A primeira tira protagonizada dos Peanuts foi publicada no dia 2 de outubro de 1950. Dois dias depois, um cachorrinho beagle fez a sua primeira aparição. E o universo dos quadrinhos não seria mais o mesmo, graças a Charlie Brown, Linus, Lucy, Schroeder, Woodstock, Patty Pimentinha e todos os personagens inesquecíveis criados por Charles M. Schulz.
De todas as criações de Charles Schulz, nenhuma me foi tão marcante quanto a garotinha ruiva, símbolo-mor de todos os amores idílicos e nunca concretizados.
Pobre Charlie Brown. Todos nós sentimos compaixão por ele, porque ele simboliza todas as nossas frustrações, inseguranças e fracassos na vida. O que dizer de alguém que não recebeu um cartão sequer no Dia dos Namorados, jamais conseguiu fazer voar uma pipa porque todas enganchavam em alguma árvore, nunca ganhou um jogo de beisebol (e nem chutar as bolas seguradas pela Lucy) e, principalmente, jamais teve coragem para falar com a garotinha ruiva e confessar o seu amor?
Conversei ontem com a filha de um carcereiro, mantido como refém durante quatro horas em uma dentre tantas rebeliões ocorridas no dia 15 de maio. Disse-me ela que o pai até que teve sorte, diante das circunstâncias. Levou algumas porradas, mas nada que tenha causado maiores seqüelas. Mas o momento mais marcante do dia, segundo o seu relato, aconteceu no momento em que os presos fizeram uma pausa no quebra-quebra a fim de acompanhar o pronunciamento de alguém mais importante do que Lula ou Marcola: Carlos Alberto Parreira, no exato instante em que a TV divulgou a lista com os 23 convocados para a Copa. Na hora em que ela descreveu essa cena, não pude deixar de cantarolar mentalmente aquela marchinha: “De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão…”
Segundo Linus, neste vídeo Charlie Brown faz papel de bobo. Mas é de se perguntar: quem, na condição de apaixonado, nunca vestiu esta carapuça?
Embora eu tenha sido um dos cinqüenta autores que participaram da primeira oficina literária promovida pela Flip, em julho de 2004, e assine um conto no livro Blog de Papel, o fato é que não posso me considerar um “escritor” simplesmente porque adquiri a tempo a lucidez suficiente para me colocar em meu devido lugar: o de leitor. É nessa condição, pois, que estou acompanhando com atenção os textos do Especial Autores Novos do site Digestivo Cultural. Dentre eles, destaco um excelente artigo de Jonas Lopes: Ser escritor ou estar escritor?. Jonas colocou em palavras a mesma impressão que nutro há tempos: boa parte dos novos autores aprecia as benesses de circular no meio literário e ter seu nome badalado em sites e blogs (mea culpa: eu já caí algumas vezes nessa arapuca das vaidades), mas no entanto deixou de lado o primordial: desenvolver um projeto ficcional próprio. Em meio à enxurrada de novos títulos, questiono: quanto desses novos autores permanecerão sendo lidos daqui a dez anos? Quantos levam a literatura a sério a ponto de ambicionarem vôos mais altos que a badulação dos amigos de praxe?
Em abril de 2004 escrevi o artigo Literatura na rede: a transição dos bytes para as bibliotecas, com a intenção de traçar o panorama de uma época na qual os primeiros autores revelados pela Internet começaram a ser acolhidos pelo mercado editorial brasileiro. Mais de dois anos depois, não me admiro em constatar que boa parte dos links da matéria estão inativos. Lamento: cada site que sai do ar leva consigo um pedaço da história da cibercultura tupiniquim. Reflexo, no mais, de tempos em que cada um angaria seus 15 bytes de fama volúvel e volátil.
Nunca entendi o motivo da expressão “mão boba”. Para mim, mão que se esgueira sorrateiramente, tentando desvendar com o tato o que aos olhos ainda não se revelou, de boba não possui absolutamente nada (pílula que receitei originalmente em maio de 2003).
Desabafo de ontem de Ricardo Noblat a respeito de jornalismo e blogs: “Os critérios que orientam o trabalho de um jornalista blogueiro são os mesmos que orientam um jornalista empregado em qualquer meio tradicional de informação. Há que se apurar com rigor a notícia. Há que se correr atrás de notícia exclusiva. E há que se tentar oferecê-la de uma maneira capaz de capturar a atenção dos leitores. É bem mais arriscado ser jornalista blogueiro do que simplesmente jornalista. Porque em um jornal, por exemplo, o erro tem vários pais - o repórter, o editor, o chefe da redação… Por ter muitos pais, ele não pesa nas costas de ninguém sozinho. Aqui, não. O erro só tem um pai. E quando ocorre, o mundo desaba na cabeça do responsável. Jornalista de jornal, rádio e televisão é protegido das criticas pelo pouco espaço que os veículos abrem para a opinião do distinto público. E pela distância segura que o jornalista mantém do distinto público. Aqui, não. As criticas são imediatas, duras e por vezes injustas. E nada ou pouca coisa separa o blogueiro dos leitores. Do médico, se diz que ele pensa que é Deus. Do jornalista, que tem certeza. Ao fazer um blog, jornalista descobre que não é Deus. Se não descobrir, deixará de ser blogueiro em pouco tempo“.
Textos que publiquei por aí: Samba do mutante doido, sobre X-Men - O Confronto Final, para o site da Antena 1, e Língua, poema que transita entre, hmm, o erótico e o metalingüístico, para o Cracatoa Simplesmente Sumiu.
Das muitas boas músicas já lançadas em 2006, nenhuma me arrebatou com a força de “Chasing Cars”, belíssimo épico romântico em formato de canção pop gravado pelo grupo irlandês Snow Patrol. “If I lay here/ If I just lay here/ Would you lie with me and just forget the world?“. Ainda na área musical, repasso duas links oriundos do blog de mp3 My Old Kentucky, que conheci através do Calmantes com Champagne de cumpadi Marcelo Costa: que tal ouvir as diversas covers que já foram gravadas de There Is a Light That Never Goes Out, dos Smiths, e Love Will Tear Us Apart, do Joy Division?
Conheça a melhor cobertura da Copa: o especial do Scream & Yell feito pela dupla Juliano Costa e Martin Fernandez.
Frase que ouvi em uma peça de Felipe Hirsch: “Se todos nós alimentássemos as nossas crianças interiores, o mundo seria um lugar de obesos“.
Pense Nisso!
Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.