SpamZine_________________
047
15 de janeiro
de 2002
são paulo
curitiba rio de janeiro recife são carlos
>>>
n
e s t a e d i ç ã o:
embromation
society gato, xadrez e requeijão
cantadas marcantes máquina de pinball
ciúme-mingau ode à espera diálogos
babélicos vinagrete e sal grosso
>>>
editorial
Cheguei em casa com os
olhos bocejantes, quando minha mãe me avisou que dona Sandra havia telefonado,
avisando que cumpadi Sabbag estava prostrado na cama, na companhia de uma tal
de Varicela. Minha vasta inguinorância (matar aulas de biologia no colegial
para assistir aos filmes da Molly Ringwald dá nisso) me impede de dizer o que
significa isso exatamente, mas certamente não tem nada a ver com ruivas cinéfilas.
Enfim: mizifio, descanse
bem e aproveite esse período no estaleiro para colocar as leituras em dia.
E, leitores do Spam, considerei-vos convocados a escrever djá mensagens de pronto
restabelecimento ao nosso caríssimo co-editor: [email protected].
Doações em dinheiro também serão bem-vindas.
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Tendo o Spam desta semana
súbito caído em meu colo, me deparei com um sério problema: Dona Inspiração
e Senhor Talento saíram para comprar Coca com casco de Pepsi, e não deixaram
um bilhete sequer, os desgraçados. Tivesse eu talento para a improvisação,
entonaria um brainstorm jazzístico em meu cérebro, e frases se formariam com
a facilidade com que os pulmões de Charlie Parker ou os dedos de Oscar Peterson
criavam solos do nada. Infelizmente meus neurônios mal puderam me dar uma base
Bossa Nova daqueles teclados Casio de músico de churrascaria. É, quem nasce
pra Kenny G não merece nem um punzinho de Miles Davis.
Sem muita enrolação, deixo-lhes
com o Spam desta semana. Bem mais inspirado do que o editorial, diga-se de passagem.
Pois chega com as estréias de Pedro Ivo Resende, carioca irresponsável pelo
saudoso blog Loser, e Clarah Averbuck, ex-colunista do CardosOnline e atual
escrevinhadora dos blogs Brazileira!Preta e
Averbuck is on the Table.
Não percam ainda as colaborações dos suspeitos de sempre (Daniela
Abade, Alyuska Lins e Marcel Novaes) e a compilação de cantadas infames,
trocadilhescas, haikaísticas recebidas ou proferidas por nossos leitores, ideais
pra quem tinha saudades de nossa seção Papo-Aranha.
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A FRASE:
"Hoje sonhei que
um hambúrguer estava me comendo". (George Constanza)
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contar-lhe-ei uma história
triste...
pedro ivo resende [email protected]
Começa com um cara, um gato e um jogo de xadrez. Daí rola um assassinato misterioso,
onde o principal suspeito é um domador de onças. Só que isso aconteceu do outro
lado da cidade e não tem nada a ver com a da história. Foi só pra prender sua
atenção. Aprendi essa porra com o Gilberto Braga. Mas foda-se, voltemos ao gato,
ao xadrez, ao cara e ao pote de requeijão cremoso. “Ah, mas o requeijão não
tava na história”. Eu sei, seu grande detetive do cacete. A história é minha,
não fode. Se eu disse que tem um requeijão rolando é porque o lance é importante,
tem a ver com o final. E quer saber: tira a bosta do xadrez da história. Jogo
babaca. Quero ver se filho meu entra numa de jogar essa porra, de ficar craque
no xadrez. Ponho ele no porta-malas, dirijo pra bem longe e largo no meio do
mato. Mas voltando: tem o cara, o requeijão e o gato. Só que o gato tá encolhido
num canto, sem se mexer há mais de 12 horas. O cara cutuca o gato com um garfo
e não consegue nenhuma reação. Cutuca mais forte e nada. Decide dar um chute
no bicho, pra ver se ele acorda. E a porra do gato desliza pelo chão de taco
