SpamZine_________________
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e 1/2
2
de junho de 2002
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mini-editorial
à guisa de introdução
Feriado
no meio da semana... Copa do Mundo... Essas reticências... Bem, vocês sabem
como é. A redação do Spam Zine relaxou, gozou e curte pleno fastio das letras.
Mas, para evitar que seus leitores não sofram da síndrome de abstinência,
cá está esta meia edição, que chega com o intuito de preparar o espírito
dos assinantes para o especial LIVROS E LEITORES. José Vicente antecipa
mais abaixo algumas considerações, e solicita a amiguinhos, inimiguinhos
& afins para que mandem suas
elucubrações acerca de livros, livrarias, bibliotecas, traças, leitores
hipócritas, poetas fingidores, a importância (ou não) das letras em
sua vida, etc etc.
Spam
Zine especial LIVROS & LEITORES. Primeira edição, dia 9 de junho. É
ler para crer.
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preview -
especial livros e leitores
INTRÓITO:
Inteligente
e benigno leitor, aqui vai uma história assombrosa.
Um
de meus amigos trabalha num sebo. Dia desses, adentra o estabelecimento o
senador Ney Suassuna, ex-ministro, nacionalmente conhecido pela ridícula gravata
de Pato Donald. Ah, claro. O senador está sendo acusado de corrupção. Se bem
que, em se tratando de um político, isso não chega a ser fator de discrime.
Ney
Suassuna chega ao sebo e sai apontando para cá e para lá: ‘Quero esse e aquele
e mais esse.’ E o doutor apontava coleções inteiras: ‘Aquela também.’ Colocou
as mãos numa edição antiga de ‘Moby Dick’ – ‘põe essa na conta’. ‘Mas faz
um abatimento, hein.’
O horror
vem com a motivação da compra: ‘Eu me separei da minha mulher e as estantes
estão vazias.’ Ney Suassuna comprava livros pela CENTIMETRAGEM DA LOMBADA.
Estantes vazias não pegam bem. Esposas acabadas. Ternos mal cortados. Colocar
lombadas aos olhos das visitas é demonstração de savoir vivre. O ex-ministro,
que acha bonito gravata do Taz, também deve achar legal livros falicamente
rombudos e estantes cheias como um poço no Crato.
Da
nossa historinha de terror tiro algumas conclusões, a seguir expostas.
CAP.I
- FINGIR LEITURA É ‘IN’:
A primeira
é o óbvio ululante: alguns de nossos legisladores, a quem compete estimular
o mercado editorial, possuem inexcedível vinculação com o tema. Que políticos
sejam burros e incultos não é exclusividade nossa. Para que seus chefes não
excedam em burrice existem assessores. Quanto a isso, nada de novo.
Por
outro lado, mesmo que pouca gente leia livros, e que poucos livros mereçam
ser lidos, e que pouquíssimos dentre os que leram os raros livros que merecem
leitura venham a entendê-los – mesmo essa escala de improbabilidades não retira
da leitura seu status nobre. Mas isso para certa camada da população:
reputo profundamente enternecedor o fato de, altas horas da madrugada, encontrar
a Letras e Expressões repleta de operadores do mercado financeiro disputando
o sono à cocaína e às páginas de algum livro.
Fingir
leituras é uma das atividades mais características da vida moderna.
CAP.
II - NÃO EXISTEM LEITORES:
Cabe
afastar o democratismo imberbe: nação formada inteiramente por leitores compulsivos
é piada a que Platão não se furtaria a varar a perna manca. Mesmo assim: por
que a maioria dos que podem não lêem? Falta tempo. O coração do problema é
outro: falta estímulo. Ninguém mais compra livro pensando no prazer difuso
e refletidamente etéreo de outras épocas. Livros, agora, são objetos voltados
a uma finalidade. Disputam com cds esporrentos e sites piscantes o déficit
de atenção da juventude. Ninguém lê porque os leitores estão rareando. Parece
uma frase estúpida, mas a verdade é uma só: a leitura é atividade cruelmente
solitária e desgraçadamente inútil. Tem mais a ver com um monge beneditino
afligido por uma lordose secular do que com (complete aqui a crítica-clichê)
(i) o Ratinho (ii) a Xuxa e os duendes (iii) Gerald Thomas (iv) todos os autores
pop do mundo.
