[S p a m  Z i n e]
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    : 01 de julho de 2001
    : curitiba, são paulo, londrina, petrópolis

::: e d i t o r i a l
::: Ricardo Sabbag <
[email protected]>

Os leitores deste zine que também assinam o MOL vão me desculpar. Repito aqui o assunto trazido à tona pelo Fernando Goulart, e espero não me repetir mais do que o necessário, mas talvez inserir alguma outra informação sobre o que caso que ele tão bem tratou no último editorial.

Fernando escreveu o texto antes de ser anunciada a sentença que condena o Coronel Ubiratan, citado como responsável pela co-autoria de 102 mortes dos detentos do Carandiru, a 632 anos de prisão.

No momento, o Coronel de reserva responde em liberdade pelo pedido de anulação do julgamento, feito por seu advogado.

Como disse o Fernando, tem muita gente (muita mesmo) torcendo pela absolvição do Coronel, achando que ele não fez mais do que prestar um "serviço público" ao ordenar que a PM de São Paulo exterminasse o que visse pela frente. Afinal, quem é esse bando de bandido que fica criando confusão na cadeia? Já não basta sobreviver às custas do Estado?

À época do massacre, quando parte da imprensa destacava a tragédia, lembro da Cinira Arruda (essa grande cronista social) dizendo, no falecido Aqui Agora, do SBT: "todo mundo se assusta com as mortes dos detentos, mas ninguém se lembra do meu pai que foi assassinado por um desses que estava lá dentro". Algo assim. Como se a justificativa de se matar mais de uma centena de pessoas fosse o fato de elas terem, previamente, cometido algum outro tipo de crime. "Tem que entrar e matar tudo, mesmo". Isso não foi a Cinira quem disse.

Ora, simplesmente querem que se cumpra a Lei de Talião. Afinal, matou, tem que morrer. Estuprou, tem que morrer. Roubou, tem que morrer. Foi condenado injustamente, tem que morrer. Não tinha nada a ver com o pato, no domingo ia rezar na capelinha, tem que morrer.

Não acho que a maioria dos leitores desse zine concorde com as afirmações do parágrafo acima, assim como não creio que quem acredite em tais afirmações sinta-se de alguma maneira tocado pela eventual leitura desse texto. A lei da selva continua.

No meu primeiro ano de faculdade de Jornalismo, fui entrevistar uns policiais do COE, o Comando de Operações Especiais. Eles nos trataram muito bem, disseram que se um dia houvesse algum problema era "só procurar a gente". Foram cinco dias de convívio com o grupo especial da Polícia Militar do Paraná.

Sem ironia, a maioria dos PM se julgam heróis. Fazem justiça ganhando pouco, sofrendo com a criminalidade e até com o preconceito da própria sociedade. Num dos últimos dias com eles, perguntei a um dos mais novos qual era o maior sonho dele. "Que haja uma rebelião no presídio do Ahú e eles me soltem lá dentro com isso aqui". Isso aqui era um fuzil, que ele segurava com as duas mãos.

Cada um que tire sua conclusão a respeito do assunto.

***


::: BZZZZZ!
::: Pedro Vitiello <[email protected]>

E a mosca caiu na sopa!

Ela estava ali, na ponta do garfo, deu um salto mortal e PLOOOFFF (ok, ok, foi mais um "plof" timido, quase inaudível).

Para delírio das outras moscas ali presentes, e até dos homens, ela conseguiu a pontuação máxima! Era mais uma tarde de verão na Sibéria e as crianças tumultuavam as praias.

No bar, atolado de gente, não havia espaço nem para uma pulga (era um bar de moscas, humanos e moscas, afinal) e a pista de dança girava como um disco. O bar era originalmente para humanos. A pista era uma pista para humanos, realmente redonda e realmente igual a um disco. Brega. Ao estilo das moscas.

Nos tempos da discoteca era um bar noturno, mas com o calor daquele verão, nada mais gostoso que a companhia agradável de outras pessoas. Alias, pessoas e moscas. Pulgas não (tá escrito na frente do bar).

As pessoas gastavam fichas e mais fichas nas maquinas de lavar roupa, no canto esquerdo, e a neblina era uma forma de introspecção genuinamente noir. Mas fora isso o pessoal nem tinha tempo de estabelecer contato. Faziam apostas nos saltos das moscas.

As moscas voavam e se agitavam, de copo em copo, promovendo uma alegria contagiante. Dinheiro mudava de mão mais do que moscas de calção. Não se aproximavam das maquinas de lavar roupa. Isso jamais! Haviam ocorrido tragédias e histórias eram contadas sobre os últimos insetos que pisaram por lá (mas eram tragédias de pulgas e ninguém ficava triste muito tempo).

