[S p a m  Z i n e]
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    : 02 de setembro de 2001
    : são paulo, recife, são josé do rio preto, goiânia, carapicuíba, rio de janeiro
 
::: e d i t o r i a l
::: Orlando Tosetto Junior <[email protected]>
 
Como as mulheres são lindas!
Inútil pensar que é do vestido...
E depois não há só as bonitas:
Há também as simpáticas.
E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto:
Uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha.
 
Gostaram? É Manuel Bandeira. Muito bonito o que ele fala de olhos. Bonito e incompleto, mas ele não pretendia fazer nenhuma enciclopédia. Queria falar desses olhos aí de que falou. Há outros, mais mortíferos; outros, que se gravam na gente como a fogo, mas um fogo que só se percebe de outros modos – o tal que arde sem se ver. Continua assim:
 
Como deve ser bom gostar de uma feia!
O meu amor porém não tem bondade alguma,
É fraco! Fraco!
Meu Deus, eu amo como as criancinhas...
 
Faço parte do clube dos feios, junto com o poeta (já viram foto dele? Pobre...), mas aqui, feiúra à parte, a maldade e a fraqueza do amor vêm nos dizer um monte de coisas amargas, que rendem, em mãos menos hábeis, livros inteiros sobre corações partidos. Fiquemos com a concisão do poeta: o amor não tem bondade alguma. E não nos esqueçamos, não deixemos de perceber que amamos (e somos amados) como crianças, sempre. Termina, Bandeira:
 
És linda como uma história da carochinha...
E eu preciso de ti como precisava de mamãe e papai
(No tempo em que pensava que os ladrões moravam no morro atrás de casa e tinham cara de pau).
 
Como uma história da Carochinha, uma senhora esquecida. E se eu fosse tão poeta, repetiria esses versos e saía pelo mundo dizendo que eram meus – e eram mesmo. Porque os ladrões moram no morro, porque não há mais Carochinha, porque o sábado e o domingo hoje têm cara de mortos, porque tudo. E porque preciso de ti como um dia precisei de mamãe e papai (hoje não preciso mais deles). E porque lençóis são bandeiras, e Bandeira e lençóis, e os olhos gravados no fogo irrecuperável de dezembro. Porque permanece. Simples e complicado assim. Kaváfis:
 
Porque é noite e os bárbaros não vieram;
E chegaram alguns homens da fronteira
E dizem que os bárbaros não mais existem.
E agora que será de nós sem bárbaros?
Eles eram uma espécie de solução.
 
E agora, que será de mim sem bárbaros?
 
A EDIÇÃO DE HOJE...
 
...anda cheia de poesia. Começamos com a extraordinária Alyuska Lins, passamos por Alexandre Carvalho, e desaguamos no estreante Wylliam Carmo. Tem também tese sociológico-delirante da Renata Parpolov, e Zé Roberto emulando o Dr. Phibbes numa historinha arrepiante. E há um texto soberbo do CarlãO, que vocês têm que ler correndo, de bonito que é.
 
Em tempo: editar o Spam Zine é uma honra e um orgulho. Entendi perfeitamente o que Mme. Hong quis dizer no editorial dela, há duas semanas: um pequeno universo pulsa por trás destes bits. Espero que gostem desta edição. E, como diria Ingrid Bergman (que não virá mais para nenhum de nós), play it, Spam.
 
