053
26 de fevereiro
de 2002
são paulo rio de janeiro miami londrina fortaleza
caraguatatuba itararé curitiba
>>>
n
e s t a e d i ç ã o:
bar e tédio carnaval
fora de época alcohol and toilet um
fígado nu
sessão
de análise bordeaux
requiem e porre duelo ébrio
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Parte I - Sobriedade.
A vida fica muito
sem graça quando estou sóbria. Não. Não sou alcóolotra, muito pelo contrário:
sou o tipo da pessoa que nasceu para não beber, mas teima em insistir
até que o estômago comece a protestar em dores sintomáticas.
O fato é que adoro
um vinho tinto, uma cerveja bem gelada, uma caipirinha bem batida. Pobres
aqueles que não sabem apreciar um Cabernet Sauvignon chileno da safra
de 1998, abençoada com sol e chuva na medida certa. Pobres também os que
não conseguem ver graça nas coisas mais tolas, sentado numa mesa de bar,
rodeados por pessoas que certamente tornam-se mais interessantes e altivas
depois da terceira garrafa de cerveja e uma porção de carne-seca para
beliscar.
Não bebo mais do
que posso por restrições médicas. Todos os antidepressivos e antipsicóticos
que tomo trazem bem claro em suas bulas: "não ingerir substância
alcóolica durante o tratamento". Mas fujo das regras, por vezes,
senão, que graça teria minha vida enfadonha? Sei que é politicamente incorreto
aqui confessar: dirijo depois de beber, como quem está sempre flertando
com tânatos. Nunca bati o carro bêbada. E sempre prometo não dirigir depois
de três copos de cerveja. Promessa renovada a cada round em uma mesa de
bar e nunca levada a sério, uma vez finda todas as partidas de levantamento
de copo ou a grana para bancar as biritas. Quando quero ficar bebinha
rápido, logo peço duas doses de pinga de umbu. Economizo preciosos e raros
reais.
Ressaca: meu reinado
por um gatorade ou uma água de côco.
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Parte
II - Embriaguez.
Deixa eu pensar...
bebi cinco latinhas de cerveja, meia garrafa de vinho tinto, uma dose
de whisky. É, barece que estou beeeeim alegrinha, no ponto para continuar
a escrever meu editorial.
O que é? Nunca
viram? Tá, eu bebi, bebi muito mesmo, por dois motivos básicos: ter minha
primeira experiência etílico-literária e porque minha vida tá uma merrrda.
Hehehe, é legal escrever palavrão no computador.
Tá, você vai me
dizer que beber não resolve nada, que eu não devia ter tomado umas biritas
por causa do meu tratamento. Ihhh, sem essa. Como se eu não soubesse de
cor e salteado todas as regras para se manter o bom senso num momento
de turbulência pessoal. Mas há dias que precisamos engolir as regras e
despirocar, não?
Tá aqui, ó. Minha
vida é um livro aberto. Quê? EU TÔ FALANDO MEIO ALTO DEMAIS? Não, não,
impressão sua, você que não bebeu o suficiente ainda. Então... como ia
dizendo, bebi mesmo porque eu tô mals, bem mals, e não tinha ninguém pra
quem ligar à uma e meia da madruga, sacô? E não tinha nada de legal passando
na televisão.
Ai, minha cabeça
está tãooo pesada. Não sinto mais as minhas pernas. Nem sei por que estou
digitando freneticamente aqui, a essa hora, sozinha numa noite chuvosa
em São Paulo. Preciso deitar. Não, se eu deitar minha cabeça vai girar,
rodar, vou ficar muito tonta. Ai, por que eu fui beber tanto e sozinha?
Quem vai me levar até o banheiro? E agora. Ai, vou deitar...
Dia seguinte: meu
reinado por um gatorade, tudo por uma água de côco. Ai, minha cabeça,
por que fui beber tanto assim? Acendo um cigarro e esmiuço as lembranças
para tentar não me esquecer de nada, quando a maior parte delas já se
encontram irremediavelmente perdidas por culpa do último gole de... ahn,
não lembro.
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Gostaria de agradecer,
desde já, a todas as colaborações enviadas para esta edição ébria de Spam
Zine. Por falta de espaço, esclareço que nem todos os textos puderam
ser publicados.
