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048
20 de janeiro de 2002
são paulo  recife  porto alegre  rio de janeiro  roma  são josé dos campos  curitiba
 
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n e s t a   e d i ç ã o:
 
mais espera  chocolate  greatest hits  distúrbio  sino  chá
 
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editorial
orlando tosetto junior  [email protected]
 
A Argentina ainda nem começou a pegar fogo direito, mas esqueça. O apagão está em vias de se desapagar, mas deixa pra lá. A inflação do ano passado ficou acima da meta, mas não importa. Do final do carnaval até outubro, a palavra é uma só: eleição.
 
Os blocos já estão na rua, ou ultimando preparativos. Como em todo páreo, há os azarões e as barbadas. Uma barbada, aliás, tem barba. Como sempre, o segundo turno é Lula versus alguém. E entre os azarões, um deu sorte: Ciro Gomes, que tomou conta do coração da Patrícia Pillar. Quer se eleger pra quê, ele?
 
Quem será que vai pro returno com o Lula? A briga, como se desenha, só é de verdade entre Serra e Sarney Filha, com vantagem para ela no por enquanto. Os outros vão ficar de lado, assoviando, piscando pro que exibir mais músculos e trocando bilhetinhos com o mais fraquinho por baixo da lona. Ninguém tem massa pra brigar, mas sempre pode puxar o cabelo de um, enfiar o dedo no olho de outro, enfim, esse conjunto de práticas a que chamamos política.
 
O Brasil ultimamente vem se dando ares. Ficou de liderança política aqui na América de baixo depois que a Argentina deu um pulinho no banheiro; vem costurando coisinhas com a Europa, com a Índia, com o tal do Leste Europeu; falou mais ou menos grosso contra as cowboyzadas do Bush Filho; enfim, tá no alpinismo social das nações.
 
Por essas e outras, nosso pleito vai chamar um pouco mais a atenção. Vamos ter que mostrar candidatos mais bem barbeados e de dentes escovados. E aquela vagueza tradicional do "sou contra tudo o que está aí" e as promessas de bomba atômica... bom, não vai poder mais. O pessoal vai estar de olho. As coisas vão ter que vir assim, a nível de proposta, entenderam?
 
E a nós - o tal do povo - cabe analisar. Com a ajuda desinteressada da propaganda, da calúnia, do berreiro, dos cabos eleitorais e dos chamados "meios de comunicação". Cabe a nós, no meio do bombardeio cívico, decidir.
 
Como se fosse sopa.
 
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Isto aqui não é o governo; justamente por isso a vox populi é ouvida. Da sugestão do nosso leitor Marcelo Sawasato, estréia hoje a seção Spam Cine, pela pena da nossa Pauline Kael de plantão, Homera Cristalli, ora pairando perto do Papa. Confiram.
 
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Marcelo Firpo tem sobrenome de boxeador argentino, e escreve jabeando com ironia: olho nele. A edição tem também Alyuska Lins, Sara Fazib em prosa, Hilário Bispo num continho que é uma delicadeza só, e Ciça Giannetti, com seu alter-ego C. Emily Play.
 
E dia 13 passado quem fez aniversário foi o Catarro Verde, o mais citado blog nacional (Veja, Folha de São Paulo, Vitrine: todo mundo leu, todo mundo falou). Sendo o Sergio Farias nosso amigo, a gente se une às festividades: não perca, alguns scrolls abaixo, os melhores momentos do Catarro em 2001, compilados pelo nosso editor Alexandre Inagaki.
 
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se meu telefone tocasse... (ode à espera - parte II)
alyuska lins  [email protected]
 
E falando em esperas, em telefones que não tocam, pessoas que ligam e desligam,
e gente que disca
nosso número por engano,
lembrei-me agora daqueles que já não ligam mais.
O tempo, essa traça de rostos e nomes, acabou por corroer por fim a história.
Que até foi bela.
Fez-nos ver a cidade mais florida,
contemplar pontes iluminadas e até achá-las com alguma coisa de arquitetura européia.
Fez-nos ouvir aquela canção tantas vezes seguidas,
fez-nos sorrir sozinhos, nos semáforos,
e notar também, ao longe, o solitário pescador jogando sua rede ao rio...
- Bom homem..., pensamos.
E o homem se pudesse nos diria que nem era tão bom assim; já havia até roubado um banco...
E nós pensaríamos, sem ouvir:
- Bom homem!
E o homem talvez nos diria que já estava com câimbra jogando aquela rede tantas vezes no mesmo dia...
E nós sentenciaríamos, absortos no amor:
- Vida boa...
E ele, se escutasse isso, certamente, diria um palavrão e nós, certamente, levantaríamos a mão feito um tchau e sem ouvir nada, mais uma vez, diríamos:
- Para o senhor também!!
Sim, éramos loucos, naquela época. Mas loucos de amor.
Tomados pela imensa glória, o céu na terra, o infindável êxtase, o encontro extremo de amar e ser amado.
Findado o romance, entretanto,
acusações,
palavras (mal) ditas,
ficou somente a mágoa em lugar do amor.
Já não há razões para ligar.
Todos os vasos de porcelana já foram pagos,
todos os discos, atirados pela janela,
os retratos, rasgados,
Os livros, civilizadamente, devolvidos por sedex.
Não restou nada.
Exceto o número.
O do telefone.
Este, sim, insiste em permanecer vivo.
Poderíamos até ligar, se quiséssemos...
Claro.
 