 
::: Correlações Anatomoclínicas da Paixão
::: Alyuska Lins <[email protected]>
 
Há quem acredite que paixão se invente
por ilusão,
surja na alma que nem sentimento.
Há quem creia que ela é algo que se sente,
não existe concretamente,
é um sentir com pressentimento.
A semiologia, no entanto, atesta que a paixão é mais que isso,
mais que vento,
mais que intenção,
é cruzamento
entre matéria e emoção:
é um bicho.
Pois que aquela sensação estranha
que nos toma o ventre
quando na presença do amor
ou de quem o desperte,
aquele frio metálico
seguido por uma circunvolução de estômagos e intestinos,
não é nada senão um giro voraz, desse animal torto que é a paixão, em nossas
barrigas.
Sim, a paixão quando habita o homem vira bicho.
O homem se torna também, mas depois,
por intoxicação.
O coração desse animal
fica dentro do nosso, bate com o nosso
no mesmo ritmo.
A boca dele fica em nossos olhos.
Por isso não adianta um ser apaixonado tentar dizer que não,
que juro,
que asseguro não estou apaixonado de onde você tirou essa idéia:
a boca da paixão incendiara, falando por dentro do próprio olhar.
As mãos da paixão estão em volta dos nossos pulmões, do coração, do peito;
por isso basta que a ausência exista,
a briga ocorra,
o sonho se ameace
para que esta criatura impiedosa aperte tudo
até doer como se dor pudesse ser.
O rabo desse animal medonho, no entanto, está em nossa barriga.
E basta que ele se mexa,
ao ouvir algo esperado,
ao sentir próximo o hálito,
ao unirem-se pele e mão,
para que nosso estômago se sinta extremamente vazio
de si mesmo.
 
Para matar este animal é preciso que de sacrifício se morra um pouco também.
Ouvir música alegre e prender o choro em frente ao espelho.
Não vestir vermelho
nem inventar dança.
O tempo, entretanto, é a única lança
capaz de pôr termo ao bicho.
Não de vez.
Mas aos poucos e da forma mais doída.
 
Paixão se contrai em qualquer rua,
noites com ou sem lua,
no momento certo ou não da vida.
Basta sorrirem por dentro duas pessoas,
sentirem que o tempo não passa,
não quererem que o tempo passe mais.
Feito isto,
o ser acometido
prefere ficar de cama
sobretudo na companhia daquele outro ser
que ama,
que tem o poder
de conter as horas.
Afora
os sintomas da face corada, com ar ligeiramente estúpido
o ser apaixonado costuma rezar todas as noites para que o companheiro adoeça
junto.
Meses de dormência temporal e espacial se seguem
até se descobrir um dia que o outro quando canta é desafinado
tem um olho desviado
coça a orelha esquerda com a mão direita
é míope e nunca dá gorjeta, quando saem.
Aí se toma susto.
E ou se foge ou se fica,
com raiva de tudo,
com ódio do mundo.
Tinha que dar errado outra vez.
 
Paixão é doença que ensina imperfeição.
Destrói o coração feito Chagas,
pede ilusão emprestada
e não paga
Deixa um vão.
E dói até que se descubra de repente
que a gente nem canta tão afinado assim
e o olho também desvia um pouco se olhar direito.
Paixão dói porque de duas uma:
ou o outro ou a gente
deixa de ser perfeito.
 
Dura quatro meses o mal.
 
 
::: Pecados - II
::: B. F. Carvalho <[email protected]>
 
Uma madrugada suja em Belo Horizonte, idos de 1992. Andávamos eu e a costumeira tropa de adolescentes bêbados pela Avenida Cristóvão Colombo, chutando sacos de lixo, resmungando, gastando a testoterona com pequenos atos de vandalismo. Andando sem destino pela zona sul de BH.
 
Não mais que de repente surge um ônibus com um moleque dependurado no pára-choques. Eu me torno imediatamente o alvo dele, por me destacar na pequena multidão: "ô gordo" "falaí baleia" "vai tomar no seu cu, rolha de poço". Fico calado e penso com meus botões. Três simples palavras: "Você vai morrer."

Cinco quarteirões adiante, ônibus parado, camburão, ambulância, pequena agitação na madrugada. O ônibus fez uma curva próximo demais da esquina, o moleque não viu o poste, o moleque virou um patê entre a lateral do ônibus e o poste. O sangue dele escorria aos litros para o bueiro. Meus amigos olharam escandalizados. Estranhamente, não senti nojo, pena, nem nada. Sorri e disse em voz alta "mexe comigo, filho da puta, é assim que termina".
 
Todos me olharam estranho. Eu fingi que não era comigo.
 
Perdoe-me, pai, porque pequei.
OBSERVAÇÃO: Caro leitor, você também pode se redimir de seus pecados. Escreva para [email protected] relatando as lembranças mais sórdidas de seu passado imundo (e não se esqueça de incluir os detalhes mais picantes, please). Spam Zine & rtfm por um mundo melhor: redenção digital ao seu alcance.
 
