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05 de fevereiro de 2003
são paulo joão pessoa
goiânia belo horizonte rio de janeiro itararé
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n e s t a e d i ç ã
o:
zeus comeu
europa - seize the day - valsinha - and we are all together - 1 conto é 1 conto é 1 conto -
ai, ana - domingo
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O verdadeiro Ricardo III podia ser muito macho, mas o de Shakespeare falava
mais bonito. Este segundo, quando ia entrar em batalha, chamou seus homens e
discursou sobre a fraternidade dos irmãos de armas: we few, we happy few, we
band of brothers. Nós, os poucos, os felizes, os irmãos.
Há guerra no ar. Haverá lugar pros poucos matarem muito, pros felizes
espalharem infelicidade, pros irmãos destroçarem os brimos. Há fedor no ar, pra
variar. Porque há muitas bundas de fora na Europa. Bundas sujíssimas,
desavergonhadas. Bundas que correram a formar com o band of brothers do Buchão,
em nome de sabe-se lá que quinhão no butim do Saddam. Bundas inglesas,
espanholas, italianas, portuguesas, polonesas (a bunda russa está ainda
escondida, mas é porque ela foi mostrar lá dentro).
Não, Saddam não é flor. É uma espécie de coronel, só que com mais jagunços.
Um coronel que está onde está porque, um dia, a Amerika o achou bom o suficente
pra combater um aiatolá (que era outro doido de pedra). Ninguém presta nisso
aí.
Lula, Mandela, Chirac, Schroeder, a ONU disseram NÃO. Difícil dizer, nesse
ninho de cobras, o que é culhão e o que é cálculo, mas não interessa: é
obrigação moral de todos nós dizer NÃO. É obrigação de todos nós condenar a
Europa que diz sim, a Europa que abre mão de fezer o que lhe cabe, o que é sua
responsabilidade: mandar à merda o caubói aloprado e sua canaille.
* * *
Spam Zine é flor, espinho e celofane. Esta edição traz poema do Silas
Correa Leite. Traz a hidrofobia desse inacreditável Erasmo Júnior, que vai ser
grande e vai esquecer do nosso amor, mas o mundo é assim mesmo. Traz a Ione
cedendo a contradança, (arlã() movendo tempos e eras atrás do John, Stephania
Paola em stream of counciousness (ou algo parecido), e o Rodrigo de Souza Leão
se envolvendo com a realeza.
* * *
Spam Zine: espinhas e conflito de gerações (essas gerações pós modernas,
que duram em média duas semanas e meia). Eu, do lado dos velhos, seem to find
the happiness I seek - while we're altogether dancing cheek to cheek.
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broken bruised forgotten sore
too fucked up to care
anymore
poisoned to my rotten core
too fucked up to care
anymore
-- NIN, somewhat damaged
Meteu a cabeça na quina da mesa a primeira vez; um hematoma roxo estourou na
testa, com um buraco sangrento no meio, a dor cauterizando seu ódio. De novo; o
sangue espirrou sobre a cara, escorrendo pelos olhos, boca e nariz. Ficou tonta
e decidiu parar antes que
apagasse.
Seria muito simples cometer aquelas ações; o que faltava em todo mundo era
coragem e vontade. Arrastou-se até alguma cadeira do quarto e desabou atordoada.
Como tinha a visão embaçada de vermelho, começando a pingar sangue pelo queixo,
passou a língua ao redor da boca limpando momentaneamente o estrago facial.
Rosto de modelo, nunca mais. Seus pensamentos processavam sua próxima atitude
enquanto observava várias bonecas em cima da cama e da estante delicada. Uma
gracinha. Mas não procurava por brinquedos naquele momento, e continuou mexendo
os olhos, trêmula, desgastada. Então encontrou o espelho da pequena
penteadeira, com muitas escovas e perfumes, bem arrumado e cor-de-rosa. Foi um
único soco, estalando todos os dedos da mão fina e pequena. Um caco enorme
perfurou superficialmente a pele branca, espumando mais sangue. Não hesitou em
pegar um dos estilhaços, parecia até que sabia qual estava mais afiado entre
tantos. Conseguiu focalizar suas feições refletindo no que restara do espelho.
Cabelo lindo, cheiroso e sedoso, que todo moleque espinhento (e muito coroa
também) se borrava para tocar. Segurou com uma das mãos uma grande mecha; com a
outra, apertando a lâmina improvisada até senti-la ferir a sua palma gentil,
retalhou todo o corte caro do melhor cabeleireiro da cidade. Restaram só alguns
buracos esfolados numa cabeça mal raspada após instantes trabalhando com suas
adoráveis madeixas, a corrosão da agonia misturando com sua dor. Ainda era
pouco.
Desesperada, abriu perfume por perfume e virou na boca. Engoliu, tossindo e
salivando, derramando algumas gotas sobre as feridas, causando um ardor
terrível. Após alguns momentos de pausa, seu estômago reagiu, renegando todas as
substâncias ingeridas. Cambaleou até o banheiro da suíte, mas vomitou no chão,
convulsivamente, antes mesmo de atingir o sanitário. Engasgou algumas vezes, não
o suficiente para que terminasse sua festa. Levantou os olhos borrados com
sangue, rosnando palavrões num tom baixo e doentio. O que estava faltando ainda?
Um, dois, três, quatro; contou bem devagar, para que desse tempo a sua
respiração ofegante. Com o dorso da mão, limpou a boca cheia de uma baba grossa
e avermelhada. De repente, o papel de parede do quarto lhe chamou a atenção.