Não. Não poderíamos.
A amizade sequer existe mais.
Nem mesmo o tempo muda para criar assunto.
Nem mesmo o carro bate para o hospital ser pretexto.
A vida segue em cores. Só nós, em preto e branco.
E até percebemos ainda o homem, ao longe, a pescar...
Mas viramos o rosto.

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laura no buffet
marcelo firpo  [email protected]
 
Não conseguia entender como tinha gente que conseguia gostar de sorvete de chocolate. Quer dizer, era o tipo da redundância: uma coisa é sorvete, outra é chocolate. Alguém já viu sorvete de pudim, de quindim, de sagu? Era bom pensar baixo, senão o chefe ia acabar inventando mais uma aberração.
De modo que teve uma leve antipatia pelo guri assim que ele chegou e pediu uma casquinha de chocolate.
Pobre aproveita pra comer chocolate e sorvete numa sentada só, pensou, matreira, mas nada dava a entender que estava tirando uma onda com o cara, que esperava bovinamente pela sua casquinha do outro lado do balcão. Até que.
-Tu gosta de chocolate, é?
-Gosto, sim.
-Então por que tu não compra uma barra?
-Hein? Hã, é que tá quente, né?
-E daí?
-O chocolate derrete, ora!
-O sorvete também.
E, sorrindo, estendeu a casquinha, que a essa altura já começava a pingar. Era bom ir pensando no próximo emprego.
 
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p e r g u n t a r  n ã o  o f e n d e
"Qual é o seu pecado capital predileto? Justifique."
 
esdras passos  [email protected]
"Avareza, s/ justif. p/ economia."
 
drica kee   [email protected]
"A gula, que dúvida. Nos dias de hoje, que tá tão difícil encontrar algo perfumado, consistente, quente, saudável e gostoso para colocar na boca, ao menos a gente pode comer. Que fique registrado que uma coisa não substitui a outra, mas não vamos ficar sem o prazer oral por causa disso."
 
naira marcatto  [email protected]
"O meu pecado capital favorito? Pode ser a soberba, porque nada que eu queira que seja feito pode ser tão bem feito quanto por mim; ou a avareza, porque o meu espírito de compartilhar não é muito bem resolvido. Talvez ainda a ira, ou vai dizer que alguém tem uma alma tão pura que é incapaz de sentir raiva mesmo quando vê aquele carinha que você é muito a fim beijando uma outra? Pode ser também a gula: ninguém faz um doce de morango tão bom quanto o meu (né, Mateus?)! Ou até mesmo a inveja de, depois de comer aquele tal doce, ligar a TV e ver que não tenho nada do corpinho da Luciana Gimenez. A preguiça também faz muito bem na hora de pecar: há coisa melhor que um cobertor bem quentinho no sofá numa tarde fria e chuvosa? Agora, pecado favorito mesmo é luxúria: precisa explicar?"
 
pergunta da próxima semana:
"Qual a mais memorável chifrada que você já deu (ou levou)?".
Mande a bomba: [email protected] 
 
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green catarro’s all-time greatest hits
sergio faria  [email protected]
 
Quinta-feira, Abril 05, 2001
Vontade de pegar uma estradinha de pista simples, parar num posto vagabundo onde exista uma venda/boteco/empório com nome de santo, mesinha de sinuca faltando bola, café de coador, bolachas/balas/bebidas de marcas mundialmente desconhecidas, sabores/cheiros/cores que não conheço e nunca vi. E pessoas que contem causos, talvez um ou outro dentinho de ouro no sorriso franco, uma palavra de boas-vindas a quem chega e de boa viagem pra quem volta à estrada. Desintoxicar da mesmice das redes de livrarias, supermercados, farmácias, videolocadoras, lavanderias, lanchonetes, restaurantes, bares, postos de gasolina Frango Assado e Lago Azul, pizzarias, cafés, hotéis, lojas 24h, bancos, tudo sempre igual, com a mesma cara pasteurizada e as mesmas pessoas clonadas/previsíveis/papagaias. Lugar vagabundo costuma ser reserva de diversidade. Isso enquanto não criam uma franquia "Vagabond's", como diz Jaca Putão. Odeio redes e franquias. Me dão vontade de vomitar.
 