O Spam Zine adverte:
beber demais causa ressaca, apagões mentais, boca seca, vexames irremediáveis,
distúrbios na fala, alteração na coordenação motora, e sono repentino.
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soneto
do bar e do tédio
Embriagado de um
cansaço louco,
Eu vim buscar um pouso nesta mesa.
O que beber? Não tenho inda certeza,
Mas prometo pedir daqui a pouco.
Em meus bolsos
eu trouxe qualquer troco
Que não me bastará para a proeza
De mais embriagar-me. "Esta dureza
Me preserva", concluo, dando um soco
(Levemente) na
mesa, onde um cinzeiro,
Um par de pratos limpos e um saleiro
Me assistem numa noite de dezembro.
São horas só de
tédio, interrompido
Quando indaga um garçom: "Foi atendido?"
E eu, confuso, respondo que não lembro...
lendas
de enecom (*encontro nacional dos estudantes de comunicação, ou carnaval
fora de época da categoria)
márvio dos anjos [email protected]
I
Meu estado era mais
que lastimável,
O dela, eu acho, Santa Catarina.
Naquele alojamento (uma latrina),
Meu porre pareceu-nos incurável.
Passou-me sobre
a calça a mão amável,
Sorrindo-me, safada e feminina.
“Demorou”, disse rápido à menina,
Puxando fora o bicho infatigável.
E bastaram apenas
dezessete
Minutos para ver-lhe a boca cheia
Selando o pagamento de um boquete.
Só vi quando ela
foi como era feia...
“Tô no lucro”, pensei no colchonete,
Depois que me limpei na fronha alheia.
II
Falou pra quem ouvisse
antes de ir:
"Esse ano eu vou passar rodo em geral!!"
Prometia uma esbórnia radical,
Tudo que fosse etílico ingerir.
Só que o "Terror
do Encontro Nacional"
Foi um fiasco que se pôde conferir.
Na ida, o primeiríssimo a dormir
Foi nosso candidato a maioral.
E o quanto pôde
foi garoteando:
Um Enecom inteiro namorando,
Colado na primeira que lá viu.
No fim bebeu, entrou
num coma alcoólico,
Tardou a volta e o fim foi melancólico,
Com cem mandando-o à puta que o pariu.
>>>
alcohol:
have you hugged your toilet today?
daniela
motta [email protected]
Be-bi-da - duas estaladas de lábios e uma viagem da língua ao céu da boca
rumo à saborosa embriaguez.
Há os que gostem do sabor etílico e os que apreciem os seus efeitos liberatórios
- o que gera expressões vulgares como "cu de bêbado" - e há,
ainda, os que gostem dos dois... ou dos três.
A questão é que o álcool desempenha uma importante função social, sendo
alvo fácil de estudos antropológicos, já que está presente em desvirginamentos,
concepções, atropelamentos, discursos inflamados, conversões à homossexualidade,
compras da revista Caras e danças de break protagonizadas por caucasianos.
O álcool é, além disso, comumente associado pela W/Brasil a corpos esbeltos
e olhares lascivos de fêmeas bem apessoadas. Quem bebe cerveja (bebida
alcoólica produzida com cevada) nos televisores brasileiros costuma estar
cercado por biquínis minúsculos e nádegas douradas e rebolativas.
Transpondo o caso para a realidade, vê-se homens de estado civil indesejável
com abdomes proeminentes que urram vocábulos ininteligíveis como "mengo"
e "nense". Os glúteos crestados pelo sol ficam a milhas de distância
dali, como indicam as estatísticas.
Superada a questão do pousadeiro e a sua localização em relação aos usuários
freqüentes de álcool, sabemos que, quando um representante do sexo masculino
sob efeito de depressores do sistema nervoso central se depara com um
traseiro oferecido, é pouco provável que consiga dele desfrutar. No entanto,
há controvérsias.
J. F. S. das Couves,
que não quis se identificar, relata que, com ou sem álcool, é capaz de
dar sete "bimbadas" (cópula, no dialeto local) consecutivas.
Este relato foi tido como pouco confiável depois de saber-se que ele sofre
de uma desordem mental, a qual o induz a afirmar ter relações sexuais
com Margaret Thatcher em todos os feriados religiosos pares do ano.
