Três anos sem Michael Jackson

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 25 de junho de 2012

No século passado, eu andava por todos os lugares com meu companheiro inseparável: um walkman da Sony, no qual ouvia fitas K-7 gravadas com músicas que ouvia em rádios FM como Cidade, Manchete e Jovem Pan. Era o começo dos cada vez mais distantes anos 80, época em que minhas bandas prediletas eram Blitz e Turma do Balão Mágico. Minha memória ainda recorda com precisão qual foi a primeira fita cassete que ganhei de minha mãe, comprada nas Lojas Americanas: Thriller.

A primeira vez que ouvi Michael Jackson foi num programa de videoclipes. Não sei exatamente se foi no Realce, da TV Gazeta, no FM TV, da Manchete, ou no SuperSpecial, da Bandeirantes. Só sei que aquela música, “Billie Jean”, ficou colada em meus ouvidos; era simplesmente genial. Algum tempo depois, o Fantástico exibiu um vídeo mais expressionante ainda: a apresentação que Michael Jackson fez em um show de comemoração dos 25 anos da gravadora Motown, em 1983. Foi uma apresentação histórica. Afinal de contas, foi nessa performance que MJ apresentou pela primeira vez um passo de dança que todas as crianças da minha geração já tentaram fazer: o moonwalking. Mais especificamente, aos 3 minutos e 39 segundos deste vídeo no YouTube.

Sim, houve uma época em que Michael Jackson era negro e fazia boas músicas. Muito antes de virar alvo fácil de piadas envolvendo criancinhas, Michael foi um prodígio que começou a cantar profissionalmente com 5 anos, ao lado dos irmãos no grupo Jackson 5. Lançou seu primeiro disco solo, Got to Be There, em 1971. Mas desvencilhou-se dos irmãos de vez ao lançar Off the Wall em 1979, aos 21 anos de idade. Foi sua primeira parceria com o produtor e arranjador Quincy Jones; um sucesso de público, com 20 milhões de cópias vendidas mundo afora, e de crítica, que elogiou a fusão de ritmos como funk, disco music, pop e soul de faixas como “Rock with You” e “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”.

Parecia que seria difícil superar o sucesso de Off the Wall. Mas Michael e Quincy se esmeraram na produção de seu sucessor, que foi gravado durante oito meses e chegou às lojas de disco dos EUA no dia 30 de novembro de 1982. O resultado final, Thriller, mudou o cenário da música pop em definitivo. Tornou-se o álbum mais vendido de todos os tempos, com cerca de 109 milhões de cópias adquiridas por fãs no mundo inteiro. Abriu novas portas para a música negra, que ainda encontrava resistências em certas rádios e TVs. E deu uma sacudida na indústria do entretenimento, com a produção de videoclipes de veia cinematográfica como o de “Thriller”, dirigido por John Landis. O clipe, praticamente um curta-metragem, fez história com a sua coreografia, gravada no DNA cultural de várias gerações em todo o mundo e replicada em prisões filipinas, festas de casamento e filmes indianos. Além disso, a música ganhou diversas regravações, dentre elas a sensacional versão feita pelo francês François Macré, que recriou todos os detalhes do arranjo de “Thriller” com sua voz à capela.

O auge de sua carreira havia sido atingido. Após o estrondoso sucesso das nove faixas de Thriller, Michael levou cinco anos para gravar um novo álbum de inéditas, Bad, em 1987. É lógico que não dá para chamar de fracasso um trabalho que rendeu cinco singles no número 1 da Billboard, dois prêmios Grammy e a venda de 30 milhões de cópias. Mas Michael não conseguiu repetir o mesmo êxito de Thriller. De qualquer forma, Bad deu origem a uma turnê mundial de shows e foi seguido por uma empreitada cinematográfica, o filme Moonwalker, de 1988. Uma das sequências mais marcantes deste longa-metragem é um clipe genial dirigido por Jim Blashfield para a música “Leave me Alone”. Um verdadeiro mosaico visual em que Michael aborda o assédio da imprensa sensacionalista, satirizando algumas histórias especuladas por tablóides, que o apelidaram de “Wacko Jacko”. Mal sabia MJ que viriam coisas muito piores envolvendo sua vida pessoal nos anos seguintes…

Creio que Bad foi o último grande disco de Michael. Ele, cujo visual já exibia um estranho processo de desbotamento de pele, paulatinamente passou a ser mais conhecido pelas esquisitices do que pela qualidade de suas músicas e coreografias. Acusações de pedofilia, o casamento bizarro com Lisa Marie Presley, o rosto cada vez mais deformado por cirurgias plásticas, os gastos extravagantes com seu rancho particular sugestivamente chamado de Neverland (a “Terra do Nunca” de Peter Pan), o momento bizarríssimo em que Michael segurou de forma arriscada um de seus filhos na sacada de um hotel e as despesas milionárias com advogados por conta de extensos processos judiciais movidos por pais de garotos que teriam dividido a cama com o Rei do Pop conspurcaram de forma irremediável a sua imagem de artista. As vendas declinaram, e o resultado foi desastroso: dívidas estimadas em cerca de US$ 200 milhões.

