SpamZine_________________
065 e 1/2
2 de junho de 2002
 
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mini-editorial à guisa de introdução
alexandre inagaki  [email protected]
 
Feriado no meio da semana... Copa do Mundo... Essas reticências... Bem, vocês sabem como é. A redação do Spam Zine relaxou, gozou e curte pleno fastio das letras. Mas, para evitar que seus leitores não sofram da síndrome de abstinência, cá está esta meia edição, que chega com o intuito de preparar o espírito dos assinantes para o especial LIVROS E LEITORES. José Vicente antecipa mais abaixo algumas considerações, e solicita a amiguinhos, inimiguinhos & afins para que mandem suas elucubrações acerca de livros, livrarias, bibliotecas, traças, leitores hipócritas, poetas fingidores, a importância (ou não) das letras em sua vida, etc etc.
 
Spam Zine especial LIVROS & LEITORES. Primeira edição, dia 9 de junho. É ler para crer.
 
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preview - especial livros e leitores
josé vicente  [email protected]
 
INTRÓITO:
 
Inteligente e benigno leitor, aqui vai uma história assombrosa.
 
Um de meus amigos trabalha num sebo. Dia desses, adentra o estabelecimento o senador Ney Suassuna, ex-ministro, nacionalmente conhecido pela ridícula gravata de Pato Donald. Ah, claro. O senador está sendo acusado de corrupção. Se bem que, em se tratando de um político, isso não chega a ser fator de discrime.
 
Ney Suassuna chega ao sebo e sai apontando para cá e para lá: ‘Quero esse e aquele e mais esse.’ E o doutor apontava coleções inteiras: ‘Aquela também.’ Colocou as mãos numa edição antiga de ‘Moby Dick’ – ‘põe essa na conta’. ‘Mas faz um abatimento, hein.’
 
O horror vem com a motivação da compra: ‘Eu me separei da minha mulher e as estantes estão vazias.’ Ney Suassuna comprava livros pela CENTIMETRAGEM DA LOMBADA. Estantes vazias não pegam bem. Esposas acabadas. Ternos mal cortados. Colocar lombadas aos olhos das visitas é demonstração de savoir vivre. O ex-ministro, que acha bonito gravata do Taz, também deve achar legal livros falicamente rombudos e estantes cheias como um poço no Crato.
 
Da nossa historinha de terror tiro algumas conclusões, a seguir expostas.
 
 
CAP.I - FINGIR LEITURA É ‘IN’:
 
A primeira é o óbvio ululante: alguns de nossos legisladores, a quem compete estimular o mercado editorial, possuem inexcedível vinculação com o tema. Que políticos sejam burros e incultos não é exclusividade nossa. Para que seus chefes não excedam em burrice existem assessores. Quanto a isso, nada de novo.
 
Por outro lado, mesmo que pouca gente leia livros, e que poucos livros mereçam ser lidos, e que pouquíssimos dentre os que leram os raros livros que merecem leitura venham a entendê-los – mesmo essa escala de improbabilidades não retira da leitura seu status nobre. Mas isso para certa camada da população: reputo profundamente enternecedor o fato de, altas horas da madrugada, encontrar a Letras e Expressões repleta de operadores do mercado financeiro disputando o sono à cocaína e às páginas de algum livro.
 
Fingir leituras é uma das atividades mais características da vida moderna.
 
 
CAP. II - NÃO EXISTEM LEITORES:
 
Cabe afastar o democratismo imberbe: nação formada inteiramente por leitores compulsivos é piada a que Platão não se furtaria a varar a perna manca. Mesmo assim: por que a maioria dos que podem não lêem? Falta tempo. O coração do problema é outro: falta estímulo. Ninguém mais compra livro pensando no prazer difuso e refletidamente etéreo de outras épocas. Livros, agora, são objetos voltados a uma finalidade. Disputam com cds esporrentos e sites piscantes o déficit de atenção da juventude. Ninguém lê porque os leitores estão rareando. Parece uma frase estúpida, mas a verdade é uma só: a leitura é atividade cruelmente solitária e desgraçadamente inútil. Tem mais a ver com um monge beneditino afligido por uma lordose secular do que com (complete aqui a crítica-clichê) (i) o Ratinho (ii) a Xuxa e os duendes (iii) Gerald Thomas (iv) todos os autores pop do mundo.
 
