SpamZine_________________
087
27 de janeiro
de 2003
campos
dos
goytacazes
>>>
compre chão
Sem perna ! Foi a primeira frase que o homem que
atira pelas costas ouviu assim que se deparou com um millhouse cabeludo. Na
verdade, ouviu a frase antes mesmo de encarar a apocalíptica figura, que rangia
os dentes e babava, usando uma camisa onde se lia "ya basta". Nada era fácil
para ele, que havia acabado de cruzar a Avenida do Extermínio atirando em seus
perseguidores. Mesmo tomado pelo asco e escorregando entre os contêineres
vazios, ele ainda conseguiu fazer mira e disparar três vezes a Magnum 44 que
empunhava na mão esquerda. Na direita, estava a irmã gêmea da arma que carregava
na canhota. Miolos do millhouse cabeludo mancharam seu terno marrom, enquanto se
ouvia o ressoar daquele último grito. Sem perna ! As costelas quebradas, o
calcanhar despedaçado e o fato de estar pisando em contêineres fizeram com que
ele se enchesse de gases. Soltou um peido como zarabatana, enquanto tentava se
virar na direção de mais um grito. Sem perna ! Mão direita instintiva e um
millhouse cabeludo dividido ao meio. Sem perna ! Dedo indicador da esquerda
coçou e uma foi bem no estômago. Sem perna ! Sem perna ! No meio dos olhos. Bem
no saco. Sem perna ! Sem perna ! Sem perna ! Bílis na parede. Costas grudadas no
chão. Escalpo contêiner adentro. Uma obra de arte, no final das contas. Ao se
deparar envolto por carcaças de nerds slow motion e livre de seus perseguidores,
ele entendeu que ali estava toda a expiação necessária. A redenção requerida.
Patente pendente. Havia encontrado o sentido da vida. A partir daquele momento,
vinha ao mundo a Associação de Proteção aos Millhouses Cabeludos (APROMIC). O
homem que atira pelas costas gritou. Sem perna ! E disparou duas vezes em
direção ao próprio peito.
>>>
poderia ser
melhor
juliane nascimento [email protected]
Eu, particularmente, me sinto um
tanto quanto frustrada em contar o que sei sobre esta cidade. Campos tem um alto
potencial, e só não atingiu o seu limite por causa de seu histórico regido pelo
poder do coronelismo. Mas Campos é uma cidade universitária - um grande
marco na região -, sua produção petrolífera é de alta relevância em nível
nacional... blá, blá, blá.
Concordo, se você retrucar desta maneira, pois é verdade que o campo
universitário vem tendo uma abrangência cada vez maior. E também é evidente a
importância do petróleo que é extraído daqui. Mas, nem em relação a essas
afirmativas podemos ser tão otimistas... Vamos começar pelo campo universitário.
Sabemos que há um grande número de universidades e faculdades espalhadas por
toda a cidade. Então poderíamos concluir que opções para cursar o terceiro grau
não faltam. Entretanto, nos esquecemos que a grande maioria destas "opções" é de
instituições particulares e algumas delas não oferecem, ao menos, uma
qualificação confiável. Resta aos estudantes mais carentes tentar a sorte na
Uenf, Cefet ou na UFF (que na sua unidade em Campos, oferece apenas o curso de
Serviço Social).
E eu digo "tentar a sorte", visto que a maior parte dos estudantes
dessas universidades pertence à classe média alta. Isto acontece pelo seguinte
motivo: à medida que a concorrência pelas vagas aumenta, aumenta também o nível
da qualidade de instrução, devido a maior cobrança nos exames de vestibular. E
este elevado nível só pode ser adquirido nos melhores "cursinhos". E estes são
pagos, muito bem pagos, diga-se de passagem. Ou seja, se você for pobre, não tem
dinheiro para freqüentar um desses cursinhos (que dirá pagar uma faculdade
particular), reze, faça promessa, jogue urucubaca nos outros ou alguma coisa
parecida... Porque só assim, se alguma força sobrenatural te ajudar, você tem
chances de chegar a faculdade. Agora voltemos ao outro assunto... Petróleo. Aqui
na cidade, os benefícios dos quais se tem "conhecimento" são os royalties pagos
à prefeitura pela Petrobrás por explorar o território campista. Benefícios estes
que não são apresentados à população, que não é ciente de seu valor e nem de
como é administrado.