e vai parar embaixo da pia. Daí o sujeito pega uma caneta, escreve um poema
ruim num post-it amarelo e gruda na testa do gato. Depois disso começa
a se sentir solitário e decide jogar xadrez. Só que eu tirei essa porcaria da
história, lembra ? Mas o cara não dá o braço a torcer e liga pra uma porrada
de amigos, umas 40 cabeças. Quando todos se reúnem, o sujeito obriga cada
um a interpretar a sua peça favorita no xadrez e a ficar deslizando pelo chão
quadriculado de taco. Todo mundo escolheu o rei, menos ele, que tinha preferido
o cavalo. Daí o cara fica andando em L pela casa, de um lado para outro, até
topar com um amigo e gritar “xeque-mate”. Depois dessa o sujeito termina o jogo
e manda todo mundo embora de casa. O requeijão cremoso já estava azedo e o gato,
morto. Ele então decidiu se mudar. Comprou alguns milhares de pacotes de Lego
e montou sua nova casa com as pecinhas de plástico. Daí o cara se entregou
ao mundo das drogas e... não, peraí. Esse final ficou meio idiota, volta
tudo. Era melhor terminar com uma frase sem sentido e ninguém entender porra
nenhuma, que nem filme europeu. Assim a dislexia oportuna da história se revelaria
por completo, nos embriagando de Möet Chandon em copos de requeijão. Ponto final.
>>>
p
e r g u n t a r n ã o o f e n d e
"Qual foi a cantada mais marcante que você já deu
(ou recebeu)?"
A
cantada mais ridícula, no caso:
"
- Ele: Você está esperando ônibus?
-
Ela: anhm?
- Ele: Eh... Você está esperando o ônibus?
- Ela: ...
-
Ele: É porque você está no ponto!"
A melhor cantada
que eu recebi foi logo que eu fiz minha primeira tatuagem, nas costas,
do lado esquerdo. Um cara viu, achou legal e perguntou se podia tocar.
Respondi que sim, e ele passou de leve o dedo. Então perguntou: - Posso
morder?
Essa foi feia:
- Aí sereia....
vamos acelerar o coração??
cantada mais marcante
recebida: 'e aí?'
dada: 'e aí?'
A cantada mais
marcante que já recebi foi, como a maioria das cantadas, de extremo mau gosto.
Um sujeito teve a coragem de me dirigir a palavra pra dizer: "Você não
faz cocô, você faz bombom!". Eu mereço, né?!
Porto Seguro,
todo mundo tonto, aquele temporal clássico de praia, show da Ivete Sangalo.
Virei para a primeira baranga e falei: "Você está precisando de um guarda-chuva?"
Foram duas:
1 - Estávamos eu e a Milena andando na rua quando pára um carro do nosso lado:
- Uma informação,
por favor...
- Sim? - respondo
eu.
- Pra onde
vocês estão indo?
2 - Essa eu juro que recebi de um pedreiro, eu tava andando na rua de novo,
passei do lado de uma construção e o cara gritou:
- Tu és das
que cospem ou das que engolem?
Fazia um programa
para uma rádio e gostava de um rapaz que eu odiava como profissional. Um dia
achei, numa revista, uma reportagem sobre "relacionamento no trabalho"
que parecia ter sido escrita especialmente para ele. Eu rasguei a folha e o
entreguei. No outro dia ele me disse que tinha gostado muito e que resolveu
retribuir... Tinha gravado uma fita cassete tipo "programa de rádio"
especialmente para mim... Ele se declarava na fita... Quase morri...
"Oi gata,
sabia que um beijo de língua movimenta 78 músculos? No meu caso são 79".
pergunta
da próxima semana:
"Qual é o seu pecado capital predileto?
Justifique".
>>>
Eu estava nessa festa.
E essa festa estava cheia de gente estrategicamente descabelada e moderninha.
E eu lá no cantinho com meu whisky e meu gelo. Já mencionei que amo gelo? Adoro
ficar mastigando e lambendo e botando e tirando da boca. O chato é que os voyeurs
também adoram e ficam vesgos olhando. Tinha uns dois ou três em volta. Um saco,
não se pode nem chupar gelo em público que os punheteiros se manifestam.