Em meio ao caos que ali se instalava, principalmente próximo do por do sol, havia uma mosca, de cabeça branca, que lamentava o dia que havia usado uma máquina de teletransporte.

Seu nome era Goldzzzmith, e Goldzzzmith não era uma mosca feliz. Já embriagado de Cherry Coke sem gás, tentou um papo aranha com uma deliciosa mosca fêmea que havia por lá. Ela era novinha, ainda guardava as feições de larva e parecia apetitosa, mas o canibalismo estava tão fora de moda...! Suspirou. Como ninguém olhou suspirou novamente. Nada de atenção.

Um humano dançando macarena voou por cima do bar. Ele teria dor de cabeça amanhã e não conseguiria ordenhar a vaca, lamentou-se Goldzzzmith. Pelo menos os respingos serviam como tira-gosto.

A mosquinha ao seu lado gritou, tonta de delírio. Estava de barato, e era na verdade um barato muito mal-encarado.

"Nada de Pulgas", dizia o cartaz, mas não mencionava baratos.

Sorveu mais um gole do seu copo de mosca (feito de dedal), lamentando-se ainda mais. Gostaria de ter sido uma mosca acrobática. O salário era ótimo, havia liberdade e reconhecimento, uma profissão respeitável, mas não, não podia mais lamentar. Podia ver 20 copos com seu olho de mosca, mas poderia amar (isso se o Baratão desse sopa, sem trocadilhos, e saísse de perto).

As moscas e moscos haviam sido consideradas cidadões do mundo após o décimo vazamento de radiação em Angra 5, quando algumas delas a processaram (batizada em homenagem aos outros quatro que haviam explodido), mas nunca haviam tido um reconhecimento adequado dos humanos. As pulgas estavam tentando, mas elas eram pulgas e ninguém quer uma pulga como igual. Nem baratas. Mas as baratas eram ameaçadoras.

A mosquinha simpática olhou impressionada para a tatuagem de Goldzzzmith. Era impressionante, principalmente se você considerar que estava em um braço humano, coisa incomum em uma mosca de tamanho comum. Ele odiava o braço, mais do que pulgas e moscas acrobáticas.

Tinha uma carteira do inss que lhe dava vida de inválido. Podia pegar ônibus (não por causa da carteirinha, mas porque conseguia fazer sinal) e as vantagens paravam por aí. Podia usar relógio, mas nunca conseguia enxergar as horas. Podia segurar um copo, mas não se alcançava. Podia fazer muque, mas nem humanas e nem moscas achavam aquela mosca grudada num braço sexy (e as que achavam eram muito depravadas). Uma vez teve uma namorada (mosca) que dizia que ele tinha a mão pesada quando fazia carinho. Morreu disso, coitada. Ele era sempre mal visto, mesmo que tivesse 5 outras patas saudáveis.

Era um dia daqueles. Deprimido, pegou seu guarda-chuva e retirou-se ao som das Mallandretes.

A vida iria melhorar. Tinha certeza. Iria demorar mas ele sempre podia aprender acrobacias. Resolveu começar a treinar logo. O mais breve possível, e enquanto ia para a porta, saltitou e pulou. Foi pisoteado. Uma só solada. Mosca que é macho não saltita como uma pulga impunemente. Nem uma mosca de braço e cabeça branca saltita sem levar pisão. Mesmo sendo mosca, não pulga. Moscas saltam, pulgas saltitam e pulam. Todos sabem a diferença.

Só moscas no bar. Somente humanos, moscas e baratões mal-encarados. Pode ler na placa lá fora.


::: N a v e g a r   I m p r e c i s o

Mesa Quadrada
http://www.mesaquadrada.hpg.com.br
Sensacional. Acompanhe a discussão dos principais eventos esportivos da semana lendo os comentários de gente de gabarito como Jair Beirola, Almeidinha, Torresmo e Tia Wilma. Veja quem foi o Bundão da Semana e opine sobre o pior jogador de futebol de todos os tempos. Eu falo pelo verdão coxa-branca: o centroavante JÉTSON (isso mesmo) foi, durante anos, o único artilheiro com menos gols que o beque central. E tenho dito.

Wilza Carla
http://sites.uol.com.br/wilzacarla
Uma tentação para seus olhos. Que Carla Perez o quê! Dados biográficos, histórias do tempo do onça e fotos (sim, fotos) sobre a maior (descubra o sentido literal) atriz brasileira de todos os tempos, hoje com 68 anos.
 