Não é difícil entender o orgulho dos campistas, já que uma bacia
petrolífera como a de Campos é realmente um motivo e tanto para se vangloriar. O
que não dá para compreender é que se sintam tão beneficiados com isto. Vou
explicar... Quem trabalha na área sabe muito bem do que estou falando. Vou
começar tendo os próprios como exemplo. O embarque e desembarque de
trabalhadores das plataformas da região são feitos, na maioria das vezes, na
cidade de Macaé. Ou seja, um trabalhador de Campos deve se deslocar até lá,
sempre que for embarcar. Tendo muitas vezes que pernoitar em Macaé para não
correr o risco de perder o embarque. As empresas de refinaria e de pesquisa
tendem também a estar, por motivos lógicos, nesta área (embarque/desembarque).
Ao redor disto, as redes de comércio e prestação de serviços (hotelaria, por
exemplo) crescem, sem falar nos empregos gerados por conta disto e toda esta
rede se nutre desta movimentação em torno das plataformas.
Acho que não preciso de mais argumentos para provar que Campos não
usufrui de praticamente nada do que uma bacia, como a que tem, pode oferecer
para explorar.
Voltando ao inicio deste texto onde falei sobre o poder do coronelismo
nesta cidade... Em sua fundação, Campos prometia ser um ponto referencial para
as outras cidades da região e até mesmo para o restante do país. Por ser uma
grande planície, ter condições climáticas favoráveis ao cultivo de
cana-de-açúcar e ter um nível de urbanismo elevado, comparado a muitas outras
cidades da época, atraiu pessoas de vários lugares. Pessoas estas que viriam
atrás de novos horizontes de produção e do lucro da crescente indústria
açucareira.
Acontece que, desde então, toda a economia da cidade se concentrou ao redor
do "império açucareiro". E o dinheiro circulava conforme o nível da produção do
açúcar. Campos utilizou todo o seu potencial para produzir açúcar durante
muito e muito tempo. Ao poder político e econômico da época - que pertencia
quase que exclusivamente aos usineiros, coronéis -, não interessava nada além de
produzir açúcar. Resultado: hoje em dia, quando ando pelas ruas da cidade,
posso facilmente reencontrar colegas da escola atrás do balcão de alguma loja no
shopping. Não acreditaria se me dissessem que desde pequenininhos sonhavam com
este futuro. Aos que conseguiram se formar na faculdade e desejaram prosseguir
em suas carreiras, não restou outra alternativa a não ser ir tentar construir
suas vidas longe daqui.
É realmente triste viver numa cidade que não pode oferecer muito mais
do que um emprego no comércio... Ou de alguma vaga no serviço público. Há falta
de apoio aos pequenos empresários, não há uma organização que realmente apóie a
produção agrícola. Não se investe em pesquisas e novas tecnologias, até mesmo
para o cultivo de cana-de-açúcar. Existem meios de produzir energia utilizando o
bagaço excedente da produção. Será que os usineiros de Campos, os que ainda
restam, sabem disto? Se sabem, não devem saber como aplicar esta tecnologia ou
não querem fazê-lo por medo de prejuízos.
Campos é uma cidade rica e cheia de potenciais, mas que se entrelaçou
tanto com seu passado que não consegue dar um passo sequer, por causa da
influência e dos interesses de uma elite falida e retrógrada. Que continua
agindo de uma forma ou de outra. Seja elegendo seus governantes, seja
"boicotando" projetos que não lhes interessa. Tudo por causa de um nome bem
bonito ou por terem muitas terras, mesmo que nelas não exista nem uma vaquinha
de enfeite.