 
::: N a v e g a r   I m p r e c i s o
 
Private Eye
http://www.private-eye.co.uk
O que é: sítio da revista inglesa Private Eye, tumor do humor maligno. A quem se destina: aos que lêem inglês. O que não se pode perder: a coluna do Lord Gnome, e o Pseud's Corner. O sítio traz os melhores momentos da revista impressa, que já passou do número mil, é quinzenal, e nenhuma importadora traz.
 
Ivan Lessa
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ivan.htm, ou http://www.uol.com.br/tabloide/ivanlessa
Ainda não viu? Pois corra e vá ver. O Gênio do Mal é comportado na BBC; quer dizer, comportado se você fizer de conta que não vê os dentes rilhando nas entrelinhas. No tablóide ele faz jus ao nome da coisa, e se solta mais, tabloideia enfim. Não tem ninguém escrevendo melhor em língua portuguesa no momento. E dizem que é humor, mas veja por si mesmo.
 
 
::: A Nega Que Grita!
::: José Roberto Pereira <[email protected]>
 
Todos os tipos estranhos e sombrios de criaturas habitam as cidades onde moram os humanos. Mesmo com a chegada dos computadores, raios laser e toda sorte de tecnologia, a mente humana ainda não consegue penetrar nos mais distantes, sombrios e recônditos lugares, que ficam escondidos dos olhos da ciência!
 
Numa tarde chuvosa, Claudio de Souza, escriturário de uma empresa de seguros, ficou até mais tarde no trabalho. Menino calado, apesar de ter 22 anos, era o que se chama de esquisitão. Não que tivesse alguma tendência homossexual, nada disso. Ele apenas ficava em seu canto, fazendo suas tarefas em uma mesa apinhada de papéis, boletos, contra-cheques, vales-refeições e vales-transportes de mais de 500 funcionários. Era um trabalho duro, pesado, aborrecido, mas Claudio, branco e cheio de espinhas em um rosto que lembrava um rato prensado, não reclamava. Decerto porque nem sabia o que era ter qualquer tipo de vontade própria.
 
Mas havia um lugar de que Claudio tinha medo. Um lugar que lhe inspirava um certo tipo de medo que seu cérebro despreparado nem sonhava que poderia existir.
 
Naquela sexta feira chuvosa e fria como uma sepultura, todos os demais funcionários saíram para festas, bailes e barzinhos espertos. Mas Claudio era feio, espinhento, meio burro e não gostava de futebol, carro e samba. Ele não sabia o que era viver, apenas se empanturrava de trabalho e balinhas de café. A chefe de Claudio nem lhe desejou "boa-noite, bom fim de semana", pois o sujeito era de uma aparência patética, enfiado em sua blusa branca e gravatinha de crochê preta.
 
O zelador passou com o aspirador, que mais parecia um 747 pedindo para ser aposentado, mas Claudio continuava sua conferência das infindáveis folhas de formulário contínuo. Era um serviço que todo os seus "colegas" detestavam, mas o quieto Claudio fazia com precisão e cuidado, com o mesmo carinho com que uma mãe macaca cata piolhos da cabeça de um filhote.
 
O zelador se foi e o prédio ficou silencioso. O elevador deu seu "ping" e subiu para o andar do zelador. A casa das máquinas parou de funcionar, deixando claro que se houvesse algum idiota que quisesse ir embora, deveria descer pelas escadas.
 
Claudio nem reparou que o horário avançava; nem reparou que a garoa fria se transformava numa chuva mais pesada, batucando nas janelas ao seu lado.
 
Quando terminou seu "trabalho", Claudio fechou suas gavetas, trancou-as e se pôs em pé, caminhando em direção ao relógio de ponto. Bateu o cartão: ganhou 6 horas extras, que representariam quase nada em seu salário (como se ele soubesse o que era isso), e foi para as escadas. Estava no 18o. andar e teria que descer até a garagem do 5o. subsolo se quisesse mesmo sair do prédio. O vigia da garagem era um bebum que...
 