Então, do meio da massa de modernos, surgiu o Homem Glam.
Palpitações.
Ele vestia uma calça de couro e um casaco de oncinha. De oncinha! E não parecia
ter ficado duas horas na frente do espelho. Muito pelo contrário, parecia que
ele estava com aquela roupa há três dias. Magro. Lânguido. Descabelado e com
o nariz empinadinho. Se eu soubesse desenhar um homem que não parecesse um bonequinho
da forca, seria algo próximo a ele. Ah, o Homem Glam. Ele bebia cerveja. E eu
mordia gelos porque meu whisky tinha acabado e eu não possuía mais dinheiro.
Ele parecia ter saído do Maxim´s há 30 anos atrás. Saiu de um show do New York
Dolls pra dar uma mijada na rua e acabou ali dentro.
Vamos lá, Camila. Think, McFly. Bole uma estratégia. Ele está bêbado, não pode
ser tão difícil. Lá vem ele. Vamos lá, garota, faça valer a fortuna que custou
aquele whisky barato.
- Oi.
Ahnnmmmm... Ele disse oi.
- Oooi.
Soei patética. Meu oi estragou tudo. Agora vou apelar.
- Tudo bem? Desculpe a falta de sutileza, mas você é o homem
mais sexy que já vi.
Não, eu não fiz isso. Ok, agora não pode ficar pior.
- Rá, obrigado, que vergonha... Você também é linda.
Ó, não foi tão ruim assim. Mas a gente sempre pode arruinar tudo bem rapidinho.
- Se nós casássemos e tivéssemos filhos, e nossos filhos
tivessem filhos, nós seríamos glammother e glamfather.
Senhoras e senhores, conheçam a pior cantada do universo.
- Glam, é? Eu estava mesmo pensando em usar maquiagem...
Maquiagem. Ele queria usar maquiagem. Eu quero casar agora. Casar e ter filhos
com esse nariz lindo dele. Você entendeu. Filhos. Casar. Anjos cantam. O mundo
é lindo. Maquiagem. A única coisa mais sexy do que uma mulher acordando com
os olhos borrados de lápis preto é um homem acordando com os olhos borrados
de lápis preto. E descabelado. Casar agora.
O Homem Glam pediu licença e desceu. Me abandonou. E isso que eu também era
linda. Claro, ele era glam e blasé, por que ficaria ali com uma pessoa que passa
cantadas desse nível? Droga. E nem dinheiro pra encher a cara eu tinha. Pobre
tem que se foder mesmo. Opa, não. Tá voltando. Com bebida. Tá vindo pra cá.
Sorrindo. Casar agora. Lindo. Nariz lindo. Me pegou pela cintura. Você sabe
tudo sobre um homem quando ele te pega pela cintura. E eu vi que era bom. Então
chegamos na minha casa e eu fiquei muito constrangida. Porque eu durmo na sala,
já disse. E ele era lindo e eu queria ter uma cama
King Size pra caber tudo que eu queria fazer com aquele cara. E eu nem cama
tinha. Colchão. Um colchão ridículo com desenhos de bússolas e âncoras. E um
lençol do Frajola. Vergonha. De repente "vamos lá pra casa" não parecia
uma idéia tão genial. Ora, lá pra casa. Que casa? Eu por acaso estava me referindo
àquele meu quartinho especialmente projetado para que as empregadas não fizessem
sexo? Azar, ele estava ali comigo. E foi na sala mesmo e começou a voar roupa
e puta que pariu whatta man e uh, ele não tem pêlos e tem costelas e é mmmaaaagro,
uh, whatta man whatta man whatta man. Beijos, muitos beijos e mãos e pele e
oh, deus. Parou tudo. Ele disse que não ia conseguir.
Meninos, agora todos prestem muita atenção no que eu vou dizer.
BROXAR NÃO É TÃO RUIM COMO VOCÊS IMAGINAM. NÃO É.