>>>
o filho
Desapreguiçado desde cedo, já nasceu "deitando mata pros patrões do
pai", dizia. Depois de moço é que caçou outro destino, rumou o mundo, conforme
se procurara este lugar pra sossegar o facho. Chegou e ficou. Outros dizem que
veio fugido, sabe lá de quê, morte talvez. Uns outros sempre comentavam que
homem forte, de cara vermelha, e vozerio troante, se não fez ainda faria
defunto. Melhor que já tivesse feito, falavam. Criança, eu ouvia tudo aquilo,
nas esteiras das noites, na varanda da casa, compadres de meus tios, e tios, e
tantos que vinham espichar a prosa até o sono chegar. E aos lampiões a prosa
tomava proporção demais. Eu dormia ouvindo.
Neco chegou e ficou. Trazia dinheiro, com o que montou a venda, e se
enrabichou por uma que andava enrabichada por ele. Sossegou e casou. Filhos teve
logo três, um após o outro. Duas meninas, um menino. Comprou um pedaço dum morro
e, ensinando o filho, deitaram o mato, onde construiu a casa nos fundos da
venda, também construída.
Ria o riso folgado que toda gente já conhecia. Moças criadas, Neco
teimava astúcias, medroso de que pegassem barriga. Não pegaram. Casou as duas,
mais ou menos casadas, e ajudava na mantença delas e dos maridos delas.
Importante é que tivessem marido, pensava, de modo que não fez questão de nada
quando apareceram, primeiro uma, depois outra, enrabichadas. Providenciou logo a
cerimônia, sem mais nem porquê. Melhor casar logo antes que o demo viesse de
bolinação e mais, dizia. O filho permaneceu solteiro.
Criatura do pai, o filho saiu conforme ele avisava: "quem quiser que
prende suas cabritas, porque meu bode está solto!" E se espichava todo para
todas as moças. Mulheres também. Que ele, o filho-bode, queria mais era se
desopilar não importando com quem. Neco cantava macheza.
Mas foi tanto que um dia o tal filho-bode, solto na vila, acabou por
desfazer de moça a filha de Dona Maria Clara, rezadeira conhecida em todo o
lugar. Dona Maria Clara de clara só os dentes, que eram fortes e grandes, como
convém a rezadeiras. Rezava também que a filha, criada na fé, deixasse pra trás
a vida da mãe, e seguisse os passos de freira. Isso não era segredo. A filha,
toda a vida criada nos mandamentos, tinha o dia cheio dos afazeres de deus, na
igreja. E foi da Igreja que o filho-bode convenceu a menina, dezesseis anos
então, com palavras tramadas e enviezadas, a sair mulher.
Mas à mãe nada escapa quando é ao filho que diz respeito. E Dona Maria
Clara, antes mesmo de findar o intento do tal, com sua filha, maculada,
estabanou no terreiro vassoura-de-bruxa e caprichou uns gemidos. E palavra
gemida tem força de bala.
***
Uns dizem que fugiram, desde então;
sem deixar de suspeitar do cuidado que Dona Maria Clara passou a devotar numa
de-repente criação de cabras.
>>>
visão panorâmica sobre campos dos goytacazes
alexandro chagas florentino [email protected]
Jesus nasceu em uma região -
nessa região, determinado povo era escravo. Jesus os conduziu à liberdade e seus
"ideais" e mensagens se propagaram por todo o Ocidente (ideologia judaica
cristã). E as civilizações antigas (as mais antigas como China e Índia), por que
essas mensagens não chegaram lá? Será que não era necessário? Se eles já
conheciam a verdade, ainda conhecem! Então, será que é justo julgarmos suas
culturas e religiões, achando - com toda a nossa prepotência de bons cristãos
ocidentais - que nós, somente nós somos os certos, os possuidores da verdade? A
isto eu chamo fundamentalismo - sim, aquele mesmo que é motivo pelo qual
os EUA bombardeiam os povos do Oriente Médio. Tudo que é diferente, a nós é
errado e deve ser "exorcizado"...! Não admitimos o diferente, o que é consenso
da "maioria" é o que deve ser (muita prepotência achar que somos maioria).