CAP.
III - LER É DE UMA INUTILIDADE FEDERAL:
Ler
bons livros não leva a lugar algum. É de uma inutilidade federal. Ninguém
ficou melhor porque leu. Se disse que ficou, é mentira. Ao contrário da experiência
religiosa, do poder, do dinheiro ou de uma trepada, livros não mudam a vida
de ninguém. Nem de seus autores, que ganham um caraminguá ridículo e se enrodilham
em discussões egóicas para espantar o suicídio. E ainda: quando os leitores
morrem, seus sucessores não se mostram piedosos. Queimam a biblioteca
longamente recolhida nas mãos do primeiro comerciante argentário. Viúvas loucas
metem o malho no que sobrou da literatura do falecido. Mas talvez aproveitem
as cuecas para os filhos.
CAP.
IV - QUEM LÊ FICA ESCROTO:
Esta
é uma regra geral, que se manifesta sob duas formas: (i) o orgulho babaquinha
e (ii) a íntima convicção de superioridade. Quem lê de verdade e tem um gênio
ruim gosta de esfregar a cultura na cara dos outros, o que o torna um ser
absolutamente desprezível a uma ambiência social inculta e um competidor incômodo
a um meio letrado. Se a pessoa é mais afável e cordata, embora às vezes tente
iluminar seus amigos ao bom caminho, frente ao insucesso desenvolverá uma
íntima convicção de superioridade. Mais ou menos como quando se chega numa
festa com uma mulher bonita a tiracolo: mas se você chegar com um livro no
sovaco será expulso a pontapés. O que, em todo o caso, não chega a ser condenável.
CAP.
V – LIVROS SÃO CAROS E RUINS:
Mas
diga-se que alguém resolva ler. Procurará algo bom e barato e só encontrará
best-sellers vagabundos e caros. As grandes livrarias, doravante chamadas
supermercados, oferecerem primordialmente essa leitura. Pequenos livreiros
e editoras de menor porte raramente conseguem oferecer preços competitivos.
Novos autores não chegam ao público. Fica aquela pagação de mico do ‘livro
que só a mamãe e a titia leram’. Se bons autores não são editados, completas
nulidades midiáticas ganham espaço: o livro da Narcisa é a redução ao absurdo
da tese. Ou melhor: o livro da Vera Loyola, que consegue gastar um capítulo
inteiro elencando, pura e simplesmente, nomes de amigos. Demais disso, no
Brasil ainda não se firmou a cultura do pocket. Como quase ninguém compra,
como as tiragens são ridículas, cada edição é uma edição completa. E toma
preço. Restam as bibliotecas e os sebos. O que ainda é pouco.
CONCLUSÃO:
NEY SUASSUNA VENCEU
Tendo
em vista que o nobre político, podendo fingir que leu, fá-lo-á sem ofender
o Regimento Interno, nada há que criticar na atitude. Ney Suassuna não quer
pecar por orgulho. Não quer fazer parte de grupo de risco. Não quer gastar
tempo com inutilidades. Ney Suassuna, ocupado com lancinantes questões públicas,
bem que gostaria de ironizar como ironizou Manzoni: ‘E aquela sua famosa livraria?
Talvez ainda se encontre dispersa sobre os parapeitos dos canais.’
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n
a v e g a r i m p r e c i s o
gosford
park é aqui
O meio
faz o homem? Artigo publicado no New York Times descreve a experiência vivida
por 19 pessoas escolhidas para reproduzir, em um programa de televisão produzido
pelo inglês Channel 4, a vida dos britânicos em uma propriedade rural do começo
do século XX. A conclusão de um dos participantes: "mesmo que não goste,
quando você tem poder, usa-o sem pestanejar".
burn,
baby, burn
Porque
somos todos formigas.
mu,
baby, muuu
Singela
página a ser visitada ao som daquele clássico da Carmem Costa: "amar
é um bichinho que rói, rói, rói/ Rói o coração da gente/ E dói, dói, dói".
fanzine
literário bizarrona
Um dos
melhores webzines que conheço. Segundo seu editor, Daniel Gomes, "o Bizarrona,
criado em 1998, tem como principal proposta ser um espaço aberto para novos
escritores publicarem seus trabalhos e, principalmente, discutirem o fazer
literário". E que belo espaço, ora pois.
what
a wonderful world
A dica
está atrasada, e Daniela Abade já deve ter relido "O Jogo da Amarelinha"
umas três vezes, desde que ela me mandou um e-mail com a nova URL da página.
