SpamZine_______________
043
16 de dezembro de 2001
são paulo rio de janeiro joão pessoa londrina florianópolis
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n e s t a e d i ç ã o:
leituras desatentas compreensão de copacabana diálogos nada
pueris top 5 botecos amantes célebres
nas ruas de londrina estória do mundo da força
do acaso gatinho latindo beto & ana
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Escreve-se muito, lê-se pouco e mal na Terra
Brasilis. Prova inconteste foi a divulgação de um teste internacional
realizado com estudantes de 15 anos do mundo inteiro, a fim de avaliar a
capacidade de compreensão de textos de cada país. Ficamos, entre 32
nações, na última colocação, atrás de Liechtenstein, Portugal e México.
A conclusão: brasileiros, no geral, lêem, mas demonstram incapacidade
para interpretar textos, articular parágrafos e compreender as idéias
entrelinhadas no que está escrito. A despeito da difusão de weblogs,
fanzines e outros meios de veiculação da palavra escrita, o fato é que
estes são tempos nos quais leitores eletrônicos (ou não) dependem
de emoticons, que mastiguem por eles as ironias, críticas e opiniões emitidas
em um parágrafo. :(
Talvez a explicação para tamanha pobreza de
leituras esteja na pressa com que vivemos o dia-a-dia. Vejam, por exemplo, a
pressa injustificada com que pulamos de canal em canal no zapping do
controle remoto: não é o que está passando que importa, mas o que mais
está sendo exibido. Mal temos tempo em digerir o dilúvio de dados que
nos é empurrado retinas abaixo. Tudo ao mesmo tempo agora: um mosaico caótico
que, de tantas informações que nos são oferecidas ao mesmo tempo, acaba
se transformando em um quadro abstrato. Um amálgama de letras passeando
pela tela e manchas coloridas, uma pintura distorcida de Basquiat
desprovida de todo e qualquer significado: lavagem cerebral.
Enxurrada de dados. Cada portal de
Internet é um amontoado de manchetes justapostas. Sem conhecer os precedentes
históricos de cada evento, tornamo-nos maniqueístas, como em um blockbuster
hollywoodiano. O Taleban é mau porque é mau, e ponto. A História é uma velha
senhora desmemoriada, e os fatos são reescritos pelos sobreviventes. Ou
apagados, como as imagens de Trotsky ao lado de Lênin durante a Revolução
Russa, que eram removidas manualmente de cada foto a mando de Stálin.
Essa perda generalizada de sentido afeta a emitentes
e receptores de comunicação. E explica, em parte, a pobreza da arte
contemporânea (explicitada pela estéril grandiloqüência das instalações
"multimídia" de Bienais), reflexo fiel desta era
descontextualizada e empobrecida de utopias. Uma arte voltada para si
mesma, desconectada do mundo lá fora: cínica, cética, descrente em
movimentos sociais e fechada em tergiversações metalingüísticas.
Reconhecidamente incapaz de mudar o mundo, a produção artística assume,
mesmo que envergonhada, a condição de mero produto cultural, e a cobra
come o próprio rabo. Os leitores são dispersivos porque a arte perdeu a
sua aura? Ou a produção artística acatou a diluição de sua mensagem
pelo establishment devido à pasteurização de seu público?
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O Spam Zine, modestamente, faz a sua parte, na tarefa
de lobotomizar leitores com seus tijolos semanais de literatura
interativa, ficções reais, versos anárquicos e lirismo nonsense. E
conta, hoje, com a ajuda preciosa de Indigo Girl (em um conto
verdadeiramente digno de antologia), Alexandre Carvalho (e seu Top 5 etílico),
Lau Siqueira (grande poeta gaúcho exilado na Paraíba), Mateus Potumati
(o filho pródigo de Londrina), Pedro Vitiello (nosso historiador de plantão),
Fernanda Luft (sem medo de ser lírica), Gaspar Santos (contista pop
nonsense e futuro representante do Spam na Casa dos Artistas 2) e Ian
Black (sócio-fundador do SZ).
Gostaria, no entanto, de dar um destaque especial ao
colaborador estreante desta semana, o carioca Márvio dos Santos.
Que, não hesito em dizer, compôs alguns dos melhores poemas que já
li nos últimos anos. Um escritor que, honrando a tradição de
grandes autores como Mário Faustino e João Cabral de Melo Neto, utiliza-se
do formato mais clássico da poesia, o soneto, e o transpõe em versos atuais, de fina
ironia e observações precisas sobre a tragicomédia do mundo.
