081
3 de novembro
de 2002
curitiba são
paulo rio de janeiro brasília goiânia belo
horizonte porto alegre campos dos goytacazes
>>>
n e s t a e d i ç ã
o:
vida, vida e
esperança desconfortos simplicidade vampiros e outros
desencarnados solitude mensagem
para você tempo de joão pequenez roto-rooter
>>>
E a nação tem um novo presidente.
Novo em tantos os sentidos, que não dá para saber
direito do que falar para ir além de tudo que já se foi dito por
aí.
A novidade, paradoxalmente, não traz nenhum fato novo em
si. Desde 1989, quando o país teve sua primeira eleição democrática desde muitos
anos - sem contar que as anteriores ao regime militar que tolhiam direitos de
mulheres, pobres e afins - todos os eleitos foram "novidades", inclusive o
próprio Collor. E mesmo naquele tempo já havia Lula em sua versão mais
neandertal. Lula, o insistente, levou quatro pleitos para conseguir conquistar
seu lugar ao céu. Céu?
A novidade maior talvez seja a ascenção nos "braços do
povo". Manifestações por todo o Brasil e o apoio silencioso até mesmo de quem
não oPTou levam-nos a comparar Luiz Inácio com o velho Getúlio, o pai dos
pobres. Há quem seja efusivamente do contra, claro. Mas o espírito geral, do
qual revestiu-se maior parte da imprensa e afins, é de esperança. Não uma
esperança tola e cega, mas a esperança de que todo esse ânimo e ensejo sejam
transportados para o trâmite da política em nível federal.
Alguns podem bradar contra um suposto ufanismo - e até
devem, porque o preço da liberdade, você sabe, é a eterna vigilância - nesse
momento pós-eleitoral. Mas simplesmente é difícil lembrar de outro momento em
que o país e seus diversos organismos internos estiveram tão coesos em torno de
uma idéia. E o homem, pelo menos até que seus atos o traiam, não
decepcionou. Talvez fosse simplesmente o momento de dar chance a um grupo com
outra orientação ideológica que possa ajustar ou melhorar políticas de
desenvolvimento do país em pontos que, por um ou outro motivo, estivessem
abandonados pelo grupo que está no poder há oito ou dez anos.
>>>
Infelizmente, as desigualdades históricas acumuladas em
seus mais de 500 anos tornaram o Brasil um país quase incorrigível. As coisas
beiram o surreal em determinados momentos. Como em Curitiba, quando, há duas
semanas, uma menina de quatro anos foi encontrada morta em uma valeta numa
das vilas mais pobres da cidade. Desapareceu e, quando encontraram o corpo,
descobriu-se vestígios de violência sexual. Duas amigas, de oito e dez anos, com
quem a garota foi vista pouco antes de sumir, disseram que um homem a havia
levado da rua jurando morte a quem contasse que ele passou por lá.
Trágico.
Dois homens foram presos suspeitos de terem cometido o
crime. Um deles foi, inclusive, reconhecido pelas amigas da vítima
como o seqüestrador. Ninguém sabe o que foi a noite que esse sujeito passou
na cadeia.
Houve que no dia seguinte ao enterro da garota um
familiar de uma de suas amigas disse ao delegado responsável pela
investigação do caso ter "estranhado" o comportamento da menina no funeral.
Desconfiado, o policial chamou as garotas ouviu suas histórias. Primeiro,
separadamente. Depois, juntas. Resultado: as duas confessaram ter matado a
garota de quatro anos com as próprias mãos.
O motivo? A menina ia todos os dias à casa delas para
pedir comida. Era muito chatinha. Naquele dia, foram "brincar" na valeta e
resolveram afogá-la. Parece que ficou sendo torturada por meia hora antes de
finalmente morrer. Com medo de serem descobertas, introduziram gravetos em suas
partes pudentas simulando violência sexual.
Hoje elas estão sob a guarda do Conselho
Tutelar.
>>>
A história é macabra, mas verdadeira. Talvez seja pesada
demais para ficar sendo repetida por aí, mas é um contraponto vivo à esperança
da qual se reveste o país neste momento. Quero crer que este seja o início de um
(longo) processo que nos tire da ponta do abismo da
demência.
>>>
Mudando de ares... nesta edição muita gente e coisa boa,
a começar pelos curtos (que eu tanto admiro) de André Machado, Fábio Fernandes e
Cristiane Lisboa. Mas há também menos curtos (não menos admiráveis), como os de
Natygirl, o velho cumpadi (arlã(), minha conterrânea Pam Semacento e a
precisa Alessandra Mascarenhas.