Mas enfim, como dica boa não tem prazo de validade, cá está a recomendação
para que os leitores novatos conheçam um mundo no qual a Lei de Murphy foi
revogada, o Bonde do Tigrão virou atração de zoológico, e descobrimos, enfim,
o destino do Sérgio do comercial da American Express.
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p
e r g u n t a r n ã o o f e n d e
"Por
que eu levaria o SpamZine
para um motel?"
"Porque
eu não fumo!"
"No
caso de broxar eu teria algo pra fazer..."
"Well,
Well... Creio que quando vamos a motel, nós mulheres devemos estar preparadas
pra tudo. Tá certo que não podemos generalizar, pois existem homens ótimos,
mas tem alguns sujeitinhos que realmente não tem remédio.
Conheci
uma pessoa, mulher distinta de seus 50 anos de idade, recém-separada de um
casamento de 23 anos, com todos os hormônios à flor da pele... Mudou-se para
SP pra
tentar uma vida nova e esquecer todo o sofrimento do casamento falido. Alguns
meses depois de estabilizada em Sampa, conheceu um rapaz bonito, 15 anos mais
novo que ela, conversa aqui, jantar ali, finalmente chegou o grande dia de
irem a um motel.
A princípio
tudo parecia como um conto de fadas, ela colocou a lingerie nova, escolhida
a dedo para a ocasião, se produziu toda para a grande noite, ele todo galanteador,
carinhoso e se mostrando um cara excelente... Já no motel, beijos pra cá,
abraços pra lá, encheram a Jacuzzi, estavam ali naquele frenesi louco, quando
de repente ele interrompe, levanta-se, diz pra ela que vai pegar algo e já
voltava... Segundos depois, ele volta com algo amarelo
nas maos, ela olha, pensa que estava tendo uma alucinação, torna a reafirmar
o olhar e pasmem!!!!!! Ele está com um patinho de borracha na mão, isso mesmo,
vou repetir em letras garrafais para traduzir o espanto dela UM P-A-T-I-N-H-O
D-E B-O-R-R-A-C-H-A NAS MÃOS, e com a maior cara de pau, ele diz a ela: -
'Amor, posso deixar meu patinho aqui na banheira com a gente?'.......
Bem, nem preciso mais responder a pergunta de vocês depois dessa história
doida e bizarra... E aposto que se nessa época minha amiga conhecesse a SpamZine,
com certeza a teria levado para o motel, e teria algo mais interessante pra
fazer do que competir com um patinho de borracha."
"Para a
inspiração chegar.
(Quem não entendeu
veja o filme Moulin Rouge.)"
"Receber
o spam zine é sempre uma felicidade, um orgasmo (que puxa saco!), por isso
o levarei prum motel para uma experiência: comparar o orgasmo de recebê-lo
com o do sexo..."
"...
porque eu sofro de necessidades íntimas, que não estão sendo saciáveis por
pessoas! e nem animais! e nem frutas ou verduras! apenas por zines muito tesudos!
como o spam!!!!!!!!!!!!!! ps: não, isso não foi uma declaração de amor..."
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madame
jasmim
(NOTA
DO EDITOR: você perdeu os dois primeiros capítulos desta trilogia que
encerra a saga de Madame Jasmim? Não precisa cortar os pulsos! Já tá tudo
na Internet, tolinho:
capítulo
1 - Azul Celeste
capítulo
2 - Detalhes Dourados
...
e agora senta, que lá vem história.)
capítulo
3 - Gato Preto
Ainda não entendia
bem porque entrou na casa da balofa, mas agora estava definitivamente arrependido.
Toda aquela paciência para ouvir que "chegou a hora do fim do azedume
meu querido, identifico uma presença feminina muito próxima de você. E ela
trará novo sabor. Talvez tudo comece assim que você colocar os pés para
fora dessa casa. Sim, eu vejo com claridade, será ela quem irá lhe trazer
o torrão de doçura que irá rechear sua existência". Ora! Se pelo menos
o texto tivesse sido melhor ensaiado por aquela impostora. E os estalidos
na mesa? Ah, nem naqueles filmes de terror clássicos ele não viu efeitos
sonoros tão mal feitos.