Como não notara aquilo antes? Ainda segurava o caco; dirigiu-se com dificuldade
para atacar a parede, cortando e estragando o trabalho decorativo que suas
amigas tanto invejavam. Subiu na cama, apunhalou o colchão e despedaçou a
espuma, jogando-a para cima. As bonecas: parou de se mover para
encará-las.
Sempre estiveram lá, assistindo, com a omissão que todo objeto inanimado tem, a
vida dela passar. As dezenas de olhos de plástico se moviam para cima e para
baixo, zombando da menina miserável, da adolescente bonita, da promissora
graciosidade feminina. Quinze aninhos cobrindo seu hímen macio. Ela saltou para
trás por instinto, assustada. Escondeu-se na frente da cama, temendo olhá-las de
novo e, quando o fez, ainda zombavam. Com uma fúria destrutiva, atirou-se contra
todas e distribuiu seu carinho
maldito através de golpes descontrolados. Foi
bom, foi ótimo. Cabeças voando, roupinhas desfeitas, porcelanas rachando seco no
chão.
Quando acabou, parecia mais leve, mas não o suficiente; talvez estivesse apenas
começando. Lembrou de suas roupas e viu que as que vestia estavam encardidas com
a sujeira orgânica. Abriu seu armário violentamente, puxou as gavetas e arrancou
todas as vestes do corpo sem se importar com eventuais arranhões. Fez uma
montanha de pano com sua boutique cara e farejou o álcool embaixo da pia do
banheiro. Pegou-o, despejou o frasco todo sobre os acessórios da moda. Um
isqueiro dentro da penteadeira
(fumava uns cigarros escondidos dos pais, às
vezes) foi a palavra final para a fogueira de luxúria. As chamas arderam levando
seus últimos bons
sentimentos.
O resto da casa, de repente, pareceu-lhe uma tentação dolorosa. Destrancou a
porta do seu quarto dos sonhos, abriu-a e encontrou o corredor. Até a hora do
almoço estaria sozinha. Foi para o quarto dos pais, remexeu gaveta por gaveta,
olhou embaixo da cama e encontrou o que queria dentro de uma caixa de sapatos no
armário do pai: revólver e balas, bem organizado, enrolado na flanela amarela.
Vagou nua até o térreo, arranhando
o corrimão da escada com suas unhas quase
compridas.
Viu a sombra do lustre sobre o tapete persa da sala de estar. Será que ela
conseguiria acertá-lo? Um filete de riso escapou de seus lábios feridos, para
aos poucos se tornar uma risada, uma gargalhada incontrolável. Mirou no teto;
antes que apertasse o gatilho, escutou um latido amigável e virou-se. O cachorro
da casa vinha correndo até ela para uma carícia. Nem lembrava dele. Antes que o
totó chegasse perto demais, ela moveu a arma em sua direção e atirou. No
estômago, seguido de um uivo alto, choro animal e sangue no tapete. Sua mamãe
iria lhe matar se visse a sujeira. O pobre bicho gemeu, agüentando as vísceras
perfuradas por alguns instantes de agonia. Não tardou e partiu para a terra dos
ossos. Ela ficou parada na frente dele, observando cada momento da morte, com a
fumaça saindo do cano da arma carregada cheirando a pólvora e rancor. Limpou a
mente mais uma vez, e foi se sentar no sofá estampado diante da
televisão.
Era a vez do controle remoto; pegou-o, como se fosse algo realmente precioso.
Permaneceu analisando todos os botões e contornos do objeto, talvez pensando em
como aquilo poderia ser fatal. Ligou a televisão, navegou pelos canais e parou
na ópera belíssima que nunca havia escutado antes. Acordes líricos, arranjos
melodiosos e instrumentos estranhos a seu mundinho de
fadas.
A campainha tocou. Estava na
hora.
Pela vidraça lateral, viu quem estava do outro lado. Eram seus pais, chegando
cansados da rotina infernal e do trabalho desgastante. Abriu a porta,
escondendo-se de lado, como se aquilo sanasse seu contentamento negro. Ambos
entraram e a ópera atingia um dos momentos altos de execução. Quando o casal
simpático se virou, ela estava com o cano do revólver inteiro dentro da vagina.
Foi um único tiro, atenuado pela música erudita. O corpo bem torneado da garota
tombou no chão, emplastando o tapete com mais sangue. Nem deu tempo de seus pais
entenderem o que havia acontecido; quando sua mãe gritou, um sorriso culposo se
fez na boca carnuda do cadáver. E a sinfonia acabou.
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A cada passo que se dava, em qualquer direção que fosse, havia uma panela
que repousava sobre o chão muito vermelho e encerado, de forma que o pingo da
chuva ping-ping-ping exatamente no centro da panela, formando um círculo
dentro do outro, dentro do outro e outro, como se fossem as matryoshkas
russas, uma boneca maior contendo uma bonequinha mais
tiquinha-tiquinha-tique-tique.
Ela nunca tinha visto uma matryoshka. Mas ela dormia abraçada a um
sabuguinho seco a quem sua mãe tinha emprestado olhos e roupinhas enfeitadas.