Enfim, o álcool, como ente redutor da inibição e da circulação sanguínea
na região pélvica, figura entre as mais engenhosas invenções humanas,
perdendo, talvez, para o gerador de mensagens subliminares randômicas
para curdos. É uma questão a ser pensada.
>>>
p
e r g u n t a r n ã o o f e n d e
"Qual foi a pior coisa que você fez depois de um porre?"
Entrei num ônibus
coletivo daqui de Londrina e, como todos os ônibus aqui são amarelos,
comecei a cantar em voz alta: "We all live in a yellow bus-marine,
a yellow bus-marine, a yellow bus-marine...". Não sei se essa foi
a pior, mas definitivamente foi a mais vexatória.
Festa de faculdade,
onde a maioria das histórias de bebedeira acontecem... Eu estava evitando
uma garota durante a festa inteira... Foi quando acabou a cerveja.
O dono da festa apareceu com uma garrafa de vodka e gelo... acabamos
por tomar a vodka pura... o gelo acabou na segunda rodada. Bem...
não preciso dizer que tasquei um beijo que pareceu mais uma endoscopia
na menina que eu estava evitando há horas (e que passei as semanas
seguintes tentando evitar...). Mas agora que vem a parte boa... Quando
percebi o que tinha feito, tentei achar um lugar pra tentar passar
a bebedeira... me agarrei numa garrafa de refrigerante e me fechei
num banheiro... Fiz o achei que deveria ser feito para passar a bebedeira,
(o famoso dedo na goela) e sentei para esperar ficar melhor. Acordei
na manhã seguinte com o dono do casa me olhando assustado... O
pior é que o cara nem era tanto meu amigo... foi foda abrir a
boca e dizer "Beleza?". Fui pra casa e fui motivo de piada
até o final do semestre...
No carnaval
passado decidi aprofundar meus "estudos etílicos", embora
fosse iniciante nesta linha de pesquisa, confiei na herança genética
e acreditava ser "durona". Meus primos e alguns amigos de
infância alugaram um ônibus e fomos bebendo o caminho todo. Já subi
no ônibus com uma garrafa de cerveja e fui lá para o "fundão",
retornei até o motorista bebendo tudo o que a galera estava tomando...
Passei o resto da viagem com a cabeça na janela vomitando, até aí
nada demais, o problema é que o vento trazia o meu "conteúdo
gástrico" de volta e sujava além de mim as pessoas que estavam
sentadas nas cadeiras atrás da minha!!!! No outro dia me mandaram
sentar lá atrás,perto do banheiro...
Depois
de uma noite de festa na casa de um amigo, eu estava tentando dormir
na sala com o colchão no chão. Mas dois camaradas insistiam em tocar
violão, e eu disse:
- São 3 e 45
da manhã, se até às 4 vocês não pararem eu vou sair correndo pelado
na rua.
Não deu outra,
bêbado sai fazendo o maior escândalo girando a cueca na ponta do dedo.
Lembro da namorada do dono da casa, uma mulher de 35 anos dizendo:
"Ai se eu tivesse um filho bonito assim". Pronto, me achei
o pelado bonito. Mas não digo que foi a pior coisa que fiz depois de
um porre, é o que eu lembro. Pior foi quando me beijaram depois de eu
ter dado uma vomitada.
Um dia estava
eu cambaleando quando avistei uma moitinha e tentei convercer um amigo
meu de que deveríamos nos jogar nela pois ela parecia muito fofinha
e aquilo seria muito divertido. Eu nem percebi o tom de ironia na voz
dele ao dizer: - Vai você primeiro, se for bom eu vou depois. E eu fui,e
ele não foi depois. A "moitinha" na verdade eram umas árvores
anãs cheias de galhinhos pontudos que deixaram as minhas costas com
uns arranhões que fazem parecer que eu participei de uma briga de gatos,
até hoje.
pergunta
da próxima semana:
"Por
que devemos tomar apenas um (01) Yakult por dia?"
Ajude
o editor da próxima semana, Mr. Fernando Goulart, a esclarecer
uma das lendas urbanas mais aterradoras de nossa infância: [email protected].
>>>
ressaca
de carnaval (meu fígado posto a nu)
go-gonzo
girl [email protected]
Heeeem, respira fundo.