Terça-feira, Maio 15, 2001
Atendendo a milhões de pedidos, revelo hoje a fórmula de Ranhogel, a autêntica geléia de ranho mole Catarro Verde, um produto com a garantia mundial Catarro Foods. É uma delicada combinação de ingredientes da mais fina procedência que você pode fazer em casa, se não puder encontrar nossos potes de 1 kg:
 
Geléia de ranho mole Ranhogel
 
Ingredientes:
100 g de ranho mole
30 g de catarro verde
20 g de cera de ouvido
6 bolinhas de ranho seco
10 g de caspa
20 ml de pus amarelo
8 casquinhas de ferida (médias)
12 cascas de furúnculo
10 ml de corrimento vaginal
8 cm de pele de frieira
1 unha encravada preta ralada
10 caraquinhas de umbigo
30 ml de remela matinal
5 ml de aroma natural Fartsmell
10 g de sebinho de xoxota
6 pentelhos crespos
6 pentelhos lisos
6 pentelhos pixains
6 pentelhos albinos
perdigotos a gosto
 
Modo de fazer:
Derreta a cera de ouvido em fogo baixo, mexendo sempre (assim, amor, assssim. num pááára.). Acrescente o ranho mole, o pus e o corrimento. Refogue. Pegue os pentelhos lisos e dê nozinhos. Reserve. Unte uma assadeira com o sebinho de xoxota, forre com ranho mole, acrescente as caraquinhas de umbigo, cubra com as casquinhas de ferida e salpique com a caspa. Leve ao forno médio até dourar. Reserve. Numa tijelinha à parte, bata o catarro em neve, juntando a remela cuidadosamente, para não empelotar. Misture com os pentelhos pixains para dar liga. Continue mexendo que tá gostosinho. Pegue a assadeira que saiu do forno e cubra o conteúdo com uma camada do refogado. Espalhe por cima a pele de frieira cortada em tirinhas. Cubra com o catarro batido. Tempere com a unha encravada ralada. Enfeite com os pentelhos albinos intercalados com os lisos, de forma a realçar os nozinhos. Acrescente o aroma natural Fartsmell. Sirva com as cascas de furúnculo torradinhas, lançando os perdigotos a caminho da mesa.

Segunda-feira, Julho 30, 2001
Li na Folha Online:
Um carro desenvolvido pela IBM conversa com o motorista para que ele não durma ao volante, e chegará ao mercado em cinco anos, segundo a revista New Scientist. O passageiro cibernético faz parte de um computador de bordo que contém um perfil do motorista. O sistema inclui um plano de diálogo e dispositivos que estimam o tempo de resposta. Se o motorista demorar a responder ou apenas resmungar, será rapidamente punido por um jato de água gelada, a abertura de uma das janelas do carro ou um alerta sonoro. O sistema ainda possui outros truques sujos. Ele troca as estações do rádio e conta piadas, apenas para averiguar as reações do motorista.
 
Fico imaginando conversas entre carro e motorista na estrada:
 
– Você dirige bem, à noite
– Uhm…
– Está com sono?
– Um pouco
– Quer que eu cante?
– Não, polca e mazurca não!
– Não tenho culpa de ser um Passat alemão
– Eu devia ter comprado um Peugeot
– Carro de viado
– Você cantaria Ne Me Quitte Pas…
– E você dormiria
– Lá vem você…
– Que tal uma piada?
– Já conheço as suas piadas
– Na última revisão eles trocaram…
– Não, eu prefiro ouvir a CBN
– Aqui o rádio não pega
– Então foda-se…
– Ainda faltam 30 km, você agüenta?
– Porra, não enche
– Não vai dormir no volante?
– Você está me irritando
– Quer um boquete?
– Da última vez você mordeu
– Foi você que passou naquele buraco, lembra?
– Me deixa dirigir sossegado
– Tem uma curva a 500 metros
– Não tem curva nenhuma
– Tem sim, curva fechada a 420 metros
– Eu conheço essa estrada
– Então você sabe: curva a 340 metros
– É um retão, não tem curva!
– Você está a 150, reduza para 100
– Não tem curva nenhuma!
– Tem sim, a 120 metros!
– Não vejo curva nenhuma
– Ali à direita! Rápido, o freio!
– Puta que pariu!
– Mantenha a calma
– Caralho!
– Eu avisei… Você cochilou
– Quantos km faltam?
– 28. Vou te espirrar água gelada
– Nem pense em fazer isso
– Eu tenho que fazer, a IBM programou
– Olha que eu ponho o CD da Calcanhoto!
– Está bem, eu não espirro
 