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Uma revista com o objetivo de "fornecer
coordenadas sensoriais e intelectuais para aproveitarmos melhor estes
tempos de comunicação universal, militância virtual, entretenimento
eletrônico e avalanches de informação". Este é o objetivo da
revista PLAY, recém-lançada
pela Editora Conrad. O Spam Zine, em promoção conjunta com a Conrad, irá
enviar exemplares da PLAY
aos 10 assinantes que melhor responderem à questão da seção
"Perguntar Não Ofende" (vejam a pergunta alguns scrolls
abaixo). Envie sua resposta para [email protected],
e aguarde pelos resultados semana que vem.
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soneto de copacabana
Copacabana madrugava fria
E, na Avenida Atlântica, sem sono,
Eu caminhava a trilha do abandono
E o sujo meretrício me assistia.
De repente, uma puta me assedia,
Me pega a mão, mas nada eu intenciono.
Agradeço, recuso ser seu dono
Por cinqüenta paus/hora e dou bom dia.
Antes de me deixar seguir meu passo,
Pediu-me com doçura um quente abraço,
Que lhe emprestasse dignidade humana.
Ela encontrou calor numa frieza
Como eu, que tive nojo e vi grandeza
No dia que entendi Copacabana.
*
soneto de um dia pra
esquecer
No último dia em que nós dois nos vimos,
Já não havia mais sentido em nada,
Ocasião para não ser lembrada
Depois de todo amor que dividimos.
Foi quando conformados admitimos
Que ali findava a nossa caminhada.
Cada um levou metade desse nada
De um tudo do qual nós nos despedimos.
Para onde for, eu levarei a parte
Que me serve pra sempre recordar-te
Sem ver tal dia entre os que foram teus.
Porque nos outros, quando eu ia embora,
Sempre insistias, “não, não vás agora”,
E nesse me disseste vai-com-Deus.
*
poema de futebol ao meu
amor
Você, amor, é quase tão bonita
Quanto o Maracanã lotado em dia de final,
Cabeçada certeira no segundo pau,
O nosso capitão levantando a taça Interclubes Mundial.
Você, amor, é quase tão bonita quanto
A bandeira tremulante do meu time,
O zagueiro que falha, faz um gol e se redime,
O meu goleiro defendendo o pênalti que se entrasse agora seria um
crime.
Você, amor, é quase tão bonita quanto
A justa expulsão do adversário,
Chegar à final do torneio universitário,
Toda a torcida xingando o juiz de salafrário.
Sim, amor, você é quase tão bonita
Quanto as paixões que duram toda a vida.
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- Se você estivesse andando no meio da rua e desse
de cara com um homem com uma orelha no meio da testa, o que você faria?
- Orelha direita ou esquerda?
- Tanto faz.
- Tá. Orelha direita, então. Eu parava bem na
frente dele.
- E daí?
- Daí eu perguntaria se eu podia pegar na orelha
dele. A da testa.
- Mas o homem ia mandar você pastar!
- É. Acho que sim. E se um dia você acordasse de
noite e encontrasse seus pais na cozinha, preparando um banquete de
ratos, porque na verdade eles são vampiros e tentam esconder isso de
você. E daí, quando eles se viram em sua direção, você vê os
dentes compridos pra fora da boca e eles nem conseguem disfarçar o
segredinho.
- Eu sairia correndo, gritando que nem louco.
- Mas a porta estaria trancada.
- Eu me trancava no meu quarto e ligava para a polícia.
- Mas não tem telefone no seu quarto.
- Eu chorava.
- É. Eu também.
- E se um dia você fizesse um cocô que falasse. E daí, quando você
tentava dar descarga ele não ia embora. E ele falava super alto e
contava todos os seus segredos. E isso é na escola. E tem uma fila
enorme de gente batendo na porta. Todo mundo apertado e o cocô fica
berrando sem parar. E daí alguém vai chamar a diretora. E você começa
dar descarga feito louco mas daí trava a descarga. E tem um segredo
seu, que você chupa chupeta, e o cocô tá começando a contar e todo
mundo, a escola inteira, está quieta no banheiro, só pra escutar o que
ele tem a dizer.
- Ah, isso não vale.
- Vale, sim.