Mas vale destacar sobretudo a belíssima peça do maluco
beleza Jorge Rocha, que está fechando com chave de ouro este seu Spam. Não deixe
de conferir lá embaixo.
Spam Zine: literatura primorosa e os
menores juros do mercado.
>>>
minicontos do
desconforto
- 13 -
Ele abriu o freezer. Já fazia seis meses que pusera lá o
coração. Achava que estava pronto para outra, agora que a esquecera. Tirou o
pote e o depositou na pia. Enfiou o coração de volta na caixa torácica. Só então
percebeu que ele não sabia mais bater.
* Este miniconto foi inspirado num devaneio de
Crib Tanaka após uma troca de emails com o Guardião do Cadafalso. O devaneio de
Crib terminava assim: "Abri o congelador e pus lá meu coração. Sentei em frente
ao computador e me propus produzir. No final da tarde, liguei para os
classificados e paguei por um outdoor, em plena Linha Vermelha. À frente da
imagem de um coração azul, em caps lock e negrito, a frase: só por uns
tempos."
- 14 -
Acabara de acender um cigarro e dava uma preguiçosa
tragada, quando ela começou a chorar e tomou sua mão, apertando-a docemente.
Sentiu que a angústia que transbordava de seus olhos, lindos e desamparados,
escapava por entre os dedos dela e penetrava em seus vasos capilares, o que
causou nele uma tremedeira seguida de um tufão de sentimentos a princípio
desconexos.
Antes que ela o dissesse,
ele entendeu imediatamente a extrema solidão e a nostalgia invencível da
inocência que queimavam no cérebro de sua companheira de mesa. Tudo aquilo que
estava impresso nos olhos dela e que até ali não soubera aquilatar. Então os
tremores aumentaram, pois era exatamente assim que ele se sentia há muito tempo.
Seu peito -- protegido há anos por extensa carapaça de aço -- de súbito
amoleceu, e ele a amou, ou descobriu que a amava, longa e sofregamente, desde o
primeiro instante em que lera seu nome, em letras miúdas, após um parágrafo
carregado de dor, mostrado por um amigo comum.
Mas como dizer-lhe? Ele estava velho e desiludido; mais
um ponto no seu rejeitômetro e morreria ali mesmo. Ela continuava a chorar --
tão sozinha, em todos os sentidos -- e ele tremia com a força da emoção
teleportada, mas também com medo de se levantar, abraçá-la e beijar sua boca,
inundando-a com a única coisa que poderia lhe dar: um novo desejo. Um rastilho
finíssimo de esperança.
Só parou de tremer quando percebeu algo quente descendo
por sua face esquerda. Era uma lágrima. Sentiu-se beatificado com o pranto
copioso que afinal expulsava de seus próprios olhos, após o que lhe parecia o
triássico, o jurássico e o cretáceo juntos, e deu um longo suspiro de alívio.
Perdeu a noção do tempo e quando olhou para a cadeira à sua frente, em meio à
neblina, ela não estava mais lá.
Estava a seu lado.
Delicadamente, ela pôs os braços em volta de seu
pescoço.
E beijou-o na boca.
- 15 -
Ao ver, muitos anos mais tarde, a espada na mão do
carrasco, enquanto subia os degraus do cadafalso, ela lembrou-se de sua última
fuga em terras escocesas, quando o mar lhe dera a opção de seguir para a
Inglaterra ou a França. A primeira representava o desconhecido, a aventura, o
perigo; a segunda, a segurança da família e de seus seguidores. Embarcou ainda
incerta, mas atraída pela incógnita inglesa; no meio da travessia fraquejou e
pediu que o barqueiro a levasse para a costa francesa. Foi então que soprou um
vento suave que empurrou, com mãos frias mas gentis, o barco para a Inglaterra.
Resignou-se e saltou, com toda a sua altura e
beleza, numa humilde vila de pescadores. Aliviada por ter deixado a Escócia e
suas intrigas, não percebeu quando o jovem barqueiro, vestindo uma túnica, se
despediu. Um dos lordes que a acompanhavam, porém, agradeceu ao rapaz e deu-lhe
algumas moedas de ouro, dizendo:
-- Mestre Caronte,
ser-lhe-emos eternamente gratos.
O barqueiro apenas sorriu
e fez-se ao mar, logo sumindo na manhã nevoenta.
>>>
foi simples
Ela sentou-se ali, na cadeira de balanço, em frente à
janela. Mas desta vez não balançou. Não desta vez. Ficou ali, quietinha, com um
cigarro aceso nos dedos da mão direita e uma caneca de café amargo na outra.
Ficou olhando lá fora. Nada se movia. O dia era cinza, o céu carregado era
chumbo. As flores pareciam apagadas pela falta de luz no céu.