359online
http://www.359.cjb.net
Revista quinzenal produzido pelo pessoal de comunicação da PUC-RS, no ar há três anos. Vale a pena conferir o trabalho da galera!


::: Notícias que não se publicam num jornal
::: Suzi Hong <[email protected]>

Maria Lúcia era uma moça inteligente, polida, extrovertida, culta, esguia
até que bonita
e tinha alguns defeitos pouco perdoáveis:
era teimosa mula tinha memória seletiva e se metia a escrever
escrever escrever
escrever ESCREVER compulsivamente
uns pensamentos nada inteligíveis todo errado
às vezes pintava o cabelo de ruivo e xingava a mãe do padre e do diabo
gastava desavergonhados reais com vinhos tintos e charutos hoyo del monterey
acordava chutando a parede arrancando o telefone computador despertador da tomada
falava chorava mordia com os dentes-punhos cerrados seus lapsos de esquizofrenia sadia
lúcida consciente febril pontiaguda e assimétrica demais
para um pobre mortal como

João Paulo, cidadão exemplar, honesto, cauteloso, consciente, bem informado
até que charmoso
e tinha alguns calos nada discretos:
era chato se sonolento lento se mal alimentado
tinha o quarto todo bagunçado gostava de colecionar revistas velhas
dormia depois de dois copos de cerveja usava cueca com furinhos
mas poderia ficar horas a fio dando lições sobre Akira Kurosawa e Rubem Fonseca.
Assim como Maria Lúcia, gostava de escrever, porém, com  Par   Ci   Mô  Ni  a
veja bem esta metáfora poderia ser melhor não queria se repetir em seus
poemas, crônicas, contos, resenhas muito bem traçadas
em suas entrelinhas sutis, irônicas e elegantes demais
para uma pobre mortal como

Maria Lúcia. Sim a mesma, a tal, a que quase atropelou um velho
alegando que o tal transeunte não era dotado de imaginação.
O homem velho em questão era o avô mais querido de João Paulo
que presenciou a cena e, não fosse ele um cidadão sensato,
teria dado umas boas palmadas na moça de carro e cabelos vermelhos
teria comido-lhe os lábios, apertado com força seus seios que sorriam do decote
invadia-lhe o carro, trancavam-se os dois no meio da rua e
despachavam o pobre velho assustado pra casa - chamem um táxi, por favor.

Pensamentos se comunicam? isso é filosofia barata dos que vendem o poderrr da mente.
O cheiro de cada olhar insensato cúmplice desde o primeiro instante
o foda-se que quase explode na boca
a vontade de se morder com as unhas tocar com indelicadeza moribunda
pele cabelo pêlos rosto cada cor do que é irracional
e parar os transeuntes de um pacato bairro da capital paulista.

L'amour? Let's talk about this later.

Maria Lúcia escreveu algumas dúzias de páginas sobre o bicho:
defende ferrenha a tese de que o amor é uma invenção idiota
e rende-se desgostosa-quase-chorona e desfrutável ao amor que
João Paulo diz existir somewhere over the rainbow.

E os dois dançam agarrados ao som de Ray Charles a mesma música
despejando mutuamente em seus ombros
um pedido quase um sussurro envergonhado
de que ambos estejam sem razão nenhuma em suas teses inúteis
defeitos pequenos grandes idiossincrasias incompatibilidade anulável.

Até que Maria Lúcia era bonita.
Até que João Paulo era charmoso.

É... acontecem coisas deste tipo nessa cidade.

Quem falou em amor? Give me a break.
O dia dos namorados já passou e finais felizes só em último capítulo de novela das 8.
Trata-se apenas de uma história, destas que nem rendem
anúncios nos classificados de jornal de bairro
um bairro calmo quase anônimo aqui da cidade de São Paulo.
Nem mais, nem menos.


::: Sonhos sonhos são
::: Renato Aydes de Almeida Junior <[email protected]>

Carência afetiva, distância extremamente grande entre mim e meu novo amor, sou talvez só mais um louco que acha que pode colaborar com este zine. Infelizmente é isso mesmo; meu sonho é ter um texto lido por algum número significativo de pessoas; ah, essa carência.

O amor é uma coisa estranha. Quando amamos queremos não amar, porque dói. É dói muito. Dói quando damos o último beijo da noite, em frente ao portão da casa dela, dói quando ela liga e diz que não vai dar para sair no sábado porque vai ter festa de uma amiga do trabalho, dói quando a achamos distante mesmo estando ali no banco do passageiro do carro emprestado pelo pai.