Quinta-feira, Outubro 25, 2001
Motel Xaveco's, Serra da Cantareira, ontem. Almoço zecutivo digrátis. Todos os cartões. Entrei pra rangar e dormir umas 2 horas. Déficit de sono, lembra? Tava frio e faltava energia. Pedi um cobertor depois que a telefonista me garantiu: "nossos cobertores são lavados, limpinhos, cheirosos, embalagem lacrada, pode ficar tranqüilo". Beleza. [Se tu já pegou "chato" alguma vez na vida, tu entende a minha precaução, colega. Aproveito até pra dar uma dica de como se livrar deles: vá à praia, deite na areia e, quando os "chatos" saírem pra dar um mergulho, corra]. Não havia janela na suíte. Enquanto esperava no escuro pelo cobertor, deixei a porta aberta pra entrar alguma luz do sol. Deitei na cama. De repente ouço uma voz feminina indignada:
– Ô pôca vergonha!…
Fui até a porta, o cobertor estava no chão e uma arrumadeira putíssima da vida descia a escada, resmungando:
– É o fim da picada! Não se tem mais respeito!
Chamei a tia e tranqüilizei:
– Deixei a porta aberta porque tá escuro, eu tô sozinho, só vim dormir, a senhora não se preocupe…
– Num tem ninguém pelado aí? – ela perguntou.
– Não, pode ficar sossegada…
– Ah, bom… Pensei que tinha gente fudêno de porta aberta!…
 
Sábado, Dezembro 28, 2001
Hoje encontrei na rua o meu amigo Silva, cambista da contravenção. Me pagou um café, já que há muito tempo não me paga um prêmio. Não tenho tido muita sorte no jogo, o que contraria a lógica popular, porque no amor também vou mal. Jogo no bicho porque minha avó materna, filha de italianos, jogava. Ganhava quase sempre, ao contrário do neto blogueiro. Mas uma noite, meses atrás, sonhei que um macaco pulava no meu colo. Não havia dúvidas. Mandei macaco na cabeça e deu. Algum tempo depois, fiz um curso onde os dois principais professores se chamavam Leão [pai e filho]. No hoteleco onde rolou o curso, isolado no mato, achei uma velha placa de carro enferrujada, com o número 6364. Dois leões! Mais uma vez não havia dúvidas: leão na cabeça. Telefonei de lá para o Silva, no mesmo dia. Deu porco. E dali pra cá tem sido assim. O Silva acha que eu devo tomar um banho de cachoeira ou fazer um despacho, antes de voltar a jogar. É um cambista honesto e sincero:
– Sergio, eu torço pela minha freguesia e vou dizer pra você: tá foda, meu irmãozinho… Isso deve ser praga de puta…
Fico pensando… Será que a Camila soube da Fatiminha?
 
Sexta-feira, Dezembro 29, 2001
Fatiminha trabalhou na véspera do Natal e no dia do Natal. Diz que os caras saem da ceia e vão direto pro baixo Augusta atrás de putaria. Fatiminha nunca foi a uma ceia de Natal. Nasceu num sítio perto de Lagoa do Ouro, povoado do agreste pernambucano próximo de Garanhuns. Seu Natal era ir do sítio pra missa e da missa pro sítio, com a mãe e os irmãos. E depois dormir. Só. Fatiminha tem na cabeça a marca da infância vivida na pobreza: uma cicatriz de 10 cm ao longo da linha dos cabelos, acima da testa. Com 6 anos tomou uma pedrada que lavou seu rosto de sangue e ficou por isso mesmo, sem ponto, sem médico, sem remédio. O ferimento fechou sozinho, mal fechado mesmo, do jeito que o tempo deu. Hoje uma onda bonita no cabelo, à esquerda de quem vê seus olhos verdes, esconde a cicatriz. Fatiminha só mostra e conta essas e outras de sua vida quando está na intimidade. Não naquela que você está pensando. Sexo não requer intimidade, intimidade é conversar sustentando o olhar no olhar, principalmente nos silêncios, quando se tem confiança mútua. Outro dia ela me deixou um bilhete escrito com dificuldade: "Você é muito especial tem augo diferenti". Você também, Fatiminha. Que tua xará te proteja sempre.
 