Debaixo das luzes frias, ouvindo o zunido triste dos reatores, Claudio começou a descer pelas escadas em seu passo mole e arrastado.
 
Foi então que ele se lembrou! Foi então que ele se lembrou do medo! Do que realmente o assustava!
 
Ele se lembrou da Nega Preta!
 
Nega Preta, Nega Quizumbeira, Negona, Preta do Demo, seja lá o nome que os office-boys e faxineiros davam, ela era a única coisa que despertava medo no abobado Claudio. Ele ouvira as conversas dos outros, em especial do seu Toledinho, o eletricista do bloco 3 que fazia a (péssima) manutenção de seu andar.
 
Conta-se que havia uma faxineira de nome Rosacliana, uma negra linda como uma jaboticaba fresca... e com o mesmo sabor, pois todo mundo enfiava sua colher naquela sopinha de creme que ela tinha entre as pernas. Rosacliana liberava mesmo, pois se havia uma coisa que ela gostava era de uma boa pica. Mas mesmo que a pica fosse ruím, tudo bem, ela dava um jeito.
Devassa, autoritária, preguiçosa, sambista, macumbeira, louca e linda, Rosacliana vivia perturbando as mulheres do prédio e alegrando a vida da rapaziada.
 
Mas Rosacliana encontrou seu Oswaldo, um dos executivos da empresa. Ela dava pro homem de todas as maneiras, até que Jordão, o segurança do bloco 1, fez uma loucura de ciúmes. Rosacliana foi encontrada esquartejada em um banheiro dos executivos. Seu estado era tão medonho que os legistas vomitaram. Os jornais anunciaram com escândalo um requinte de crueldade: um número sem fim de agulhas estava enfiado na sua boca!
 
Essa idéia passou rapidamente pelos poucos neurônios de Claudio que, sem saber bem o motivo, apertou o passo em direção à saída.
 
A repetição constante dos lances de escada, os degraus que não acabavam mais lembraram a Claudio que ele descia, descia e descia sempre e sempre, cada vez mais para baixo, para o chão e para o inferno!
 
Sem fôlego, parou numa porta e respirou pesadamente. Foi seu maior erro!
 
Uma onda estranha de lascívia penetrou-lhe pela espinha. Alguma coisa mágica e maléfica cutucou-lhe o rabo, rodopiando como uma serpente de sensações, acariciando-lhe a virilha, até cobrir por completo seu corpo. Ele ficou de pau duro, um mastro pequeno mas rijo como aço, seu coração à beira da exaustão completa! Sua testa cobriu-se de suor frio e suas mãos escorregaram nas paredes.
 
Uma voz saída de um tubo de carne pastoso pronunciou alguma coisa que lhe arrepiou a pele e lhe eriçou os cabelos da nuca. Um medo primevo gritou em suas entranhas, um pavor que vinha do tempo das cavernas e das árvores. Um medo que ele pensava não ter, mas de que suas células se lembravam perfeitamente!
 
Foi quando aquela curiosidade louca o fez olhar para a direção daquele chamado maldito.
 
Uma forma descarnada, putrefata e purulenta o fitava com as órbitas vazias. Carne do rosto destroçada por faca de pão, tocos destruídos onde antes houvera carne e falanges. Ele viu o cérebro exposto, a mandíbula ausente e uma papa de sangue e pus cobrindo a aparição. Dentro daquilo que se um dia se chamava boca, um ramo de agulhas movia-se para dentro e para fora, produzindo um som rilhante de metal.
 
A voz da criatura era um chamado do inferno, coberto de creme de sedução e luxúria. Claudio não podia deixar de olhar para aquela bestialidade, coberto de horror mas, ao mesmo tempo, atraído por uma sedução enlouquecida! Tudo, tudo naquele pobre sujeito desejava estar em um quarto distante e esquecido por Deus, em algum lugar além da razão. E foi para lá que sua mente fugiu, pouco antes de receber o toque do fantasma.
 