- Já sei!
- O quê?
- Eu pegava o cocô com as mãos e quebrava ele no
meio.
- Mesmo?
- Se eu fizesse isso ele calaria a boca?
- Calaria.
- Então eu faria.
- Mas como você sairia do banheiro? Porque a
escola inteira ainda estaria ali. Esperando para ver a sua cara.
- Eu ia fingir que eu estava possuído pelo demônio.
- Legal.
- É. Seria legal. Tenho uma.
- Fala.
- E se a sua cabeça começasse a fazer barulho
cada vez que você tivesse um pensamento. Mas era só tambor, tamborim e
um triângulo, quando você tivesse que fazer uma prova, ia ser uma
batucada e todo mundo perceberia que o barulho vem de você. A
professora ia mandar você ficar quieto. E todo mundo ia dar risada. Daí
você tinha que ficar bem tranquilo, sem pensamento nenhum na cabeça. Só
contando ovelhas. Mas mesmo assim o triângulo ia tocar de vez em
quando. Mas aquela prova era a última do ano e você precisava tirar um
dez. Então você lê uma questão bem rápido e a batucada começa tudo
de novo. Como você faria?
- Eu ia colar, ué.
- Mas isso é um pensamento. E na hora que você
pensasse isso, ia disparar a bateria.
- Ah, verdade.
- Não tem saída.
- Tem sim. Espera que eu estou pensando.
- Não tem.
- O som sai por onde?
- Pelas orelhas.
- Eu enfiava um lápis em cada orelha e terminava a
prova.
- Pelo nariz e boca também.
- Eu colocava duas bolinhas de papel no nariz e
grudava a boca com durex.
- Mas como você ia respirar?
- É assim. Eu escrevia a resposta bem rápido, sem
respirar. Daí, eu pensava em ovelhas e arrancava o durex. Tomava ar,
colocava o durex e respondia a questão. Funciona?
- Funciona.
- Legal.
- Ihh, a professora tá olhando pra gente.
- É mesmo. Depois a gente continua.
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r á p i d a s r
a s t e i r a s
"2002: que o ano seja ana".
(Mensagem do
cartão de Natal do PFL, aludindo à candidatura de
Roseana Sarney à sucessão de FHC. Era só o que faltava: além de
neoliberais, trocadilhistas da mais intragável infâmia.)
"Eu não sou nenhum peixão, meu possível
charme não se encaixa na Playboy".
(Cláudia Abreu, 31, atriz
modesta e criadora de charmosa expressão, ao responder ao JB
porque nunca posou nua.)
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Um autêntico conhecedor de botecos precisa reunir qualidades indispensáveis
à função. A principal é gostar de beber. Não interessa se você é
adepto da Antarctica, pega pesado no uísque, chama o Velho que vem
coisa boa ou é um ser sensível que prefere caipirinhas de frutas. O
fundamental é gostar da sensação de leveza e descompromisso deixada
por um pouco de álcool nas veias. Agora, se você pede Coca light em
happy-hour, faça um favor a si mesmo e pule esse texto. As linhas
abaixo são dedicadas a gente como Alexandre Inagaki e Gérson Guerrero,
que não conseguem sair de um boteco sem declamar poemas de última
hora, compostos no ardor da caiana.
A segunda premissa é ter amigos. É no boteco que você abre seu coração
para o próximo, discute filosofia e futebol com uma espontaneidade
impossível de expressar em outro lugar. Se você quer ascender à condição
de um autêntico conhecedor de botecos, mas só tem saído para levar a
mãe ao shopping, tome uma atitude. Ligue para aquele seu colega do
colegial e o chame para brindar aos bons tempos em um estabelecimento
que inspire camaradagem e nostalgia, lágrimas e risadas de tirar o fôlego.
Se você optar por um dos cinco melhores botecos de São Paulo (e estou
quebrando seu galho, revelando quais são os Top Five), é impossível
que saia de lá sem um novo amigo. Nem que seja o garçom.
Finalmente, o conhecedor precisa ser um sujeito paciente, compreensivo e
que nunca tenha pressa para nada. Você já foi ao Bar Léo? Vou te
falar maravilhas sobre esse lugar, que pode ser considerado a Meca dos
adoradores de chope, mas... Você chega ao Léo às onze da manhã do sábado,
e ainda não tem ninguém. Satisfeito, escolhe a mesa em que quer ficar,
prepara-se para pedir o primeiro de uma dúzia de chopes, e logo chega
um garçom com a maior cara de saco cheio, dizendo que as mesas estão
reservadas para os "habitués". Do espanto à resignação,
você vai para o balcão, onde finalmente é agraciado com um pouco do néctar
divino. Detalhe: os tais "habitués" nunca chegam.