Ela ficou por muito tempo olhando tudo, cada detalhe
daquele pequeno jardim tão conhecido, onde tantas vezes foi feliz. Observou os
contornos de todas as pétalas, de todas as flores dos canteiros. Achou os
contornos tristes. Achou também que era por causa do dia.
Depois de observar tudo por muito, muito tempo, como se
querendo gravar na alma o jardim da sua casa, suspirou profundamente e pensou na
figura dele. Reviveu um momento dos dois juntos, talvez o seu preferido. Os dois
no jardim, correndo nus e felizes, num dia de sol e calor. Lembrou especialmente
dos olhos dele naquele momento. Eram olhos de criança.
Suspirou novamente. Ajeitou o cinzeiro sujo, depositou a
caneca sobre a mesinha lateral e ali mesmo pegou o objeto que tanto queria.
Olhou-o quase com carinho. Fechou os olhos docemente, mas, com firmeza,
escorregou a gilete afiada pelo pulso direito. Depois pelo
esquerdo.
Foi encontrada depois de vários dias, ainda bonita,
ainda sentada na cadeira de balanço, com sangue já seco por todos os lados e um
sorriso suave no rosto.
>>>
Vampiros
Paulo é um homem discreto, apesar da profissão. Ele é
músico, baixista, e toca num grupo de jazz conhecido. Está sempre em evidência,
embora nunca em primeiro plano. Isso lhe cai bem, pois ele pode andar pelas ruas
de Ipanema e do Leblon de madrugada sem que ninguém o perturbe.
Paulo gosta de caçar. Não
importa sexo, cor, religião: basta que seus olhos pousem sobre a vítima e um
arrepio sutil percorra seu corpo, da base da nuca até a virilha, e pronto. Ele
joga seu charme, sempre da maneira mais adequada para o caso em questão. Quase
sempre consegue, e é nisso que reside o perigo, pois Paulo conhece bem o velho
ditado árabe que diz “Cuidado com o que você procura, pois pode conseguir.” Às
vezes Paulo consegue até demais: ele se apaixona.
E então tudo é felicidade,
estado de graça. Paulo se entrega à paixão. Seu parceiro do momento também, e
sempre se entrega mais (Paulo não escolhe aleatoriamente, afinal). Um dia, de
repente, tão súbita quanto no começo, a paixão se acaba. Para Paulo isso não é
nada demais, ele já está acostumado: turnês na estrada, viagens constantes,
essas coisas não ajudam um relacionamento que se pretenda
duradouro.
Mas para seu parceiro da ocasião, a indiferença que Paulo afeta
nesse momento é dolorosa. Essa é a pior parte: é o tempo das brigas, das
discussões, das ameaças, às vezes das agressões. Paulo sempre sai ileso dessa
fase desagradável: não se pode dizer o mesmo de seus amantes. Uma se matou,
outra surtou, um terceiro fez anos de análise. Paulo suga todos que se envolvem
com eles. E depois joga fora.
Zumbis
A primeira coisa que Levi
pensou ao derrubarem a cerca do campo de Dachau foi: qual é o caminho de
casa?
Levi levou dias para chegar à sua aldeia, no interior da
Polônia. Ou ao que restou dela.
Não havia pedra sobre
pedra. As ruínas se estendiam por quilômetros, até onde a vista conseguia
alcançar. Até onde os óculos tortos e de lentes rachadas de Levi podiam
alcançar.
Levi sentou-se sobre a maior pedra que havia por
perto. Não tinha forças para chorar. Morto de fome, chegou a esperar que ao
menos um rato passasse por ali.
Não passou. Em seu lugar, apareceram lentamente
pessoas. Pessoas diferentes dele, macilentas mas coradas, magras mas ainda
gordas se comparadas a ele.
Mas essas pessoas jamais
aceitariam qualquer espécie de comparação com Levi. Porque Levi era judeu, e
para eles, outrora moradores das ruínas que foram uma aldeia, a culpa do
massacre nazista era da raça dele.
A primeira pedra atingiu
em cheio a testa de Levi.
Ele caiu com o supercílio
aberto. O sangue que empapou o rosto logo cobriu os óculos. Levi não viu o resto
das pedras que caíram sobre seu corpo.
Um cientista disse certa vez que, se a Terceira Guerra fosse
nuclear, a Quarta seria lutada com paus e pedras. Levi não esperou
tanto.
>>>
posologia da
solidão
Quantas donzelas eflúvias bailam ao redor dos
meus olhos rudes, concretos demais para enxergarem sonhos no ar? Sinto que essa
vida é a morte para uma outra paragem onde, clamantes e desprotegidas,
choram amores e amantes, sem um pingo de ciúmes entre si: Lá
sou esperado e deverei ser um bem para todas.