O zelador abriu uma garrafa de cachaça. Olhou para o enorme crucifixo na porta de seu minúsculo apartamento e esperou. Um grito de mulher tremeu o prédio. O zelador sabia que a Nega que Grita havia feito mais uma vítima. Ele tinha que tomar alguma providência.
 
Mas não naquela noite. Estava frio, e a ocasião pedia um gole.
 
 
::: P a p o  -  A r a n h a
::: O guia moderno da cantada virtual (e não virtual também, ora, ora). Ajude o próximo a achar a tampa da sua (dele) panela, a outra metade, o outro pé do chinelo: [email protected].
 
O rapaz entra no ônibus, esbaforido; senta-se ao lado da moça. Olha para um lado e para outro, angustiado; finalmente, vira-se para ela e pergunta:
 
- Pra onde vai este ônibus?
 
Com cara de desprezo, ela diz:
 
- Ué, se não sabe pra onde vai, por que pegou?
 
Ele, depressa:
 
- Porque vi você.
 
(A platéia em uníssono faz: ahhhhhh...!)
 
 
::: R á p i d a s   R a s t e i r a s
 
“Folha respeitou manual e pedido dos familiares.”
(Folha de São Paulo no encerramento do seqüestro da filha do Sílvio Santos, vangloriando-se da esquisita virtude que é respeitar um manual que ela mesma fez.)
 
“(A Danone lançou) no mercado brasileiro uma proposta diferenciada de biscoitos, com nova formulação e textura, e, principalmente enriquecidos com importantes vitaminas.”
(Danone explicando a tunga no peso dos biscoitos com essa pseudíssima “proposta diferenciada” e, de quebra, nos ensinando que há vitamina VIP.)
 
 
::: Minhas Mulheres, Essas Invisíveis
::: (arlã() <[email protected]>
 
Galactite
 
Era uma dessas casas de espetáculos soturnos e hoje se apresentava o conjunto Hipotenusa e Seus Catetos Atômicos. Eu a aguardava flacidamente numa távola redonda detrás de uma coluna cervical romana de onde se avistava a cidade pequena e cálida que se arrastava infectada de tédio médio contemporâneo. Ela apareceu no alto da arcada dental do lugar batendo o pó nervoso e geométrico que insistia em grudar no seu vestido de plumas e patês culinariamente espalhados. Seu sorriso antitetânico resplandeceu feito hino nacional de republiqueta amordaçada e deu luz aos meus lábios lúdicos e mais súditos do que nunca em qualquer tempo. Antes que eu pudesse cumprimentá-la fui empurrado de lado por um capataz ensandecido e adernei ao meu lugar de nascimento. Ele tomou suas mãos sem gelo e levou-as aos beiços molhados de histórias de batom de quinta mas não saiu nem beijo nem pedaço de queijo pois ela os repeliu dizendo não estarem abertas ao público em geral. Espectador disso tudo reuni forças que me entusiasmavam busquei algumas que já acenavam para um táxi em extinção e gritei:
 
- Galactite !
 
Ela voltou os olhos desligando o turbo compressor dos cabelos e balbuciou meu nome que escorreu pela sua piteira projetando-se feito fogo fátuo no carpete colorido com as cores sensacionais do Dínamo de Zagreb. Vitória afinal e o garçom trouxe amostras grátis de Viagra beans. Perguntei então a ela qual a razão de tamanha empáfia cuja resposta veio cortada em fatias desordenadas no mesmo momento em que monitorava seus cotovelos aveludados de verão afastando levemente as pessoas ainda interessadas na sua conta remunerada e isenta de CPMF. Algumas delas mais renitentes fizeram com que minha interferência fosse prontamente concretizada no que pincei gotículas brilhantes de sangue O+ da minha bota tailandesa. Decidimos ir para outro lugar e quando todos pensavam que íamos nos levantar ficamos ali mesmo e confusos passaram a prestar atenção nas músicas quadrifônicas.  Pelo pouco tempo de convivência e conhecimento juramos amor materno até o dia vir ver os estragos de mais uma noite inviolável de Natal.
 