Além do mau humor dos garçons, o zen-budismo em botecos também passa
por contas que nunca ficam prontas, pedidos errados, caras barulhentos
na mesa ao lado (pelo menos até que você fique barulhento também),
crianças vendendo lixa de unha, barbudos colombianos que querem te
mostrar seus inspirados poemas, bem na hora em que a conversa começava
a engrenar... E o pior é que chegam com a pergunta mais maldosa do
mundo, "você gosta de poesia?". Não tem saída. Se um cara
parecido com o Marcelo D2, com uma boina esquisita, carregando uma pilha
de livrinhos, olhar na sua direção, é a hora perfeita para você ir
tirar água do joelho.
Se você é um bebedor sério e mora em Sampa, tudo indica que conhece
os botecos que vou recomendar. Só confira se um desses Top Five ainda não
faz parte do seu roteiro emocional.
Bar Léo - o templo
Você não é um conhecedor de botecos se nunca se espremeu para
encostar o braço no balcão desse bar. Vá aos sábados, que é o dia
dos bolinhos de bacalhau, e chegue cedo para não ter que beber de pé
na calçada (já fiz isto tantas vezes...), porque depois do oitavo
chope você vai querer sentar na sarjeta, e alguém conhecido pode
passar por lá e ver o estado lastimável em que você vai estar. Ah, não
se esqueça de pedir canapés de carne crua e de jogar umas bolachas de
chope na privada do banheiro, para deixar a conta menos dolorosa.
Bar do Luiz Nozoie
- a casa
Dezenas de pessoas de pé, disputando cada centímetro do balcão,
morrem de dor de cotovelo quando chego com meu irmão e pergunto (na
hora, parece piada) se há uma mesa para nós. Meu xará Alexandre, um
dos filhos do seu Luiz, responde, com um prato de muslitos na mão:
"É pra já, Alê!". Com uma agilidade incrível para um
lugar tão apinhado, ele surge com uma mesinha de ferro saída não sei
de onde e uma Serramalte. A especialidade são os frutos do mar, como os
espetinhos de camarão, bem melhores que os da praia. Quer uma dica?
Pegue a cerveja pela ponta da garrafa, porque elas são mantidas numa
geladeira de sorvete e ficam no ponto exato entre a gelada e a
congelada.
Empanadas - a faculdade
Está sempre cheio de moçada, mas é uma galera que vai para jogar
conversa fora; não é para paquerar. Tanto que o meu amigo Versignassi
já apelidou este boteco sagrado de "Peganadas". A minha
empanada preferida ora é a de carne, ora é a de frango. A de queijo
implica uma recomendação ao garçom: só servir quando tiver acabado
de sair do forno, e o queijo ainda estiver derretido. Fale com o
Ananias, um dos símbolos da Vila Madalena, que ele serve tudo na hora
certa. E esqueça o cardápio. Neste lugar você só tem que escolher a
marca da cerveja e o recheio da empanada. O resto é para os neófitos.
Bar do Norte - o
quintal
O nome oficial é Recanto Nordestino. Até hoje, agradeço ao meu
comparsa Masca por ter me apresentado a este boteco, que é o melhor
para um fim de noite. Quando estiver voltando da balada, pare por lá e
peça ao Raimundão (o dono), um caldinho de fava e um pedaço de jabá.
Os preços são inacreditáveis de tão baratos, e as cervejas estão
sempre geladas. Já perdi a conta das vezes em que estive numa festa com
amigos e alguém sugeriu, "vamos para o Bar do Norte?". Lá não
tem frescura e fecha tarde, lá pelas quatro da madruga.
Bar do Giba - o jardim
Pelo menos neste bar, você tem chances de deparar com umas
meninas bonitas. Mas não prometo nada. Só torça para que as lindinhas
do lado não peçam picanha fatiada, porque ela é grelhada na hora, e a
fumaça vai deixar sua roupa com aquele aroma típico das churrascarias.