É assim que eu vejo Campos: um lugar onde as "elites religiosas" ditam
as regras junto com as influências das fracassadas oligarquias açucareiras... As
"elites religiosas" estão entranhadas dentro de um lugar que é de vital
importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade: a educação! Quando as
instituições não são formalmente dirigidas por um determinado ramo religioso,
elas têm pessoas - líderes de coordenações, chefes de setores, etc - com grandes
poderes de influenciar decisões a serem tomadas pela instituição, pertencentes a
algum ramo religioso... O que há de mal nisto?
Acontece que a intolerância ao diferente é prato de café da manhã das
"elites religiosas" campistas; não só das "elites", mas também da grande maioria
da sociedade! Por que que a sociedade é assim?
Ora bolas...! A educação, as heranças e cargas culturais, o meio de
vivência... estão diretamente ligados à formação do caráter do indivíduo. E se a
educação institucionalizada é fundamentalista, é preconceituosa, a sociedade
também será, porque os pais aprenderam a ser e passaram para os filhos, que
recebem o reforço nas escolas... Portanto, vira figura repetida ver pessoas que
fogem do senso comum, que deveriam ser consideradas e tratadas no mínimo com
respeito, pela coragem, pela originalidade e personalidade, serem execradas,
rotuladas, marginalizadas. Só como exemplo: pessoas são despedidas de seus
empregos por se recusarem a cortar o cabelo - mesmo, no local onde trabalham,
tendo uma grande estátua da imagem de Jesus Cristo com seus longos cabelos.
Outras são taxadas de satanistas por não concordarem com tudo que o pastor - um
outro homem - disse.
As visões dogmáticas já são impostas dentro de casa, e a "escola", que
deveria formar os indivíduos para terem visões críticas às coisas, apenas
reforçam os dogmas. E um dos métodos de implementação deste tipo de "ensino" é
um mal que abrange todo o país, precariedade de um dos direitos básicos, a
educação. Afinal de que interessa os cidadãos terem visões críticas ao "poder"
instituído?
E junto a isso, temos o orgulho das fracassadas oligarquias açucareiras
campistas - que fez com que se destruice um excelente teatro, o Trianon, para
contruir um banco. Ao reconstruir o teatro - em outro local - ,ignorou-se um
projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, para dar preferência a um arquiteto
campista... Sem querer desmerecer o trabalho deste arquiteto "anônimo", mas
imaginem os benefícios que um teatro projetado por Oscar Niemeyer - arquiteto
reconhecido mundialmente - traria para a cidade... Várias pessoas viriam até
Campos ver o Trianon, e consequentemente o comércio local seria bastante
beneficiado, o que seria um "grande bem", visto que é o comércio a maior fonte
de renda da população campista... O teatro não teria uma beleza só de
"fachada"... Isso mesmo, afinal suas laterais são "lisas", simples paredes como
as de qualquer construção... Sem se falar na acústica, que ao contrário do que
tentam "empurrar", deixa muito a desejar... Caso se sente nas primeiras filas,
praticamente não irá entender o que ao menos foi proposto como essencial de se
escutar...
As influências deste nostálgico orgulho açucareiro estão junto ao
emaranhado de pré-conceitos dogmáticos que regem esta cidade... Aqui, quem ousa
ser diferente da maioria, entende muito bem quando eu digo que as pessoas, aqui
em Campos, vivem do passado, esquecem o presente e não estão nem aí para o
futuro...!