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d i á l o g o s   i n e s q u e c í v e i s
 
Vendedor: Tamanho M ou G?
Eu (com zóião arregalado): de calabresa.
Vendedor: Hein?
Eu: PÕE NA SACOLA, PELAMORDEDEUS.
 
(cena da vida real do nosso colaborador Eduardo Fernandes, que tem disso: timidez em shopping center.)
 
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distúrbiobuch-org lit-org órgão
c. emily play  [email protected]
 
“UMA MULHER DE QUEM NECESSITAMOS E QUE NOS FAZ SOFRER DESPERTA EM NÓS TODA UMA GAMA DE SENTIMENTOS MUITO MAIS PROFUNDOS E VITAIS DO QUE OS DESPERTADOS POR UM HOMEM POR QUEM NOS INTERESSAMOS.” Marcel Proust.
 
Onde está o cantinho mais gostoso do coração da garota da cidade? À visão (Mütley, faça alguma coisa, slave to love, nanananananananana):
 
Tinha essa ponte interminável de concreto molhado e um céu acerca de tudo sem chance de luz, reflexo azul ou cor não-cinza escura. Eu tava dirigindo sobre ela. Passava por vários carros parados de portas abertas, os motoristas, os caronas e os poodles que viajam com a cabeça na janela, todos do lado de fora aproveitando o dia feio. Algumas pessoas debruçadas sobre a cidade abaixo, de pernas escancaradas com murada da ponte entre elas. Como se fosse possível foder uma estrada. Podiam sentir apenas um trecho dela. Sem placas. Eu tava de passagem mais que elas, as pessoas não eram as pessoas da minha cidade; eu, viajando. Por que parados ali? O que tinha de importante pra ser visto no asfalto molhado pela chuva, fundido de céu fechado e nuvens pretíssimas?
 
Cheguei à cidade (que não era a minha), lembro de comer alguma coisa no aeroporto, embora eu tenha ido de carro. Talvez tenha pego um avião, quem pode dizer...? não eu. Eu tava com a v. e mais alguém, entra para o hall dos outros nebulosos anônimos com quem cruzei de carro na ponte enquanto não se moviam. Os tons de cinza tornam-se mais graves agora. v. desaparece. (assim como faz quando tá bêbada e conhece alguém - e eu fico dormindo no sofá pra não atrapalhar; às vezes eu olho pela fresta da porta e vejo bundas).
 
Numa oficina de automóveis que funciona num bairro igualmente cinza e molhado, o estabelecimento não tem paredes, funciona ao ar livre. Você de calças compridas e salto e uma de suas blusas justas sufocando os peitos. Suas mãos sujas de graxa. Seu rosto sujo de graxa. Você tá consertando uma motocicleta. “É pago aluguel com o dinheiro dá oficina.”
 
Se você tá consertando carros e motos agora... é por isso que eles todos pararam na estrada. Ou você tá numa maré de sorte e não causou aquilo mas vai se beneficiar do incidente, consertar todos os veículos e enricar.
 
“Ele tá doente, fica só no banheiro, todo enrolado em panos, como uma múmia.”
 
z.?
 
“Nada mal, mas por enquanto não pode ficar perto das outras pessoas.”
 
Mandaram z. pro Sul. É tipo uma troca estabelecida pelos barões da cultura poproque nacional: eles enviam cinco bandas gaúchas para São Paulo e São Paulo envia pra eles z.
 
Eu observo mais de perto quando você muda uma peça no motor. Em um banco de madeira ao lado da bomba de ar, um daqueles hell´s angels que encontramos no bar na Praça da Bandeira chora olhando a moto. Gordo, enorme, roupas velhas, jeans fedido, botas furadas, couro comido, fedor, fracasso. Chooooooooooora. As pessoas podem fracassar de várias maneiras em todas as épocas da vida sem que isso cause alarme tão agudo como aos 25 anos. Com sorte, viverão até os 50 de maneira saudável, sem nenhum aborrecimento do tipo “me entubem ou me mandem para o Sul onde os ares frios farão com que eu funcione melhor”. Então 25 é um marco, é a metade desse caminho sortudo. Sortudo.
 