É mais ou menos como se a nossa pussy não abrisse na hora que devia estar molhada
e penetrável e quentinha. Eu entendo a frustração de vocês, juro. Mas vocês
também têm que entender que pau não é tudo na vida e que se vocês ficarem parando
só porque tem uma coisa mole pendurada no meio da pernas aí sim que estraga
tudo. Keep goin? Don´t Stop, dizem as vadias na faixa 20 do Usually Just A T-shirt do
Frusciante que foi lançado junto com o Niandra La´Des e que pouca gente nota
que são dois discos. Até a 12 tem nome, até a 25 são untitled #1, #2 e assim
por diante. Perspicácia, por favor. Então ouçam as vadias. Keep goin? Don´t
stop. A não ser que tenham perdido o tesão na broxada. Mas enfim, entendam:
é pior pra vocês do que pra nós, ou pelo menos pra mim. Se o cara for especial,
deixa pra depois, e se não for, é só uma trepada a menos. Eu só queria ter pau
na hora de mijar e de gozar na boca. Ejacular longe deve ser uma coisa legal,
hein? Mas agora eu vou dormir. O homem glam está muito, muito triste porque
broxou. Que saco. Virar pro lado e dormir e acordar e deixar claro que ele tem
que ir embora logo. Existem pessoas para dormir com e para acordar com. Eu dormi
com ele.
p.s.: este texto é um
pedaço do livro inédito de Lady Averbuck "Máquina de Pinball".
>>>
d
i á l o g o s i n e s q u e c í v e i s
- (...) Mas por que
ele não deixa que ninguém se aproxime dela?
- É porque tem ciúme.
- Mas para ter ciúme
é preciso um motivo.
- O motivo... o motivo
é que sente ciúme.
- Sim, mas por que
tem ciúme? E por que toda a fúria?
- Porque o ciúme é
uma coisa que deixa a gente inquieto... e faz uma pessoa ficar dando voltas
e voltas em torno de uma casa. Vou lhe dar um exemplo. Você está na mesa,
a mesa arrumadinha, e começa a comer o seu mingau, quando passa por lá um
esfomeado que fica cobiçando a comida que é sua. Você não fica furiosa e o
põe pra fora?
- Já começo a entender.
- Pois é isso. A mulher
não é mais do que o mingau do homem. E quando um homem percebe que outros
homens querem meter o dedo no mingau que é dele, é natural que lhe venha uma
explosão de raiva.
- Sim... Mas então
por que nem todo mundo faz o mesmo? Conhecemos alguns homens que até parecem bem
contentes se as esposas estão na companhia de cavalheiros elegantes.
- É que nem todos têm
igual apetite no amor. E muitos deixam sobras que outros aproveitam...
(excertos de "Escola
de Mulheres", uma das mais irônicas sátiras sociais de Jean-Baptiste
Poquelim, o Molière.)
>>>
O telefone é uma armadilha
da Espera.
Descobri hoje.
Horas você se auto-sugerindo
A completa e admirável indiferença
Ao fato de um dado alguém ligar
Ou não.
Horas se distraindo com trabalhos e pessoas
Que dizemos para nós mesmos
Serem mais agradáveis que um dado alguém.
Em vão.
Horas batendo de ombros em frente ao espelho,
Lembrando-se de que a liberdade é, na verdade, um bálsamo,
Repetindo para si mesmo o velho adágio:
“Antes só...”
(Pensando, lá no fundo, que o melhor mesmo é ser amado)
Basta, no entanto, um toque. Um apenas.
E nossos olhos se arregalam,
Param pulmões, corações,
Cessam todos os movimentos, todos os pensamentos desaparecem,
Só conseguimos pensar na encantadora promessa que há num talvez.
Nossos corpos se impulsionam
Com força jamais tida
E pelos corredores e pelos elevadores e pelos caminhos
Saímos a correr e a gritar a maior das rendições:
- DEIXA QUE EU ATENDO!!
Enquanto a Espera ri de nós do outro lado da linha...
>>>
sem
sentido
Eu não entendo sânscrito.
Não sei qualquer palavra. Não consigo decifrar nenhum símbolo. Não faço a menor
idéia de qual seja o som dessa língua.
Mas eu me meto a querer conversar com gente que só fala sânscrito. Tento interpretar
coisas que não fazem o menor sentido. E, de tanto querer me comunicar, acabo
forçando uma compreensão.