 
CAP. III - LER É DE UMA INUTILIDADE FEDERAL:
 
Ler bons livros não leva a lugar algum. É de uma inutilidade federal. Ninguém ficou melhor porque leu. Se disse que ficou, é mentira. Ao contrário da experiência religiosa, do poder, do dinheiro ou de uma trepada, livros não mudam a vida de ninguém. Nem de seus autores, que ganham um caraminguá ridículo e se enrodilham em discussões egóicas para espantar o suicídio. E ainda: quando os leitores morrem, seus sucessores não se mostram piedosos. Queimam a biblioteca longamente recolhida nas mãos do primeiro comerciante argentário. Viúvas loucas metem o malho no que sobrou da literatura do falecido. Mas talvez aproveitem as cuecas para os filhos.
 
 
CAP. IV - QUEM LÊ FICA ESCROTO:
 
Esta é uma regra geral, que se manifesta sob duas formas: (i) o orgulho babaquinha e (ii) a íntima convicção de superioridade. Quem lê de verdade e tem um gênio ruim gosta de esfregar a cultura na cara dos outros, o que o torna um ser absolutamente desprezível a uma ambiência social inculta e um competidor incômodo a um meio letrado. Se a pessoa é mais afável e cordata, embora às vezes tente iluminar seus amigos ao bom caminho, frente ao insucesso desenvolverá uma íntima convicção de superioridade. Mais ou menos como quando se chega numa festa com uma mulher bonita a tiracolo: mas se você chegar com um livro no sovaco será expulso a pontapés. O que, em todo o caso, não chega a ser condenável.
 
 
CAP. V – LIVROS SÃO CAROS E RUINS:
 
Mas diga-se que alguém resolva ler. Procurará algo bom e barato e só encontrará best-sellers vagabundos e caros. As grandes livrarias, doravante chamadas supermercados, oferecerem primordialmente essa leitura. Pequenos livreiros e editoras de menor porte raramente conseguem oferecer preços competitivos. Novos autores não chegam ao público. Fica aquela pagação de mico do ‘livro que só a mamãe e a titia leram’. Se bons autores não são editados, completas nulidades midiáticas ganham espaço: o livro da Narcisa é a redução ao absurdo da tese. Ou melhor: o livro da Vera Loyola, que consegue gastar um capítulo inteiro elencando, pura e simplesmente, nomes de amigos. Demais disso, no Brasil ainda não se firmou a cultura do pocket. Como quase ninguém compra, como as tiragens são ridículas, cada edição é uma edição completa. E toma preço. Restam as bibliotecas e os sebos. O que ainda é pouco.
 
 
CONCLUSÃO: NEY SUASSUNA VENCEU
 
Tendo em vista que o nobre político, podendo fingir que leu, fá-lo-á sem ofender o Regimento Interno, nada há que criticar na atitude. Ney Suassuna não quer pecar por orgulho. Não quer fazer parte de grupo de risco. Não quer gastar tempo com inutilidades. Ney Suassuna, ocupado com lancinantes questões públicas, bem que gostaria de ironizar como ironizou Manzoni: ‘E aquela sua famosa livraria? Talvez ainda se encontre dispersa sobre os parapeitos dos canais.’
 
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n a v e g a r   i m p r e c i s o
 
gosford park é aqui
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/06/02/cad036.html
O meio faz o homem? Artigo publicado no New York Times descreve a experiência vivida por 19 pessoas escolhidas para reproduzir, em um programa de televisão produzido pelo inglês Channel 4, a vida dos britânicos em uma propriedade rural do começo do século XX. A conclusão de um dos participantes: "mesmo que não goste, quando você tem poder, usa-o sem pestanejar".
 
burn, baby, burn
http://www.bossmonster.com/games/antcity.html
Porque somos todos formigas.
 
mu, baby, muuu
http://www.amonany.hpg.ig.com.br/vaca.htm
Singela página a ser visitada ao som daquele clássico da Carmem Costa: "amar é um bichinho que rói, rói, rói/ Rói o coração da gente/ E dói, dói, dói".
 
fanzine literário bizarrona
http://www.geocities.com/bizarrona
Um dos melhores webzines que conheço. Segundo seu editor, Daniel Gomes, "o Bizarrona, criado em 1998, tem como principal proposta ser um espaço aberto para novos escritores publicarem seus trabalhos e, principalmente, discutirem o fazer literário". E que belo espaço, ora pois.
 
what a wonderful world
http://www.mundoperfeito.com.br
A dica está atrasada, e Daniela Abade já deve ter relido "O Jogo da Amarelinha" umas três vezes, desde que ela me mandou um e-mail com a nova URL da página. Mas enfim, como dica boa não tem prazo de validade, cá está a recomendação para que os leitores novatos conheçam um mundo no qual a Lei de Murphy foi revogada, o Bonde do Tigrão virou atração de zoológico, e descobrimos, enfim, o destino do Sérgio do comercial da American Express.
 