Olha dentro dos seus bolsos. Olha a tua carteira. Examina um extrato bancária (o seu. Você tem uma conta no banco?). Percorra sua cortiça de amigos: se eles surgem em instantâneas, você tá acabado. “A câmera digital é a Polaroid de hoje”. Do futuro? NÃO! DE HOJE!!! HOJE!!! Mulher de aquário, você, que está sempre no futuro, ele chegou! Você finalmente vive o futuro. E olha só o que... é... o futuro. Minha nossa, alguém devia ter te avisado, né? A vida mais sozinha que você já viu, cada ruga um monumento ao pó e à decadência (eu sei, eu já disse isso).
 
Já se deu conta de que parou? É esse tipo de coisa que, eles dizem, pode dizer se você tá acabado. Paramos? Isso não é retórica elegante de pregador irado com palavrões e imagens desagradáveis pra encher lingüiça e chocar a burguesia que o Lênin não curtia.Pessimismo, etc. Não. NÃO! Um menino bancando o açoite de sua geração com algumas farpas sobrando para as duas gerações imediatamente anteriores também. Chocando o cantinho do coração das garotas que quer comer. NÃO! Que quer comer e não pode. NÃO!
 
Um daqueles que parou no meio da estrada.
 
“Beibi, fracassei como ser humano.”
 
Ora, como assim.
 
“Vou tentar ser outra coisa. Uma paca no Animal Planet, por exemplo.”
 
Pensei que só eu assistia a este canal.
 
“Não, não. Um urso! Um ursão grandão. Com grandes patas sujas de graxa com as quais lambuzarei minhas presas e delas comerei pra suportar todo o inverno. Ouvi dizer que eles precisam de figurantes no Animal Planet. Imagine usar aquelas roupas pesadas cheias de pêlos e garras, beeeeeeibi? O cachê deve ser bom.”
 
Quando fica pronto?
 
“Ainda vai levar uma semana...”
 
Faz uma semana e meia que a estrada abriu, a ponte feita às pressas e a janela canta. O carro sujo-esperto o conserto o rádio a roda o vento.
 
Eram duas canções dialogando no rádio do carro parado. Eu já reconhecia melhor você. Todas as pessoas que importam pra mim já me deixaram com medo alguma vez na vida. Eu tinha medo de você no começo porque eu sabia de você, eu tinha intuído sobre você. Eu sabia da t., era bem o que ela fazia e você não é diferente. Uma vez, ela tentou arrancar um barril de chopp preso na traseira de uma caminhonete parada no sinal vermelho. A caminhonete começou a andar e lá estava a t. puxando o barril e gritando com o motorista, caiu no chão e a caminhonete finalmente saiu cantando pneus, e t. ralou os joelhos e tornozelos e braços no asfalto. Na mesma noite, fomos a uma boate e ela conseguiu brigar com todos os protopunks de shopping do lugar, sendo que um deles fez com que ela caísse da gaiola de ferro na pista de dança e ainda lhe roubou o cartão de consumação. A polícia veio. O gerente veio. Como pagar a multa de 200 pilas exigida pela perda do cartão? A polícia insistiu, o gerente achou ela linda. Ninguém pagou nada. Mas a confusão.
 
Eu tinha medo de você. Não é por mal que tenho minhas reservas. Não posso passar mais que dois dias do seu lado. Eu sei quem você é. Tem até a mesma idade. Eu não sei onde vamos chegar com isso, picaretagem, picaretagem da braba. Sua raça - digo isto querendo soar da maneiro mais amável do mundo - é mais perigosa que a vida selvagem do Animal Planet.
 
Eu tenho que admitir, eu gosto. Depois de um tempo, eu gosto. Eu nunca teria experimentado sair bêbada de uma cidade no meio da noite com as roupas penduradas pra fora da mala se não fosse por você. Nossos negócios são nossos negócios e ninguém tem nada a ver com isso. Nossos loiros são nossos loiros (aliás, fui assistir um deles ontem, espancava o kit completamente enlouquecido - lembrei que você me explicou depois que ele era burro pra caralho; achei-o vigoroso) Como deuses, eles se escondem.
 
O efeito da cerveja ia passando e eu consegui lembrar alguns trechos do sonho numa ida ou outra ao banheiro no fim do ônibus. Se era você quem consertava aqueles veículos, foi por isso que quebraram.
 
