SpamZine_________________
080,5
20 de outubro de 2002
são paulo rio de
janeiro
>>>
n e s t a e d i ç ã
o:
ponderações alielite dicró was here lápis
tudo faremos pela derrota
>>>
Dois Spam Zines no mesmo dia? Que é isso? Tramóia pré-eleitoral do FMI? É a
inflação finalmente de volta? Arrombamento de arquivos? Clone
digital-virtual-internético à solta? Cide Hamete Benengeli?
Nada
disso.
Quem quiser pode chamar este Spam Zine 80,5 de "Complemento
Alimentar". Ou "Especial Choro". Ou "Edição Reparação". Ou "Bônus Envergonhado".
Ou simplesmente "Desculpaê".
Afora as óbvias, justificativas assim
precisas não há. Em parte é pra tirar o atraso. Mas não só. É também pra
contrabalançar o Spam Zine 80, pesado em muitos sentidos, com uma edição mais
levinha. Spam Light.
Light pra relaxar e gozar, nos bons cinco sentidos.
Pra isso a gente traz de volta o Garoto Juca Júnior dando idéias para
tardes de ócio e dias de trabalho duro; Pedro Vitiello analisando aliens; Mestre Mahatma Fu consolando o Wando; Ione Moraes retocando a maquiagem; e
nosso editor favorito, Alexandre
Inagaki, mascando clichês.
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Spam Zine FGTS: restituímos o que podemos.
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idéias malucas do garoto juca
jr.
ricardo ramos leite http://garotojucajr.blogspot.com
Olá, caros leitores do
Spamzine. Caros sim, pois com a alta do dólar, tudo ficou caro. Até mesmo aquela
marca de mel.
Venho trazer a vocês uma novidade, que eu chamo de
Idéias Malucas para fundir sua Cuca! O negócio é o seguinte: eu
quero trazer vocês para o maravilhoso mundo da insanidade. Pra quê? Ora, todos
sabemos que existe uma tênue linha entre a insanidade e a genialidade. Eu os
trarei facilmente para a insanidade. E para cruzar essa linha tênue não deve ser
difícil. Logo, vocês serão gênios. E vice-versa.
É assim: leiam cada uma
das frases a seguir, fechem os olhos e pensem na cena descrita na frase por
alguns segundos. Depois, faça o mesmo com a frase seguinte.
. Uma
dimensão paralela, onde os nazistas perseguem os canhotos, ao invés de judeus,
negros e homossexuais. Mas Hitler é canhoto, e ele tenta desesperadamente
disfarçar essa aptidão de escrever com a mão esquerda, e tenta praticar a
escrita com a direita, sozinho, no seu bunker, mas ele só escreve garranchos, e
por fim Hitler desiste e acaba com a guerra e se dedica a uma coleção de
flores.
. O meu método favorito de fazer prova, o método dadaísta: eu
pego o livro da matéria que terei prova, corto todas as palavras, coloco num
saquinho, e na hora da prova vou sorteando as palavras e escrevendo-as nos
espaços das respostas.
. Uma religião que trará mais fiéis: uma mistura
de budismo, ilusionismo, chocolate e gibis.
. Um poeta japonês dos anos
50 que se alimentava apenas de flores e vivia andando de bicicleta.
. Um
cachorro que fala e canta, mas ele faz isso apenas para seu dono. O dono tenta
mostrar as habilidades do cachorro para outras pessoas, mas este nada faz a não
ser agir como um cão, fazendo o dono passar vexame enquanto implora para que o
cão dance e cante, até que um dia descobre-se que o cachorro não era especial, o
dono é que era louco.
. Uma velhinha decide voar numa asa-delta para
comemorar seus 100 anos, e ela acaba pegando muitas correntes termais, e fica
dias no ar, até que as pessoas lá embaixo olham de binóculos para ela percebem
que ela já morreu, provavelmente pela falta dos remédios, e decidem tirá-la do
ar com uma bazuca de ar comprimido.
. O presidente dos Estados Unidos da
América entrando numa lanchonete comum, pedindo batatas fritas, sentando-se numa
mesa no canto, e as devorando aos prantos, enquanto todas as pessoas do local
tentam entender o que ele faz ali, porque ele está comendo batatas fritas, e
porque ele está chorando.
. Um psicopata fazendo quatro reféns dentro de
um banco, exigindo um helicóptero para escapar, e exigindo que o sistema de
números romano fosse adotado como padrão.
Chega. Se eu for muito rápido,
e mandar muitas idéias insanas, é bem capaz que o cérebro de vocês venha a
explodir. Vocês não estão acostumados com meu nível de insanidade. Até a
próxima, leitores do Spamzine!