 
::: Poema que Pensei no Ônibus
::: Alexandre Carvalho <[email protected]>
 
Tenho quatro flores sagradas
plantadas no jardim da memória:
minhas namoradas;
todas lindas e fugidias.
Do adubo de que se nutrem,
e passam seus dias,
e riem
suas breves alegrias,
grande parte da merda é minha.
 
 
::: D i á l o g o s   I n e s q u e c í v e i s
 
Sir Bedevere: "Por que vocês acham que ela é uma bruxa?".
Aldeão: "Ela me transformou num idiota".
Sir Bedevere: "Num idiota?".
Aldeão (depois de olhar para si mesmo): "Bom... eu já sarei".
Populacho: "Vamos queimá-la!".
Sir Bedevere: "Calma! Calma! Tem jeito da gente descobrir se ela é mesmo uma bruxa".
Populacho: "Como, ó sábio Sir Bedevere?
Sir Bedevere: "Digam-me... o que é que vocês fazem com as bruxas?"
Populacho: "Queimamos".
Sir Bedevere: "E o que mais vocês queimam, além de bruxas?".
Aldeão: "Éééé... madeira?".
Sir Bedevere: "Então por que é que as bruxas queimam?".
Aldeão (falando bem devagar): "Porque... são feitas de... madeira?".
Sir Bedevere: "Isso mesmo".
Populacho: "É isso mesmo!"
Sir Bedevere: "Nesse caso, como podemos saber se essa mulher aí é feita de madeira?"
Aldeão: "Fazemos uma ponte com ela!".
Sir Bedevere: "Ah... mas também podemos fazer pontes de pedra, não é?"
Aldeão (confuso): "Ah... sim, é verdade...".
Sir Bedevere: "Madeira afunda na água?".
Populacho: "Não, madeira flutua! Joguem ela no poço! Amarrem um peso nela e joguem ela no poço!".
Sir Bedevere: "Calma, calma. Digam-me: o que mais flutua na água?".
Populacho: "Pão! Maçãs! Igrejas! Pedregulhos!".
Rei Artur: "Um pato".
Sir Bedevere (muito impressionado): "Exato. Então, pela lógica...".
Aldeão (puxando a ponta da túnica): "Se ela... pesar o mesmo que um pato... então... ela é de madeira".
Sir Bedevere: "Portanto...?".
Populacho: "Ela é uma bruxa! Um pato! Arranjem um pato!".
 
("Em Busca do Cálice Sagrado", filme do Monty Python)

 
::: Teoria da Distribuição de Renda
::: (ou “Foda-se a Humanidade, Porque A Consciência de Deus Está Tranqüila")
::: Renata Parpolov <[email protected]>
 
E Deus Criou O Homem, À Sua Imagem E Semelhança. isso quer dizer que Adão, o Peladão, era rico, belo e inteligente. e Eva, a Primeva, era rica, bela e inteligente, sem celulite, sem estrias, não menstruava, não engravidava, não tinha pinto e não fazia frescura pra engolir. imagine essas duas belas e perfeitas criaturas desfilando nuas pelo paraíso, sem pecado, sem juízo e cheias da nota. não ia demorar muito pra alguém ficar com inveja e botar um básico olho gordo.
 
Já que não havia muita gente existente na época, fica fácil levantar suspeitas.
 
HIPÓTESE 1 - Foi Lúcifer, que revoltado por ter tomado um capote celeste e ser rebaixado às profundezas, decidiu dar uma de filho mais velho com ciúmes do irmão mais novo, e colocou vidro moído na papinha.
 
HIPÓTESE 2 E MAIS PROVÁVEL - Foi Deus, que inconformado com a beleza de Sua Criação, ficou com inveja. combinou tudo lá com o Tinhoso, que também é filho de Deus, e sem mover uma palha nem levar a culpa por isso, assistiu a desgraça da humanidade. o resultado: eles deixaram de ser tão perfeitos assim. ficaram pobres: tiveram que ganhar o pão com o suor do rosto deles. entre outros defeitos, claro. mas Deus, arrependido de sua má conduta, e realmente convencido de que a inveja é uma merda, decidiu criar apenas três tipos de ser humano, com as qualidades distribuídas entre si. desta forma estaríamos salvos de Sua Divina Inveja, e Ele estaria finalmente em paz com Sua Perfeita Perfeição E Pureza De Sentimentos. assim, tudo teve início.
 