Ele tinha uns olhinhos tristes, dois risquinhos bem pretos, mas quando ela
dormia, ela via os olhos dele bem abertos que nem botão de flor que a gente pega
no quintal pra dar pra mãe depois da escola e os olhos dele eram
pretos-escuros-pretins como os dela. O avô lhe dizia que ela tinha olhos de
jaboticaba. O avô tinha umas mãos muito grandes e quentinhas. O sabuguinho
sorria para ela. Ela também não conhecia o Visconde, nem a Emília. E ela gostava
de visitar o chiqueiro lá embaixo e brincar com os porquinhos cor-de-rosa
até ficar cansada. Ela gostava de lhes apertar o narizinho úmido. E voltava
pra casa, jantar na mesa, ela conversava óinc-óinc-óinc com a avó dela, elas
faziam umas viagens pra muito longe. A avó dela dizia que elas iam até a lua.
Ela se espantava. E ria.
Ela se sentava em uma cadeirinha baixa e cobrias as pernas com uma manta de
retalhos multicores floridinhos, nem estava frio nem nada, estava era um
baita calorão, mas ela gostava tanto dos retalhos. Ela jogava a cabeça para
trás, para olhar lá em cima o teto tão lá em cima. Por cada uma fresta, às vezes
tão mindinha que ela não via, vinha um pingo comprido bem lá do alto, um
pingo que parecia não querer cair e esticava as perninhas bem assim, o corpo
todo bem durinho, esticado feito roupa engomada, e ping-pong bem no meio da
panela aqui embaixo.
Ela não se cansava nunca de olhar. Pensava em como era que o pingo teria se
esticado também quando caía da nuvem e pensava que se ia estatelar no chão
tão verdinho do pasto crescendo sem fazer barulho ou no pelo preto da vaca
mumumugindo preguiças ou no telhado muito vermelho das casas escondidas no meio
da fumaça que saía do fogão de lenha. Ela tinha pena das árvores, devia era de
doer muito, mais que ralado no joelho. Ela imaginava o pinguinho sofrendo,
olhando tudo, tinha medo o pinguinho e ele se esticava e ping no meio da panela.
Pong-ping-ping. Ping-ping-pong-ping, ela se levantava girando, os braços bem
abertos, deixa que eu te pego seu pinguinho medroso, a mão aqui, outra ali, a
sainha rodando bem rodada, dança-dança-dança tão contente, mais contente
que dia de natal, o cabelo ventava pra cima dos seus olhos pretinhos, eu te
seguro pinguinho, eu te pego. Nesse dia, de tão cansada, ela não sonhou nada.
Mas inventou, no café da manhã, que tinha sonhado que o pai lhe tinha trazido um
radinho pra ela ouvir música, mas que ele não funcionava, não fica triste, meu
pai, da próxima vez que chover eu tiro meu pai pra uma valsinha.
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Depois do sexto chope Tabken levantou e bradou:
- Nesta passagem de ano estarei rodeado de putas! Não quero nem saber!
Sommk, que estava fulo com Tabken por ele ter vindo primeiro pelo Portal
Norte, não se conteve e envenenou:
- Mas a sua família não está neste espaço-tempo!
Sob o efeito do bom e venerado álcool do século XIX, Tabken voltou-se para
mim e para Derrion retrucando numa espantosa calma:
- Estão vendo? Acabo de provar que quem bebe nem sempre é o tonto! - E
encarando o colega respondeu: - Eu já lhe disse Sommk que essas viagens pelo
tempo acabariam afetando o seu cérebro de ervilha! Faça um esforçinho vai: tente
se lembrar que eu ainda não me casei com a sua irmã e, portanto, eu não poderia
estar me referindo à NOSSA família!
Sommk, que não bebia nada alcoólico, além de ser o mais tenso de nós
quatro, levou a mão no estilete-laser, mas Derrion, líder da expedição 1886-7W,
tinha ligado o aparelho sônico de comunicação telepática e mentalizara o que
soou como uma repreensão e uma ordem:
- Parem com essa discussão inócua vocês dois! Vamos descansar para amanhã
finalizarmos logo essa tarefa!
Como se não bastassem os seus extraordinários conhecimentos científicos, o
comandante Derrion possuía um diferenciado controle emocional e conseguia
manter, com muito carisma e objetividade, uma aceitável harmonia entre nós
quatro, mesmo tratando-se de gênios terrivelmente diferentes.
Nesta missão específica estávamos em busca de sementes de algumas frutas
que serviriam de matrizes para clonagens. O Novo Conselho Unimundial estava
decidido a proceder rapidamente o reflorestamento do leste da Ásia, totalmente
devastado nos cinco anos finais do século XXIII e agora já livre das perigosas
radiações. Mesmo tendo que aturar as constantes discussões entre Tabken e Sommk,
a nossa equipe era a mais eficiente nas viagens que compreendiam pesquisas
biontológicas veladas e colhimento, sem choques espaciais-temporais futuros, de
amostras orgânicas e minerais nos anos abaixo do século XX.
Derrion 3Gla Nenx havia se formado em Engenharia Espaço-Tempo no ano de
6.045 na Índia e dois anos depois concluíra com distinção o seu Mestrado
Eletrotelepático pela Celebridade Tônus de Saturno. Depois de apenas quatro
meses no Estágio Lunar, Derrion assumiu o Comando Operacional das Missões
Espaço-Tempo Unimundiais, com base no Suriname. Diga-se de passagem que em 6.043
- com apenas 15 anos de idade material - ele levou a Medalha Primeira-Louvor no
concorrido certame de Aptidões Intelectuais Vertentes no panteão submarino de
Atlântida, profundidade setentrional entre o que restou do Brasil e a África.