Mas o gato é real,
esse gato preto feio, nojento, está me encarando de verdade. Parece até
que os olhos dele são humanos, se não fossem tão típicamente felinos seriam
idênticos a olhos humanos. Desde a hora em que eu entrei...
- Ô minha filha,
fui hem! E vê se dá comida pra esse gato magrelo que ele está me olhando
como quem implora uma raçãozinha.
- Não querido, ele
lhe implora por salvação.
Vai começar novamente?
Dou já um jeito nisso.
E deu um leve chute
no gato que mais assustou do que machucou o bichano, vingando-se assim do
olhar entristecido do gato e da "leitura" frustrante da madame.
Antes de sair ainda deu uma última olhada pela casa que era muito mais aconchegante
do que parecia ao julgar pela aparência externa. As boas mobilhas impregnadas
com o jeito cativante de Madame Jasmim, as prateleiras repletas de livros
místicos, as fontes de pesquisa da senhora, a atmosfera que parecia pairar
leve sobre uma massa de calmaria devido ao cântico belíssimo repercutido
pelo aparelho de som de qualidade mediana que estava na sala.
- Ah, e não esqueça
de dar uma limpadinha aqui na porta viu Dona? As catotas que você ficou
grudando ali do lado enquanto esperava o próximo cliente passar na rua vão
virar estalactites em breve.
Assim que abriu a
porta viu a garoa. Será que ela não parou um instante hoje? Seu ímpeto foi
olhar o relógio, havia ficado muito mais tempo lá dentro do que pensava.
Sentia um certo receio de sair naquele momento, mas logo mudou de idéia
ao olhar para cima e ver a carranca colacada ali na entrada para espantar
as más vibrações, segundo Madame Jasmim.
Pisou na calçada,
respirou fundo e com força como se estivesse clamando um retorno para o
mundo real. Seu pedido foi atendido quando uma garotinha, com trancinhas
douradas puxou-o pelo braço esticando a mão com um doce:
- Tio, toma, é de
presente.
O sorriso involuntário
foi a prova maior da sensação de alegria que a menininha era capaz de transmitir
com gestos simples. Esticando a mão num movimento inconsciente recebeu o
doce:
- Presente para mim
neném? Quanto custa?
- Ué moço, presente
é de grátis!
- Hummm, de graça
né? Tá bom mocinha, muito obrigado. O que é isso?
- Doce, de leite.
Minha vó que faz. Hoje eu vendi tudinho e então estou te dando esse último
porque papai do céu devolve em dobro o que se dá de coração. Minha mãe que
me ensinou!
Uma enorme sensação
de ternura o invadiu e com um afago no cabelo ele se despediu da garota.
Ao observar os cachos dourados da moleca que ia-se aos pulos, rememorou
as palavras de Madame Jasmim. A vida realmente não é tanto quanto acham,
mas sem dúvida é mais do que esperam. Vestiu sua jaqueta, preparou-se para
retomar a caminhada sem destino certo, com um sorriso no rosto, olhou para
o docinho em sua mão e disse para si mesmo:
- Eis o meu torrão
de doçura. - e dirigindo-se ao docinho - Vais rechear minha existência?
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tattoo (patrão,
patrão, olha o avião!!!)
nélsons
ned (mas
tudo passa, tudo passará... e nada fica, nada ficará...)
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Spam
Zine - fanzine por e-mail
conheça,
leia, assine:
colaborações,
sugestões, críticas & propostas indecentes:
>>>
p.
s.
inagaki: leitura mais do que recomendada é a do novo
livro do nosso graaaaande camarada de Spam, o poeta em tempo integral
Lau Siqueira. "Sem Meias Palavras" está sendo vendido, por módicos
R$ 10,00, a todos os interessados que enviarem um e-mail a [email protected],
solicitando informações sobre onde efetuar o depósito bancário. Os
mais espertos serão brindados com poemas do quilate desta pequena obra-prima:
aos
predadores da utopia
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres