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068
23 de junho de 2002
são paulo  rio de janeiro  belo horizonte  zurique

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n e s t a  e d i ç ã o:
 
invenções  estática  os livros  balzac  ex libris  nome e fato  avô
 
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editorial
orlando tosetto júnior  [email protected]
 
Primeiro, que eu me lembre, era o fim do romance. Tanto do romance-livro quanto do romance-paixão, romance-namoro, enfim: romance-romance. O romance-livro, diziam, acabaria porque suas possibilidades estavam esgotadas; logo, o que viesse seria inevitavelmente tautológico ou derivativo (peço desculpas pelo "tautológico", que não quer dizer nada mais que "repetitivo"; mas é o termo que os profetas usaram, e com profetas não se brinca).
 
O romance-romance acabaria simplesmente porque ninguém mais é romântico. Fim das flores, dos passeios de mãos dadas, dos versinhos suspirantes rabiscados em letra tremida e do estupor ante o pôr do sol. Pensando bem, é bom que acabe.
 
Mas a mania do fim pegou. Daí pra frente previu-se (e se prevê) o fim de tudo: do dinheiro, da história, do cinema, do telefone, do livro impresso, do papel moeda, da língua portuguesa. Eu não me arrisco a fazer estatísticas, que aliás é uma das coisas que ainda não foram vítimas desse vaticínio, mas ouso dizer que, pelo menos uma vez por semana, em algum lugar, está anunciado o fim de alguma coisa.
 
De anunciado a cumprido vai chão, é verdade. Às vezes a gente até se irrita com a lentidão do fim de algumas coisas, que, vai ver, é capaz que nem acabem. Por exemplo: o fim do emprego. Diziam, e dizem, que daqui a algum tempo (quanto, hein?), cada um vai trabalhar por si, no seu canto, com essas maravilhosas multi conexões computadorizadas que tudo fazem e tudo tornam possível. Adeus metrô lotado, adeus gravata e camisa de gola, adeus almoço de quinze minutos em pé no balcão do boteco, adeus turnos de 36 horas. Espero avidamente, mas cadê que vem? Estou é vendo estatísticas que dizem que trabalhamos cada vez mais.
 
Como esse, muitos outros finais proclamados estão atrasando no caminho. Como compensação, alguns finais que podiam ser adiados vêm sendo antecipados. Um deles é o camisa 10. O último bom que eu vi foi o Zico, e já vão anos. Outra coisa: chapéu. Eu sei que está meio tarde pra reclamar, mas acho uma injustiça o fim do chapéu. Sacanagem: camarada útil estava ali. Tivéssemos mais chapéus protegendo os cocos nacionais do sol inclemente, e muita bobagem podia ter sido evitada.
 
Mas enfim, só um fim não se previu: o fim do fim. Esse mete medo. Esse é melhor deixar pra lá. Enquanto debatem se depois dele vem a eternidade ou o oblívio, o melhor é a gente se contentar em decretar outros finais, esses inofensivos. Querer o fim do fim é coisa de apocalíptico de filme americano, e faz por merecer a frase do Rubem Braga: "o pessoal é muito afobado". Desafobemo-nos.

* * *
 
Ione Moraes não é parente do Vinícius; aviso pro caso de não notarem. E quem aparece por aqui é nosso velho cupincha de Falaê!, Marcus Marçal. Figuraça, já andou pela Rock Press e pela extinta Showbizz, e nos dá uma palhinha de seu talento. Elton Mesquita analisa o Rio de Janeiro a partir dos ruídos do rádio; Natygirl e Marco Aurélio Brasil falam um pouco mais de livros; e Theo fala do seu avô, numa crônica que é uma lindeza. Já Jules Rimet não é o francês que batizou uma taça ora derretida, e sim um misterioso cronista fã de funerais.
 
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invenções
ione moraes  http://www.didentro.he.com.br
 
Ele começou inventando só detalhes. Miudezas que acreditava não iriam fazer diferença no mundo. Sempre pensava naquela história de todos serem grãozinhos de areia, lida em algum livro do Osho emprestado de algum amigo maluco. E lembrava da história da Emília, do Lobato, dizendo da insignificância do cuspe de algum bichinho de cujo nome ele não se lembrava. As suas invencionices eram como se fossem cuspe. E ele sempre pensava: "Não
faz mal inventar um pouquinho".

Eram mentirinhas que ele não chamava de mentiras para não fazer parecer terem um quê de maldade. E ele não inventava nada que pensasse pudesse prejudicar alguém, mesmo que esse alguém não passasse de um grãozinho de areia e mesmo que ele com poucas pessoas: o ascensorista, o porteiro do prédio, a secretária e alguns vizinhos de sala, no escritório. Ele só queria inventar.

Começou contando histórias que nunca tinham existido mas que ele dizia terem sido vividas por algum colega de trabalho. Contava para outro amigo, em tom de segredo. E eram histórias tão lindas, que os amigos acabavam pensando em quanta sorte tinham tido por terem encontrado aquelas pessoas.

Passou a observar personagens nas janelas de suas casas. Comprou um binóculo. E como visse as cenas, inventava legendas para cada um dos filmes.

Depois, imaginava histórias para fotos que via em revistas, nas bancas de jornal. Com uma espiada já sabia de cor toda a vida daquele rosto. Uma foto que tinha tido um filho, que se tinha casado com outra fotografia. Ou um retrato que tinha matado o outro e ele chegava a ver as expressões congeladas mudarem, segundo a segundo. Ele sempre tinha tido muito gosto em ler fotonovelas. Quando ele gostava demais da pessoa, recortava a fotografia e colocava em porta-retratos espalhados pela sua casa.