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murdering
mulder
pedro vitiello [email protected]
Todas as teorias conspiratórias
estavam certas. A invasão ocorreu. Os alienígenas, na realidade, sempre
estiveram por aqui, só resolveram tomar conta de vez e assumir o controle das
coisas por aqui.
Eles não tem anteninhas e nem a pele verde. Alias, são
até meio branquelas. No entanto sua civilização é mesmo muito superior à
nossa.
No começo ficamos meio preocupados com eles utilizarem umas caixas
quadradas com uma lanterna, que diminuía nosso cérebro. Mas depois de um
tempimho nem nos preocupávamos mais. A tal caixinha tem essa característica de
nos deixar tranqüilos. E ela tem uma função adicional, nos explica as coisas,
nos mostrando quem é bom e quem é malvado. Ela reúne a família de noite, também,
e isso é muito importante (pelo menos a caixinha falou que é).
No fundo
eles nos querem bem. Sabem de nossa incapacidade de eleger pessoas (já agiram
antes, uns 40 anos atrás, ao nos defender de nossos próprios governantes
eleitos) e assumir compromissos, mesmo que só façam sentido pros alienígenas.
Como eles sabem o que é melhor pra gente, é bom a gente obedecer, né? Aliás,
eles nos ensinaram como cuidamos mal de nossas florestas também, e as tomaram
sob proteção, agilizando o processo de classificação de nossas plantas
amazônicas e cobrando bem pouco por isso, só o suficiente para reverter os
custos que tiveram. Eu adoro eles, mesmo sabendo que boa parte da madeira ia pro
planeta deles, mesmo.
Com relação à linguagem deles, nos entendemos cada
vez melhor. As caixinhas quadradas ajudam muito nisso, mesmo que a gente esteja
esquecendo como falar na nossa língua. Aliás, mesmo escrever e ler anda sendo um
pouco difícil nos últimos tempos, o que é bom, assim não temos que nos preocupar
em pensar muito, mesmo. Antes eu achava que pensava por ser angustiado, mas as
caixinhas me mostraram que era o contrário. Assim, sou muito feliz em não
precisar pensar. E se for angustiado, tudo bem, pois nunca vou saber
mesmo.
Todas as nossas preocupações e ressalvas se foram de vez quando
descobrimos que a elite de nossa população eram híbridos de alienígenas, e que
dividiam a preocupação com nosso bem-estar. Se é bom para os alienígenas, é bom
para a gente.
Outra novidade: não temos mais comunistas venusianos
comendo crianças vivas. Elas são preparadas em grande estilo e assadas em fornos
de produzir carvão, e só então devoradas pelos alienígenas. E eles nos mostraram
que é importante a gente andar bem vestido, mesmo que para ter dinheiro para a
roupa, a gente tenha de ser não tão legal assim.
Civilização é
civilização. Eu tou tão feliz. A única coisa que me chateia é que não importa o
quanto a gente se esforce, o dólar-marciano continua a subir ...
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o dia em que wando chorou na
tv
mestre mahatma fu http://www.mahatmafu.com.br
Wando é luz, é raio, é
estrela, é luar. Ele é manhã de sol, é meu iá-iá, é meu iô-iô. Compondo hits de
última grandeza e colecionando calcinhas de todos os gêneros, o cantor
recentemente conseguiu juntar dinheiro e fazer a tão sonhada plástica
napa-beiçal (nariz e boca). Enfim, tornou-se um gênio do brega; o mais tocado
nos puteiros. O que muitos não sabem é que Wando já passou por momentos
delicados, que quase arruinaram sua brilhante carreira.
A pior delas
ocorreu em 1984 no programa de auditório Cassino do Chacrinha. O ídolo da música
que embala as surubas nacionais era a atração principal daquela tarde de sábado
de 24 de junho. Era dia de São João e o 'Velho Guerreiro' teve a inédita idéia
de enfeitar o estúdio com bandeirolas, pôr as Chacretes para vestir algo mais
confortável e distribuir mesas com comidas típicas pelo ambiente. Mais de 1.215
meninas lotaram apenas três carros para ver o ídolo; uma prova da paixão pelo
astro poético. Metade veio de São José da Pica Lavada (AM) e a outra pegou
carona durante o trajeto. Era o dia de Wando.