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p e r g u n t a r   n ã o   o f e n d e
"Por que eu levaria o SpamZine para um motel?"
 
eder rebouças  [email protected]
"Porque eu não fumo!"
 
zex  [email protected]
"No caso de broxar eu teria algo pra fazer..."
 
rosi  [email protected]
"Well, Well... Creio que quando vamos a motel, nós mulheres devemos estar preparadas pra tudo. Tá certo que não podemos generalizar, pois existem homens ótimos, mas tem alguns sujeitinhos que realmente não tem remédio.
 
Conheci uma pessoa, mulher distinta de seus 50 anos de idade, recém-separada de um casamento de 23 anos, com todos os hormônios à flor da pele... Mudou-se para SP pra
tentar uma vida nova e esquecer todo o sofrimento do casamento falido. Alguns meses depois de estabilizada em Sampa, conheceu um rapaz bonito, 15 anos mais novo que ela, conversa aqui, jantar ali, finalmente chegou o grande dia de irem a um motel.
 
A princípio tudo parecia como um conto de fadas, ela colocou a lingerie nova, escolhida a dedo para a ocasião, se produziu toda para a grande noite, ele todo galanteador, carinhoso e se mostrando um cara excelente... Já no motel, beijos pra cá, abraços pra lá, encheram a Jacuzzi, estavam ali naquele frenesi louco, quando de repente ele interrompe, levanta-se, diz pra ela que vai pegar algo e já voltava... Segundos depois, ele volta com algo amarelo
nas maos, ela olha, pensa que estava tendo uma alucinação, torna a reafirmar o olhar e pasmem!!!!!! Ele está com um patinho de borracha na mão, isso mesmo, vou repetir em letras garrafais para traduzir o espanto dela UM P-A-T-I-N-H-O D-E B-O-R-R-A-C-H-A NAS MÃOS, e com a maior cara de pau, ele diz a ela: - 'Amor, posso deixar meu patinho aqui na banheira com a gente?'.......

Bem, nem preciso mais responder a pergunta de vocês depois dessa história doida e bizarra... E aposto que se nessa época minha amiga conhecesse a SpamZine, com certeza a teria levado para o motel, e teria algo mais interessante pra fazer do que competir com um patinho de borracha."
 
ismael alberto schonhorst  [email protected]
"Para a inspiração chegar.
(Quem não entendeu veja o filme Moulin Rouge.)"

guilherme de queirós mattoso  [email protected]
"Receber o spam zine é sempre uma felicidade, um orgasmo (que puxa saco!), por isso o levarei prum motel para uma experiência: comparar o orgasmo de recebê-lo com o do sexo..."
 
+-aLiNe-+  [email protected]
"... porque eu sofro de necessidades íntimas, que não estão sendo saciáveis por pessoas! e nem animais! e nem frutas ou verduras! apenas por zines muito tesudos! como o spam!!!!!!!!!!!!!! ps: não, isso não foi uma declaração de amor..."
 
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madame jasmim
ricardo valeriano gaspar  http://www.gasparol.com
 
(NOTA DO EDITOR: você perdeu os dois primeiros capítulos desta trilogia que encerra a saga de Madame Jasmim? Não precisa cortar os pulsos! Já tá tudo na Internet, tolinho:
 
capítulo 1 - Azul Celeste
http://planeta.terra.com.br/arte/spamzine/edicoesanteriores/sz058.htm
 
capítulo 2 - Detalhes Dourados
http://planeta.terra.com.br/arte/spamzine/edicoesanteriores/sz061.htm.
 
... e agora senta, que lá vem história.)
 
capítulo 3 - Gato Preto
 
Ainda não entendia bem porque entrou na casa da balofa, mas agora estava definitivamente arrependido. Toda aquela paciência para ouvir que "chegou a hora do fim do azedume meu querido, identifico uma presença feminina muito próxima de você. E ela trará novo sabor. Talvez tudo comece assim que você colocar os pés para fora dessa casa. Sim, eu vejo com claridade, será ela quem irá lhe trazer o torrão de doçura que irá rechear sua existência". Ora! Se pelo menos o texto tivesse sido melhor ensaiado por aquela impostora. E os estalidos na mesa? Ah, nem naqueles filmes de terror clássicos ele não viu efeitos sonoros tão mal feitos.
 