Na noite em que, com alguma dificuldade abriu a porta de casa, porque tinha bebido um pouco mais que de costume e gritou: "Cheguei!", ele não se espantou, apesar de há muitos anos viver sozinho. Preparou o jantar para ele e para ela, embora soubesse que ela chegaria mais tarde. Pôs para tocar aquela música que ela dizia que era a música de chegar em casa. Alguma coisa do Tim Maia, em inglês. Apagou as luzes, para descansar um pouquinho e acabou pegando no sono e ficando por ali mesmo no sofá. Acordou assustado, daqueles sustos que se leva quando o despertador não toca e a certeza de estar muito atrasado para o trabalho já estraga toda a manhã. Ela tinha passado a noite fora. Ficou indignado porque ela nem sequer tinha ligado para avisar.

No mesmo dia, conheceu uma mulher. Levou-a para casa e ele gostou tanto do dragão que ela tinha tatuado nas costas, de passar os dedos entre os omoplatas dela, que deixou que ficasse ali. Nem sinal da outra -- ele já se perguntava se tinha acontecido alguma tragédia. A mulher da tatuagem dizia que se sentia tão em casa, que gostava tanto do spaghetti ao pesto que ele sabia fazer, que foi ficando. Quando as duas se encontraram, teve briga de gato. Ele nunca se sentiu tão querido. Nessa ocasião, os vizinhos se perguntavam como é que um homem sozinho podia fazer tanta gritaria. Nunca tiveram que reclamar do som alto nas festinhas que ele fazia, porque ele nunca recebera ninguém.

Ele tentava separar as mulheres emboladas, gritava que não sabia escolher, que não estava certo tanta agressão, que queria ficar com as duas. Ele era arremessado contra a porta, as paredes, fazia um baita barulho. E continuava gritando, desesperado por perceber que ele não podia continuar assim. Os vizinhos confirmaram as impressões de que ele não estava muito bem da cabeça: já tinha sido flagrado inúmeras vezes discutindo dentro do carro, ou abrindo a porta do passageiro, sem que tivesse companhia. Ou beijando o espelho do elevador, com cara de apaixonado. Levando bombons debaixo do braço: "São para minha namorada".

Quando a mulher do dragão e a outra se cansaram, ele juntou algumas mudas de roupa, colocou dentro da mala o pijama de flanela e alguns livros. Ao se despedir, disse:

-- Essa casa está ficando pequena pra tanta gente -- e saiu, batendo o pé, de cabeça baixa. Não sem antes jogar todos os porta-retratos dentro de uma sacola, pra não sentir saudades demais.

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cidades feitas de estática
elton mesquita 
[email protected]
 
Ontem. O melhor que acho pra escutar no rádio do walkman, indo pra casa, é estática. AM. Movimentando o aparelho para a direita e esquerda, para cima e para baixo, altero o ritmo dos jorros de estática, aumento e diminuo a freqüência das oscilações. Junto com o controle de volume e o dial, posso construir um panorama sonoro único (nunca vou poder repetir uma "obra") e surpreendente (dá pra achar loops interessantíssimos, timbres alienígenas, e a intervenção da paisagem que o ônibus percorre - prédios, campos abertos, montanhas - aumenta o peso do fator acaso).
 
Começa:
 
Entre 57 e 70Khz, uma colônia de insetos feitos de ondas zumbe e treme aos pés de uma presumida rainha imóvel. Seus chiados elétricos estalam e se fragmentam em ordens cuspidas por operárias atarefadas e ameaças de zangões superprotetores. A intensidade aumenta - como se um enxame se agrupasse preparando o ataque, até que o som se funde em indistinguível barulho branco - bom para relaxar, mas não muito interessante para um turista de primeira viagem, ansioso por paisagens pitorescas.
 
Abandono a colméia e subo lentamente até os 90Khz, ocasionalmente recuando o dial com movimentos bruscos tentando obter algum ritmo das explosões súbitas. Ali, locutores da Voz do Brasil tentam relatar alguma história, mas suas cordas vocais, laringes, cada alvéolo de seus pulmões se encontra corroído por ferrugem eletrostática, e suas palavras saem mutiladas, abrasivas. Não há muita variação por estes lados; as notícias ferruginosas me parecem ainda mais velhas e repetitivas do que o usual, os locais citados vindo à minha mente como imagens de crateras abandonadas, entregues à erosão do tempo.
 
Avanço até 120Khz, e entro pelas entranhas indiferentes de um extenso maquinário. Aqui, diodos e relês invisíveis tossem e assuam, válvulas emitem cliques contínuos, e bielas e pistões travam um diálogo feito de assobios eletrônicos, intermitentes e histéricos. Inclinando o walkman, altero o humor do receptor de microondas, de forma que o que num momento é um grave ribombar de motor de explosão no instante seguinte se torna um manso crepitar de disco rígido trabalhando. Há uma ligeira mudança de tons, e britadeiras hidráulicas gentis repavimentam meu canal auditivo.
 
O ônibus sobe a serra e neons se acendem, canhões de fótons bombardeiam velhos monitores de fósforo e todo o lugar vira um imenso fliperama: os sons agora são bipes e blops, zaps e zingues. No fundo, um ciciar de microfonia áspera, robótica, faz lembrar os sons de explosão de velhos jogos de tiro da década de 80 (River Raid, Space Invaders). Passamos ao lado de torres elétricas megalíticas, e sua mera presença, vergando os campos magnéticos, cria um loop murmurante de padrão cada vez mais intrincado como um floco de neve de Koch, sumindo na escuridão.
 