Apesar do seu raciocínio pender para a lógica, tanto para a concreta quanto
para a agora aceita - e complicadíssima - lógica abstrata, Derrion gostava de
compor e de cantar Rock and Roll, um tipo primitivo de música que fez muito
furor até as vésperas da grande hecatombe mundial no ano de 3.407. E os fazia
com a mesma intensidade, dedicação e esmero dos seus cálculos e projeções
plurienergéticas temporais. Sempre que nos encontrávamos, nas horas vagas, ele
me mostrava um ou outro conjunto musical do século XX, que eu ouvia com prazer,
pois eram mesmo construções melódicas interessantíssimas e belas. Assim fui
conhecendo cada vez mais as histórias e os acontecimentos culturais daquela
época e até mesmo aprendendo a tocar - e muito mal - um instrumento musical
denominado contra-baixo, que era muito pesado e que precisava de ajustes
manuais!
O melhor episódio que eu conhecia de Derrion tinha se desenrolado no baile
da sua formatura - eu me formaria dois anos depois e estava ali servindo os
drinques. E era também o encerramento ecumênico anual da universidade de
Rishikesh na Índia.
Com o desaparecimento de Nova Dehli no ano de 6.017, Rishikesh tornara-se o
novo centro mundial das Engenharias. A reconstrução do Taj Mahal nas suas
proximidades fora de tanta felicidade que quase ninguém mais se lembrava do seu
lugar original.
Pois bem. Ali, no salão-mor, o evento transcorria alegremente quando a
comissão de formatura foi avisada de que o teletransporte América Seis sofrera
uma pane e que o conjunto que tocaria no baile não poderia estar presente (só
depois de algum tempo eu soube que a pane fora causada pelo próprio Derrion, ao
implantar um vírus de vida rápida num programa de comando de um dos vórtices
eletromagnéticos).
Orador da turma, e com a maior cara de inocente, Derrion solicitou ao
Reitor-Mestre que o permitisse dar uma olhada no computador central do
teletransporte para, quem sabe (!!), tentar descobrir onde estava o problema. A
sua habilidade era realmente estupenda - o Reitor-Mestre bem o sabia - e, tendo
obtido o consentimento, fingiu digitar comandos no teclado enquanto o vírus
expirava naturalmente. Tudo estava dando certo! Destravado o sistema, o
espertíssimo formando reiniciou a configuração das coordenadas vetoriais que
trariam o conjunto contratado mas, ao invés disso, as apontou para Londres, no
ano de 1.969.
Naquele ano, momento e local, Derrion sabia que músicos que ele tanto
adorava estavam reunidos num estúdio de gravação produzindo um novo trabalho.
Eram eles: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, chamados
The Beatles.
Assim, em poucos segundos, a sala onde os quatro rapazes se encontravam, e
todos os seus pesadíssimos e estranhos instrumentos musicais, foi materializada
no gigantesco palco do salão-mor, gerando sussurrados comentários dos presentes,
pois parecia não ser aquele o grupo aguardado.
John, Paul, George e Ringo conversavam e acertavam detalhes referentes à
execução da próxima canção e nada notaram de diferente. Isto porque, após o
corte seccional e a efetivação motora-físico-energética do teletransporte,
apenas as paredes da sala foram trocadas por projeções holográficas. Todavia
quem estivesse do outro lado delas, ou seja, a realidade absoluta do ano de
6.045, podia enxergar amplamente o que se passava lá dentro.
Sendo assim Derrion percebeu que John Lennon estava para abrir uma das
portas, talvez para buscar um outro instrumento, e rapidamente postou-se na
frente dela. John, ao abri-la, deu de cara com Derrion e com um local que
parecia tudo, menos o corredor dos estúdios da Abbey Road. Mais ao fundo ele
notou pessoas sorrindo em sua direção e com cálices brancos nas mãos. Antes que
ele pudesse dizer algo, Derrion adiantou-se:
- Muito prazer, John. Sou Derrion, do ano de 6.045.
Lennon tirou nervosamente os seus óculos redondos, passou as mãos nos
olhos, encarou Derrion e respondeu:
- Eu não sou John Lennon, seja lá quem você for! Eu sou a Brigitte Bardot!
E quando eu pegar aquele cara que me vendeu um "bagulho de primeira" vou
arrebentar-lhe de porradas!
- Calma John, eu posso explicar.
E Derrion fez uma rápida síntese sobre o porque deles estarem lá e da honra
que seria ouvi-los tocar e cantar ao vivo. - Por favor, vocês podem fazer
isso?.
- Um fã do século XXV? - perguntou John.
- Sim! E a partir de hoje serão muitos mais, tenho absoluta certeza!
John voltou para a sala, trancou a porta com a chave, colocou-a no bolso e
disse:
- Vamos passar cinco músicas seguidas, certo? Do outro lado da sala estão
398 pessoas do século XXV esperando a gente fazer um som bem legal e eu não
quero decepcioná-los!
Paul, George e Ringo trocaram uma olhadela e caíram na risada. Eu soube
depois que, apesar das últimas sessões de gravação terem sido muito tensas, eles
não precisaram dizer um para o outro que aquele dia ia ser bem produtivo.
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No primeiro dia. As batatas sobre a mesa, o meu cabelo despenteado e o meu
suco de manga. O pão duro demais para ser comido. Lá no fundo ouvia-se o som, de
todas as manhãs, poderiam ser pássaros cantarolando ou, bichos selvagens
rosnando. Era quase isto. Os automóveis e suas buzinas, quase bichos, poluentes.