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S p a m   C i n e
Viu filme e quer comentar? Baixou uma Pauline Kael, um Inácio Araújo aí na sua cacunda? Pues, envie o seu comentário crítico, o seu pitaco pelicular para [email protected]. Os melhores e mais desaforados sempre têm vez.
 
golpe fraco
homera cristalli  [email protected]
 
Apocalypse Now Redux é a versão extensa, Director's Cut, do clássico de Francis Ford Coppola. Três horas e lá vai pedrada, mas pelo menos se trata de cinema da mais alta qualidade. Então tudo ótimo, certo?
 
Errado. Porque os ingressos já estavam esgotados, e eu e meus amigos ficamos de fora, com cara de tacho. Resolvemos então pegar algum outro filme que começasse mais ou menos no mesmo horário, e escolhemos a grande estréia mainstream da semana, Ocean's Eleven, de Steven Sodenbergh (o mesmo diretor de Erin Brockovich e Traffic), com George Clooney e Brad Pitt. E Julia Roberts. Eu gosto de cinema mainstream, quando bem feito, eficiente. Mas esse foi dose. Para que vocês tenham uma idéia, a melhor parte do filme é aquela em que Brad Pitt ensina pôquer a vários astros de seriados teen, todos no papel de si mesmos.
 
Ah, o roteiro. Clooney é um trambiqueiro que reúne 11 comparsas de primeira para tentar um espetacular assalto ao cofre de um cassino de Las Vegas. O dono do tal cassino namora a ex-mulher do bonitão, que ainda morre de amores por ela. E aí, como vocês acham que acaba a historia? Dificil, hein...
 
Claro, há os "golpes de mestre" do par central Clooney-Pitt (nada que chegue aos pés da dupla de trambiqueiros do argentino "Nove Rainhas"), e o desfile de astros que se sucede durante a fita. Ok, a dupla central é um presente para os olhos femininos, mas o cérebro permanece inativo durante toda a duração do filme. E ainda por cima o cinema aqui em Roma custa o equivalente a 14 reais, num dia de semana. Da próxima vez vou escolher com mais cuidado onde gastar meus euros...
 
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um sino
hilário bispo  [email protected]
 
A tarde caía lenta sobre a cabeça dos homens. A temperatura era um pouco
menos que amena, quase baixa, e a praça estava cheia.
Num canto, quase à parte de tudo, de todos, Noemi dança desnuda, fresca,
branda. Cabelos escuros, pele branca.
Noemi não perdia uma só nota da canção tangida pela brisa, dançava no ar ao som do vento, cabeça no peito de Antônio Pedro.
Ninguém  via, ninguém sentia; era dele aquela ausência. A alegria de ter
aquela dor, a dor de ter aquela alegria, pertenciam a uma só pessoa: Antônio Pedro.
Pela manhã Antônio ia ter à repartição. Longe de si e do mundo, quieto,
ensimesmado, não via passar o dia, como não via o almoço preparado com esmero e cuidado que Virgínia lhe servia todos os dias.
Deixava intocado o prato e a vida, amenos, quando se distraía tanto que mexia o prato sem perceber.
À tarde ia à beira do rio na esperança de ver em carne e osso, de longe, de espreita mas de verdade, o luzir dos olhos de Noemi.
Não vendo os olhos, olhava as águas, as pedras, e compunha em pensamento uma canção  que nunca conheceria instrumento algum, mas que Noemi dançava leve, leda como se fora ela a própria canção. Como se fora ela o que a nota tangia para tecer a canção. Tudo se dava na imaginação de Antônio Pedro.
- Meu Deus, alguém precisa ter dó deste homem, ficou maluco.
- Será que não há medico capaz de o curar?
As pessoas comentavam assim desabridamente. Antônio não ouvia, ou fazia de conta que não ouvia.
O respeitável fidalgo da cidade agora tinha apenas um prazer: descer da cidade alta pelas intermináveis ladeiras, quando o manto escuro da
noite vinha esconder os sonhos da tarde. Subir ao topo da capela e fazer dobrar sinos, repetidas vezes, vezes sem fim.
Fazer o som do sino ecoar pela cidade, pelos campos, pelos pastos;
atravessar todos os corações vazios.
Lá distante, isolada na outra cidade, Noemi fora esconder-se do amor que naquele peito livre, aventureiro, não dava, não nascia.
Ao som do sino na face bela de Noemi uma lágrima espessa sentida dançava... dançava... caía.
 
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r á p i d a s   r a s t e i r a s
 
"Fumo, mas não compro."
(SÔNIA FRANCINE, a Soninha, ex-MTV e Cultura, na capa da Playboy. Pelo visto, ela ganha. Ou planta.)
 
"Foi-se uma calça!"
(MARTA SUPLICY, por ordem de importância mãe do Supla e prefeita de São Paulo, depois de rasgar os fundilhos da sua num barraco inundado. Uma, prefeita?)
 