A viagem está terminando. Algumas casas esparsas logo serão prédios. As evoluções de estática temperamental dão lugar a um ruído baixo e insosso, sinalizando que a diversão acabou. No subúrbio, até a estática carece de imaginação.
 
Isso foi ontem. Desliguei o walkman e rumei pra casa, pensando no filão que os Molochs das rádios explorariam se descobrissem um número suficiente de ouvintes... "Nativa FM - A melhor estática do seu dial!", "Globo AM - Só estática boa" etc. Pensando bem, o que ouvi nessa viagem pra casa nem é tão diferente do que alguns noisicians como o japonês Masonna fazem - e vendem. Dá pra se vender qualquer coisa. Penso também na resposta que isso seria se a mania se difundisse: "Ouvintes enojados repudiam rádios e escutam estática". Porque sonhar não custa etc. etc. Experimente, me diga o que vkrshhhhhhhhhh achhhhhzzzhhhh..........................
 
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n a v e g a r   i m p r e c i s o
 
beckham las pelotas
http://www.ole.com.ar
Em época de Copa, o conceito por trás deste pasquim esportivo é o seguinte: abaixo Brasil e Inglaterra; Argentina rules. Natural, porque são argentinos. Mas é só maledicência, provocação e baixaria (com uma ou outra notícia no meio). Xingam a gente o tempo todo, mas é muito engraçado. Manchete desta semana: "Brasil e Inglaterra: Como Fazer Para Que os Dois Percam?". Análise esportiva: "O Cagaço dos Ingleses Ajudou o Brasil".
 
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madalena e os livros
marco aurelio brasil 
[email protected]
 
Madalena cresceu entre livros. Leu, leu e leu. Vivia cercada deles e não lhe faltava nadinha. Às vezes abria um pouco a persiana pra olhar o mundo lá fora, mas sentia que o mundo de verdade estava ali, nas páginas impressas que forravam suas paredes.
Um dia chegaram para ela e disseram que ela estava grandinha demais e que deveria colocar o nariz lá fora, finalmente.
 
Madalena respirou fundo e saiu. Esperava encontrar aventuras incríveis, amores à primeira vista, homens valorosos e belos e essas coisas, mas no lugar viu um vira-lata lambendo a barriga, uns velhos discutindo futebol na frente do bar, um ônibus que fazia um barulho horrível quando brecava e uma mulher gorda lendo com ar apalermado um cartaz colado num muro.
 
Madalena andou um tempão mais, na expectativa de em qualquer esquina achar as coisas que lia, participar daqueles enredos fantásticos, receber sorrisos. Viu um parque, achou que a literatura estaria lá. Viu um museu, um restaurante, um shopping center, uma avenida cheia de arranha-céus.
 
Cansada demais, Madalena resolveu voltar, mas aí pisou num buraco e torceu o tornozelo. Em casa, com o pé enfaixado, Madalena ficou pensando muito em tudo aquilo, mas não aprendeu a lição. Ao invés disso, concluiu que estivera lendo os livros errados e decidiu ler outras coisas.
 
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p e r g u n t a r   n ã o   o f e n d e
"Naqueles testes de medições de calorias perdidas por hora de exercício físico, como é medido o esforço utilizado em um beijo? Dados comprovam que a cada minuto de beijo se perde 12 calorias. Mas que tipo de beijo é esse? E onde ele é dado? E como eles fazem, pesam a pessoa antes e depois do beijo, ou observam quantas gotas de suor surgiram na cútis da cobaia utilizada?"
 
irapuan martinez  http://www.hypergraph.com.br
É que o pessoal que levanta esse dados deve ter um medidor de calorias igual àquele "medidor fantasmagórico" dos caça-fantasmas: aponta-se para algo e ele retorna o valor. Deve de ser assim, ora, por que como é que vai medir que uma azeitona tem 200 calorias? Alguém já viu a azeitona suar? Perdendo caloria na esteira?
 
leandro rodrigues gonçalves - "Mr.Bin" - http://www.thetoner.blogspot.com
O processo de medição é simples: eles medem o quanto cada músculo da face utilizado para os movimentos do beijo gasta para fazer aquele movimento em um intervalo de tempo, através de um aparelho que mede a atividade muscular através do calor liberado/consumido. Aí somam. Fácil.

Ah, e 12 cal não é a mesma coisa que 12 kcal. A primeira, medida utilizada freqüentemente na química e na física, equivale a 0,001 kcal, que significa quilo-caloria. Deve-se saber em qual unidade esta sendo medida a quantidade de energia utilizada.

Espero ter ajudado.

edney soares de souza  http://www.interney.net
Na verdade é medido pela quantidade de músculos movimentados, de forma que 12 calorias por minuto é uma medida aproximada, por exemplo:

1) Um senhor de idade beijando uma ninfeta queima umas 2 calorias, o único músculo que iria disparar seria o coração e ainda teria o risco de matar o pobre coitado.
2) Duas lésbicas se beijando gastam 5 calorias pois tem menos músculo para se mexer.
3) Dois gays gastam umas 19 calorias pois tem mais músculo para mexer.
4) Um beijo apaixonado daqueles que dá taquicardia e suor gasta umas 22 calorias.
5) Se eu beijasse a Angelina Jolie perderia umas 1572 calorias porque ia mexer com TODOS os músculos do meu corpo
6) Pode notar que a média das calorias é igual a 12, como eu nunca vou beijar a Angelina Jolie então esse beijo não entra no cálculo da média.

diego mathias pinheiro (Cabelo)  [email protected]
Para este teste, o beijo é de lábios, podendo utilizar a língua também. É dado na boca da pessoa em um tempo que é uma constante (em condições normais de pressão de temperatura) e aprovado pelo INMETRO. São utilizados eletrodos na pessoa a fim de informar seus batimentos cardíacos e, assim, seu estado de excitação perante o fato. Finalmente, utilizando uma fórmula, calcula-se a quantidade de calorias de acordo com as outras variáveis influentes.
 