Mas que seres serão esses, cuja
incompleta e caótica tradução sugere débeis e enevoadas formas femininas,
com olhos de mar e hálitos de fadas? Por que tumultuam tanto
e provocam lancinantes silêncios na minha incompetente - e talvez
inexistente - arte de amar?
Estarão tentando falar algo às mulheres
daqui, que supostamente passaram pela minha presença e não gravaram
em minh'alma o seu perfume? Não... Por estarem assim tão pertos de mim, é
ao meu coração que falam. É para minha solidão e dureza que apontam sem um pingo
de hesitação...
Oras, mas por que não serão,
afinal, apenas e tão só complexos nós, a serem desatados no dia
em que eu puder humildemente ajoelhar e agradecer por estar vivo - ou não
mais...
Nas feridas erráticas de quem ficou
sozinho, passa-se o falso linimento de que Deus ainda
aperfeiçoa o amor.
>>>
mail delivery
era questão para ser resolvida em uma frase. daquelas
coisas que se você não diz, a sua vida toma outro rumo, e nunca mais é a mesma.
nervosa, ela pegou o papel de carta dentro da gaveta, a caneta que ela mais
gostava, suspirou e derramou tudo ali.
leu. leu de novo. não
gostou de uma palavra e passou tudo a limpo. leu. olhou para o teto, viu o rosto
dele, atendeu o telefone. leu de novo. dobrou com muito cuidado e colocou no
envelope. escolheu o selo entre os que ela tinha. um de borboleta, o mais bonito
de todos. colou. começou a endereçar pelo remetente, e não colocou o próprio
nome. só o endereço. levou o envelope ainda aberto na bolsa, como se não tivesse
tomado o caminho do correio. olhou o papel dobrado pela última vez, fechou e
colocou na caixa. pronto. agora foi. saiu depressa, agora para o
cabelereiro.
no dia seguinte foram flores. depois bombons, e
depois brilhantes. e três filhos. nos anos seguintes foi cama, mesa, banho, sala
de visitas, televisão.
um dia foi médico. hospital. cirurgia.
acabou.
na volta do enterro, ele
acha na caixa de correio uma carta devolvida. carimbo de 35 anos atrás, e uma
letra familiar. endereçada para ele, num outro endereço de há muito tempo. tanto
tempo que ele não se lembra mais da fachada da casa. abriu. era questão para se
resolver com uma frase. "talvez não seja assim tão simples. talvez nem seja uma
idéia tão boa..." ele chorou. era o último restinho dela. e ele a amava tanto
que não percebeu que naquela carta ela recusava o pedido de
casamento.
>>>
o tempo do
tempo de não parar o tempo ou joão
Em tempo do tempo, pois o tempo é que faz as coisas
temporárias,
temporariamente durante um pouco mais que esse tempo que passa e
compassa a vidraça enrustida
e repassa os passos do andarilho João
num passo ermitão do temporário tempo de ser do homem
em falta de dúvidas, dívidas divididas em minha gaveta esperam o
tempo passar.
ao contrário do tempo, minha mão há de parar em algum lugar e por
ali ficar,
ali adormecer com os passos de João, que por sua vez passa o tempo
matando passos,
ao passo de que quando envelhecer, já tenha dado muitos passos para
não se arrepender
e arrematar o tempo em quatrocentas libras envidraçadas e
açucaradas
e matar minhas dívidas divididas na gaveta do temporário
amanhecer
que nunca vai se esvair ao contrario da essência do existir de
João,
que anda pelos trilhos e cacos de vidraça e envelhece sem morrer
num passo ermitão do temporário ser.
Algo ainda que falte pelo menos não sobra e sem moscas sobre a
carne minha ou de João ou de qualquer outro fato de bater,
ou a bruxa ou o lobo ou a dívida do tempo para com todas as almas,
que prometeu-lhes dar mais tempo mas esse tempo é arrancados de
nossas costas
sujas de terra e barro e cacos
os cacos da vidraça por onde João caminha lentamente rumo ao
evidente alvorecer.
>>>
pequeninos
E amanhecia quando eles trocaram o último abraço. Tão
protocolar, riram alto. Estavam na praia e ela contou sete ondas antes de
jogar as rosas brancas para Iemanjá. Depois, partiu sozinha. E dessa vez
não fizeram planos de ser ver um dia, em Paris. Nem ouve nenhuma daqueles beijos
que os fazia esquecer de tudo que havia sido dito. Ela seguia andando sem nem
pensar em olhar pra trás. Porque se olhasse ia virar pedra como na história da
Medusa. Ele sentou na areia - embora detestasse areia – e há quem diga que
nunca mais saiu dali.