Dizem que Michael Jackson sofreu de depressão, durante a adolescência, porque não queria aceitar o fato de que estava crescendo. Essa síndrome de Peter Pan talvez ajude a entender o enigma deste gênio da música pop, que compôs inúmeros sucessos como “We Are the World” (ao lado de Lionel Ritchie), mas acabou por prejudicar sua carreira com atitudes excêntricas e inexplicáveis. A série de 50 shows que faria a partir do mês que vem, em Londres, estava obrigando o astro pop a fazer ensaios intensivos, apesar de ter a saúde e o espírito fragilizados após anos de isolamento do mundo, piadas maledicentes, processos desgastantes, dívidas milionárias, uso excessivo de remédios. O resultado foi trágico: a morte precoce de Michael Joseph Jackson, que aos 50 anos de idade deixou três filhos, um legado artístico incontestável e milhões de fãs estarrecidos.

Sua morte monopolizou as discussões no Twitter e ofuscou os outros fatos do dia. Não é difícil de entender. Em um mundo cada vez mais multifacetado, sem consensos ideológicos ou utopias capazes de engajar multidões, restaram poucas unanimidades de interesses. Uma delas, como já tergiversei anteriormente, é a cultura pop: tudo que lemos, ouvimos, assistimos, consumimos. Michael Jackson foi um fenômeno cultural que atraiu interesses dos mais díspares cantos do mundo com suas músicas e coreografias. Nestes tempos de long tail, será muito, muito difícil surgir um outro artista capaz de vender tantos discos, fazer tamanho sucesso, atrair tanta atenção. Michael fez sucesso em uma época na qual walkmans, fitas cassete, vinis, máquinas de escrever, aparelhos de fax e fichas telefônicas ainda não faziam parte do tal “museu de grandes novidades” cantado por Cazuza.

Envelhecemos, envelhecemos. Mas enfim, é a vida que segue. Para encerrar este post, decidi postar aqui uma música singela, que por razões contratuais foi creditada a um certo “W. A. Mozart”: trata-se de “Happy Birthday, Lisa”, canção composta por Michael para um dos melhores episódios dos Simpsons.

* * *

P.S.: Este texto foi originalmente publicado no site da MTV, há exatos três anos.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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  • http://www.facebook.com/rosilene.texeira Rosilene Texeira

    LINDO MICHAEL JACKSON AMO MUITO ELE 

  • http://www.pdvimobiliaria.com.br/ Imóveis em Salvador

    faz muita falta!!
    O que ele fazia sim era música, não isso que temos hoje em dia que simples mente o sucesso de uma “música” dura 3 meses!

  • Miguel Solano

    Na minha humilde opinião, o principal erro era tratar Michael Jackson como uma pessoa normal. Uma criança que leva um chute de pai com apenas 4 anos de idade, fazendo-o parar no hospital com hemorragia, com certeza não poderia crescer normal. Uma criança que foi obrigada a perder a virgindade e ouvia constantemente do seu proprio pai que era bizarro, com certeza não poderia crescer normal. Então obviamente ele quis compensar a infância que ele não teve na vida adulta. 

    O monstro pai de MJ foi o que poderemos chamar de Pior Pai do Mundo. Porém, se não fosse isso, será que Michael Jackson seria Michael Jackson? Será que ele seria tão sensível e tão… único?

    http://www.abrindoamochila.com

  • http://www.facebook.com/paulotf Paulo Torres

    Micheal Jackson emprestou a voz ao personagem “Michael Jackson” no citado episódio de Os Simpsons (um dos Top 5 da série, em minha opinião). Exceto nas músicas, quando por razões contratuais foi usada a voz de um imitador.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Bem lembrado, Paulo! O nome do cantor que fez as vezes de Michael na canção é Kipp Lennon: http://en.wikipedia.org/wiki/Kipp_Lennon

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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