Pergunta da próxima semana:
"Qual foi a pessoa mais esquisita com quem você já conviveu?"
Relatos cínicos, comovidos e/ou debochados para [email protected].
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balzac
marcus marçal  http://sites.uol.com.br/marcus.marcal
 
Miguel Aurélio sacou uma certa melancolia no ar assim q respirou ao colocar os pés na terra batida daquele lugarejo litorâneo. Não que tal sentimento não lhe fosse companheiro nos últimos tempos, estava ali o tempo todo, mesmo que incorporado por pessoas mais próximas. Até então sempre se considerou audaz, brigão e muitas das vezes, propositadamente arruaceiro. Ninguém entendia nada, só ele. Era como se virasse o tabuleiro, ao ultrapassar os limites do bom senso e as regras e regulamentações decorrentes das amarras sociais dos transeuntes que assistiam ao espetáculo.
 
Mesmo sabendo que de suas ações lhe caberia algum ônus, o cara simplesmente se divertia com a m* que jogava no ventilador. O preço pelo espanto estampado, na face daqueles que o tentavam dissuadir do considerado inoportuno, lhe causava uma sensação imensamente particular de conforto. Situação recorrente em algumas situações, sem que conseguisse estabelecer ligações entre elas. Com o passar dos anos, aprenderia que sua sensibilidade à flor da pele só se faria respeitada na base da porrada.
 
Tudo aquilo lhe trazia o lastro inerente à necessidade de se manter bem consigo mesmo, acima de tudo. Olha que o camarada não era nenhuma encarnação de alguma doença social, simplesmente sentia a necessidade de resolver seus problemas sozinho. Ahahah! Seus poucos amigos, salvo raras e honrosas exceções, partiam e chegavam na mesma proporção de novas amizades, novos caminhos a serem compartilhados por outras pessoas. Sabia muito bem o que é estar só rodeado de gente, como naquele verão divertidíssimo e, ao mesmo tempo, sorumbático. A vida é uma caminhada, um aceno a todos com quem esbarra pelo caminho.
 
"I won’t deny the pain / I want to know the change..."
 
Como resultado dessa necessidade de jogar tudo para o alto e seguir em frente, conforme seus desígnios internos, pagou o preço de uma certa malfadada interpretação daquilo que seu rastro foi deixando escrito na memória de várias pessoas. Como uma bad trip tatuada no cérebro de certas pessoas preguiçosas, enraizadas fisicamente e existencialmente em suas vidinhas desprovidas de maiores necessidades. Sabia que elas nunca tentariam algo além das saídas óbvias do pensamento burro e rasteiro, como a unanimidade de uma torcida de futebol comemorando um gol ou xingando a mãe do juiz.
 
Ou mesmo como aquele efeito dominó que leva todos os cachorros de uma rua a latirem um após o outro numa sinfonia descerebrada e paranóica de uma ameaça que não acontece, de fato. O perigo anêmico esbravejando a ameaça latente no coração de cada uma delas, o mal que existe e persiste em cada uma delas, mesmo que disfarçado sob a carapaça da auto-defesa.
 
Mal conhecia o nome que aquela necessidade possuía alma, mas sabia perfeitamente que suas ações acionavam o apito canino dentro de cada uma dessas pessoas mais próximas, que acreditavam na irrealidade de um filme encenado às suas vistas. Sequer duvidavam da pertinência da tal brincadeira "ficar maluco", existente em qualquer delinqüência voluntária. Clockwork orange para despistar o tédio, a impassibilidade e o vazio que percebia no âmago de cada pessoa que se abria a ele.
 
E foi rodeado por uma multidão de pessoas histriônicas em sua felicidade febril e mesquinha que sentiu o quanto era bacana saborear a solitude ocasional. Como quem se sente invadido ao incomodar a histeria alheia com seu silêncio. "Mas como?!?!" "Ah foda-se, você não vai entender mesmo". Muitos anos depois, o antigo episódio lhe serviria como parâmetro para avaliar suas próprias mazelas. Participou burocraticamente do riso coletivo e, sem a menor parcimônia, resolveu proporcionar a todas aquelas pessoas material para que entendessem aquela situação sob outro prisma, a partir de outro ponto-de-vista. Ali percebeu que estava só e usaria tal sentimento como pretexto a fim de que não o deixassem subjugar em hipótese alguma. Seria seu maior crítico, até que aprendesse a lidar com a dor. Nunca teve medo dela, negá-la seria negar parte de sua própria alma.
 
...
 
Certa vez, alguém lhe disse, ainda muito novo, que a felicidade dificilmente dura muito tempo, então melhor saborear as alegrias o máximo que pudesse, como também juntasse esforços para aprender a nutrir-se com as intempéries. Essa noção de polaridade esteve sempre presente em sua vida, naturalmente tinha a perfeita noção da atração entre opostos. Além do mais, aprender a lidar com os fracassos tornaria a vitória um prato mais saboroso. Aprender a enxergar essa outra face se tornaria uma obsessão em vários momentos de sua existência, assim conseguiria contemplar a realidade desprovida de disfarces, como a substância bruta de cada coisa existente lhe sobressaltando aos olhos. Racionalizou tanto, até chegar a um ponto de entender a conveniência da irracionalidade pertinente em cada existência, imperceptível quase. Para alguns inconcebível.
 