No segundo-dia. Como em filmes de ação. De cá pra lá, de lá pra cá. Ladeira
abaixo, ladeira acima. Sobe de quatro e desce rolando, confortou-me um sujeito
na rua. Deveria leva-lo para casa, mas não. Imprudência. No terceiro dia. Modo
de preparo ou como fazer? Oh, como fazer. Modo de preparo é colocar as coisas em
cima da mesa. Ovos, farinha de trigo, açúcar, maisena. Faz você porque eu não
consigo. A casa é sua. Pois sinta-se dona. No quarto dia. A televisão anunciando
catástrofes. Eu torcendo meu mamilo de medo. Ia fugir dali , sumir dali. Mas
para onde? Não sei. O cabelinho da Fátima eu não suporto, anunciando catástrofes
com uma coisa naquele estado em cima da cabeça. Como diz a FIAT precisamos mesmo
rever nossos conceitos. No quinto dia. A vida estava soando moderna demais,
quase estrangeira pra mim. Uma greve de rua, talvez uma pausa para uma manhã de
bebedeira. Mas não, eu não posso. No sexto dia. Ela apareceu na hora exata,
minutos contados. Nos acostumamos a uma vida mecânica. Ela tira a roupa enquanto
eu olho, eu tiro enquanto ela olha. Meu membro enrijece, ela abre as pernas, eu
deito em cima sempre e vou até cansar. Acabou. No sétimo dia. Desprego os olhos
às 8 e ela não está. No oitavo dia. O prestobarba na mão, e a espuma formada.
Chiakkkk. Moço, moço! Corri até a porta. Era um moleque de mais ou menos oito
anos, queria comida. Mas eu só tenho pão duro. Pode ser. No nono dia. Sem
televisão, sobraram os pães, o moleque preferiu a televisão. Sem catástrofes!
Não é uma má idéia. No décimo dia. O rádio anunciando chuva. Mais gente vai
desmoronar. Sem televisão, sem catástrofes, não vou ver nada, nem saber de nada.
No décimo primeiro dia. Fica combinado assim: você vem às 7 com uma televisão
nova, alguns doces e pães novos. No décimo segundo dia. Não pedi rádio, nem Tv a
cabo. Mas vamos, entra e senta. Agora diga-me como vai Marlene, e Beatriz? A
mamãe já morreu? O vovô ainda está dançando forró? Estão todos bem, a Marlene
deu pra um sujeito e agora está grávida. Beatriz casou-se com um ricasso e foi
morar em Miami. A mamãe morreu de câncer, no primeiro dia. O vovô arrumou uma
vovó e continua dançando. No décimo terceiro dia. Eu não esperava por ela, mas
apareceu. Com a cara marcada e a roupa rasgada e o salto agulha de sempre, dessa
vez, manca. O que houve? Ele tinha a sua cara, a sua voz, o seu corpo. Filho da
puta. No décimo quarto dia. Onze dias sem ver a rua e ela aparece pra dizer
que eu a espanquei. Não fui eu, claro que não. Não teria receio algum em
espanca-la e assumir toda a culpa, mas não fui eu. No décimo quinto dia.
Tic-tac, tic-tac. Blim-blom. Compareça à delegacia hoje às 14 horas. A melhor
roupa, o melhor gel, e o pior sapato. Era o único. Uma senhorita alegou que foi
espancada pelo senhor, na noite do décimo segundo dia. O que você fazia na noite
do décimo segundo dia? Eu... eu estava em casa, Marlene está grávida. Beatriz
casou-se com um ricasso e foi para Miami. Minha mãe morreu de câncer, e o vovô
continua dançando forró. Oh, sinto muito pela sua mãe. Acha que nessas condições
eu espancaria uma mulher, uma senhorita como diz o senhor? Perfeitamente. No
décimo sexto dia. M.P. de 32 anos é espancada na noite do décimo segundo dia por
L.N . Segundo o 23º distrito policial, o espancamento ocorreu por volta das 7 da
noite, na Av. 54, próxima à casa de L.N. No décimo sétimo dia. Íon-ion-ion. Não,
não fui eu. Não fui. Tudo que você disser poderá ser usado contra você no
tribunal. Íon-ion-ion.
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Ana era um tesão. Mulher gostosa para homem nenhum botar defeito. Todo
mundo na faculdade queria comê-la. Não havia homem vivo que não fizesse
reverência à beleza de Ana. Eu sempre gostei de mulheres que falassem algo de
inteligente, pelo menos de hora em hora. Não cobrava uma mente brilhante o tempo
todo: o que eu queria era um corpo brilhante como o de Ana. Possuí-la seria algo
muito especial com certeza.
Passei a sentar perto dela na sala de
aula. Mas eu corava um pouco diante daquela mulher. Era tesuda. Linda demais
para mim. Era tudo que eu queria; tanto que babo enquanto escrevo estas linhas
mal traçadas. Além do tesão, fui construindo dentro de mim uma mulher
maravilhosa: capaz de recitar Rimbaud de cor. Capaz de soletrar em alemão. Capaz
de traduzir para o francês parte da obra de Joyce.
Ela só crescia
em mim enquanto pessoa e enquanto mulher. Como pessoa mostrava-se militante da
causa do mais pobres e como mulher estava cada vez mais maravilhosa em sua
minissaia babante ao chão. Eu não agüentava mais o meu pênis e a minha cabeça.