Não é a primeira vez que me dizem que devemos abandonar as coisas que
não podemos controlar, no sentido de que ninguém deve arrancar as calças
pela cabeça por causa dessas coisas (supostamente, SUPOSTAMENTE) incontroláveis.
Olha, eu tenho que controlá-las. É claro que são controláveis. Como
não? TÊM QUE SER.
Eu me estresso por causa de coisas que eu não posso controlar. E são
tantas essas coisas que eu já devia ter pulado dessa janela lá embaixo.
Alguém realmente teve visão ao decidir colocar grades nessas
janelas em algum dia do verão de 1978, quando eu arrastei uma cadeira
maior que eu até ela e comecei a olhar muito pro beagle lá embaixo.
Eu devia estar pensando: “Por que tá tão quente? Não tem como mudar
isso? Alguém desliga a bola de fogo do céu. Ei. EEEEEI.” E nada.
Com três ou quatro (?) anos de idade, eu virei um copo de uísque que
um adulto responsável havia repousado sobre a mesinha de centro baixa
da sala de estar. Quase coma alcóolico. Demora muito até que um adulto
perceba que uma criança hiperativa está de porre. Quando alguém finalmente
sentiu meu bafo, já era. Meu destino boêmio já estava traçado. Menos
de dez anos depois, junte à equação os Beatles, o Rock in Rio II e uma
guitarra elétrica e você tem uma cantora que as gravadoras vão considerar
"difícil" de encaixar no mercado. Enfia o mercado no teu rabo.
Hoje eu tô de férias.
Noutro dia eu recebi um e-mail de uma amiga que mora fora do Brasil
querendo saber como eu estava. Eu perguntei logo: tá lendo o blógui
(http://www.exquisite.com.br/gonzo)
não? Está, está sim. Mas, segundo ela, ali não dá pra saber como eu
estou me sentindo. Então, Thabata, isso aqui é o mais perto que a gente
vai chegar de comentar meu estado de espírito pra uma estatística de
cem, cento e vinte cabeças diárias, 90% das quais eu não tenho a menor
idéia de quem sejam e 99% sob suspeita de uma paranóia implacável.
Ouço de novo: "Você não pode ficar apavorada por coisas que não
pode controlar".
Da última vez que escutei isso, foi num restaurante no Leblon, intervalo
de almoço de uma das ponto.com dos infernos, quem disse foi o FZero,
meu chefe na época. Noutro dia, ele me ligou e me fez outra queixa bastante
popular, escuto sempre também. “Você não procura a gente quando tá com
problema de verdade, não fala pra ninguém.” Problema de verdade, verdade.
Porque, se eu não posso controlar, imagine vocês.
O que é o que não depende de nós? Basicamente, tudo. Sempre existe uma
maneira de o arbitrário e o absurdo invadirem a sua rota de certeza
e destruírem tudo. E aí existem duas maneiras de lidar com a permanente
ameaça: selvageria total. Não se prender a nada nem a ninguém. Niilismo.
Hedonismo. Chapar, rezar. Nada disso. Não sei o quê, também. Não pensar
nisso? Ou seja, mordemos o próprio rabo: aqui estamos nós, de novo,
falando em “deixar pra lá as coisas que não podemos controlar”. Hunter
Thompson. Mate o corpo e a cabeça morrerá?
E isso tudo porque meu amplificador queimou.
Não é só isso. Vocês sabem que tem o lance do (des)emprego. Vocês sabem
que tem o lance do meu micro estar nas últimas. E tantas outras coisas
que eu não digo pra ninguém e não vou dizer aqui porque é escroto demais
ficar de papinho em blógui e zine, pelo menos pra mim, que não tenho
talento pra essa coisa. Tem gente que faz isso muito bem, é uma escrita
cheia de vida, que eu leio com gosto. Mas não eu. Aliás, eu tenho talento
pra quê? Talento, eu sempre acreditei, era uma coisa que a justiça divina
encarregava-se de compensar com... alguma coisa. Não com mais dificuldades
a cada dia. Então, uma pessoa sem talento, pra mim, é, naturalmente,
a pessoa que não consegue sequer um trabalho besta. Foi mal, é isso
que eu penso. Aqui estou eu, em plena crise mundial, soltando esta pérola
que qualifica diversas pessoas comprovadamente talentosas como inúteis.