De cara, não notou o baque da conclusão que havia chegado. Muito jovem ainda, só aconteceria algum tempo depois, quando encontrou dentro de si a potencialidade de variar de um extremo ao outro, de circular entre ambientes contraditoriamente complementares. Teve até gente falando que não conseguia entender o que se passava em sua cabeça, quando na verdade não havia nada para entender. Apenas uma necessidade de saciar sua inquietação, um fútil brinquedo. Quer dizer, nada é assim tão simples. Sempre soube, tinha uma predisposição, adquirida com o passar dos anos, de detectar pontos de tensão. Poderia utilizar isso do modo que melhor que conviesse.
 
Seu progenitor talvez tenha sido o primeiro a perceber e sugeriu-lhe o imponderável, em razão de suas próprias inquietações recônditas. "Vai lá, eu acredito em você", como se as conexões não-verbais existentes entre eles não deixassem dúvidas de que realmente era o melhor caminho a seguir. E era mesmo, apesar de tudo levar a crer que não. Sabia que a dor era inevitável, mas mais confortável ainda saber que é possível domá-la. Pensou naqueles tempos de solidão e sabia que essa sensação compartilharia com o filho, nada assim a qual não se pudesse lidar. Na verdade, foi um presente que lhe deu, hoje consegue muito bem perceber o substrato positivo de tudo aquilo, de toda aquela tamanha incoerência aos padrões banais das medrosas expectativas alheias. Ponto.
 
Depositou uma centelha de coragem no coração do garoto que foi lá, meio amedrontado, mas sabendo que não podia recusar a proposta. Seria uma covardia, uma decepção dirigida a alguém que muito lhe creditara. E foi, sem muito saber o que esperava, a não ser de que a partir dali em diante teria de aprender a bater, a apanhar, a se defender sozinho...
 
Point of no return, como se dissessem a ele para não olhar para trás. O que aconteceu em vários momentos, até que pudesse sorver toda aquela aflição como mera frugalidade. Sabia que não havia nada demais em lamber a ferida de vez em quando, não era difícil se defender. Exceto da condescendência daqueles que o amavam, sabe até hoje que disso não havia escapatória. Desnecessário, enfim, sabia que precisava se expor ao máximo. Só assim calaria suas próprias trevas.
 
...
 
Reviu e tentou reviver tudo aquilo que lhe aprazia antes, mas notou um brilho diferente em cada olhar conhecido. Como se pontos de interrogação tomassem o lugar de rostos de pessoas que já conhecia, como se mexesse em terreno pantanoso ao qual lhe fosse proibido. Percebeu, de cara, se importar demais com questões de menor importância. Mas foi, não dava pra voltar atrás e continuou. O garoto ainda aprenderia a lidar com as sombras com carinho, afagando os dissabores com ternura. Encarar todos os seus erros, além da culpa que lhe fora incutida por outrem mas que realmente existia em sua alma, até que ela se tornasse humo. Resplandecesse.
 
Anos depois retornaria ao tal point of no return atrás de alguma emoção outrora esquecida, como uma parábola a qual nunca dera a menor bola. "I don’t want a Jesus freak telling me about the god in the sky..." Se recompôs até se tornar apto a encarar a batalha renovado, ainda se assustaria várias vezes com o medo incrostrado nos olhos de todas as pessoas covardes que lhe passassem pela frente a fim de lhe tomar um pouco de seu espírito. Nessas horas, forçosamente lembrava de seu sentimento dirigido ao pai, manifestado sob a forma de uma alegoria. "Tudo o que você me ensinou é certo / Chegada a hora de eu lhe dizer isso / E se eu falhar, será apenas uma lágrima / A enxugaria como o suor do seu rosto / Se eu caísse, do chão eu me levantaria / Não vou te decepcionar...".
 
...
 
Enquanto o sol raiava, Miguel precisou dormir... Como aconteceu em outras situações, novamente não se reconheceu. Apesar de saber o tempo todo que era o mesmo, apenas mais velho. Enfim, aperfeiçoado.
 
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v i r u n d u n s
Você também cantava "virundum ipiranga às margens plácidas"? "Aceites não saber o que houve de errado"? "Japonês da pátria filhos"? "Scooby-Doo dos sete mares"? Mande suas (re)leituras, (des)construções e falhas auditivas em geral para [email protected].
 
fabiano parracho  [email protected]
- Não é música... mas quando eu fazia Karate (não tem acento mesmo), antes de começar o treino nós tínhamos que repetir em português uns "lemas" que o "sensei" (professor) falava em japonês. Um deles dizia "Respeitar acima de tudo". Nós, em plenos 12 anos, no palpitar da sexualidade, entendíamos: "Respeitar as prostitutas".

- Houve também a pérola de uma amiga, que enquanto cantarolava "Faz Parte do Meu Show", me saiu com: "...moro na rua deserta das trevas do Arpoador..." ("...ando na rua deserta, nas pedras do Arpoador...").
 
áureo dias de souza  [email protected]
Minha irmã canta na musica da Marisa Monte:
"...e eu quero ver o seu corpo PELUDO junto ao meu, vem meu amor, vem pra mim..."

Minha mulher por sua vez engata um Realce do Gil deste modo:
"...como ACORDO PELUDO, com amor com tudo...."

E uma que eu conheci na Bahia mandava a plenos pulmões:
"...o MACACO cidadão, o MACACO da civilização...".

Espero que elas não fiquem sabendo disto.
 
*.tirana.*  [email protected]
Ainda sobre músicas tem aquela do Freddie Mercury: "I want to refri...". Garanto que não sou só eu, um monte de gente ainda canta assim...