Agora, o ambiente é muito gostoso e informal, e o boteco serve a melhor
carne de sol com mandioca e manteiga de garrafa que já experimentei na
vida, e pastéis de camarão sequinhos. É para ficar com a cuca fresca
e voltar para casa pensando que a vida, afinal, vale a pena.
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teu corpo
permaneço
absorto
envolto
no sonho
que a vida
ávida
me impõe
aos poucos
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curvas
das ruas de londrina
"hello, cambada. escrevi um texto aí, ó.
saiu assim, de prima, sem pensar muito. assim, sem nem corrigir nada.
deixo a bola pro editor, mas espero que só haja erros de digitação, se
os houver. saiu gostoso, espero que seja bom pra vocês. um dia eu termino
a novela.
agora deixem eu ir ali na casa do meu irmão ver se dá pra aproveitar
alguma coisa da gravação
que fizemos do show no valentino (o mesmo do conto que segue).
gravamos numa tascam, yeah, em fita de rolo. tomara que dê pra aproveitar
algo. torçam por nós. e leiam o zine. [ ]'s, mateus."
parei no cruzamento em frente ao valentino. tinha
acabado de deixar a cíntia em casa, e tava na última-passada-em-frente-aos-bares-atrás
de-não-sei-o-quê. fiz uma curva bem aberta com a moto, junto comigo um
carro também. o cara foi mais rápido, tomou a minha frente e diminuiu a
velocidade até me fazer parar. ele fechou toda a passagem, parei.
desceu do carro. era um gordo, camisa aberta, uns tantos mas nem tantos
anos. a mulher ficou dentro. encanei um pouco, não tanto pra sentir
medo ou querer fugir porque um cara não ia querer me assaltar ou alguma
outra loucura na frente de um bar lotado de gente e com dois carros de polícia
estacionados. veio e disse, 'meu que curva bem feita, a sua'. queria me
parabenizar pela curva bem feita às 4 e meia da manhã quente e
abertamente sexual de londrina em dezembro.
não entendi muito bem; ele continuou, 'é dificílimo encontrar alguém
neste trânsito horrível de hoje em dia que se preocupe em fazer uma
curva com humanidade. todo mundo quer tomar a frente, ir mais rápido, e
xingar os outros mesmo que o errado seja você mesmo'. pegou na minha mão
com as duas dele, chacoalhou forte, coçou o nariz. eu ainda não entendia
nada, e havia parado de tentar.
a garota grávida dentro do carro enfiou a cabeça
pra fora e gritou 'vamo, vaaaal'. a voz meio trêmula, doída, parecia
estar chorando. ele deu outra coçada no nariz e engoliu três vezes em
seco. deveria estar bem louco de pó e bebida e sabe mais o quê para
parar de madrugada e cumprimentar alguém só porque fez uma curva bem
feita.
continuou falando, 'sabe, eu tô cansado da
desumanidade das pessoas. pouca gente ainda percebe que em matéria
de sentimento dividir é multiplicar'. deu outra coçada no nariz, a
mulher chamou de novo. 'JÁ VAI, CARALHO! biscate'. virou-se de novo para
mim, deu um sorriso. 'olha, não quero ser chato, mas precisava passar',
eu disse. 'CLARO, mil perdões, não queria te atrapalhar mesmo'. veio
perto, me abraçou forte, abracei forte e meio de volta. parece que vi uma
lágrima no rosto dele. deu mais uma coçada no nariz, virou de costas.
entrou no carro, discutiu com a mulher grávida e
deu-lhe um tapa forte na cara, que deu eco na parede da casa em frente.
arrancou cantando pneu. três esquinas na frente, bateu à toda em outro
carro.
virei à esquerda na quadra de trás e fui embora pra
casa. abri a geladeira, atrás-de-não-sei-o-quê, fiquei olhando um pouco
a luz e fui dormir.
a
estória do mundo segundo brooke shields - capítulo seis
Houve, a partir de meados do séc. XVIII (1750) uma onda de revoluções
nas então estabelecidas monarquias. Os americanos, cansados do jugo
inglês e das piadas do Monty Python (que eles não entendiam)
resolveram jogar um monte de chá no mar (claramente se recusando a
continuarem a tomar chá) e partiram para a porrada.
