Por mais que a gente esteja cada vez mais se habituando a ler textos na internet, o fato é que livros ainda têm um charme imbatível. Tenho um carinho especial pelos livros nos quais há algum manuscrito em suas páginas: uma dedicatória carinhosa, o autógrafo de um autor querido, as anotações que não resisti em fazer em alguma passagem específica.
Quem folheia algum livro meu vai se deparar com diversas divagações, questionamentos, dúvidas e insights que costumo fazer, e que acabam por ser o testemunho de minha passagem pelas páginas de um livro. Mais de uma vez já me peguei relendo algum volume e, me deparando com anotações anteriores que escrevi, acabei por fazer novos apontamentos. Como se travasse uma espécie de diálogo com o leitor que fui em minha primeira jornada por aquelas palavras e entrelinhas. Continue Lendo
O leitor mais atento já deve ter percebido que este blog anda imerso numa fase reflexiva. Para usar uma imagem de Fernando Pessoa, estou como um novelo embrulhado para dentro. É por essas e outras, por exemplo, que me mantive alheio à interessantíssima discussão sobre o voto nulo desencadeada por Idelber Avelar. Ando tão enredado com meus questionamentos pessoais que mal consigo pôr a cabeça pra fora e pensar decentemente no caso Terri Schiavo, a contenda China x Taiwan, a reforma ministerial que não houve e outros assuntos que acabam desembocando no nosso dia-a-dia. Vivo, pois, numa daquelas fases de introspecção que me fizeram chegar à conclusão de que não sirvo para a literatura.
Explico melhor. Quando ainda fomentava planos de ser escritor, ficava cá encasquetado com o seguinte dilema: meus textos mais, hmm, densos, eram concebidos nos momentos em que estava mais fodido sentimentalmente. Nessas horas eu queria mais que o mundo lá fora se lascasse, porque eu só conseguia pensar na merda dos desencontros dessa vida que faziam com que meus relacionamentos fossem pras cucuias. Por outro lado, quando eu me sentia bem comigo mesmo, a inspiração ia prum bar tomar chope com os camaradas e eu não escrevia uma linha decente sequer.
Foi aí que me apercebi do fato de que jamais conseguiria ser o romancista que almejava ser. Porque o bom prosador é aquele que transcende os fatos de sua própria vida para escrever sobre dinamites pangalácticas, bibliotecas em Babel, desertos tártaros e o que mais sua imaginação conceber, independendo das contas a pagar, das mulheres esquivas, dos filhos na escola, dos parentes serpentes, das crises de hemorróida, etc etc.
Outra coisa: escrever nunca foi uma atividade fácil para mim. Recordo a frase lapidar de Douglas Adams: “Escrever é fácil. Tudo o que você tem a fazer é ficar olhando fixamente para uma folha em branco até a sua testa começar a sangrar“. Quando lembro que Hemingway arrebentou a cabeça com uma espingarda por achar que seu talento havia esgotado, Pessoa renunciou ao amor de uma mulher em nome de sua compulsão literária, Gogol finalizou a segunda parte de “Almas Mortas” para em seguida ateá-la ao fogo e Poe afogou suas angústias até estourar o fígado, penso ainda em autores como Virginia Woolf, Yukio Mishima, Pedro Nava, Anne Sexton, Horacio Quiroga e tantos outros que abreviaram suas passagens por esta vida. E aí, sou tentado a concluir que sábio mesmo foi Rimbaud, que escreveu o que tinha de escrever e depois foi viver sua vida fora dos livros.
Porém, é preciso fazer a devida ressalva: como bem comentou José Roberto Torero em uma entrevista que fiz com ele, também há pedreiros que cortam os pulsos, dentistas que tomam veneno, contadores que pulam das janelas. Mesmo assim, não posso deixar de pensar na definição de Adams e no questionamento que fiz a um cineasta amigo meu: se fossem opções rigorosamente excludentes entre si e você pudesse escolher uma delas, desejaria ser um grande artista ou um cara anonimamente feliz?
(Mas tergiverso, tergiverso. Preciso laçar os pensamentos que se debatem em torno do tema feito cavalos chucros, a fim de concluir este post.)