José Bonifácio de Almeida
Braga Coutinho Pereira, o Boni, considerava aquele o grande momento da história
da televisão brasileira, ficando atrás apenas do dia em que o homem pisou na
Lua. Roberto Marinho, naquela época com apenas 112 anos, fez questão de
presenciar as filmagens. O então presidente da república João Figueiredo
cancelou sua agenda para ver o canalhão Wando ao vivo. A apreensão era tanta que
não havia nenhum ser humano vivo perambulando pelas ruas do País, fazendo
lembrar os áureos dias de Copa do Mundo. Wando: herói nacional. O programa iria
ao ar às 16 horas, como de costume. Mas antes estava agendado aquele almoço
político para a mídia e para os chefões da Globo. O cardápio não poderia ser
mais saudável: feijoada de primeira com direito a patas de porco flutuantes e
mousse de maracujá de sobremesa. Para acompanhar, vinho australiano e vodca
russa. Até mesmo o cozinheiro foi conhecer pessoalmente a lenda, apertando a sua
mão e dizendo: "será um almoço inesquecível". Doutor Marinho se retira com pouco
tempo de jogo em função de um ataque de gases. Seu assessor alega uma reunião
extraordinária. Que se dane o Marinho, o que importa é que Wando comia de tudo,
e batia fotos para todos os jornais e revistas dando uma garfada para cada
câmera. Uma foto, uma garfada. No final, havia comido uns 3 ou 4 pratos com toda
a caloria existente no mundo.
Com uma calcinha vermelha em cada bolso -
presente que ganhara das camareiras, que entregaram as peças fresquinhas,
retiradas do corpo para as mãos do ídolo - Wando se dirigiu a entrada do
estúdio, onde iria esperar ser convocado para seu número. Aquele calorzinho
carioca fazia todos suarem. Naquela instância, o cantor já sentia o peso de uma
bigorna em sua barriga. Mas, como todo bom hipócrita, fingiu não ter sentido
nada. Não fosse a segunda pontada, Wando estaria sorrindo. No entanto, aquela
cutucada em seu estômago o fez suar frio. Gelado. Enquanto isso, a platéia
vibrava. Chacrinha se sacudia de emoção ao saber que estava alcançando 78 pontos
no Ibope. Tudo graças ao rei da música sacana. A alegria do apresentador era
tanta que resolveu abaixar as calças para o público, animando ainda mais o
pedaço. As Chacretes também não paravam e já se estapeavam para saber quem
agarraria o galã primeiro após o programa. A discórdia foi tão grande que a
segurança precisou apartar a briga de duas dançarinas que trocavam agressões com
o típico bacalhau distribuído pelo 'Velho Guerreiro' aos espectadores. O caos
estava instaurado.
No auge da baderna, o diretor berra que Wando iria
entrar em 2 minutos. Foi o sinal para que metade das meninas da caravana
começasse a despir suas roupas íntimas para saudá-lo em grande estilo. Naquele
momento, Chacrinha recebia um tapinha nas costas de Roberto Marinho, que
prometera um aumento e uma casa em Angra. Explosão: Wando adentra o palco meio
que manquitolando. Apesar da estranheza do fato, todos continuavam a pular e a
gritar. Veio a primeira frase da música e com ela uma cascata de calcinhas e
sutiãs. Duas fãs também desmaiaram. O que ninguém sabia era que uma revolução
tomava de assalto sua barriga. O almoço lhe rendia tonturas e ilusões de ótica.
Pausa para mais uma pontada e foi dada a largada para uma cena bizarra: Wando
havia se cagado em pleno palco. O suor que corria pela sua testa se somou a uma
lágrima de tensão. O diretor, indignado, mandou parar as filmagens. Chacrinha
recebeu mais um tapinha de Roberto Marinho, só que agora ele foi dado em sua
cara. As Chacretes se abraçavam em prova de amizade, dizendo que jamais
brigariam novamente por homem algum. Na platéia, risos e mais caos, afinal, o
pessoal de São José da Pica Lavada resolveu adentrar o palco para buscar suas
roupas. No meio daquele circo, Wando não parou mais de chorar. De longe, o
cozinheiro sorria e acenava com a mão. Em seu crachá estava escrito 'Dicró'. O
rapaz da cozinha acabou sendo responsabilizado pela tragédia. Mais tarde, acabou
se tornando humorista e compositor.
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lápis de sobrancelha
ione
moraes http://www.didentro.he.com.br
Sandálias de salto agulha
deixadas num canto da sala, a admiração dele pelo equilíbrio daquelas pernas
grossas, o tapete levemente enrugado pelo andar descuidado dela. Uma bituca de
cigarro mal apagada que deixava subir um fio branco e moribundo de fumaça. O
televisor ligado em um canal de notícias. A escova ainda com dentifrício, sobre
a pia molhada. O hálito de canela dela, ele quase podia se afogar. A camisola
amassada sob o travesseiro sem fronha, meias-calça de seda. Uma calcinha
pendurada no box do banheiro dava-lhe ímpetos, queria chorar. Um batom na
geladeira. A porta destrancada, semi-aberta, o molho de chaves esquecido na
fechadura pelo lado de dentro. (Pelo amor de Deus, por que diabos nenhum táxi
pára para uma mulher descalça? Um risco tortuoso de rímel que lhe escorria pela
cara e ainda dizem que era à prova d'água, os filhos da puta. Filho da puta,
filho da puta, me fez arruinar a maquiagem. Sair na rua assim.)