*
Se preciso for, se necessario for
mesmo, paro já com esse negócio de sentir, de querer, de divagar em voz alta.
Não lembro mais o caminho de casa e já não atendo pelo meu nome. Coloco óculos
escuros pra esconder as lágrimas, tomo banho frio e uso meias pra dormir. Se
preciso for, brinco na lama, chuto lata nas ruas e repito baixinho teu nome até
que ele perca o sentido. Bebo alguma cachaça ardida, um copo de leite quente ou
nunca mais bebo nada. Separo, caso, enamoro, vou-me embora. Me entrego toda se
preciso for de verdade. Fico louca de novo, esqueço as opiniões e choro na
frente dos outros porque sei bem o que preciso. Esqueço que o 3 vem depois do 2
e antes do 4, rasgo o mapa da mina e enveredo por outros caminhos. Estrago-me.
Faço tudo e não deixo sobrar mais nada pra ninguém. Tudo isso se preciso for. Se
tu vieres. Se tu pedires. Com jeitinho e duas vezes.
*
Em todas as
festas chegava uma duas horas depois do combinado. Usava vestido preto com algum
detalhe. Pérolas. Meias pretas sempre. As vezes o olho marcado por sombra
escura. As vezes, a boca carmim. Jamais os dois juntos. Quando ganhava
carona, deixa cair distraidamente um batom ou um brinco no banco de trás. Olhava
o relógio do celular varias vezes durante o encontro como se estivesse perdendo
algum outro grande compromisso. Assinava duas revistas semanais e um grande
jornal. Conversava sobre qualquer assunto. Sabia até a escalaçao dos principais
times de futebol. Não tinha pudores no sexo. Fazia, com perfeição, um
suflê de queijo irresistível. Os pais moravam longe e adquirira recentemente um
dvd. Só que mais uma sexta feira á noite estava em casa, sozinha.
Ia parar de ler cosmopolitan e tentar
ser ela mesma.
>>>
p e r
g u n t a r n ã o o f e n d e
"Você acha
possível que nossos dejetos acabem aterrando os
oceanos?"
phelipe c.
cruz [email protected]
Acho que não. Mas se não pararem de construir
metrô trazendo a galera pra praia, eu acho que sim.
roberto moschen jr. [email protected]
Sim. Muito possível. Dejetos intestinais. O
ser humano moderno come lixo o tempo todo. Lixo abundante, travestido de
sanduíches do Mac Donalds e macarrões instantâneos. Sendo assim, o volume
de cocô por ser humano é dezoito vezes maior do que era antes da modernidade.
Com a quantidade de banheiros disponíveis e aumento da população e do volume de
fezes, há um aumento absolutamente incontrolável de cocôs que precisam sair, que
exigem liberdade, que se rebelam nos intestinos.
Ocorrerá, com o passar dos anos, um acúmulo
hediondo de dejetos lançados nos oceanos que serão maiores que a quantidade de
água disponível nos mesmos. Então esses cocôs se tornarão lama num primeiro
momento, depois se solidificarão, aterrando os oceanos sem piedade. As crianças
do futuro nadarão (?) em oceanos de bosta.
guilherme de queirós mattoso [email protected]Aterrar os
oceanos não. Acho que eles podem formar lindos aterros por toda costa.
Criaríamos vários bosques e gramados, já que o terreno seria muito
fértil...
***vivi*** [email protected]Tipo...sim, nos ja estamos
quase lá, é so vc ir ate a praia grande e ver o mar....hihihihi !!!
reginaldo a. monteiro junior [email protected]"Vem me fazer
feliz, porque eu te Amo...
Você deságua em mim, e eu
Oceano..."
Espero que nossos dejetos não acabem
aterrando os oceanos, caso contrário o Djavan vai ter um pouquinho mais de
trabalho pra compor... E as baleias, do Roberto, aquelas que cruzavam o
oceano...vão virar o quê?
Junior, Calvin & Hobbes
Cia Unlimited Enterprises Associated [email protected]Oh, sim...Na
verdade, em algumas partes "dos litorais desse Oceano Atlântico" , eu mesmo ja
andei me indispondo com vários desses dejetos, e de várias espécies...tem o rato
de areia, o bêbado brigão...ah, deixa pra lá, vai...
pergunta da próxima
semana:
"O que será da música pop quando as palavras 'amor' e 'dor'
forem banidas do vocabulário da humanidade?"
Chore no nosso ombro:
[email protected].