Isso, meus amigos, é o limite da madrugada, é onde o pessimismo morde
e te passa alguma endemia tropical quando você tira da tomada aquele
sachezinho elétrico de Baygon. Eu não gosto do tipo de gente que enxerga
em cada obstáculo um sinal irrefutável de que tudo o mais vai dar errado.
Meu problema não é com cada obstáculo, mas com o acúmulo aparentemente
infinito deles. O que fazer? Aproveitar velhas notas sobre Nietzsche
e Amor Fati e gritar contra o Deus detrás do cenário como um Truman
qualquer?
É muito barulho por nada, certo? Mas meu amplificador não está sequer
zumbindo, então, como gota d'água, isso me fez achar que não existe
mais música no mundo inteiro, tudo está em um silêncio de biblioteca
vazia. Minhas metáforas são sofríveis. E minha geladeira tá vazia. É
pouco e eu reclamo demais. Eu sei que é pouco. Tudo depende do quanto
você está disposto a sentir e a se sujeitar. Tem esse guri que vem aqui
na porta de casa umas duas vezes por semana e quer lata e quer água.
“Não tem dois reais? É que lá em casa tá faltando algumas coisas.” Imagine.
O pequeno cidadão, que sempre me aparece aqui com a cara meio arrebentada,
me diz que na casa dele estão faltando algumas coisas. No discurso dele,
estão faltando alguns plurais (está lhe faltando a escola). Nos pés
dele, estão faltando sapatos. Ele bebe um copo de leite como se não
comesse há 30 horas. E na casa dele estão faltando “algumas coisas”.
CARALHO, o que isso fez comigo quando eu ouvi ele dizer... foi logo
da primeira vez que ele apareceu. Das outras vezes, eu já não senti
tanto quando ele pedia dois reais. Senti-me incomodada com a cara dele
no portão porque ir até lá atrasava o trabalho nessa monografia que
hoje, nesse humor rançoso de quem não acha que vai conseguir sequer
limpar privada de boteco um dia, me parece uma besteira. Estavam faltando
algumas coisas na casa dele, certo? E eu reclamando aqui de qualquer
porra. Tudo depende do quanto você está disposto a sentir. Isso nesse
livro que eu ando lendo muito, do Lester Bangs. Engraçado, né? Devo
ser idiota mesmo, achar coisas filosóficas em livro de crítico de música.
Não devo explicações sobre isso. Tem, tá lá, se quiser, lê algum dia.
O quanto queremos sentir. Aí a gente define um limite e, depois desse
limite, a gente não sente mais. Passa por velho, por criança, pelo que
for, em cujas casas sempre estão faltando tantas coisas, e foda-se,
finge que não viu, porque não tem nada que a gente possa fazer mesmo
a não ser erguer essa defesa entre os mais fodidos e nós. Você já não
ouviu isso como alento alguma vez? “Tem gente que está muito pior do
que você.” Isso deveria servir de consolo?! PORRA! É assustador. É uma
ameaça, uma ameaça de arbitrariedade! PODERIA ACONTECER COM VOCÊ. O
mundo não é um lugar assustador? E quando você se dá conta, não sente
mais. Isso é uma reflexão de Bangs sobre Astral Weeks, de Van Morrison.
Não tomei nenhum ácido ruim no carnaval. Eu bebi pouco também. Bem pouco.
Eu... nem vomitei. Uma vez, numa festa à fantasia da faculdade, eu bebi
bem. Tinha levado pé na bunda do namorado, aquela cerveja toda ali,
foda-se. Bebi mermo. Aí lembrava no dia seguinte de ter carregado uma
menina pra vomitar no banheiro. Que vergonha, carreguei ela no ombro
até lá. Pois foi meu porre mais homérico. Descobri no dia seguinte mesmo
que a menina que levei no ombro pra vomitar era eu. Acho que saí do
meu corpo, de tanto que bebi, e me ajudei. Às vezes só a gente pode
se ajudar mesmo.
Não que eu não acredite em Deus. Tenho uma amiga platonista, mestranda
de Filosofia, tese sobre o Filebo, uma loucura. Sempre bebo com ela,
e nessas ocasiões ela me coloca na cabeça essas idéias de que Deus existe.