Meu corpo e minha mente estavam fascinados pela mulher maravilhosa chamada
Ana.
- Ana qual é o seu nome?
Perguntei pra ela o nome dela que eu sabia. Que gafe. Vai me reduzir a
esterco.
- Como sabe o meu nome?
- Todos sabem o seu nome.
-
Todos?
A filha da putinha estava me dando mole. Vaca profana: toda
mulher gostosa gosta de saber que é gostosa.
- Todos somos seu
fã.
- E você vê: eu estou sem namorado há mais de um mês.
Não
sei o que eu tenho, mas ela estava me dando mole. Enquanto falava gesticulava.
Adoro mulheres que gesticulam. Elas passam uma verdade para a gente. Passa uma
sensualidade toda própria. Adoro mulheres que sabem falar. Falar é primordial e
Ana falava bem:
- Sabe, você fala tão bem!
- Quero ser
professora de Português e escritora. Meu sonho sempre foi escrever um livro do
tipo do Patavina Angústia.
- Patavina Angustia! – eu não conhecia porra
nenhuma do Patavina – eu adoro Patavina – falei mentindo, óbvio.
E
ela ficou ali meia hora falando do Patavina Angústia e de como a linearidade
discursiva poderia ser substituída pela tensão estrutural no texto do tal
escritor. Fiquei gamado e nos dias que se seguiriam leria toda a obra do
Patavina Angústia.
Era amigo de Ana. Um amigo distante e – com
medo de ver o meu planejamento de aproximação – cair por terra, não fazia nada
fora das dadas planejadas para que eu traçasse Ana ou não. Ana era tão gostosa
que dei um prazo a mim de um ano para que comesse a mulher mais gostosa da
faculdade, que eu saiba virgem indevassada ainda nas bocas das matildes da
facu.
Fomos estudar junto o tal do Patavina na biblioteca quando
ela pegou na minha mão. Havia uma barata andando perto da mesa e de sua bolsa.
Eu tremi de medo. Se há uma coisa que detesto é barata, mas se eu mostrasse toda
aquela minha porção viado a ela, meu deus! correria o risco de perder meu bem
para sempre. Fui macho e matei a kafquiana. Ela, Ana me elevou momentaneamente a
condição de herói grego e ainda bem que eu percebia que aquela mulher estava se
afeiçoando a mim: porque estava chegando no final do meu prazo de varredura e eu
não havia liquidado a promissória, sequer me aproximara dela. E o pior: estava
apaixonado. Vivia o dia todo escrevendo Ana no caderno. Fazia balõezinhos com a
palavra AMOR. Estava caído de amor. Quedado.
Passava horas a fio em
busca de uma idéia salutar que me fizesse chegar a aproximação de minha deusa.
Cantava aquela música; “Eu pensei em tanto pra dizer enquanto esperei pela
chegada triunfal desta deusa”. Enquanto não a possuía maritalmente e enquanto
ela não era a minha mulher e a mulher de meus filhos e a mulher mais perfeita
quase a virgem Maria, eu me masturbava libidinosamente pensando em seu corpo. No
que me falava. Na sua voz. Nas suas coxas. Na sua zona do agrião. Cheguei – de
tanto descabelar o palhaço – a conviver com uma dor de cabeça tão forte que só
vinha na hora em que o meu sexo tremia de amor mais sincero: a hora do gozo
eufônico. Eu gozava recitando o soneto da fidelidade e minha vida era
feliz.
Suficientemente perto do natal fui acometido de uma dor que
me ofuscava a entranha, uma dor rimbaudiana mesmo: nós iríamos entrar de férias
e resolvi partir com tudo antes que mais um fim de ano chegasse e eu ficasse a
ver navios, ou melhor, a ler revistinhas do Hary Jone, a ver os filmes da
coleção Sex Hot ou a fazer o plano total de aquisição da tv a cabo, só por causa
dos quatro canais de sexo. Estava doido. Quicava dentro de mim. Era a última
prova do ano. O tema da prova era Patavina Angústia. Pronto!
- Ana
quer estudar o Patavina Angústia lá em casa?
- Tudo bem. Eu vou. Que
horas?
Eu não acreditei. Ela iria. Ó Ana Júlia aahaahh
ahhahhahahahha/Ó Ana Júlia ahahahahahahah”.
Preparei todo o
ambiente da minha casa. Cheguei a chamar uma amiga decoradora – que tive de
traçar por conta dos palpites que me deu – e decorei a casa com flores e
fragrâncias florais. Botei um espelho no teto para dimensionar todos os ângulos
do sexo selvagem que iria rolar. As tamancas vão quebrar, eu dizia a mim mesmo.
Era que o meu pai dizia quando me levou pela primeira vez nas termas Santo
Amaro.
Ting dong, tocou a campainha. Eu já estava puto de tanto
esperar. Ela estava numa calça tão grudada que chegava a ver o âmago da sua
xaninha. Meu pau logo endureceu. Eu era um garoto e tinha só vinte e poucos
anos: o que potencializava a minha força sexual.
Ela era doce,
meiga, bonita, gentil, delicada, bondosa e usava um Pierre Merdon: o melhor
perfume do mundo. Sentamos e ela fez questão de ficar bem distante de mim. Li
vinte e cinco páginas de um texto que havia feito sobre Patavina. Falei e falei.
Dei aula do assunto. Dentro dela eu sentia que ela pensava: “COMO ESTE CARA SABE
DE PATAVINA”.