Ele pensava, que sandália esses pés vão calçar agora, quem é que vai ouvir
o que ela fala enquanto dorme, quem é que vai lhe passar os dedos sobre as
sobrancelhas, e vai lhe contar piadas de que ela não ri, quem é que vai, quem é
que vai escutar minhas conversas pela extensão do telefone, e descobrir tudo, e
me olhar como quem sente pena, me olhar como quem sente, descobrir que eu não
valho e me deixar mensagens no celular que não dizem nada, e me deixar um
bilhete, que só pelo começo, eu já sei de tudo, "traiçoeira e vulgar", e
sobretudo, em que cama, em que cama, meu Deus, ela vai hoje desabar, de
quem.
Ele lambuza os dedos com batom, lambuza os lábios, fuma o cigarro
para que fique ele também marcado de vermelho, veste a camisola dela e
encolhe-se na cama.
E não escuta quando ela entra no apartamento, ainda
descalça e com o rosto preto e despe o vestido e se deita ao lado dele e pega as
suas mãos, para que ele lhe passe os dedos na sobrancelha para fazê-la
dormir.
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Ou (um outro fim)
Ele acorda no dia seguinte.
Dói-lhe estranhamente a cabeça, como se estivesse leve e o pescoço não tivesse
que sustentá-la. Está consciente de que tem um estômago e todos sabem que não se
tem consciência dos órgãos a não ser quando eles dóem. Seu estômago arde.
Cambaleante, levanta. Sempre que ele chorava era assim.
Espia pelo vão da
porta, termina de abri-la, desce três degraus, atrás das gotas -- gotas? Ele não
tinha notado as gotas. Depara-se com ela, ainda com o rosto borrado de rímel, e
o sangue todo esvaído dos pulsos, o corpo dando a volta em semi-círculo no vaso,
como um tapete de banheiro. Ele se ampara na parede, dá um passo em direção a
ela, pulando o corpo, não é mais ela, não é mais ela, não é mais ela, ele
repete, não é ela essa aqui. Borra-se a visão. Ele vomita, quase enfiando toda a
cabeça, ainda leve, na água do vaso. Aperta os olhos, mas ela não estava lá,
embora as tais gotas continuassem manchando os ladrilhos.
Sente de novo o
nó no fundo do estômago. Tateia a própria barriga, um furo, um furo, meu Deus,
um furo, com a borda queimada, profundo, ele põe o dedo no furo, para
experimentar largura e profundidade. Ai, e como dói. Depois observa o dedo
pintado de vermelho. Aperta os olhos. O furo continua lá. E a próxima coisa de
que lembra ter visto é ela, passando os dedos na língua e depois nas
sobrancelhas, ele sempre gostou das minhas sobrancelhas.
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lugares
incomuns
alexandre inagaki http://inagaki.blogger.com.br
A dramática vitória do
time dos atores transformou o campo em palco, mostrando que futebol é uma
caixinha de Pandora. Concomitantemente ao mesmo tempo, a equipe dos empresários
não deu trabalho à representação dos operários, sofrendo clamorosa goleada de
muitos gols.
Enquanto isso, o geógrafo sumiu do mapa. O datilógrafo
permaneceu batendo na mesma tecla. O cadáver do milionário foi encontrado podre
de rico. O salva-vidas nadou, nadou e morreu na praia. Este, a propósito, torcia
para a Portuguesa de Desportos.
A festa dos relojoeiros não tinha hora
para acabar. O alfaiate arregaçou as mangas, enquanto o cozinheiro botava a mão
na massa. Corria um boato, mas este foi pego no doping. Os empresários anões
anunciaram crescimento negativo da empresa.
A briga entre os donos de
cantinas acabou em pizza. Dez entre dez atrizes atuam. Humm, pensando bem...
Deixa pra lá. O consenso tornou-se unanimidade geral entre todos. Devagar se vai
lentamente. O marinheiro ficou a ver navios, porque a justiça tarda mas não
chega na hora.
O silêncio vale ouro, e o sussurro, prata. A luva caiu
como uma chuva. Apressados comem cru, atrasados roem ossos. Estes, aliás, serão
os primeiros e rirão melhor. Um texto só termina quando acaba. E
vice-versa.
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