>>>
o
maior de todos os tabus
julio césar andolini [email protected]
É
estranha a vida. Muito estranha. Não se sabe quando e nem de que forma vai
terminar. Não é como uma partida de futebol, um programa de TV, uma viagem de
ônibus. Pode durar alguns segundos ou 122 anos, e uma vida bonita e realizadora
pode acabar em um acidente de trânsito idiota (vide o caso do Dias
Gomes).
E
o que vem depois? Se é que algo vem depois. Muito se especula, muitas guerras
são travadas em nome desta questão, mas a verdade é que não há uma
resposta.
Só
que algumas pessoas não esperam pelo fim imprevisível. Corajosamente põe, por
sua própria conta, fim a suas próprias vidas. Sim, corajosamente. Não é qualquer
covarde que empreende conscientemente esta viagem ao desconhecido. Não é
qualquer chorão que deixa definitivamente para trás tudo o que conhece, tudo o
que ama, tudo o que almeja.
As
razões que levam a isso são as mais diversas possíveis. Corretas, incorretas;
bobagens, até. Não pretendo julgar o mérito destes motivos, apenas quero deixar
claro que admiro a coragem dos que se matam. Sempre sinto-me um covarde ao saber
de um caso.
(para Marta Amorim de Oliveira, minha tia, que se
atirou do 12º andar do prédio da UERJ. Tinha 30 anos)
>>>
o mágico de ozzy
venoso http://www.venoso.blogspot.com
Era uma vez uma
menininha muito malvada chamada Dorotí que tinha uma
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó. Um belo dia, Dorotí e sua
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó, após sua má ação habitual,
resolveram dar uns bordejos pela localidade. Foram pegos por um furacão. Não me
perguntem como, essa é só mais uma estória infantil, ou quase... Acabaram
parando no mundo de encanto e magia, amor e felicidade, chamado Campos dos
Goytacazes (como o nome era muito grande, os habitantes de Campos dos Goytacazes
resolveram, em assembléia, mudá-lo para Oz. Nome simples, curto, além de ficar
bonitinho nos uniformes da guarda civil...)
- Acho que não estamos mais em Sabonete, Totó... Graças a Deus! Já estava
de saco cheio daquela gente pobrinha! Vamos dar uma voltinha e cometer alguns
delitos!
E lá se foi Dorotí seguida de sua
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó rumo ao desconhecido, indo
aonde nenhuma garotinha malvada e sua
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó foram antes.
Doroti nem imaginava onde o furacão a deixara. Mas, para sua sorte,
após uma longa e exaustiva caminhada e alguns palavrões, avistaram três
populares que jogavam dominó.
- Aquela gente esquisita deve saber que raio de lugar é esse,
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó. E se não souberem, a gente
dá um pau neles pra deixarem de ser burros!
Só que os trajes dos nativos locais chamaram a atenção de Dorotí.
Metida como ela só, foi logo dizendo:
- Vocês não têm vergonha na cara não, é?
- Hein? - Indagou o homem
fantasiado de Espantalho.
- Do que você está falando? - quis saber o Homem de
Aço Inoxidável.
- Três marmanjos fantasiados de Espantalho, Homem de Aço
Inoxidável e Rei Leão, e você ainda tem coragem de me perguntar do que estou
falando? É muita falta de senso crítico...
- É que ontem nós fomosss
numa fessta a fantassia, lá no Rancho da Ilha... - disse o Rei Leão que tinha
uma dicção "diferente".
- E daí? Já sei, gostaram tanto dessas roupas cafonas
que decidiram ficar com elas para sempre!
- Não, sua besta! - irritou-se o
Espantalho - Nós arrumamos confusão com uma dona que estava fantasiada de Bruxa
do Oeste...
- ?
- Você é burra messmo! Ela era uma bruxsa de verdade e
noss prendeu nesssass roupass. - disse o Rei Leão que tinha língua presa, igual
ao Romário.