Felicidade, fora do plano estritamente pessoal, é uma coisa chata e tediosa. Percebam: jornais precisam anunciar mortes, desastres e divórcios a fim de venderem suas edições. Filmes complicam a vida de seus protagonistas com brigas, discussões e mal-entendidos, porque no momento em que o casal se entender, saberemos que a história não deve mais ser contada e chegará ao happy end. Os grandes livros falam de homens transformados em baratas, assassinos de velhinhas ou árabes, esposas adúlteras que se suicidam, tuberculosos em crise existencial, filhos que matam o tio que comeu sua mãe… Enfim, uma desgraceira só. A arte se alimenta dos dramas da vida.
E eu, que tantas vezes tenho sido vil e errôneo, hoje me limito a um dia tentar conseguir apreender a tal arte de viver bem e encontrar uma cúmplice que me acompanhe por aí.
* * * * *P.S.: Quero aproveitar o feriado que vem por aí para colocar minha correspondência pessoal em dia (ou quase). Quem quiser
me escrever, pois, será muito bem-vindo. =)
O tempo em Parati/Paraty, talvez influenciado pela súbita aterrissagem de tantos paulistas por aquelas paragens, viveu dias de típica esquizofrenia climática: amanhecia plúmbeo, depois ensolarava, daqui a alguns instantes ventava rasgantemente, mais acolá brilhava um solzinho macambúzio. Mas, no geral, foram dias de clima soporiferamente paulistano.
Caminhar pelo centro histórico de Parati foi um exercício de equilíbrio. Os olhos precisavam se manter grudados ao chão, sob pena dos pés tropeçarem por entre um e outro vão deixado pelas pedras irregulares do chão de Paraty, tornadas mais esquivas que o habitual pela constante garoa que pontuou os últimos dias da Flip. No entanto, nada que fosse capaz de ofuscar a ótima impressão que tive: foram dias repletos de encontros, reencontros e desencontros.
Assisti no Globo Rural a um acasalamento de emas na companhia de Emilio Fraia (Cardoso chegou pouco depois). Em um restaurante, Edgard Reymann falou de Martin Amis, mulheres peladas e comunidades esdrúxulas do Orkut. Após a oficina com Milton Matoum, seu xará Milton Ribeiro me confidenciou havia sido beijado pela Mônica Salmaso. Enquanto comia uma batata suíça no Casarão do Cunha, Daniela Abade revelou detalhes de seu surpreendente método de criação (mais tarde nos desencontramos em algum lugar aos arredores da Igreja da Matriz). Compartilhei com Suzi Hong, Gustavo de Almeida e Marcele Fernandes um mixuruca bife à milanesa enquanto um incauto atacava “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores” ao violão (algumas mesas à frente, Cecilia Giannetti era atendida por garçons com suspeito sotaque argentino). Recebi das mãos de Caco Belmonte seus “Contos Para Ler Cagando”, que eu, leitor desobediente, devorei antes do desjejum. Delfin ofereceu-me pastelina enquanto nós, torcedores incautos, desconhecíamos ainda o resultado do Derby. Fred Leal, Ivan Siqueira e Rafa Spoladore me acordaram no meio da noite chegando de alguma paragem etílica. Em meio a tudo, Augusto Sales parecia onipresenciar todos os eventos de Paraty.
Não assisti a nenhuma tenda, me desencontrei do Sergio Fonseca, do Hiro e da Barbara Axt, mal pude conversar com a Mara Coradello. Aliás, dizem também que o Tony Monti e a Ana Beatriz Ribeiro também estiveram por lá e não os achei porque sou desatento e estava com os olhos pregados nas pedras das calçadas de Parati, que além da Flip testemunharam as algazarras da Flipinho, da Off Flip e da Off Off Flip (se bobear, rolou também uma Off Off Flip do B). “Big Brother” cabeça? Evento para groupies? Sim, a Flip foi, indubitavelmente, um evento pop. Mas, ao mesmo tempo, e por incrível que pareça, também serviu para discutir literatura. E, a despeito dos caçadores de autógrafos, do atendimento lerdo dos restaurantes, da chuva fria e da falta de ingressos para as tendas de debates, aqueles dias em Paraty representaram uma festa para literato nenhum botar defeito (a não ser o João Ubaldo).
Ano que vem nos (re)encontramos por lá.