Uma outra amiga minha, relembrando uma música mais gauchesca, cantava: "tenho o verde dos campos dos teus olhos e o VESTIDO maleva que é puro REMENDO do caminhar...", enquanto o correto era "tenho o verde dos campos dos teus olhos, e o DESTINO maleva que é puro VENENO no caminhar..."
 
fabrina martinez, redatora  [email protected]
Eu nunca cometi um virundum sério (!) apenas o de cantar "...na vitrola rolando um som, tocando GIPSY KINGS sem parar..."

Mas o mais massa era o do meu irmão. Comemoração da escola. Todos param para ouvir o solo: Já nasceu DEUS ME LIVRE para o nosso bem...

Tem a versão daquela música do Skank: Ô macaco cidadão eu te chamei a atenção...
 
ismael alberto schonhorst - {FLY3001}  [email protected]
Eu gostava da música dos Raimundos Mulher de Fases, e achava que o trecho "põe fermento põe as bombas", era "põe coentro nas tuas rondas".
 
raimundo fagner  [email protected]
Cara, aquela música do Renato Russo, "Faroeste Caboclo", eu sempre achei, quando ouvia os meus amigos comentarem, que o nome dela era "Faróis de Caboclo".
Tem também aquela do Djavan. Na parte: "(...) amar é um deserto e seus temores...", sempre achei que fosse "(...) amarelo um deserto e seus temores...", e depois pensei que fosse talvez: "(...) a maré um deserto e seus temores..." Ah, brother, fala sério...
 
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bibliografia
natygirl 
[email protected]
 
Meu pai pegou a caneta e rabiscou uma coisa num papel. E me explicou que aquilo era uma assinatura, e que assinatura era o nome da gente, e que se faziam assinaturas nos papéis. Eu era muito novinha. Isso foi pouco depois de eu aprender a andar. E reza a lenda que no primeiro dia em que eu me levantei sozinha, a primeira coisa que fiz foi me pendurar na prateleira mais baixa da estante, e começar a tirar os livros. Eu não acreditei, mas me mostraram uma foto.
 
O melhor foi que eu realmente gostei dessa coisa de papéis e assinaturas. E acabei assinando a primeira página dos livros do meu pai, que ficavam na única prateleira que eu alcançava. Não porque eu estivesse dizendo que eram meus: mas porque eram papéis e papéis devem ser assinados. Eu mesma achei esses autógrafos precoces, limpando os livros daquela mesma estante, que existe até hoje.
 
Então me mostraram que rabiscos não eram só rabiscos: rabiscos também podiam ser letras ou desenhos. E eu comecei a gastar resmas e mais resmas, e suas consequentes caixas de lápis e canetas, estruturando os meus rabiscos, desenhando um monte de coisas e amontoando as letras que eu aprendi a copiar. Eram palavras enormes, aglomerados de vogais e consoantes que só eu podia entender. Tinham me ensinado que para escrever a gente junta as letras e forma as palavras...
 
Aí eu aprendi a ler. E aprendi também que histórias têm princípio, meio e fim. Depois eu descobri que as coisas não vêm sempre exatamente nesta ordem. E começei a juntar o princípio, o meio e o fim de todo e qualquer escrito que caía nas minhas mãos. Deve ter sido aí que eu fiquei míope.
 
E foi então que, pela primeira vez, ao invés de ler, eu VI. Montes e montes de capas, de letras diferentes, em papel cheiroso, brilhante, fosco, colorido... E VER me fez querer aprender a FAZER livros. Livros em branco, de capa dura com cantoneiras de couro, forrada com papel marmorizado, como eles eram feitos há muito tempo... Costurar as folhas soltas umas nas outras, colocar as folhas nas capas. Livrinhos em branco, prontos para a gente escrever o que quiser, e para nos dizer o que quiserem também. Eu também aprendi a desmontar livros. E a remendar, como quem cola esparadrapo nos machucados, e a limpar e costurar de novo, para recolocar dentro da capa, na mais pura experiência de ressurreição.
 
Começei a comprar livros sobre livros. Por puro Pleonasmo ou Metalinguagem, tanto faz. E aprendi latim pra ler o colofão do primeiro livro impresso no mundo, onde está escrito um agradecimento a Nossa Senhora.
 
Hoje o que consome os meus olhos não é mais papel, é web. Me ensinaram a achar qualquer coisa nela, com umas poucas palavras escolhidas e articuladas. E eu acho milhões de coisas, e me perco em outras tantas. Mas continuam sendo palavras e histórias com princípio, meio e fim. Continuam sendo livros. Continuam sendo frases, palavras, letras, rabiscos.
 
Talvez eu seja uma das últimas pessoas, nessa digitalidade toda, que ainda compra ex-libris. Só para os livros especiais. E colo ex-libris na primeira página dos meus livros sobre livros. E assino. Como no princípio.
 
Mas no princípio era o verbo...
 
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r a p i d a s   r a s t e i r a s
 
"Na China, todos torcem pra China."
(GALVÃO BUENO, esclarecedor, durante a transmissão de Brasil vs. China.)
 
"O ataque aéreo da Bélgica preocupa."
(FALCÃO, confundindo diabos com barões vermelhos.)
 
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o nome e o acontecimento
jules rimet  http://imagina.blogspot.com

Interrompo a viagem naquela pequena cidade. A fome, funda, me obriga a parar na pequena pensão e sentar em uma das mesas da calçada. Peço logo a cerveja que o calor exigia e vou bebendo goles que pacificam a sede, enquanto espero o pê-efe.