Crio histórias em cima de situações que na realidade são absolutamente desconhecidas
para mim. Finjo diálogos inexistentes. Invento uma suposta comunicação. Acredito
numa empatia, numa amizade. Conto segredos para quem nunca, em nenhum momento,
seria capaz de compreender qualquer palavra. E não me importo com a falsidade
da situação. Com esse pretenso diálogo - que não é nada mais do que um monólogo,
ou no máximo uma conversa com minha loucura.
Acabo me empolgando, afeiçoando, surpreendendo, amando, brigando, chorando e
me decepcionando com quem-eu-inventei-do-que-eu-decidi-entender-de-uma-língua-que-ignoro.
Não sei se isso faz algum sentido para você, leitor. Nem sei se isso faz qualquer
sentido para mim. Eu também não me entendo.
>>>
n
a v e g a r i m p r e c i s o
O autor desta página,
Barry Cadish, compila relatos de internautas que dizem quais as coisas
das quais mais se arrependem na vida. Ganha um doce quem adivinhar qual a porcentagem
de pessoas que escrevem descrevendo suas ressacas etílico-sexuais.
E por falar em assuntos
etílicos, eis um site ideal para aventureiros da noite. Veja as fotos das moçoilas
do site e aponte, no teste, quantas cervejas você teria que entornar para encarar
cada uma. Uma página para ser visitada recitando as palavras imortais de
Homer Simpson: "Um brinde à cerveja, a causa e a solução de todos os problemas
do mundo".
>>>
de
amigos e sacrifícios
marcel novaes [email protected]
Não há nada como um churrasquinho, este sacrifício animal moderno. O sangue,
a carne, os homens ao redor do fogo. O vinagrete, o sal grosso, o pão
com linguiça. E, claro, a cervejinha. Discute-se sobre a marca, se copo
de vidro ou de plástico, se de garrafa ou de lata. Ou se não seria melhor
um chopinho na pressão. Mas não há de faltar o líquido cor de mel.
Tudo tem que ser feito com calma. O anfitrião limpa a grelha e os espetos,
afia a faca, leva o carvão para o lado da churrasqueira (de alvenaria,
de preferência, mas pra churrasqueiro bom é tudo a mesma coisa), põe a
cerveja pra gelar um dia antes. Nada de gelar a cerveja muito rápido,
que estraga o gosto. Tudo tem que ser feito com calma. Coloca uma mesa
no quintal, com alguns dos utensílios: travessa para a carne crua, travessa
para a carne assada, tampa de panela pra abanar o fogo, sal grosso, etc.
Acender o fogo é uma parte controversa, cada um acende de um jeito. A
maneira clássica é colocar pão velho embebido em álcool debaixo do carvão.
Não tem erro, o detalhe é na hora de espalhar. Tem gente que põe óleo
de cozinha no papel higiênico, assim faz muita fumaça. Depois coloca um
rockzinho, pra já ir animando. Domingo de manhã, solzinho gostoso, a música
que começa, tudo promete.
Logo começam a chegar os outros, cada um trazendo um instrumento diferente
da sinfonia que é um churrasco bem orquestrado. Chegam a salada, a linguiça,
as asinhas de frango temperadas, o coraçãozinho, a maminha, mais carvão,
talvez pinga para caipirinha, além do filé e da picanha. Tem os que fazem
queijo, tem os que não fazem; tem os que fazem contra-filé, tem os que
não fazem; alcatra? talvez. Pode ser que alguém traga arroz, mas normalmente
só a carne e o vinagrete/salada são suficientes para a alegria geral.
Se tudo estiver acontecendo em uma chácara, e se nessa chácara houver
duas traves, alguém trará uma bola. Uma possível sobremesa é questão demasiado
regional.
