A verdadeira história de Faroeste Caboclo

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 06 de junho de 2013

Em entrevista concedida a Leoni, em 1995, para o livro Letra, Música e Outras Conversas (que está fora de catálogo, mas deve ganhar segunda edição em breve), Renato Russo explicou como surgiu a música que acabou se transformando no filme que entrou em cartaz recentemente, protagonizado por Fabrício Boliveira e Ísis Valverde. E revelou também que nutria o sonho de que aquela canção épica, com 9 minutos e 10 segundos de duração, um dia fosse transformada em filme.

Renato: ‘Faroeste Caboclo’ escrevi em duas tardes sem mudar uma vírgula. Foi: ‘Não tinha medo o tal João de Santo Cristo…’ e foi embora.

Leoni: Você não imaginou os personagens antes?

Renato: Não. Eram coisas que mesmo sem querer, sem perceber, já vinha trabalhando há muito tempo e na hora que vai escrever vêm direto. Eu sei porque foi fácil. Ela tem um ritmo muito fácil na língua portuguesa. É em cima da divisão do improviso do repente.

Leoni: O enredo também foi improvisado? Você saiu escrevendo e as ideias foram vindo?

Renato: As coisas foram aparecendo por causa das rimas. Se eu falo do professor, ele tem que parar em Salvador. Se fosse outra rima ele ia parar em outro lugar. Basicamente já sabia que tipo de história ia ser. É aquela mitologia do herói, James Dean, rebelde sem causa.

Leoni: Parece um conto adaptado.

Renato: Mas se prestar atenção tem um montão de falhas. Como é cantado as pessoas não percebem. Uma vez, o pessoal da R. Farias (produtora de cinema) queria fazer um filme. Foi quando deu pra perceber como tem furo na história. Parece que faz sentido, mas por que cargas d’água esse homem encontra esse boiadeiro em Salvador? Que história é essa de trocar, ‘eu fico aqui, você vai pra Brasília’? Por causa da filha? Por que Maria Lúcia fica com o Jeremias? Não dá pra entender! Você tem que bolar sua própria história. O máximo a que cheguei é que ela era uma viciadona e o Jeremias era tão mau que disse: ‘Se você não casar comigo vou matar o João’. Mas também não justifica. E o Santo Cristo é um banana? A menina é apaixonada por ele e ele fica andando com o Pablo pra cima e pra baixo. Ele é gay? Tem uma porção de coisas na história que não batem, mas quando a gente ouve no rádio funciona muito bem.

Nunca saberemos a opinião de Renato Russo sobre a adaptação cinematográfica dirigida por René Sampaio, e tampouco sobre Somos Tão Jovens, o filme de Antônio Carlos Fontoura que levou mais de 1,5 milhão de espectadores aos cinemas, com um surpreendente Thiago Mendonça no papel do vocalista da Legião Urbana. Quem assistiu à cinebiografia certamente lembra de Flávio Lemos, retratado no filme como objeto de paixão platônica de Renato, e que foi um dos integrantes do Aborto Elétrico antes de integrar o Capital Inicial junto com seu irmão Fê Lemos. Pois bem: em entrevista concedida a Cláudia de Castro Lima para a revista Flashback, em 2004, Flávio afirmou que “Faroeste Caboclo” foi inspirada por ele e por uma prima de Renato, Mariana. E que João de Santo Cristo seria um alterego do próprio Renato Russo nesse bizarro triângulo amoroso. Será? Confiram abaixo um trecho escaneado dessa matéria da Flashback.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

Categorias:

Comentários do Facebook

Comentários do Blog

  • Pingback: Mataram Santo Cristo (de novo) | Paulino Michelazzo

  • Pingback: Critica do filme Faroeste Caboclo | Preguiça Alheia

  • Lamartine

    Rapaz, vou te falar… esse Renato Russo era mesmo um fanfarrão… na minha opinião é tudo invenção dele para criar mitos em torno da música, que aliás nem precisava, porquê o cara era genial. O fato é que a música é uma aula de Criminologia do começo ao fim, parece que ele pegou um livro de Criminologia e foi escrevendo a letra, desde a relativização dos processos inibitórios que são justamente a família, a vizinhança, a igreja e a escola. Depois, na teoria ecológica ou escola de Chicago vemos ele chegar na cidade e se impressionar, enfim… não tem nada de acaso detalhe por detalhe, do começo ao fim, são teorias científicas. De outro lado, os nomes dos personagens são inspirados na Bíblia: João de Santo Cristo é Jesus, Jeremias seu traidor é Judas, Maria Lúcia é Madalena, Pablo é Paulo e o velho boiadeiro na Rodoviária é o demônio. A música foi muito bem pensada e elaborada, não nada “insight” de dois dias, ou de vingança por ciúmes.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      É possível, Lamartine. Não lembro se foi o Flávio ou o Fê Lemos que, numa declaração da Bizz, comentou que Renato Russo tinha mentido quando afirmara que o nome Aborto Elétrico surgiu quando um policial de Brasília, durante uma manifestação, havia dado um golpe de cassetete elétrico numa menina grávida que acabou perdendo o bebê por causa disso.

  • Paulo

    Olá,
    concordo que é muito difícil adaptar um livro ou neste caso uma música às telas
    de cinema, ainda mais que ao ler a música percebemos que tem coisas meio que
    sem sentido ou com “furos” como o próprio Renato Russo
    falou. Mas na minha opinião, confesso que fiquei frustrado com o
    filme. Certamente o público algo são os quarentões de hoje que
    eram adolescentes na época e que vivenciaram o auge da música com a letra
    decorada na ponta da língua. Assistindo ao filme sem conhecer a música,
    considero muito bom, mas esperei muito tempo ouvindo “olha vão fazer um
    filme da música Faroeste Caboclo”, ou “poderiam fazer um filme dessa
    música né”…. blá….blá… que afinal já é um filme pronto. Então o
    que eu esperava era ver um filme 100% fiel à música, um filme mais
    longo e com todos os detalhes e sem distorção ou omissão de fatos da
    história. Mesmo com os “furos” da letra, dava muito bem para colocar
    todos os detalhes na tela do cinema, mesmo que ficassem alguns trechos sem
    sentido, certamente ninguém poderia comentar que a história não faz
    sentido ou coisa do tipo, porque a mesma neste caso teria sido fiel a letra. Certamente
    todos falariam uma única frase: finalmente eu assisti o
    filme Faroeste Caboclo do jeito que a gente cantava a música.

    Paulo Henrique - Ribeirão Preto-SP.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Paulo, a linguagem cinematográfica é muito diferente daquela usada em uma letra de música. Se o filme mostrasse verso por verso da canção, não funcionaria na tela grande. E seria como um daqueles videoclipes óbvios e bobinhos em que o vocalista canta um verso, e a cena simplesmente se limita a reproduzi-la em forma de imagens, em vez de buscar enriquecer o universo lírico com outras possíveis interpretações. É o mesmo desafio enfrentado por cineastas ao criar versões cinematográficas de um livro ou de uma HQ. Cada nova interface demanda recriações, e o maior desafio é buscar respeitar o espírito original de uma obra, ao mesmo tempo que as adaptações necessárias são realizadas.

  • Pingback: Alegria, Alegria! - ((( TRETA )))

  • Pingback: Novo álbum do Five Finger Death Punch será lançado em dois volumes diferentes | SCOMBROS

  • Pingback: Como surgiu a letra de “Faroeste Caboclo”, clássico da Legião Urbana? | Bem vindo

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

Parceiros

Mantra

A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.