>>>
mesquinharinhas e
roto-rooter
[ou sobre aquela vez que
alucinei lendo bulas]
jorge rocha [email protected]
Fiz uma tomografia ontem. Chapas da cabeça requisitadas por uma médica
que cheirava a amônia e tinha olhos de anfetamina. Decidi atender a esta taxação
médica depois que me flagrei, quase amanhecendo, lendo um tratado sobre Eliphas
Lévi. E encontrando uma lógica acachapante em cada página. O que foi suficiente
para me fazer intuir: meu cérebro está embebido em alcatrão, gérmen de trigo e
conhaque. Precisava me certificar; algumas pessoas têm um parque de diversões na
cabeça — o que não é meu caso. Eu deveria ter, ao menos, uma destilaria.
Pensamentos curtindo em tonéis de carvalho. Por um momento, cogitei a
possibilidade de realizar um daqueles testes de Rorschach. Aquele das tintas
aplicadas em papéis formando figuras. Desses que você tem que dizer o que vê.
Reação imediata: tenho as respostas para essas e quaisquer outras dúvidas na
ponta da língua. Quer ver? Uma relação instantânea enquanto vou passando adiante
as placas.
Putrefação!
Saquinhos de chá!
Caixas de
gordura!
Goiabada cascão!
Imagens xamânicas sobre quintessência e
danação!
É nisso que eu consigo pensar — está se tornando um hábito —
quando as pessoas ao redor se esfarelam na volúpia esquizóide de receitarem-se,
inutilmente, antídotos para estupidez. Parecem esquecer que, em certos casos, se
trata de mal congênito. Diagnósticos nada saudáveis, você há de convir; eu
poderia ter sido um médico e tanto... Ah, sim... Há quem diga que existe mesmo
aquela história de “um homem e sua missão”. Lendas urbanas. Tão reais quanto o
finzinho do efeito de Prozac. Uaaaaaaaaaaaaaahhhhhh ...
Mas não havia
mais tempo para hesitações. Chamei uns demônios interiores para a briga e me pus
a caminhar até o covil medicinal — te juro: pensei em sanguessugas, fórceps e
banhos de imersão enquanto esperava minha vez de ser atendido. A amônia queimou
minhas narinas assim que abri a porta do consultório, antes mesmo que encarar
aquela toiceira cor de palha que ela mantinha na cabeça. A cada vez que
balançava a cabeleira, aquele cheiro me entupia as narinas — a qualquer momento,
eu poderia começar a babar. Por graças, nenhum vestígio de Rorschach; mas ela
foi taxativa, enquanto examinava as chapas da minha cabeça. Te digo: acho que
nunca havia saído tão bem em uma foto. Ela disse que eu deveria deixar de lado a
idéia fixa em aditivos, parar de me considerar um laboratório químico ambulante
e também de deixar de pagar passagem nos ônibus apenas com moedinhas. Sermões.
Enquanto fazia anotações num bloquinho e se preparava para fazer meu
receituário, me encarou nos olhos pela primeira e única vez desde que eu havia
entrado naquela saleta. Pistoleira. Disparou. Mais rápido do que
eu.
— Você teve algum problema mal-resolvido na infância ?
A
pergunta fez meu coração cometer um soluço. Mas ela nem
notou.
— Nem. Tudo é culpa de Eliphas Lévi.
Eu disse que
poderia ter sido um grande médico. Mas vocês nem notaram.
Antes do
solve et coagula naquele amanhecer, um amigo me contou que Ariano
Suassuna disse que as pessoas escrevem para resolver as contas com a infância.
Me lembro que, durante um certo tempo, meu pai me arrastava para a missa, aos
domingos. Eu me comprazia olhando as pinturas dos reinos celestes e colocando
meleca embaixo dos bancos, enquanto os outros se ajoelhavam e se mostravam
penitentes aos olhos públicos. Um tempo depois, com uma bela coleção de cerotos
de nariz nos bancos, foi a vez dos dribles e dos chutes a gol logo após os
momentos de acerto de contas. Para mim, não fazia muita diferença — para falar a
verdade, nem sei mais distinguir onde começava um e terminava o outro. E lá, bem
no meio de uma torcida organizada, em um ponto estratégico da arquibancada, eu
sussurrava:
— Deus, como eu odeio futebol!