TEORIA - existem 3 tipos de ser humano, a saber: ricos, burros e feios; pobres e inteligentes; pobres e bonitos. partindo deste princípio, é possível explicar a conduta da humanidade inteira.
 
rico, burro e feio - s.m. - pessoa que possui dinheiro. dinheiro compra tudo. compra amizades, compra beleza, compra saúde, compra amor, e se não compra sentimentos sinceros, bem, e? na frente do rico, qualquer pobre tem senso suficiente pra manter o decoro e elogiar as qualidades mais inexistentes. e não me venha com ideologias de "eu não me vendo", porque você VAI ter que acabar se vendendo um dia pra um rico. e se não precisar se vender, não é por ideologia: é porque já é rico. e burro como a mais relinchante dançarina de axé. e feio como a privada do capeta.
 
pobre bonito - s.m. - pessoa que não possui dinheiro, mas dispõe de uma beleza física estonteante. ou ao menos estonteante o suficiente para iludir um rico burro (o que não é muito difícil, afinal). não dispõe de tanta inteligência quanto um pobre inteligente (a seguir), mas é consciente de sua beleza e sabe como extorquir um rico, seja fazendo o que a natureza mandou, seja casando com o rico, engravidando deste, ou mesmo nem sequer tocando nele, fazendo-o apenas apaixonar-se brutalmente. geralmente esse tipo de pessoa é considerada escroque e oportunista. enriquece rapidamente, mas não por muito tempo. falta uma certa inteligência para fazer a grana durar.
 
pobre inteligente - s.m. - pessoa que não possui dinheiro, mas sabe se virar. não teve a graça de nascer tão bonito assim, mas não precisa disso: ganhou um pouco a mais de cérebro, que é sempre utilizado com o objetivo de lesar o rico de alguma forma. na verdade, o pobre inteligente é quem manda no mundo. com sua alta capacidade cerebral, consegue extorquir ricos de vários níveis, enriquecendo e garantindo sua sobrevivência. infelizmente não consegue passar essa característica para seus filhos, que nascem ricos, feios e burros, propensos a gastar todo seu dinheiro com sua feiúra e burrice.
 
qualquer pobre, bonito ou inteligente, sabe muito bem explorar um rico, das mais sofisticadas formas. mas nem é preciso tanto, como poderemos ver a seguir.
 
uma das formas mais patéticas da extorsão é o mecenato. um pobre qualquer, um dia, decide ser sustentado. e compõe uma canção brega, pinta um quadro ruinzinho, desenha umas roupas chués, escreve um livro de merda. leva lá no rico imbecil mais próximo, que, com medo de se passar por (mais) burro, elogia aquela porra e chama de "arte", diz que é "uma maravilha". e patrocina viagens, shows, exposições, impressões de livros, entrevistas nos jornais. e todo mundo à sua volta baba no tal "artista". já havia sido dito que dinheiro compra opinião, certo? então todo mundo vai ouvir a tal música de merda, achar os rabiscos o máximo, paga  mundos de dinheiro nas tais roupas patéticas e passar noites discutindo o tal livro de merda. afinal, quem vai ter coragem de dizer que aquilo tudo não presta? ninguém, oras (bando de puxa-sacos). e o pobre lá, rindo e nadando em dinheiro. dizem que o capitalismo consiste na exploração do pobre pelo rico, mas quem falou isso subestimou os pobres. não há nada mais maléfico do que a inteligência de um pobre com fome, filhos ou mesmo um simples carnê pra pagar. e assim caminha a humanidade: os pobres, donos do mundo, explorando os poucos ricos que riem bobamente, compartilhando da opinião de Deus de que tudo está bem. pensam que o dinheiro deles é tudo. e não é mesmo? venha e explore você também.
 
existem os miseráveis. mas alguém sabe me dizer o que acontece com um rico largado no meio da floresta amazônica? morre, gente. morre mesmo, porque não sabe se virar. a existência dos miseráveis no mundo pode ser explicada, talvez, porque Deus quis tentar a evolução dos ricos burros em outros lugares do planeta, como a Etiópia, mas esqueceu de liberar a grana e o resultado foi frustrante: um monte de gente desnutrida e burra, se reproduzindo velozmente. a experiência foi deixada de lado, naturalmente.
 