Eu nasci sob o signo da existência de um Deus e muitos santos e crianças
e anjos a quem eu peço, esta noite, me tornando ridícula para todos
os leitores sobre quem já construí paranóias e fantasias incríveis de
que me detestam e riem de mim, que por favor me mostrem um sinal lindo
de que tudo está indo bem.
Ela, a amiga da filosofia, escreveu uma dedicatória em um livro que
me deu de aniversário: “Este livro é pra te lembrar, nas tuas aventuras
gonzo, que o amor é possível e existe.”
Existe. Eu vou ser madrinha do seu casamento. Mas não quer dizer que
vá existir pra todos, manja?
Se não rolar pra todos, foda-se. E daí? Quem disse que é errado viver
sozinho? A Jane Austen, cujo livro é o presente que mereceu aquela dedicatoria.
Uma linda coleção de Jane Austen que ela me deu, porque sabe que eu
amo a escritora. Mesmo, adoro. Como posso adorar Hunter Thompson e Jane
Austen? São dois lados da mesma coisa. Jane Austen escrevia, fora dos
romances, cartas com odes à solidão e ao vinho que sempre tinham o cuidado
de dar aquele refilzinho espeto no seu copo enquanto observava os casais
no salão.
Ando apaixonada pelos livros e pelos discos, nada mal. Segundo Stendhal,
é possível adquirir qualquer coisa sozinho, menos caráter. Então, além
de rabugenta, de acordo com a opção de companhia que fiz, pode-se dizer
que estou a meio caminho de tornar-me mau caráter. Não é sensacional?
A primeira transmissão ao vivo, via weblog, da metamorfose de uma formanda
de jornalismo em mau caráter.
Isso não é uma experiência.
Devemos acreditar em visões? Em santos? Em pensamento positivo? Sugestões
para a minha mailbox. Ou melhor, não. Finge que não me viu. Funciona
na maioria dos casos.
análise
- Eu acho que é
ansiedade. No fim das contas eu acabo sempre colocando os pés pelas mãos.
Acho que aquela história de Freud tem a ver... Meus pais me cobravam muito,
sabe? Não podia aparecer em casa com nota abaixo de oito. Imagina meu
nervosismo quando chegava a semana de provas... Era surgir com um sete
e meio pra ficar uma semana inteira ouvindo que eu não teria futuro, que
eu seria um fracassado... No final das contas, acho que eu transferi esse
trauma de infância para os meus relacionamentos atuais.
- A gente já combinou, Você fala e eu analiso. Nada de auto-análise.
- Tá, mas então compara: já te falei da Mari, não?
- Já. A alérgica que morreu depois que você mandou doze dúzias de flores...
Você sempre fala disso.
- É que marcou fundo, cara. Tem a ver, não tem? Ah, e a Vivi? Lembra da
Viviane?
- Lembro. Rubens, mas eu acho que já chegou o momento de você superar
essas histórias...
- Mas superar como? Se você, que nem viveu, se lembra?
- Rubens. Faz seis meses que você não mudou de assunto. Mesmo que eu quisesse
esquecer, você não me deixa.
- Tá, agora até você. Tá me acusando de repetitivo, é? Porra, cara, eu
tô procurando ajuda, não crítica. Até você quer me deixar sozinho...
- Não, não é isso. Não precisa levantar o tom de voz. Fica calmo. Expira...
Inspira... Expira... Inspira... Isso, põe pra fora todas essas coisas
que estão te incomodando. Isso. Expira... Pffffff... Bom, bom, pode chorar.
Não é vergonha nenhuma chorar.
- (entre soluços) Sabe, cara, você é que nem um irmão pra mim. Te considero
muito.
- Que bom que você acha isso... Fico feliz, Rubens. Nada como extravasar
as emoções. Só que agora nosso tempo acabou.
- Mas já?
- Você sabe que eu não posso te atender depois das 4, Rubens.
- Ah, mas só mais uma cervejinha, França.
- Tsc... Tá. Só mais uma.
- Já te falei da Líliam?
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message
in a bottle
nemo nox
http://www.nemonox.com/ppp
Era o meu oitavo dia naufragado na ilha, e dava o já habitual passeio
matinal pela praia. Um brilho diferente na areia chamou-me a atenção.
Para o meu alegre espanto, tratava-se de uma garrafa de vinho tinto. O
rótulo tinha desaparecido há muito, sendo impossível determinar a procedência
daquele presente do acaso.