Pois chegam os outros. Devagar, sem pressa. Alguém tira a camisa e se
dispõe a acender o fogo. Abre-se a primeira ampola de cerveja. Vamos temperar
a carne e a salada. Põe sal grosso, põe sal fino, põe limão (limão?),
corta contra as fibras! Pode-se fazer a picanha no espeto, mas quem conhece
corta em bifes grossos, um dedo de espessura. O sal não deve ser colocado
muito cedo, endurece a carne. Tem até quem defenda que só se salgue a
picanha quando ela já está pronta, com sal fino. Para outros, o sal grosso
é fundamental. A maminha sim, deve ser feita no espeto para ser casqueada.
O filé mignon pode ser cortado em cubos. Tem sempre aquele que conhece
um condimento insólito: cerveja, sumo da casca do mamão, etc. Nunca se
sabe. Depende da moral de quem sugere.
Enquanto se discute, a linguiça ja está ardendo, com alguns furos para
deixar pingar a gordura (faz alguma fumaça, mas atiça o fogo). O frango
deve ser colocado também no começo, porque demora para assar. Alguns nem
compram frango, porque para comer é uma desgraça. O osso fica muito quente,
não dá pra segurar; usa-se um guardanapo, o guardanapo gruda na carne;
pega com a mão, queima o dedo, se lambuza; não tem onde jogar o osso depois;
por aí vai. Quem já comeu, sabe. Já a linguiça é muito mais simpática.
Vai com pão, com farofa, com qualquer coisa. É fácil controlar o ponto,
é fácil de cortar. A dúvida é se ela vai naquele espeto duplo na transversal
ou de comprido, ou ainda na grelha, cortada ao meio. Francamente, tanto
faz. O que ocupar menos espaço está ótimo.
Agora a coisa já está engrenada. Alguém aumenta o som e fica mais gostoso
conversar com trilha sonora. A decisão do que vai rolar é totalmente democrática:
quem chegar primeiro decide. Os de caipirinha, na caipirinha; os de paladar
apurado, só na cerveja. Se houver piscina, as mulheres de biquíni e short.
Rolam os papos, formam-se as rodinhas. Futebol aqui, política ali, falando
mal do fulano lá no canto. Sempre tem um filha da puta que falou que vinha
e não apareceu. Tem outro que todo mundo esqueceu de convidar.
De repente uma idéia luminosa: baralho. Ou seja, truco. De seis! De quatro!
Manilha nova! Combina sinal! Marreco! Tua mãe não é homem! Já ouvi alguém
dizer que o truco é o jogo mais divertido que existe, é impossível inventar
algo melhor. Não sei. Só sei que ficam duas duplas trocando piscadelas,
mexe a língua, a sobrancelha, grita, bate a mão na mesa, xinga a mãe de
todo mundo. As cartas se empilham, tudo acontece muito rápido, quem não
conhece não tem a mínima possibilidade de perceber o que se passa. Depois
de cada rodada discutem rapidamente entre si o que aconteceu, o que fulano
deveria ter feito, porque não se joga 2 na primeira, etc. E o que não
faltam são palavrões.
As mulheres formam inevitavelmente uma rodinha própria. As que têm filhos
(há que ressaltar que esse pessoal está na bendita faixa dos vinte e poucos)
já os impuseram como assunto (com consentimento disfarçado das solteiras).
O meu já fala, o meu não fala mas é muito esperto, o meu dorme a noite
inteira, o seu é a cara do avô. Quanto tempo vai dar o peito, quanto tempo
de mamadeira, se vai admitir palmada ou não, cada uma tem a sua filosofia
temporária. As crianças ensaiam se afastar, não deixa comer terra, não
pode tomar sol, etc. O assunto eventualmente precisa variar. Acaba caindo
nos casos das solteiras ou em trabalho. Aqui a coisa fica interessante:
arma-se uma rede invisível que permeia a conversa, com pequenos apoios,
discretas traições, ínfimas recriminações, olhares inocentes que fazem
discursos inteiros. As sutilezas complexas que um papo masculino jamais
alcança.
Mas voltemos aos homens, pois o jogo de baralho acabou. Tiveram uma discusão
a respeito do placar e acharam melhor deixar pra lá. Além disso, chegou
a linguiça cortadinha e não tinha espaço na mesa para as duas coisas.