E Ele Assiste A Tudo, Tomando Suco. E Pensa Com Seus Sacros Botões: "Bem, Na Hora Que Eu Cansar Eu Mando Outro Dilúvio".
 
mas não é preciso. a gente sabe se virar. conseguiremos dar cabo do mundo nós mesmos.
 
 
::: A Fera Bela
::: Wylliam Carmo <[email protected]>
 
No escuro, atrás dos cabelos,
o olho louco da menina
louca.
 
Os pêlos do lobo em sua roupa,
o vermelho do capuz
em sua boca.
 
Unhas negras de terra,
fera morta,
a bela feliz a boca entorta.
 
Sem fome.
 
 
::: F a l a   q u e   E u   t e   E s c u t o
::: Bote a boca no trombone: [email protected]. Prestamos atenção no seu blá-blá-blá, oferecemos lencinho ao seu chororó, rimos junto com seu rá-rá-rá. Sem horário de fechamento, sem secretária eletrônica nem resposta automática.
 
“Bem, eu te mandei um texto (ou dois ?) e fiquei te pentelhando pra saber se algum seria aproveitado, mas lendo o puta tapa com luva de pelica que o Eduardo Fernandes nos deu no último Spam, me enchi de vergonha e resignação.
Realmente que pé no saco deve ser encontrar textos e mais textos sempre imersos em dores-de-cotovelo, foras, amores que nunca foram, ainda por cima recheados de citações em trechos de músicas, filmes e o caramba a quatro.
Mas acontece o seguinte, eu peguei os Spans anteriores que você me mandou outro dia, e me deparei com uma coisa ótima na edição 8: uma parte destinada às piores cantadas dadas e recebidas pelos leitores, e, no fim, uma observação/pergunta muito curiosa: cadê as mulheres que não levam fora? Por que este medo de dar a cara pra bater?”
Patrícia Kohler
 
RESPOSTA DO EDITOR: Segundo eu soube, Patrícia, Monsieur Eduardo Fernandes anda passando muito bem no hospital, cercado pelas beldades que a Trip fotografa todo mês. Mas não é que você tem razão? Mulher leva fora e pé na bunda a torto e a direito. Tá faltando assumir... (OTJ)
 
 
::: C r é d i t o s   F i n a i s
 
Editores Banda Branca:
Alexandre Inagaki <[email protected]>
Ricardo Sabbag <[email protected]>
 
Editor Estepe:
Orlando Tosetto Junior <[email protected]>
 
Colaboradores Oito Marchas:
Alexandre Carvalho <[email protected]>
Alyuska Lins <[email protected]>
B. F. Carvalho <[email protected]>
(arlã() <[email protected]>
José Roberto Pereira <[email protected]>
Renata Parpolov <[email protected]>
Wylliam Carmo <[email protected]>
 
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::: P. S.
 
1) Sempre amei o Nick Cave. Tenho todos os álbuns, desde a época em que só saíam em formato bolachão. Achei o último dele, importado, lindão. Cave sempre foi coisa que comprava sem pensar. Mas ao ver o preço... R$60,00. Mais exatamente, R$59,90... Sorry, Cave, mas meu amor tem um preço, e está abaixo dos R$30,00. Fui então ao Promocenter da Augusta e encontrei meu amor made in Zona Franca de Manaus a 25 paus. Só pra acabar de matar o meu amor: odiei o cd. (Ophélia Desdêmona)
 
2) A última descoberta em minhas perambulações internéticas foi um e-zine sediado em Campo Grande, MS: A Companhia, editado pela simpaticíssima Yvelize Wielewicki. Vale a pena conferir o trabalho dos nossos cúmplices de crime: http://planeta.terra.com.br/arte/acompa. (Inagaki)