Eu não poderia me
resumir de outra maneira. Entre a santa missa aos domingos e os estádios
lotados, fui cultivando ojeriza pela adoração. Não importava a natureza; o temor
me tirava de foco. Na adolescência, o cabelo que teimava em cair sobre meus
olhos era sinal risível de uma personalidade espinhenta, encalacrada entre
taras, fobias e festinhas americanas. Tudo sob os auspícios da eterna
vigilância. Hoje em dia, eu não me faço de rogado: enrolo fios do bigode vasto,
conjecturando se deveria ou não ter nascido Salvador Dali. Então, sinto náuseas,
peido — nunca em elevadores, é bom frisar — e isso passa. Mas nem sempre foi tão
simples. Quase nunca foi. Já precisei da ajuda de antiácidos e outros
estrategemas paliativos — principalmente quando me faltava fé. Mas não se
engane. Sou um filho da puta nas horas vagas. E convicto disso. Longe das
pregações e dos pênaltis, deixei crescer as costeletas. Sou um porco!
Chauvinista. E todos esses clichês do gênero feminista de saias até os joelhos e
desejos reprimidos até a raiz da alma.
Nas costeletas, sim, existe
redenção.
E é justamente coçando-as que me recordo que nunca tive taras
por médicas ou enfermeiras. Tampouco alguma vez senti vontade de classificar
qualquer surto hipocondríaco como fetiche. Maldito Eliphas Lévi. Será que ele
teve espinhas quando era adolescente ?
Ela fingiu não ouvir, enquanto
observava o exame, que mostrava uma mancha no meu cérebro que parecia uma
frigideira. Eu deveria imaginar: algo ali estava fritando. Tem lógica. Sou um
cara que esquenta a comida no meio da madrugada. E se entretêm bebendo chá com
conhaque e solvente, para se manter acordado e vigilante. Eu trabalho enquanto
vocês dormem. Filhos da puta! Mais uma vez, agora com a cara voltada para a
janela aberta: filhos da puta! Se eu vivesse no século XIX, estaria agora mesmo
cerrando os dentes, balançando o punho fechado no ar e maldizendo a humanidade.
Melodramas combinam mais se os colocarmos no pretérito. Hum, preciso me lembrar
de repetir isso como deixa para
“ir-ali-comprar-mais-bebida-enquanto-vocês-se-fodem-com-a-porra-destas-idéias-em-comum”.
E elas, as idéias que deveriam permanecer inéditas, saem da boca destas pessoas
como um jorro. Cascata dodecafônica de pequenas mesquinharias — como um ataque
epilético planejado de baratas e lacraias a sair por todos os ralos da casa.
Assemelha-se a uma enfadonha cópula que parece não ter fim. E eu sou silencioso.
São os ruídos que me incomodam, na verdade.
— Principalmente quando há
muco e gosma envolvidos na história — relatei para a médica, tão logo ela me
perguntou se eu costumo me aborrecer com facilidade.
Senti que poderia
começar a babar a qualquer instante. Estava começando a acreditar que havia
realmente algo de errado comigo. Sempre detestei amônia. Tanto que até agradeci
quando terminou a consulta e sai daquele gabinete tropeçando, em direção à
farmácia mais próxima. A minha casa.
Engraçado como o tempo passa rápido
depois que se faz tomografia e encara anfetamina olho no olho. Passei o resto do
dia estudando se voltava a ler aquele livro ou não. Ignorei-o — por pouco, não
joguei terra em cima dele. E, logo quando amanheceu, me lembrei de algo que não
havia falado com a médica. Não contei que, a cerca de três semanas, ouvi um
casal trepando, ruidosamente, na casa da frente. Um acinte. Luxurioso, mas ainda
assim um acinte. Ainda mais porque os malditos saquinhos de chá haviam acabado
no dia anterior. Assim sendo, acredito que se torna fácil compreender os motivos
que me levaram a não resistir e
gritar:
— Goooooooooooooooooollllllllllllll!!!!
Justo o que
berrei, espremido entre tantra yoga e tarja preta. Catarse, catarse! E um par de
chinelos velhos sendo jogados no telhado. Te digo: foi um berro e tanto. Não
teve mais jogo naquela noite. Hoje eu apito quando passo perto deles. Em si
bemol, talvez.
Nos apitos podem estar a salvação.
Logo depois de
tomar o café da manhã, saí e fui parar na loja de eletro-eletrônicos mais
próxima. Comprei uma secretária eletrônica e paguei com um bolo de papel
amassado. Ela, a maldita secretária, também apita — principalmente quando digo,
na gravação, que sou Alister Crowley. Como podem ver, eu não me aborreço quando
é possível descontar neuroses no próximo. Só não consigo entender este cheiro de
fritura no ar. Agora, é esperar que alguém ligue para que eu possa confirmar
minha identidade. No bolso da calça, a procuração da médica, atestando que ando
às turras com um ou outro demoniozinho interior. É impressão minha ou está
ventando aqui ?
Solve. O telefone toca. Atendo, enquanto um grupo arromba
a porta da casa, portando uma camisa-de-força bem do meu tamanho. O vento,
enquanto varre uma ou outra bula para longe, vira as páginas do livro jogado no
chão na noite anterior. Coagula.