A cerveja rega histórias engraçadas, contadas e recontadas, permeadas
de pequenas mentiras, exageros que dão colorido à narrativa. Tem aquela
vez que fulano derrubou a churrasqueira no pé do outro, sicrano ficou
atolado duas horas na estrada com chuva, o outro pegou carona com um caminhoneiro
veado, e aquela noite que este aqui ficou tão bêbado que... etc. Riem
como quem se arrebenta, um fica vermelho, outro engasga com o copo na
boca, a outra bate as mãos nos joelhos.
E logo vem a carne, e se desfazem em elogios. Está uma manteiga, está
um chocolate, delícia, perfeita, por aí vai. Bem passada, mal passada,
se o churrasqueiro for bom, atende a todos os gostos. Tudo dentro da etiqueta,
ou seja, nada de picanha com pão. Os mais exigentes tiram toda a gordura
da picanha. Sacrilégio. Pode-se tirar o excesso, mas nunca tudo. A cerveja
começa a fazer algum efeito. Rola um abraço; Este cara é meu amigo; Presta
atenção na letra dessa música, olha que maravilha; Fulana é uma gostosa;
E os peitão?; Este país não é sério; O problema é o ensino público; Mas
o mercado de trabalho... e por aí vai. Até acabar a cerveja ou ninguém
aguentar mais.
E tudo há de terminar bem, com as garrafas espalhadas, as brasas ainda
quentes, o sentimento de que a vida pode ser boa. Os CDs perto do aparelho
de som estão se confraternizando, Jimmy Hendrix está na caixinha da Marisa
Monte, Eric Clapton por cima dos Beatles, Caetano abraçado com Jorge Ben.
Então é isso, até a próxima, amanhã eu te ligo pra gente ver aquele negócio,
liga sim, manda um beijo pra não sei quem, da próxima vez aquele filha
da puta tem que aparecer, é isso mesmo, então boa sorte por lá, obrigado,
até mais.
Não há nada como um churrasquinho, este sacrifício animal moderno. Não
há nada como os amigos.
>>>
f
a l a q u e e u t e e s c u t o
uma seção de cartas mais animada que rave no asilo, mais surpreendente
que embalagem de maizena, mais agitada que filme indiano. participe você
também desta pura explosão de adrenalina: [email protected].
Sent: Tuesday,
January 08, 2002 1:52 PM
Subject: [spamCine]
"Olá nobre Inagaki,
O titulo do meu email
já diz tudo sobre uma sugestão que humildemente envio.
Que tal criar uma seção
no Spamzine, dedicada ao cinema?
Uma vez que o staff deste
filho pródigo da net conta com pessoas altamente indicadas para isso, seria
divertido não?
Poderiam colocar avaliações
de filmes, nostalgia, alguma seção do tipo 'e se eu pudesse refilmar algum classico,
quem eu escalaria'...
Me façam um favor: SENHOR
DOS ANÉIS!!! SENHOR DOS ANÉIS!!! SENHOR DOS ANÉIS!!!
abraço,
Marcelo Sawasato
PS. Recebi minha edição
da revista PLAY em perfeito estado. Thanks!"
inagaki responde:
caro Marcelo, o seu trocadalho do carilho realmente dá um ótimo título
de seção. Eu particularmente considero que a Web tupiniquim já está bem sortida
de colunistas cinematográficos, e destaco três em especial: Kleber Mendonça
Filho, do Cinemascópio,
Nemo Nox, do Burburinho, e Lola
Aronovich, do Escreva Lola Escreva.
De qualquer modo sua sugestão precisa ser levada em consideração, uma vez que
nosso staff está repleto de cinéfilos. Eu, por exemplo, freqüentei o curso de
Cinema na FAAP (uma merda, mas esse já é outro papo), e o nickname do Sabbag
no ICQ é Antoine Doniel. Taí: quem sabe, dependendo das colaborações que
recebermos para a próxima edição, não rola uma avant-première do Spam Cine?