Logo depois, começou a pipocar em outros lugares do mundo uma penca de
revoluções, sendo a que causou mais vítimas a do RPM (Revolução do
Pseudo-Músico), que além de não revolucionar nada, ainda não casou
com a gracinha da Luciana Vendramini e acabou gravando uns discosinhos
bregas pra dedéu. Mas a mais importante das revoluções ocorridas foi
a chamada “Revolução Francesa”, que, como as francesas que vinham
trabalhar aqui no Brasil, foi puta legal.
Tudo começou por causa das relações aristocráticas/burguesas, que
causavam a exploração do homem pelo homem, segundo Marx (não o
Groucho, aquele outro); ou, segundo uma visão mais recente, foi fruto
de um pequeno mal-entendido das palavras de Maria Antonieta, incitando a
População a comer brioche. François Brioche, eminente líder comunitário
de então, não gostando nada da história, pegou em armas e mandou
brasa na aristocracia.
Na França de então, existia uma divisão nas decisões relacionadas
aos rumos do país que era feita por uma tríade dos chamados “três
estados”. Os três estados eram três e, segundo a concepção da época,
serviam para representar diferentes interesses importantes na nação.
Eram o Clero, a Aristocracia, e o Povo.
Por um descuido histórico qualquer, a igreja católica, que normalmente
agia de acordo com os interesses da população (e você aí, não ria),
votava sempre com a Aristocracia, enquanto o povo se ferrava. Como
conseqüência, a burguesia, sempre muito preocupada com os desígnios
da nação e com o bem estar do povo, além de só um pouquinho
preocupada em pagar menos impostos e encher a burra de dinheiro (não
existiam cofres na época e os animais de carga tinham mais de uma função),
promoveu as bases teóricas para a revolução.
Assim, Brioche, Robespierre, Danton, Asterix, Obelix e Ideiafix uniram-se
em grandes aventuras pelo reino em busca de coalizão. Em 14 de julho
conseguiram, com forte apoio popular, derrubar a Bastilha (espécie de
World Trade Center francês) e o regime aristocrata, que além de
cruel, não permitia comer proteínas e carboidratos sete dias por
semana. Apesar de deixar a população magra e em forma, era menos
popular que o regime de Hollywood. Assim, formou-se uma nova organização
política, com o direito ao sufrágio universal e com uma divisão nas
idéias políticas de então.
No Senado, sentavam-se à direita os girondinos (pró-alta burguesia),
à esquerda os jacobinos (mais populares) e no centro estava o FHC,
representante do Real. FHC, que aliás estava estudando em Sorbonne
devido a um mal-explicado auto-exílio, era chato e ninguém dava a mínima
para ele (bons tempos).
parte B - o início do fim:
François Guilhoutine, inventor da Ghilhoutine, era uma pessoa com a
cabeça no lugar. François Danton (por algum tempo) e outros líderes
revolucionários também, mas a alegria não durou, tornando-se vítimas
do mais eficaz aparelho de barbear jamais inventado. Diziam que era um método
indolor de eliminar gente, e como ninguém voltou para contradizer isso,
deve ser verdade.
Entre as vítimas do aparelho estavam François Desodurrant (inventor do
desodorante aerossol), François Miterrant (antepassado do estadista
francês) e Gerald Depardieu, por ser o único francês que não se
chamava François (o que obviamente o colocava a favor da aristocracia).
Todo e qualquer um que apoiasse um nobre conhecia um lado pouco afetivo
dos revolucionários, que antes de matar os compatriotas, davam um beijo
francês, só de sacanagem neles.
Como os outros países temiam desordem em seus próprios locais, criaram
um monte de exércitos e de desculpas esfarrapadas, e atacaram a França.
Uma nova elite, a dos Chefs de Cousine, entrou em cena e apoiou Napoleão,
que além de ser um sujeitinho asqueroso, era anão (e todos sabem a
fama dos anões) e comia pouco, razão pela qual apoiava a Nouvelle
Cousine (cozinha de novela) onde não havia muito o que se comer, mas se
arrotava grandeza. Por causa disso, Napoleão tinha gastrite e estava
sempre com a mão no estômago. O chamado “Golpe Nove do Termidor”
(podem olhar nos livros, o nome era esse mesmo), além de parecer título
de um filme do Ed Wood, foi realizado quando eles enviaram lagostas
ninja à Tremidor para eliminar a concorrência e os líderes revolucionários
que ainda sobreviviam.