Eu sabia de Patavina para caralho. Não gostava tanto
do Patavina quanto da Rosecler Lisboa Prado de Almeida e Fragon, mas tudo pelo
sexual.
Conversa vai e vem. A cada meia hora me aproximava vinte
centímetros: o que deu no final de duas horas, uma quase coxa a coxa com
Ana.
O tempo estava passando e o assunto se assuntando e se
espargindo, indo pelo ar. Resolvi partir para o ataque. Botei minha mão sobre as
coxas dela. Ana tirou as mãos. Toda a mulher recatada é mais gostosa. Depois de
meia hora de tira e bota a mão pra lá e pra cá, eu resolvi parar
tudo:
- Pára tudo!
- Por quê?
Resolvi me declarar.
- O amor é o fogo que arde sem se ver.
- É ferida que
dói e não sente.
Falei por meia hora e olhei por meia hora no
azul-piscina daqueles olhos e mergulhei na sua boca. Bingo. Vitória. Gol do
Mengão no Maracanã.
Ficamos quinze dias saindo e levei dois meses
para que fizéssemos amor. Eu não faço sexo. Eu só faço amor. Fizemos de tudo
menos o tal do boquete: sexo oral. Ela alegou que exigia uma melhor “enturmação”
com o meu ser e que um dia chegaria e nós faríamos o tal do
boquete.
Eu estava amando e havia achado a deusa da minha vida e a
mulher que iria guiar o meu carmanguia vermelho. A senhora do meu sono. A
perfeita. A deusa. A formosa e a imaculada: Ana.
Passeávamos de
mãos dadas na praia. Íamos ao cinema. Fizemos todo o roteiro de amor do Rio de
Janeiro. Tudo vale a pena quando a pica não é pequena, dizia ela em seus
momentos de maior aproximação... Só havia um problema: ela não fazia o boquete.
Não chegava perto do Godofredo. Não beijava o bichinho.
- Um
dia será o dia em que tudo se revelará e nós faremos sexo
oral.
Aguardava este dia tanto que resolvi, pelo fato de ter
encontrado a mulher de minha vida, a deusa de meus caminhos, resolver aquele
problema com uma profissional. Aquilo não era traição. Era só uma fissura minha
que estava aumentando e podia terminar prejudicando o amor da minha vida. Para o
meu relacionamento não sucumbir em discussões de relação, procurei uma mulher no
jornal. Eu era contra. Juro que sou um homem que preza o amor como algo
superior. Não sou do tipo que só pensa em carne. A única carne que como é boi
ralado. Com mulher eu faço amor. Desculpe meu bem, mas lá fui eu para a RAINHA
DO BOQUETE, um antro de perdição mais conhecido como termas Copacabana.
- Quero conhecer a rainha do boquete, falei à recepcionista
que me olhava.
Pedi desculpas a Ana. O fiz internamente. O fiz por
nós dois. Eu não iria beijar. Não iria fazer sexo. Eu não iria me prostituir às
avessas e me entregar a luxuria. Era só uma chupadinha. Fui ao reservado e tirei
a roupa enquanto pensava numa boca mecânica, numa dessas ordenhadoras de tetas
de vaca automática. Eu estava fazendo aquilo pelo meu amor.
A
barraca estava armada. O sangue pulsava. Só de pensar que o meu fetiche, algo
que não fazia há muito tempo ia ser concretizado, me fazia
babar.
Virei-me e fiquei de bunda para a porta e me olhando no
espelho. A recepcionista chegou trazendo uma mulher à tiracolo. Ela disse que a
garota com o véu era a Rainha do Boquete.
Me aproximei. Olhei
nos olhos dela e uma lágrima caiu. Tirei o véu e ela era Ana. Ana Júlia era a
rainha do boquete. Meu pênis broxou na hora. Cai fulminado com um ataque
cardíaco. Hoje me encontro no CTI sexual do céu. Fui condenado a viver de pau
duro esperando Ana para consolidar meu desejo mais ulterior.
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domingos blues
Para Plínio Marcos, Carlito Maia
e
Betinho (A Saudade é a mais
profunda
forma de eterno amor, respeito
e admiração)
"Amamos a vida, porque
estamos
acostumados não à vida, mas a
Amar..."
(Nietzsche)
Todos os Domingos descansamos os remos da sobrevivência possível. Alguns
coiós tiram colônias de cupins das portas de cedro, outros capiaus podam a
roseira, há quem escove máscaras, e eu confesso que, até tiro Glen Miller para
dançar na imaginação algo salobre.
Todos os Domingos, por excelência
Visitamos a sogra, o barzinho Fecha Nunca
Vamos à cata de ícaros selvagens
Cantamos no chuveiro – Saravá Luís Melodia (ou Jards Macalé)
Passeamos com o cachorro Bethoven (é assim que se escreve?)
E, às vezes, românticos como poemas etílicos
Chamamos a patroa, musa vítima (mulher amada, adorada, salve! salve!)
De...pasmem: "Raio de Sol" (Aleluia, Um a Zero!)
Todos os Domingos vamos à igreja Catedral de Lírios
Lemos Salmos de David, Poemas de Neruda ou Garcia Lorca
Compramos um monte de cacarecos de um dólar (Ai Malan!)
Ligamos para a mãe distante (À bença, Dona Eugenia!)
Tomamos todas e mais algumas
(Sou da Igreja Universal do Reino da Skol – desce redondo)
E ainda escrevemos cantos líricos aos anjonautas íntimos.