Sem demora, com
um pauzinho e alguma habilidade, retirei a rolha e absorvi o profundo
aroma que subia através do gargalo. Meu espírito iluminou-se. Sorvi o
precioso líquido com a parcimônia que o momento permitia, e não pude conter
uma lágrima ao ser dominado pelo caráter daquele bordeaux maravilhoso.
Foi a primeira manhã, desde o naufrágio, em que não me senti sozinho.
Depois de degustar a última gota do vinho, resolvi agir como um bom náufrago
e usar a garrafa de forma ortodoxa. Com cuidado, coloquei um bilhete no
seu interior e atirei-a ao mar. Olhando as ondas, sorri ao lembrar-me
da mensagem na garrafa. "Mandem mais bordeaux. Este já acabou."
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requiem
Manuela
bebia, bebia, er, bem. Bebia desde os dez anos, quando o pai, italianão,
liberou o vinho nas refeições. A adolescência de Manuela foi primorosa
em termos de porres. Voltar para casa carregada pelos amigos, dentre os
quais eu me incluía, era normal. Ninguém bebia mais que Manuela.
Manuela
me ensinou a beber. "Esse whysky não, que é uma merda. Dá dor de
cabeça." Copo firme, pernas nem tanto. Sempre que eu saía com Manu
ela dava show. Às vezes cantava, aquela voz desafinada, aquele "jeito"
para a coisa. Eu achava graça, cantava junto, baixinho, olhando para ela
no fundo dos olhos, incentivando. "Você é o marido perfeito."
Sim, eu me casei
com ela.
Cerveja,
para Manu, era a pior bebida do mundo. "Cerveja não embebeda, cerveja
engorda. Só vale a pena quando você está sem grana, meu amor." Eu
aquiescia, fazia notas mentais, enquanto ela me olhava de cima, desaprovando.
O problema todo é que eu não bebia. Manuela achava que eu era a pessoa
mais chata do mundo, e bebia para que eu ficasse interessante. Meus tratados
filosóficos e digressões teológicas ficavam interessantíssimos, minha
retórica melhorava muito. Nós só nos dávamos bem, enfim, quando Manuela
estava bêbada. Mas ela disfarçava bem. Nunca tivemos uma briga sequer.
"As pessoas bêbadas devem ser muito chatas para quem não bebe, não
é, meu bem?"
Mas Manuela, depois
de alguns vexames, copos quebrados, hematomas nos joelhos e bofetadas
na minha cara, decidiu parar de beber, frustrada, talvez, pela minha abstinência.
Abstinência, na verdade, causada pela minha total incapacidade de beber
o suficiente. Dois copos de qualquer coisa, uma dose de conhaque que fosse,
e eu ficava vermelho e enjoado, incapaz de beber mais.
Pois Manuela decidiu
parar de beber. Entrou para a ginástica e quis até parar de fumar "Só
cinco cigarros por dia, meu querido, quem diria?" Manuela fez progressos,
ganhou um prêmio desses de publicidade, tornou-se a redatora mais bem
paga da agência. Continuava a sair com os colegas (com marido a tiracolo),
e bebia coca-cola. Light. Com gelo e limão! Foi quando seus amigos passaram
a se tornar chatos, quando ela começou a detestá-los, achar todos fúteis
e sem graça. Ela se agarrava a mim e pedia que eu falasse, falasse sem
parar. Qualquer assunto servia, visto que eu era incapaz de discorrer
sobre futebol ou carros, a não ser que fosse para tecer comentários antropológicos.
Manuela parou de
beber, parou de fumar, ficou magra e foi promovida a Chief Creative Director
ou coisa que o valha; e começou a colecionar obras de arte.
No ano passado,
Manuela se separou de mim, sem dar explicações maiores. Dois meses depois,
mudou-se para Nova Iorque, para trabalhar na filial da agência e ganhou
mais uns prêmios. "Os" prêmios. Todos eles.
Ontem recebi a
notícia da sua morte. Manuela pulou da ponte do Brooklin. Descobri que
ainda a amava. Amo. À Manuela, a única homenagem decente é este meu primeiro
porre. Ainda que isso me mate.