Napoleão, depois de não conseguir traçar a gostosa da Desireé,
acabou fornicando com a jaburu Josefine, que inventou o hábito do leque
para esconder o fato de ser banguela (fato triste, porém real). Ela
também seguia recomendações do baixinho, que pedia a ela não tomar
banho uma semana antes de ele chegar. Como Napoleão era sempre
surpreendente e podia chegar de uma de suas viagens a qualquer momento,
melhor era não tomar banho nunca.
Por causa disso, o restante da Europa, que também não era chegada em
banho, mas tinha nariz (menor que o do Depardieu, é verdade),
pegou em armas e acabou com a alegria Napoleônica.
Napoleão, alias, só perdeu por três motivos:
1) guerra no inverno russo: perdeu vários homens por lá;
2) guerra com a Inglaterra, que, com o Almirante Nelson e o Submarino
Civil, fez estragos consideráveis aos franceses;
3) não ter acabado com a Família Real Portuguesa quando pôde. Isso não
ia interferir tanto assim no seu império, mas, mesmo assim, fica a
sugestão.
Acabou-se a Revolução Francesa que, além de influenciar os meandros
políticos do Séc. XIX, deu um monte de idéias aos mineiros (de Minas
Gerais), que criaram a Inconfidência Mineira, com o lema “Libertas
Quo Sera Tamem” (Libertas Que Será Também...).
E a nossa história continua, apesar de não estarmos
mais 'juntos', de certa forma ainda estamos, pois o destino insiste em nos
manter ligados. Nem que seja um encontro a cada seis meses, como sempre
por acaso, mas agora eu no meio do meu trabalho e você dando uma volta de
bicicleta, sossegado como sempre.
Os tempos mudaram, as coisas mudaram, as nossas vidas mudaram, mas nós não
mudamos tanto assim. Ainda somos os mesmos vegetarianos que acreditavam em
ideais utópicos e que gostavam de ir à Naufragados nos finais de semana.
"É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam
acontecer", é incrível como as coisas mudam mas de certa forma
ainda são as mesmas, é incrível como um caso que não tinha nada pra
dar certo foi o que mais deu certo na minha vida. Talvez por isso eu goste
de escrever pra você (mesmo que as minhas cartas não cheguem nas suas mãos),
talvez por isso você sempre me pergunta se eu ainda moro no mesmo lugar e
se o meu telefone ainda é o mesmo (mesmo que você nunca me ligue ou
visite).
E hoje eu penso então no que poderia ter sido, no que nós poderíamos
ter tido. Mas não existe um nós, nunca existiu e nem vai existir, o que
existia era um eu e você momentaneamente juntos. Uma união de loucuras e
caretices que nós dois carregávamos e que se encontraram por acaso.
Acho que essa é a palavra que melhor nos define. Acaso. Foi ele que fez nós
nos encontrarmos e foi ele que nos separou. Na real fomos nós mesmos que
fomos nos separando aos poucos, mas dizer que foi o acaso fica mais
bonito.
Eu olho pra você agora, com esse cabelo vermelho, com os argumentos que
eu nunca concordei, seguindo uma carreira que eu sempre apoiei, e ainda
esses olhos cor de mel, que me dizem tudo e nada ao mesmo tempo.
Eu continuo aqui, você sabe que é por pouco tempo, mas eu ainda estou
aqui, e o que eu posso lhe dizer, então, é "... e até lá vamos
viver, temos muito ainda por fazer, o mundo começa agora, apenas começamos...".
Sem ressentimentos, sem mágoas, sem raiva ou ódio, como eu e você
sempre fomos, iguais e extremamente diferentes.
A gente se encontra, conversa por horas que parecem minutos e no fim você
sempre diz que vai me ligar, e eu sempre falo "liga sim", só
que eu e você sabemos que você não vai ligar e que eu não estou nem aí
pra isso. Pois o nosso próximo encontro vai ser como todos os outros, eu
correndo para um lado e você andando de bicicleta para o outro, só que,
novamente, no instante em que os nossos olhares se cruzarem, o universo
vai parar pra você me perguntar como foi o meu final de semana e pra eu
falar que você tem que ser mais responsável.
nota:
este texto possui uma primeira parte, que foi publicada no extinto
e-zine Aquário. Assim como na saga Guerra nas Estrelas, aqui no Spam Zine
você acompanha primeiro a continuação, depois o prefácio da história!
Interessados em ler a parte I, escrevam para [email protected].