- E por que não deram um sacode nela?
- Preguiça! - exclamaram
todos.
- Vocês são uns bunda mesmo! Aí, como é o nome desse lugar?
- Bem,
o nome oficial é Campos dos Goytacazes, mas todos o conhecem por Oz... - Disse o
Homem de Aço Inoxidável.
- Campos dos Goytacazes? Nunca ouvi falar... Isso é
perto de quê?
- Você conhece Macaé? - perguntou o Espantalho.
-
Claro!
- Então, é pertinho...
- Hum... O povo das plataformas... Sei...
Quer saber? Já tô de saco cheio desse lugar. Como é que me mando daqui?
-
Onde você mora? - perguntou o Espantalho.
- Sabonete...
- Xiiiiiiii... -
exclamaram novamente os três.
- Só tem uma pessoa que pode te mandar de
volta... - começou o Espantalho.
- Quem?
- A pessoa mais poderosa de Oz...
- continuou o Homem de Aço Inoxidável.
- Quem? Quem?
- O Mágico de Ozzy. -
finalizou o Rei Leão de língua presa, igual ao Lula.
- Quem? - perguntou
Dorotí incrédula.
- O mágico de Ozzy.
- Ozzy Osbourne mora aqui?
- Não,
ele quis dizer Oz.
- Claro, Ozzy Osborne nunca viveria num lugar tão
chinfrim... Mas esse Mágico é tão poderoso assim? Ele é discípulo de Paulo
Coelho?
- Não, dizem que ele está envolvido em negócios de importação e
exportação, se é que você me entende...
- Além da promoção de eventos de
grande porte... Você entendeu...
- Claro... Então vamos logo!
- Pra onde,
criatura? - perguntou o Espantalho.
- Pra casa desse Mágico, ora.
- Cê tá
louca? - indagou o Homem de Aço Inoxidável - Não queremos saber de bruxaria,
muito menos de política. Se quiser, que vá sozinha.
- Se vocês não forem, eu
mando minha fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó acabar com
vocês!
E lá se foram os três, seguindo o aceiro de palhas amarelas, rumo a
"Casa Rosada". Que fique registrado que os três só concordaram porque precisavam
de um cérebro para o Espantalho, um coração para o Homem de Aço Inoxidável e
coragem para o Rei Leão, e não por causa da ameaça da tal Dorotí, como muitos
poderiam pensar...
Chegando na "Casa Rosada", centro do poder de Oz e residência oficial
do Mágico, encontraram uma tabuleta na porta que dizia: "Por decorrência de
problemas relacionados à distribuição dos royalties do petróleo, viajei para o
Farol de São Thomé. O atendimento ficará para ocasião de meu regresso. Ass.: O
Todo Poderoso Mágico de Oz, Eu. E tenho dito, digo, escrito!".
Nossos aventureiros ficaram muito decepcionados e, num ato de
insanidade temporária, arrombaram a casa do Mágico. Aí tiveram a segunda
decepção do dia: o Mágico tinha mudado sua casa de local. Mas para não perderem
a viagem, roubaram tudo que puderam carregar. Com o dinheiro Dorotí e sua
fera-assassina-disfarçada-de-poodle-toy-chamada-Totó alugaram um ônibus com
ar-condicionado e voltaram para Sabonete; o Espantalho contratou um professor
particular e está aumentando seu, até então, parco intelecto; o Rei Leão
contratou o Mike Tyson para ser seu guarda-costas e nunca mais teve medo de
nada, e o Homem de Aço Inoxidável subornou um médico passando para o primeiro
lugar da fila de transplantes cardíacos. E todos viveram felizes para sempre.
Pelo menos quase todos, pois, quando o Mágico voltou das férias, digo, dos
compromissos no Farol de São Thomé, encontrou a "Casa Rosada" destruída, tendo
que mudar as atividades, que ninguém sabe ao certo quais são, que eram
realizadas na tal casa para um quartinho na pensão da Dona Carochinha. Mas tudo
bem. A Pensão de dona Carochinha é conhecida como "Pensão do Coração"... Sempre
cabendo mais um... Um inquérito já foi aberto para descobrir os
meliantes...