>>>
f a l
a q u e e u t e e s c u t
o
Amigos e batatas, não temos preconceito. O negócio é
escrever para [email protected] e
soltar o verbo. Mas pode ser também o substantivo, o adjetivo e até mesmo o
advérbio, essa ovelha-negra.
----- Original Message -----
Sent: Monday, October 21, 2002 11:48 AM
Subject: ERRO no Fala que eu te escuto :P [perguntar não
ofende]
> ----- Original
Message -----
> From: Inagaki, Sabbag, Orlando, Zé Vicente
> Sent:
Sunday, October 24, 2002 0:01 AM
> Subject: E aí, meu irmão, cadê
você?
>
> "Spam Zine, zifio, que é que houve
contigo?"
---> Porque a data da mensagem está tão absurda?
Domingo dia 24 de outubro? Qué isso? Spamzine viaja no tempo? Ou está do
outro lado do espelho?
sabbag responde: Lana, sucede-se que
Spam Zine é assim como Alice e também atravessa o espelho. E em Wonderland o
tempo passa de maneira diferente do nosso plano terráqueo conhecido. Lá, por
exemplo, podemos imaginar quão belo seria um domingo 24 que, convenhamos, é
muito mais charmoso que uma sexta-feira 13 qualquer. Particularmente, acho até
que um domingo 42 seria ainda mais legal. Já pensou? um cabeçalho que comece
"Domingo, 42 de outubro..."? Valeuzes pela mensagem.
----- Original Message -----
From: "Espaço Livre" <[email protected]>
To:
spamzine
Sent: Monday, October 21, 2002 9:47 PM
Subject: To querendo
fazer um fanzine na minha cidade!
E ai bele?
Como eu escrevi to
fazendo um fanzine na minha cidade (Cruzeiro do Oeste - Paraná), pô cara
acontece muita coisa errada aqui, a prefeitura roba o povo descaradamente,
pessoas morrem por falta de atendimento médico, alguns professores não sabem nem
por onde começar a dar aula e trabalhão nas escolas a uns 10 anos, outra são os
babacas que moram aqui, é de revoltar qualquer um. Se vcs puderem me ajudar me
dando algumas dicas de como fazer um fanzine legal e util eu agradeceria muito
eu ja criei um nome vai ser Espaço Livre e criei tambem este email, mas eu ainda
não sei se devo divulgar o fanzine com o meu nome ou se devo ficar no anonimato.
Eu estou mandando em anexo o que eu ja escrevi de alguma opnião sobre como devo
fazer, muito obrigado e não se esqueça Nunca se cale, DENUNCIE!
sabbag responde: Rapaz, é uma missão
longa a que tu tens pela frente. Isso porque pelo jeito você está querendo mudar
tudo por aí: chutar o prefeito, expulsar os fariseus, educar os mauricinhos... é
estrada. Acredito que valha o conselho de não dar um passo maior do que a
perna. Comece aos poucos. Escreva um texto que diga tudo o que você pensa a
respeito de um determinado assunto. Faça umas cópias e distribua pela
cidade. Assim, você vai poder ter uma idéia de como será a resposta do
público ao "Espaço Aberto". Depois, não esqueça que cidades pequenas têm certas
características que só mudam com o passar de (muitos) anos. Mas às vezes é
realmente necessário que alguém dê o primeiro passo. Vai fundo, só cuidado aí
com alguns errinhos de português!
>>>
c r é d i t o s f
i n a i s
você sabe com quem está
falando?
Ricardo Sabbag > [email protected]
spam zine agradece sua ligação e lhe
deseja uma boa semana!
Guilherme de Queirós
Mattoso > [email protected]
>>>
Spam
Zine - fanzine por e-mail
conheça, leia, assine:
colaborações, sugestões, críticas
& propostas indecentes:
>>>
p.
s.
sabbag: tá atrasado? tá
sim senhor! o negócio, crianças, é relaxar e gozar. esperamos retormar a
normalidade dos serviços após a entrada em vigor do horário de verão.
hehehe.
inagaki: a propósito, a edição desta semana
atrasou porque deu pau no meu Outlook. E, como tudo que envolve Microsoft,
voltou a funcionar sabe-se lá como ou por quê. E esse horário de verão me
deu a nítida sensação de que perdi uma hora da minha vida. Pior: do meu final de
semana.
inagaki: os agraciados com os exemplares da
revista Pl4y que enviaram seus
endereços para [email protected]
receberão suas revistas até o final desta semana. Mas tem gente que ainda não
mandou suas coordenadas
geográficas...