são paulo fashion week
Estava no sertão baiano, lugar seco, pelante e desprovido de firulas,
retratando algumas paisagens para um trabalho sobre o escritor Guimarães Rosa.
De lá caí no São Paulo Fashion Week, o maior evento de moda da américa latina,
segundo os organizadores.
Fui da literatura pra moda.
Elas se fundem na inspiração de alguns estilistas, mas na prática a
coisa vai de pato a ganso. Enquanto a literatura interioriza, a moda trabalha a
exteriorização do que vai dentro, a embalagem.
Os desfiles começaram na segunda-feira com Gisele Bünchen, prefeita da
cidade, globais e purpurinas, mas nesse instante minhas pernas ainda formigavam
num ônibus da viação Gontijo que me trazia de Bom Jesus da Lapa, foram 28 horas
de estrada.
Assim que botei os pés, calçados numa espécie de Conga de salto alto
crente de minha originalidade, o segurança me avisa que preciso de convites
mesmo com a credencial de imprensa.
Não os tinha, como há anos teria por ser produtora de moda e circular
pelo hall do ti-ti-ti.
Havia uma hierarquia de cores nas credenciais, a verde, vermelha e
preta entravam nas salas de desfiles sem resistência dos seguranças, a lilás, a
cor da minha e de pilhas de jornalistas, precisavam negociar a entrada. Com
charminho e bom humor, muitos conseguiram fazer seu trabalho, uma jornalista
segurou a mão de um famoso fotógrafo pra não ser vetada na boca da sala.
Mas que credencial é essa que a produção do evento despacha sem dar
acesso ao assunto a ser tratado?
Resolvi encarar o evento sem me importar em ver os desfiles, mas todo o
circo montado em volta do prato principal. Afinal o obejtivo era inspiração para
esta crônica e certamente encontraria isso fora das salas de desfiles. Além de
ambientes confortáveis com telões pra se assistir as belezuras em novas
tendências, os patrocinadores montaram outros ambientes cheios de coisinhas
divertidas, nelas podendo entrar só credenciados, a lilás nesse caso
valia.
Valha-me, Deus!
Por coisinhas divertidas entende-se champagne francesa na sala da Marie
Claire, revistas da editora Abril na Elle, maquiagem na Nívea, foto sua
num rótulo de Coca-cola Light (te fotografam e colam sua estampa no rótulo de
uma garrafa de plástico prateada) enquanto djs te fazem levitar com músicas
agradáveis, aquele playground estava mais interessante que o próprio
desfile se contarmos a fauna e a flora que circulavam pelo grandioso
prédio.
Podia-se pegar um café, sentar num puff e apenas ver o delírio,
desvario e entusiasmo delirante dos passantes, entre eles, o satff, modelos,
jornalistas saindo pelo ladrão, curiosos, arrozes de festa e perpetuadores da
futilidade.
Dado momento a credencial funcionou, assisti a alguns desfiles.
Dentro da sala há duas arquibancadas e uma parede de fotógrafos e
cinegrafistas, as modelos entram numa verdadeira arena. Em um desfile por
exemplo, a trilha aparecia vez ou outra, era cortada por um silêncio que atiçava
os profissionais, quando as beldades chegavam na ponta da passarela, eles
gritavam:
"Isso, asim mesmo, pode vir"
"Agora está bom, pode voltar!"
"Hum,
que maravilha!"
E outras frases não inteligíveis.
Cansados por andar de lá pra cá com seus equipamentos, a cada minuto de
atraso eles começavam um coral de lamúrias. Uma parede de flashes que levará a
informacão a ser copiada da Rua José Paulino (rua central de São Paulo onde
lojistas de shoppings de todo Brasil vem se abastecer de ropuas baratas) à
costureira do bairro no Acre.
Não posso deixar de comentar outra observação, nada como um estilista
que gosta de mulher. Coisa de masculinidade segura que sabe remeter respeito e
tesão na medida. Vendo o desfile da Forum, concluo que Tufi Duek homenageia a
mulher com suas roupas. Os tops não apenas sustentam seios, eles parecem afagar,
e desta vez, alguns tops pareciam ter asas, que me faz imaginar mulheres aladas
sem limites pra voar.
Algumas marcas parecem querer sufocar a volúpia ou camuflar a própria
censura. Mas como moda é embalagem, todos podem escolher a que lhe vai melhor.
Inclusive tecer sua própria, fugindo da uniformização que a moda em larga escala
proporciona.
Um evento desses pode ser levado a sério pelos empresários, industriais
e empregadores envolvidos, mas para um simples cidadão, ele não passará de
imagens de belas mulheres no terceiro bloco do Jornal Nacional.
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um conto moderno (a capitalistia dos
legais)
Vladimir dos Bolsos Cheios Amaral era um cara legal, e tinha dinheiro o
suficiente para ser chamado de cara legal por um longo tempo.
O carro novo de Amaral era importado, preto, comprido e com umas três ou
quatro mulheres lindas por dentro. Também havia um computador de bordo da IBM
com piloto automático de velocidade regulável, cada velocidade trazia suas
emoções características. Sendo Amaral um cara legal, andava quase constantemente
em alta velocidade.
Um dia, seus olhos preguiçosos e entediados percorreram vagarosamente as
ruas da metrópole, cujas luzes eram os holofotes do palco onde Amaral encenava
sua vida abastada e sua pãodurice moderna. Notou que lhe faltava algo. Ele não
era desses que acha que nem tudo o dinheiro compra, claro que compra! Mas
precisava descobrir o que queria comprar dessa vez.
Não demorou para avistar a uns 50 metros da janela de seu carro novo, preto
e importado um prédio de uns 12 andares. Os anúnicos publicitários ocupando
quase a parede inteira da edificação denunciavam tratar-se de uma agência de
publicidade ou de alguma dessas megaloempresas criadas pela nova tecnologia que
já não é tão nova assim. Vladimir já sabia o que queria.
Mandou estacionar, desceu triunfante, caminhou elgante e ordenou
educadamente a recepcionista que o colocasse em contato com o departamento de
criação.
- Ô mocinha, me deixa falar com o desenvolvimento, por Geltileza.
Mocinha!? Onde já se viu?
- Senhor Tenório Mendonça? Tá aqui o senhor, o senhor?
- Sou Amaral, Bolsos Cheios Amaral.
- Senhor Amaral querendo falar com o senhor, coloco ele na linha?
- De que se trata?
- Não sei não, mas julgando pelo carro em que veio, ele é um cara legal. -
quase sussurrando.
- Então me passa o distinto.
Após uma conversa rápida com Amaral, Tenório dá um giro em sua cadeira de
gerente. Pensa um pouco. Que estranho, como ele poderia ajudar um figurão da
alta sociedade a incrementar o seu jardim exótico com algo vivo? Horas! Ele era
gerente do departamento de criação e não um... Mas claro! Sim claro!
Tenório abre a porta de sua saleta recheada de vinhos e biscoitos e fala
para um wébimontedecoisas qualquer de sua equipe:
- Ô queridão. Faça-me um favorzinho, vá até o banheiro e dê um jeito de
devolver esse sapo azul que acabei de te enfiar goela abaixo. Essa porra tá
valendo uma nota preta no mercado dos caras legais.