"Minha mãe sempre me disse pra mastigar antes de engolir."
(GEORGE W. BUSH, que andou se engasgando em casa. Tá certa a velha Bush, se bem que a gente tem coisas que a gente tem que engolir a seco mesmo.)
 
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tea for two
sara fazib  [email protected]
 
É tão concreta a solidão que poderia cortá-la em doze pedaços e saciar a fome do mundo dos felizes e amados. Parede alta e espessa, túmulo caiado. Do outro lado do muro, todo o fruto desejável. Viver é uma arte, seu pai dizia. L'art de mise en scène, sua mãe calava.
 
Ela se banha, se empoa, não esquece o perfume suave. Veste o traje colorido, ajeita os cabelos em cachos.
 
Prepara o  chá e os brioches, dispondo-os sobre a toalha branca e rendada. No centro, um vaso de hibiscos azuis trazendo à mesa um mar de julho e um retalho de um lenço de cambraia.
 
A brisa toca as folhas e um acalanto se desprende de um galho. A felicidade ressoa no terraço.
 
Toma uma xícara, de fina e alva porcelana, e serve. Em seguida, oferece num gesto delicado. Espero que esteja a gosto. O morno do sorriso agradecido embaça a baixela de prata. Brioches?
 
A cada oferta acompanha um leve toque à guisa de chocolate mentolado.
 
Como foi o dia? Entre linhas, goles e nacos, ocultas em cada frase, delicadas porções de afeto e recato. Um pouco mais de chá?
 
Por descuido, uma gota escorre do canto dos lábios e dá à renda um tom rosado. Dentre as dobras da toalha, descobrem-se possibilidades.
 
Antes que se esvazie a xícara, num engano tantas vezes  ensaiado, trocam-se os  guardanapos.  Acontece, enfim, o beijo desejado. No ar espalha-se o buquê do inefável. Ela cerra os olhos, aspira longamente e degusta cada graça revelada. 
 
Gosta de tomar chá assim, diante do espelho e às cinco da tarde.
 
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f a l a  q u e  e u  t e  e s c u t o
fale devagar, fale correndo, fale mansinho aqui no pé da orelha ou saia de trombone a toda por todos os cantos do e-mail: [email protected]. orelhas e olhos atentos sem taxa de urgência, e onde a hora tem mais de 50 minutos.
 
"Alexandre, oi!
Sou do tipo que lê, degusta o que acha interessante, cospe o que julgo amargo. Enfim, não sou de escrever para comentar o que achei. Mas desta vez, desta vez... foi inevitável. Acompanho o spamzine há algum tempo e esta edição estava muuuito, muuito, muuito foda! Parabéns a todos! Sem mais comentários....
Abraços!"
Letícia Cianconi

orlando responde: Pois é, Letícia, parece que a edição 047 do Spam Zine arrasou quarteirões e arrebatou corações. À parte contribuir enormemente para tirar a varicela da cama do nosso editor Ricardo Sabbag, que já anda, guapo e intrépido, de volta à produção de noticiários em Curitiba, o impacto positivo da edição nos nossos sofridos e angustiados egos foi o de um bálsamo. Elogio é bom, a gente gosta e fica acarinhando escondido, que nem criança com gatinho. Beijim, e juízo nenhum.
 
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inagaki: ontem, ao fazer compras no supermercado, fiquei estupefato com a variedade da linha de papéis higiênicos Neve, aquele mesmo que era anunciado antigamente pelo mordomo Alfredo. Segundo seu fabricante, Neve é um produto sofisticado, destinado às classes A e B. Percebe-se pelas frescuras de cada modelo. Como o Neve Ultra, que já vem com alguns opcionais: relevo de flores, perfume e uma microtextura, que segundo o texto da embalagem proporciona a seus felizes usuários a "suavidade de uma pétala de rosa" (perguntar não ofende: alguém já limpou a bunda com uma pétala de rosa?). Depois, tem o Ultra Soft Color (mais caro e mais metido a besta): é laranja e vem com extrato de pêssego. Mas demais mesmo é o Neve Ultra Protection, o top de linha. Este Rolls Royce dos papéis higiênicos, além de conter óleo de amêndoas ("garante maciez superior e um cuidado maior com a sua pele") em sua delicada fórmula, vem com Vitamina E (!!!). Não é supimpa? Agora você pode cagar e sair com o cu vitaminado! Depois disso, o que mais vão inventar? Papel higiênico reciclável?