/ Michelle Santos

    kkkkkkk, Pensar Enlouquece e Amar Hemburresce!

    #FATOOO

  • http://avadailusao.blogspot.com.br/ Guijoco

    P.S. : Durante meu comentário, meu cachorro vomitou do meu lado.

  • http://avadailusao.blogspot.com.br/ Guijoco

    O amor muda as pessoas, mas isso pode ser bom, pois muitas vezes ele pode melhorar as pessoas, as vezes, pode ser que o único jeito de fazer a pessoa mudar. Mas acredito também que as pessoas devem aprender a amar, o cara que fica idiota quando passa a amar uma mulher não sabe amar, há de haver um controle por aí, até porque, o amor mesmo está presente na vida, apesar de ser um tipo específico de amor do qual estamos tratando, quem está acostumado a amar é quem obterá o equilíbrio e controle nisso.

  • Gata Madura

      Que beleza meu filho, que delicadeza de percepção. Eu vi e fiz isso acontecer diversas vezes. É batata!

    http://diariodagatamadura.blogspot.com.br/

  • Lola…

    Olá!

    A frase que mais me chamou a atenção foi: “Como todos sabem, homens não são muito providos de inteligência natural”…

    Gostei da postagem!  :)

  • Elainenunesw

    Adorei seu estilo! Escrita simples e inteligente! 
    E amar “hemburresse” mesmo! Assino embaixo!

  • Pinheiro

    Massa …
    E o casório?
    E mais: não fala mal do Zezé ein?

  • Ana O.

    Ei Alexandre cadê você????

    Para de escrever não….já tô dependente
    dos seus textos rs rs, este acima é disparado
    um dos melhores!!!!!Parabéns seu talento é impressionante!

  • Durval Fernandes de Deus

    Se viver
    apaixonado causa tanta bobeira assim, MEU DEUS devo ser o cara mais idiota da
    face da terra. A paixão pode não ser o impulsionado do mundo, mas é muito bom
    olhar nos olhos da pessoa amada e sentir que ali existe amor também.

    Hot Master - Vidros Elétricos
     
     

  • PCesar

    Fica frio. Depois daquela noite maravilhosa, após várias noites  maravilhosas , o número de estrelas diminuiu, a lua cheia dos amntes foi murchando até ser esquecida, o sexo, antes vibrante e mortal, passou para dentro do quarto, dividindo espaço com aquelas novelas idiotas e agora, tempo decorrido, ela acorda com um puta mal hálito, desgrenhada, cabelo com ebte 7 e 12 cores  misturadas, caspa rolando do travessiro, a danada tem flatulencia, não enxerga direito  e precisa de um daqueles óculos fundo de garrafa, enche o saco o tempo todo. Resultado: o único jeito e atirá-la da janela  e tomar um navio pra  Jamaica , onde ele será feliz com uma pretona jamantona , feia, mais barangona, que manda bem no sexo e não está nem ai para furacoes, tormentas, tempestades,  casa bonita.  E, veja, na hora em que ele não der mais pra aturar, ela joga o paspalh o para os tubaroes , porque o negao, aquele que ele temia, ja esta de plantão…

  • Pingback: Alexandre Sena - Novo Blog do Sena » Blog Archive » Giro pelos blogs

  • Paulo Messias

    AHUAHUUHAUHAUH muito legal.
    http://hostcarioca.com.br

  • http://www.facebook.com/RootsDye Luciana Costa

    O que dizer além de: Fatão!!!!!!!!!!!!!! rsrsrs

  • veronicalc21

    Caracas, ri muito. hahaha
    No começo pensei que não passava de um monte de baboseira nerd machista, mas faz sentido.

  • Pingback: Eu e meu ego. Meu ego e eu. | Pitacos da Pi

  • Proparoxitono

    eu, que levo pink floyd como uma das bandas mais importantes da minha vida, fiquei pensando “que porra de música que fala isso?”…. fui enganado. hauahuahuah

  • Pedro Marques

    Um clássico! Adoro esse texto.

  • http://fabiorocha.com.br/ Fabio Rocha

    Alma de seresteiro e poeta!:)

  • Emerson

    Pena que nenhum apaixonado seja capaz de entender esse texto a tempo. Pois já tiveram o cérebro devorados pelo Hannibal do amor!

    A Sábia Ignorância:
    http://asabiaignorancia.blogspot.com/ 

  • Adriana Karnal

    q bonitinho :)

  • Charlesicarusdelaware

    Homem é assim mesmo…finge tudo isso pra no final comer a mulher amada…kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  • Tommy Beresford

    “Se um dia eu for pego pela armadilha do amor, quero que os aparelhos sejam desligados”: no dia em que você for descoberto capturado pela armadilha, os aparelhos já foram desligados. Mas não estes que você desejou citar. :)

    Um abraço eternamente apaixonado, por muitos alguéns que nem sei quais deles chacinam qual parte dos neurônios,

    Tommy-nalba, que água é necessária para “não engasgar de palpitação quando” :)

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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