>>>
o
duelo
sérgio
sérvollo [email protected]
A galera atônita fazia roda em volta da mesa. Vinte rodadas seguidas
e nenhum dos dois contendores arredava
pé. O que começara como uma brincadeira entre amigos
agora era uma luta desesperada para manter o orgulho e
o título de maior bebedor do boteco.
O público vibrava a
cada gole e fazia suas apostas. O comentário geral era que o
Alê iria cair primeiro. Sua cara já mostrava sinais claros de dor e
desespero. Marcão por sua vez conseguia disfarçar, mas padecia dos mesmos sintomas.
Bêbados ainda não estavam, passavam pelo estágio demasiadamente-alegres-feito-bestas-rindo-à-toa.
O dono do bar, sentindo que a atração ganhara proporções alvissareiras, resolveu
colocar mais lenha na fogueira para poder segurar a galera bebendo
no bote. Definiu nova regra no jogo: os participantes poderiam ir ao
banheiro para "esvaziar o joelho" e voltariam
para o combate. Se alguém vomitasse ou caísse no caminho, o outro
seria declarado vitorioso.
Devidamente escoltados ao banheiro os dois chupa-rolha
literalmente derreteram meia pedra de gelo (dessas de
dez quilos), de tanto mijo acumulado. Os odores das rodelas
de limão, flutuando no mictório entre pedras de gelo, lembravam vagamente
uma caipirinha apodrecida.
Saíram os dois,
vários litros mais leves e risonhos. Resolveram aumentar a dificuldade e
solicitaram ao Portuga que patrocinasse as próximas rodadas com
tequila. Claro que ele(mão-de-vaca-como-todo-português-que-se-diz-brasileiro) negou, mas
a galera empolgada e devidamente calibrada gritou e esperneou
e convenceu o lusitano. Garrafas a postos o Alê comenta com o Marcão:
- Cara, cê tá fudido! Além de me divertir, beber pra cacete e de grátis,
ainda vou sair daqui como "rei do boteco". Amanhã
mesmo mando fazer um quadro e pendurar ali, do lado da choppeira, em minha
própria homenagem.
Marcão, pra não deixar
barato emenda:
- Bicho, a única marca que cê vai deixar é a da sua cara caída na
mesa. Dá uma olhada pro papai aqui e aprende como se faz.
E lá se iam outras rodadas.
- Marcão, desiste cara, cê num tá legals. Acho que tu vai vomitá
nessa pôrra! Se funeca mano!
- Alê, sai do meu colo que cê tá pesado! Tu é que tá podre.
Eu num tô bêbados, só tô fingindo que tô bêbados pra aumentá a audiência.
E manda outras rodadas.
A essa altura a galera estava preocupada. Vinte e oito chopps cada um
e mais sete rodadas de tequila! Qualquer mortal já estaria em coma alcoólico
há muito tempo.
A batalha agora era psicológica e a dialética passou a contar. Pérolas
de digressão etílica ricocheteavam pelo bar:
- Marcãos, cê num tá lesgals! Num dô meia hora prôcê caí
des caras na besa! - o povo ansiava pelo desfecho.
- Alê, ficass quieto e escuta! Pode esquecê que "Ai uil bi de quing"!
A galera vibrava e as apostas aumentavam. Estava três contra
um que o Marcão levava essa. Mais três rodadas de "la tequila":
- Alê! Ô
Alê! Disisti caras, zê num dá ouvindo os grito da garera! Já ganhei
essa bôrra!
- Só quano zeu caí, zé roia. Ti disafiu bra virá duas dose de seguidass
uma da outra!
Desafio aceito, mais duas doses. O Portuga já estava preocupado
com o prejuízo:
- Pois, pois, que a tequila é importada catzo!
- Alêzandre, achu qui num tô lesgals. Tá tubo bicando bretoss,
zas bezzoas num pára di rodazzz. Ajo qui bocê ganhô... - balbucia
Marcão, já com a cabeça pendendo. Ouve-se a vaia geral e os gritos de
incentivo:
- Guênta Marcão! Falta pouco!
- Marcusss Epanimondassss!
Tá beins difícil di ti entember, bocêss tá mim entembendo? Num tô lesgalsss.
Brezizo mija di novo.
- Bode crê abigosss. Bamos nessa juntosss que eu ti ajudosss.