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rio sem porto e sem cais
Esse rio aqui corta a cidade ao meio. Ele não tem porto; não tem nem
cais. Tem apenas três pontes que unem duas partes divididas de uma mesma cidade.
Parece que o povo do lado de cá não gosta muito do povo do lado de lá.
Imagine só: pensam que são superiores só porque moram à margem direita
do rio. Direita ou esquerda ? Depende para onde você estiver indo (ou voltando).
O rio sempre sabe para onde ele vai. Todos vão para o mar, desde o dia que
nascem. Eu também sei para onde o rio corre, mas isso não adianta muito saber,
se ele não tem porto. Só não sei de uma coisa: se rio vem de morro, de onde esse
daqui vem se aqui não tem morro nenhum ? Nem montanha e nem uma colinazinha pra
soltar pipa. Meu vô diz que ele vem de muito longe. Serra da Bocaína. Nome
engraçado! É lá que o nosso rio sem porto nasce.
Acho que tem alguém roubando água dele. Lembra-se como era antigamente?
Ninguém lembra. Só meu vô. Ia até aquela escola lá, que antes era a casa do
Barão da Lagoa Dourada. Muitos anos se passaram. O rio não é mais o mesmo e nem
o porto - que era o mais importante de toda a região - existe mais; foi-se
embora com a maior parte do rio. Mas os Barões ainda continuam. Há muitos por
aqui.
Ninguém sentiu a falta dos barcos. Só vovô. Quem precisa de barco
quando se pode andar de bicicleta ? Aqui todo mundo sabe andar de bicicleta. Não
tem morro. Todas as ruas da planície são boas para caminhar. E andar de skate e
patins.
Essa semana tem chovido muito. Se continuar dessa forma, o rio não terá
mais para onde se espalhar. Esses adultos são engraçados: comprimem as margens
do rio e depois o amaldiçoam quando ele derrama água na Avenida. Coitadinho dos
moradores da beira do rio. Todo ano, o Barão diz que vai tira-los de lá para não
sofrerem as "mazelas" das cheias e nada. Para onde é que se foge quando o rio
toma toda a cidade?
- E aí ? Pescaram muito hoje ?
- O rio não tem mais peixe. Foram
todos embora em busca de águas melhores.
- Vamos andar de patins ?
- Ih,
hoje não dá. Quando sair daqui com meu vô, tenho que terminar o trabalho da
escola. Estava quase pronto quando faltou luz - sem aviso prévio como sempre.
Perdi tudo.
Vovô conta que essa cidade é a primeira de toda a América Latina a ter
luz elétrica.
Ontem, vi o vô chorando de novo. Ele não quis dizer o que era. Mas eu
sei que é por causa do Grande Teatro que demoliram para construir mais um banco.
É como se com aquela construção tivesse ido embora todo seu passado. Estão
destruindo todas as casas antigas que não precisam de ventilador. Elas têm um
teto muito alto e as portas e janelas tão grandes que o vento entra e sai
livremente. Será que querem vender mais ventilador? Eu acho que é porque as
pessoas, para se sentirem maiores, constroem casas mais baixas, mesmo que para
isso tenham que comprar ventiladores e aparelhos de ar-condicionado.
- Vamos pra casa vô ? Vai chover. Tenho que terminar meu trabalho.
Amanhã a gente pesca mais. Fique triste não, viu, um dia os peixes voltam.
À noite, meu vô havia sumido. Encontrei-o lá na beira do rio onde
antigamente havia um cais. Ele gostava de ver a lua refletida logo abaixo da
ponte. Ficava horas lá parado, em um mundo que eu conhecia muito bem e ele nem
imaginava.
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