Todos os Domingos cheiramos a sovaco vencido depois dos atropelos de
última hora (Ai que preguiça!), lemos pela enésima vez o velho e encardido gibi
do Flecha Ligeira, jogamos erros e lamentos no ralo das inquietudes, coçamos a
bereba imaginária e assobiamos Elis Regina com saudade e sofrência
Todos os Domingos RESISTIMOS, cara-pálida
Entre a colmeia de cimento armado, a gaiola de janelas de acrílico
A cruz, a tevê, o sanduba vegetariano (logo vamos ficar verde e fazer
fotossíntese)
Pinchamos longe os remorsos sublimados
Entre gols, afetos, riscos sem cálculos
E uma total falta de perspectiva para o humanismo
(Depois de oito anos, é difícil ver o sr FHNistão como um Ser
Humano).
Todos os Domingos vadiamos
Vemos o antigo filme predileto (Ensina-me a Viver)
Fazemos faxina - e depois churrasco
(Não necessariamente nessa ordem)
Tocamos clarineta ou bandolim
Brincamos de roda-cotia com os guris serelepes dos vizinhos
alumbrados
E ainda aguamos a samambaia e recolhemos os lixos de pertences e
tropeços
Todos os Domingos conversamos
Com os nossos fantasmas sagrados
Lemos vários sites (Bendita seja a Irene Serra)
Mandamos vários e-mails
Pagamos promessas secretas
E até xingamos o governo neoliberal cheio de fricotes e polentas azedas nas
estúpidas bandas cambiais furadas...
Todos os Domingos evacuamos a Metrópole (paulicéia desvairada)
Que cheira a detergente e óleo díesel com ranço
E vamo-nos a zoar, felizes como vacas loucas
Pelos pomares, praias, butiques e chalés
Atrás de frustrações e fugas que nunca resolvem nada, mas nos fazem
hospedeiros de uma entojada angústia-vívere
Todos os Domingos acordamos
Da ressaca do sábado - cheirando a cabo de guarda-chuva
A mulher reclama cheia de bobes e esmaltes
(A TPM, ou algum ranço de dezelo presencial)
E ainda sobrevivemos, destemperados
Contando palha que vamos votar na única utopia da oposição limpa
Todos os Domingos por excelência, ligamos para o amigo distante (Olá
Pintor Jorge Chueri de Itararé), lavamos o carro fedorento, tiramos o ceroto do
banheiro, praticamos cooper (com a enorme barriga de cerveja – Bavária Júnior,
dizem os boêmios caçoadores), relemos Sócrates, Pessoa, Borges, Brecht, e ainda
temos um tempinho para a sinuca ou para o pôker.
TODOS OS DOMINGOS APRONTAMOS
(Macarrão com xingos na sogra)
O gol do Timão Fiel Corinthians
A tristice da saudade jururu
(Itararé é tão longe)
Mas ainda encontramos forças para gostosamente conspirar contra o
governo...
.................................................................
Na sagrada Segunda-feira, Dia do Senhor
Marmita, Sonrisal, Tiket-nervoso, Vale-Ressaca, Passe Espelunca (Aspirina e
Chá de Boldo)
Começamos tudo outra vez - como uma roda de remorsos e moinhos de
insatisfações
Feito um curtume, uma purgação, um desencanto de foro íntimo
resignado
Até o próximo DOMINGO DE DESCANSO – de novo
Entre céus, encantários, santerias e bebemorações
E a mesma eterna metralhadora cheia de Lágrimas!
>>>
f a l a q u e e
u t e e s c u t oSim, senhor,
estivemos ficando fora do ar, mas estamos retornando para estar lhe atendendo e
lhe dando, ao mesmo tempo, os subsídios para que o senhor possa estar melhorando
sua qualidade de vida. Estamos ouvindo para melhor estar ajudando. Esteja
escrevendo para [email protected], que estaremos lendo e
respondendo, enquanto estiver dando.
"Pipou, o certo é 'mindinho' ou 'minguinho', aquele dedo mais pequeno?!
Baeh..."
orlando responde: Como todo mundo ignora, sou metade
mineiro, por parte de mãe. Pois nos ermos das Gerais usa-se dizer "minguinho" em
vez do camoniano "mindinho". A completura do versinho desabusado reza
assim:
Minguinho - Seu vizinho - Pai de todos - Fura bolo - Mata piolho.
Canta-se mostrando os dedos das mãos, segundo disposto abaixo:
Minguinho = Mínimo
Seu Vizinho = Anular
Pai de Todos = Médio
Fura
Bolo = Indicador
Mata Piolho = Polegar
É música das mais bestas, admito. Só serve pra entreter nenê, e não por
muitos meses, que senão ele logo perde o respeito. A fase seguinte de embromação
infantil é o famoso "quedê o torresmo que tava aqui? o gato comeu. quedê o gato?
foi pro mato. quedê o mato? fogo queimou", etc. Mas o certo é mindinho. Assim
como a corruptela correta de fósforo é forfe.
Abraços.
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& propostas indecentes:
>>>
p. s. orlando:
estou sangrentamente orgulhoso do franciscanismo do Palmeiras, que vem
abandonando uma história cheia de torpes vitórias e abraçando o sofrimento e a
humilhação. pinga virtude, arviverde, pinga.
orlando: humildade é pra quem não pode nada.
orlando: a coisa anda tão ruim pro meu lado que já ando
achando que melão é ovo de páscoa.