Vejo que a ruazinha de pedras se enche ao longe. É um enterro. E o cortejo vai se aproximando de onde estou. Duas pequenas filas tristes, acompanhadas de um monturo de entristecidos. Triste também o caixão pobre. As pessoas das outras mesas levantam-se em atitude respeitosa. Os que usam chapéu, retiram, pousando-o sobre o peito. Eu também me levanto, solidário com o cortejo. Sinto inveja por não possuir um chapéu. Um chapéu retirado da cabeça e sustentado sobre o peito é a mais ostensiva atitude de respeito. Além disso sinto vergonha por estar com um copo cheio de bebida sobre a mesa.

Aquele pobre cortejo me toca fundo. Talvez a aparência aconchegante da cidadezinha interiorana tenha feito aflorar esse sentimento em mim. Na cidade grande nos acostumamos com a morte, sem perceber a vida. Nas cidades pequenas não; a vida vaga mais calmamente, dando às pessoas tempo para sentirem a morte. Qualquer morte numa pequena cidade é uma morte sentida, é uma perda. Já nas grandes metrópoles a morte se tornou banal. O morto faz parte da paisagem, as pessoas se brutalizaram, seus sentimentos se embotaram.

Quando eu já me preparava para sentar, voltando a me preocupar com meu próprio umbigo, surge ao final do cortejo um acontecimento inesperado. Uma mulher, de roupas simples, mas segurando uma daquelas sombrinhas de frevo, dançava e cantava. Cantava música fúnebre, ria, e imitava frevo. Eu ia começar a rir quando olhei em volta e notei todos sérios. Aparentemente não davam importância ao fato. Ou eu alucinava? Daquele jeito foi a mulher, seguindo o enterro carnavalizado. Canibalizando a dor?

Quando o garçom chegou com meu almoço, puxei-o de lado e perguntei sobre a louca. A sua atitude só fazia supor tratar-se de uma louca. O garçom, aparentemente sem entender direito o motivo da pergunta, respondeu apenas "é Maria Ipiranga".

Talvez ele imaginasse que a simples menção do nome fizesse brotar em meu cérebro mil cintilações de súbita compreensão. O nome era a explicação. Devia ser uma história danada de boa... Mas como o garçom não parecia disposto a detalhar a explicação, fiquei só com o nome.

O nome e o acontecimento.

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theo 
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Contando comigo, éramos 5 netos. Meu avô nutria por mim indisfarçada preferência – pelo menos na minha cabeça.
 
Sem nunca ter frequentado um curso superior, exercia a engenharia, ou melhor, as engenharias, com cartesiana genialidade – química, elétrica, mecânica, civil, o que quer que repousasse num gráfico de duas ou três dimensões fascinava-o. E eu, desde muito cedo, fascinei-me também por esse mundo de fenômenos predizíveis. Em seu apartamento, construiu uma oficina, que era meu lugar preferido na infância. Nunca conversamos sobre arte, mas não me surpreenderia se ele, assim como o pai de Neruda, visse mais graça numa bela ponte que num quadro.
 
Com 15 anos, ingressei numa escola técnica - curso de eletrônica. Se já não nutria grande admiração por professores, a coisa degringolou ao enfrentar aquele bando de despreparados, obtusos, especialistas, mestres e doutores fascistas, virgens, infelizes, frustrados. Minha carreira em Exatas não começou muito bem.
 
Terminado o curso, completamente perdido, prestei vestibular para Educação Física. Meu avô só riu. De desgosto.
 
Em meados da década de 90, começou a apresentar sinais de senilidade. Em 95, desempregado, resolvi conhecer a Europa. Fui contar-lhe, mas ele não pareceu compreender bem o que eu dizia. Quando já ia embora, tive a nítida impressão de que, subitamente, veio-lhe um lampejo de lucidez. Perguntou-me quanto tempo eu ficaria fora. Disse-lhe a verdade: não sabia. Não sabia se teria como me manter, poderia ficar um ou dois meses ou mais. E me despedi como se fosse apenas mais uma despedida, embora meus olhos me traíssem.
 
No final de fevereiro de 96, parti para Portugal, onde teria pouso em casa de minha tia. Depois de um mês, fui para Londres, onde acabaria ficando seis meses. Em agosto, fui a Edimburgo, onde passei dias memoráveis. Alojei-me num camping perto do mar, e numa noite liguei pra minha mãe. Só dar notícias.
 
Meu avô morrera, às vésperas de completar 88 anos. Sentado na mesa, congelou. Ainda foi arrastado para um hospital – se ainda houvesse esperança, a saúde pública se encarregaria de ceifar.
 
Não pude me despedir. Ele evidentemente pressentiu – e eu também. Não sei do quê morreu, nem me interessa.
 
Quando, reunido com as filhas, abordava assuntos que não dominava, corria às enciclopédias, e lá ficava horas estudando, até poder apresentar o resultado mastigado. Sinto falta de seu riso manso, seu carinho, sua fome de saber, seus projetos, o dirigível radiocontrolado, o projetor de slides tridimensionais, com filtros polarizadores no lugar dos plastiquinhos vermelho e azul.
 
Deve estar bem, agora. Este mundo não lhe servia, complexo, confuso, perverso, malicioso.
Em 64, brindou, esperançoso, ao golpe dos milicos – inocente como uma criança, como aquele soldadinho brasileiro que foi matar afegãos na guerra do bem contra o mal.
 
Foi um sujeito, acima de tudo, bom. Inocente como uma criança, como os números - e bom.
 