Sobre o "Senhor dos Anéis": gostei e recomendo. É entretenimento escapista
de primeira. Excelente direção de arte, casting impecável (com destaque
para os veteranos Ian McKellen e Christopher Lee), fábula bem conduzida pelo
diretor Peter Jackson. Não é, de jeito nenhum, o "filme que mudará
a história do cinema". Se você não cair nessas armadilhas marketeiras,
terá três horas de boa diversão descompromissada.
From: "Samara P.
Martins"
To: <[email protected]>
Sent: Tuesday, January 08, 2002 8:31 AM
Subject: Re: [S p a m Z i n e] - edição 046
"Alê,
Nada melhor do que começar o dia com um SPAM!...calma, Spam de poesia, de crônicas,
de bons textos, acho que estou começando a acreditar que o mundo ainda tem uma
chance, afinal algumas pessoas se utilizam da massa cinzenta de suas cabeças
e não estou falando de caspas!!
Beijins e um bom dia!!
Samis
PS: é grande, mas vale a pena reservar um tempinho para ler"
inagaki responde:
querida Samara, obrigado pela força e pela divulgação aí no Tocantins. Em tempos
nos quais até mesmo a Justiça brasileira considera salutar a disseminação de
spams, cá está nosso ezine na contramão, para provar que nem todo spam foi convertido
pelo Lado Negro da Força. =) Quanto ao tamanho de nossas edições, é fato
que alguns de nossos números têm saído mais bem-dotados do que o recomendável
pela netiqueta. Mas não há nada que um pouco de jeitinho e outro tanto de carinho
não dê jeito, ho ho. Beijim e juízo (ma non troppo)!
>>>
c
r é d i t o s f i n a i s
me empresta
um beijo, amanhã eu te devolvo
você não odeia esses caras que ficam te cantando?
Ana Carolina Portella da Silveira > [email protected]
>>>
Spam
Zine - fanzine por e-mail
>>>
p.
s.
al-chaer:
esta semana entrou no ar entrou no ar a "Bula de Letrinhas
- Edição III", onde faço referência ao livro "Textamentos"
do poeta Affonso Romano de Sant'Anna. Um novo texto do (arlã(), sobre Mário
Quintana, também está lá. Fica aqui o convite, então, para quando tiverem tempo,
visitar http://www.oquerola.com/col/ler/indexf.html, a
página de nossa coluna "Ler é Preciso". Seus comentários serão muito
valiosos para nós!
schwind:
para aqueles que gostam de livros grandes e estórias leves recomendo "Saco
de Ossos" do já clássico Stephen King (qualé, não torçam o nariz; Poe já
foi taxado de escritor de folhetins na época dele e hoje é um "clássico").
Destaque especial para as cenas em que o personagem principal transa com a esposa
já falecida, com a mulher que ele está ajudando num processo de custódia E
com a mulher que está tentando assassiná-lo (adoro livros educativos!).
Aliás, o romance é um clássico da fantasia, porque somente nestes livros as
esposas de anos de casamento são tão ardentes, as crianças tão maravilhosas
e os inimigos tão facilmente reconhecíveis.
sol:
indicação de um colega da Internet, "Chet Baker, memórias perdidas"
é um esparso diário que rememora as viagens químicas, musicais e sexuais do,
segundo o tradutor, Miles Davis branco. Conhecido também pela pungência doída
de sua voz, Baker fala de sua experiência com as drogas de maneira casual: "Andy
foi a primeira pessoa a me apresentar a maconha, abençoado seja. Gostei e continuei
a fumar durante 8 anos, até começar a me picar e, finalmente, me viciar. Gostava
muito de heroína, e usei-a quase continuamente, de um jeito ou de outro, durante
os vinte anos seguintes". Mesmo chapado, o trompetista dava conta do
recado: "Conheci Charlene, e era uma coisa. Ela adorava ser comida e
eu adorava comê-la. Uma vez trepamos 9 vezes em 3 horas". Cobrindo
o período entre 1946 e 1963, esse depoimento despojado não romantiza e nem sataniza
os efeitos das drogas, pesadíssimas, que fizeram parte de sua rotina por toda
a vida. Suicidou-se em 1988 aos 58 anos, com a aparência de um Matusalém Maracujá.
Triste e breve, doce e amargo.