Mas o gato é real, esse gato preto feio, nojento, está me encarando de verdade. Parece até que os olhos dele são humanos, se não fossem tão típicamente felinos seriam idênticos a olhos humanos. Desde a hora em que eu entrei...
 
- Ô minha filha, fui hem! E vê se dá comida pra esse gato magrelo que ele está me olhando como quem implora uma raçãozinha.
 
- Não querido, ele lhe implora por salvação.
 
Vai começar novamente? Dou já um jeito nisso.
 
E deu um leve chute no gato que mais assustou do que machucou o bichano, vingando-se assim do olhar entristecido do gato e da "leitura" frustrante da madame. Antes de sair ainda deu uma última olhada pela casa que era muito mais aconchegante do que parecia ao julgar pela aparência externa. As boas mobilhas impregnadas com o jeito cativante de Madame Jasmim, as prateleiras repletas de livros místicos, as fontes de pesquisa da senhora, a atmosfera que parecia pairar leve sobre uma massa de calmaria devido ao cântico belíssimo repercutido pelo aparelho de som de qualidade mediana que estava na sala.
 
- Ah, e não esqueça de dar uma limpadinha aqui na porta viu Dona? As catotas que você ficou grudando ali do lado enquanto esperava o próximo cliente passar na rua vão virar estalactites em breve.
 
Assim que abriu a porta viu a garoa. Será que ela não parou um instante hoje? Seu ímpeto foi olhar o relógio, havia ficado muito mais tempo lá dentro do que pensava. Sentia um certo receio de sair naquele momento, mas logo mudou de idéia ao olhar para cima e ver a carranca colacada ali na entrada para espantar as más vibrações, segundo Madame Jasmim.
 
Pisou na calçada, respirou fundo e com força como se estivesse clamando um retorno para o mundo real. Seu pedido foi atendido quando uma garotinha, com trancinhas douradas puxou-o pelo braço esticando a mão com um doce:
 
- Tio, toma, é de presente.
 
O sorriso involuntário foi a prova maior da sensação de alegria que a menininha era capaz de transmitir com gestos simples. Esticando a mão num movimento inconsciente recebeu o doce:
 
- Presente para mim neném? Quanto custa?
 
- Ué moço, presente é de grátis!
 
- Hummm, de graça né? Tá bom mocinha, muito obrigado. O que é isso?
 
- Doce, de leite. Minha vó que faz. Hoje eu vendi tudinho e então estou te dando esse último porque papai do céu devolve em dobro o que se dá de coração. Minha mãe que me ensinou!
 
Uma enorme sensação de ternura o invadiu e com um afago no cabelo ele se despediu da garota. Ao observar os cachos dourados da moleca que ia-se aos pulos, rememorou as palavras de Madame Jasmim. A vida realmente não é tanto quanto acham, mas sem dúvida é mais do que esperam. Vestiu sua jaqueta, preparou-se para retomar a caminhada sem destino certo, com um sorriso no rosto, olhou para o docinho em sua mão e disse para si mesmo:
 
- Eis o meu torrão de doçura. - e dirigindo-se ao docinho - Vais rechear minha existência?
 
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c r é d i t o s  f i n a i s
 
menudos (sobe em minha moto, se agarra em mim que você vai gostar)
Alexandre Inagaki > [email protected]
Ricardo Sabbag > [email protected]
Orlando Tosetto Junior > [email protected]
José Vicente > [email protected]
 
tattoo (patrão, patrão, olha o avião!!!)
Ricardo Valeriano Gaspar > [email protected]
 
nélsons ned (mas tudo passa, tudo passará... e nada fica, nada ficará...)
+-aLiNe-+ > [email protected]
Eder Rebouças > [email protected]
Guilherme de Queirós Mattoso > [email protected]
Ismael Alberto Schonhorst > [email protected]
Rosi > [email protected]
 
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Spam Zine - fanzine por e-mail
 
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[email protected]

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p. s.
 
inagaki: leitura mais do que recomendada é a do novo livro do nosso graaaaande camarada de Spam, o poeta em tempo integral Lau Siqueira. "Sem Meias Palavras" está sendo vendido, por módicos R$ 10,00, a todos os interessados que enviarem um e-mail a [email protected], solicitando informações sobre onde efetuar o depósito bancário. Os mais espertos serão brindados com poemas do quilate desta pequena obra-prima:
 
aos predadores da utopia
 
dentro de mim
morreram muitos tigres
 
os que ficaram
no entanto
são livres
 
(Lau Siqueira - [email protected])