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f a l a   q u e   e u   t e   e s c u t o
Carinho, muito carinho; compreensão, ajuda, atenção, amizade e dinheiro para pequenas despesas. É um emprego público? Não, é o Spam Zine, que te ouve e (quase sempre) te entende. Luana Piovani atende em [email protected]. Luana Piovani ou quem estiver por lá, claro.
 
----- Original Message -----
From: "Aline Melo"
Sent: Friday, June 21, 2002 11:18 AM
Subject: sobre spamzine

Olá Alexandre!
Meu nome é Aline Melo e tenho recebido o spamzine há alguns meses. Curto pra caramba os textos. Mas, tem uma coisa que eu gostaria de dizer. Eu não sei, juro que não sei, de que forma comecei a receber os textos, não sei se me cadastrei em algum site, sei lá. Mas o importante é que gosto muito. Então, o que eu queria saber com mais clareza é a origem do spamzine, quem pode escrever, se existe algum site que pode ser acessado independente dos textos que vocês nos mandam. Escrevi pra ti por que o editorial desta semana é teu. Um super abraço e valeu pelos poemas, são magníficos.

tosetto responde: Aline, o Spam Zine é quase tão democrático quanto Cuba. Qualquer um pode escrever o que quiser e nos mandar. Pra ser publicado, depende da gente gostar. O site a ser acessado independentemente é o http://www.spamzine.net. Seu cadastro deve ter sido feito por algum grande (e muito bem esclarecido) amigo seu. Quanto à origem do Spam Zine, é uma história singela: Alexandre Inagaki e Ricardo Sabbag, depois de fundarem, respectivamente, Yahoo! e Google, queriam fazer alguma coisa que desse dinheiro de verdade. Daí fizeram o Spam Zine, com base num relatório da Arthur Andersen que recomendava investimentos justamente em e-zines e na Enron. Eles aguardam ansiosamente os lucros monstruosos da iniciativa (eu também). Abraços de mais e juízo de menos.
 
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c r é d i t o s  f i n a i s
 
O Arnesto nos cunvidô
Alexandre Inagaki > [email protected]
Ricardo Sabbag > [email protected]
Orlando Tosetto Junior > [email protected]
 
Sotto la tua fenestra
Elton Mesquita > [email protected]
Ione Moraes > [email protected]
Jules Rimet > [email protected]
Marco Aurélio Brasil > [email protected]
Marcus Marçal > [email protected]
Natygirl > [email protected]
Theo > [email protected]
 
Nóis num sêmo tatu

Áureo Dias de Souza > [email protected]
Diego Mathias Pinheiro > [email protected]
Edney Soares de Souza > [email protected]
Fabiano Parracho > [email protected]
Fabrina Martinez > [email protected]
Irapuan Martinez > [email protected]
Ismael Alberto Schonhorst > [email protected]
Leandro Rodrigues Gonçalves > [email protected]
Maurício Svartman > [email protected]
Raimundo Fagner > [email protected]
*.Tirana.* > [email protected]

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conheça, leia, assine:
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colaborações, sugestões, críticas & propostas indecentes:
[email protected]

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p. s.
 
tosetto: digam lá - David Beckham não é a cara do Banzé (aquele cachorrinho dos gibis de Walt Disney)? E alguém tem que fazer o filme "007 Contra Oliver Kahn". O quíper alemão é bom mesmo, e tem cara de quem come arame farpado como espaguete.
 
tosetto: nosso camaradinha, cumpadre e poeta Lau Siqueira só faz colecionar elogios. Desta vez foi n'O Pasquim 21: "Lau Siqueira (Sem Meias Palavras), da Paraíba, é um lírico "em busca do silêncio". Ecos de Pessoa, Quintana e Leminski, entre outros, alicerçam seus instantâneos metafísicos, pequenos insights de faísca e explosão: "...sob os olhos atentos/do infinito/um quarto de lua/empresta a partitura/ao galo." Leiam. (André Seffrin)"

O livro é vendido pela Net: [email protected]. Pasquim e Spam Zine recomendam.
 
inagaki: narraria Cléber Machado: "hoje não!". E assim, ouvimos mais uma vez o Tema da Vitória, composto por Eduardo Souto Neto (mesmo autor do hino do Rock In Rio), desta vez tocado em comemoração à vitória de Rubens Barrichello. Contudo, não nos iludamos: apesar dos méritos do Rubinho, o fato da Ferrari ter permitido a vitória o brasileiro pode ser explicado pela reunião da FIA, dia 26, que decidirá uma possível punição a Schumacher, devido à presepada do GP da Áustria, quando o avexado alemão cedeu o degrau mais alto do pódio e seu troféu da vitória a Barrichello.
 
Os rumores que correm são de que a FIA, interessada em dar mais emoção ao campeonato (e aos seus patrocinadores), decidirá pela suspensão de Schummy por duas corridas. Pena suficiente para dar aquela pimenta ao campeonato, que anda mais sem graça que suflê de chuchu. Jean Todt e Ross Brawn, os "capos" da Ferrari, tomaram pois a decisão mais óbvia: ao permitir a vitória de Rubens, tentaram atenuar a besteira que fizeram no GP austríaco, e limpar um pouco a barra de Schumacher. Vai dar certo? Veremos...
 
De qualquer modo a corrida valeu por outro aspecto: antecipando um possível encontro de Brasil e Alemanha na final da Copa, os pilotos tupiniquins golearam seus colegas de equipe germânicos por 3 x 0. Na Ferrari, Rubens bateu Schummy; na Sauber, Massa conquistou 1 ponto e deixou Nick Heidfeld para trás; e na Arrows, Bernoldi mais uma vez superou Frentzen. Chucrute neles, Brasil!