No entanto, quando não amamos, passamos muito tempo reclamando por isso e não fazemos outra coisa a não ser olhar requisitadoramente para todas que passam por nós(obs.: quase todas). E ficamos atrás de alguém que enfim seja o Grande Amor de nossa vida. Pura mentira... Nunca existirá o Grande Amor de sua vida, há sempre a chance de se encontrar alguém mais legal e atraente na próxima sessão das duas da tarde do Eldorado.

O quê? Não ir, então, à próxima sessão da duas? Que é isso? Me negar a viver só para não encontrar mais ninguém?

É isso aí, esse é o conselho. Se você ama, não saia de casa, não vá a shoppings, cinemas, teatros, bares, etc, sozinho. Fique em casa chorando a falta de sua doce e linda "Dulcinéia" (sei lá porque do nome). NÃO VIVA! Agora se você não ama vá atrás, há sempre alguém a sua espera n´algum lugar.

Psit, esse texto é só um devaneio de um ser que acha que ama, que se sente carente, que quer fazer amigos e ter sua página visitada. É só um sonho que eu tenho, de um texto lido por mais alguém além de mim. E sonhos, sonhos são.


::: L i s t a s   A b o b r o l
 
:: 5 melhores batatinhas-fritas de todos os tempos
:: Ricardo Nishizaki <[email protected]>

1) Batatinha frita Hop-Hop, que o extinto (no Brasil) KFC fazia. Legal comer batatinha que sorri. Pouco importava o sabor.

2) Batatas curly do extinto (no Brasil) Arby's. Pimentada e enrolada, fazia com que mais sal grudasse nela. Hmmmm... ai minha hipertensão!

3) Batata frita Chiang. Certa vez fiz um teste de degustação em casa com batatas do tipo "embaladas" com sabor natural. Me senti um sommelier. Divino. A chiang, que eu tinha comprado por curiosidade, ganhou. Sequinha, crocante e na espessura correta.

4) Pringle's. A transgênica, óbvio.

5) Bob's. Só pra deixar a do McDonald´s de fora e acabar com esse mito! E, sendo sincero, prefiro a do Bob´s mesmo...


::: Lobinho Galileu (porque tem coisas que só um bichinho faz pela gente)
::: Carolina Linden <[email protected]>

Conheci Galileu assim que cheguei em Petrópolis. Estava ainda dentro do carro do Bruno quando aquele lobo saltou sobre o capô e começou a lamber o pára-brisa, para desgosto do dono.

- Galileu! Desce daí agora! Pedro! Tira o Galileu de cima do carro! Vai arranhar a minha pintura nova!

- Galileu, desce.

E ele, por mais incrível que pareça, obedeceu. Ah, se fosse minha gata siamesa... Eu ia ficar rouca de tanto berrar e ela nem se abalaria. Cachorros são estranhos. Cachorro não, porque Galileu não era um simples cachorro, como um poodle; era um lobo, e daqueles bem bravos, que só de ouvir os latidos a gente já foge com medo.

- Carol, você não vai sair do carro ?

- Com esse lobo rondando? Daqui, eu não saio.

- Menina, deixa de exagero. O Galileu não é um lobo, é só um pastor alemão. Olha como ele é carinhoso... - Pedro disse isso sendo lambido na perna.

Namorados são pacientes e eu sou de fato exagerada. Tudo bem, então Galileu não era um lobo ameaçador, era apenas um lobinho, desses de desenho animado, quase bobo e muito carinhoso. Não que eu interprete aquilo que ele fazia exatamente como carinho, mas já que me disseram, eu deveria concordar (pelo menos naquela hora). Finalmente saí do carro e subi correndo a escada até a casa debaixo de uma chuvinha querendo engrossar e um frio maior que o meu casaco de linha segurava. Galileu ficou trancado do lado de fora.

- Tadinho dele... Está frio lá fora.

- Se você quiser, eu coloco ele aqui dentro. Só deixei no jardim porque achei que você iria preferir assim.

- Achou certo. Preferir, eu prefiro, mas ele deve estar com frio.

- Carol, você alguma vez leu no jornal que um pastor alemão desse tamanho morreu de frio em Petrópolis?

- Não... Mas ele deve estar com frio.

O termômetro marcava 13ºC e eu não tinha nenhuma razão para duvidar dele. Resolvi deixar o frio do lobinho de lado e providenciar para que eu me mantivesse aquecida. Vesti um casaco de lã e voltei para a sala, os meninos tinham aberto uma garrafa de vinho e o fondue de queijo estava quase pronto. Meu frio passou de vez, enquanto Galileu continuava latindo no jardim.

Acho que tem coisas que não compreenderei em tempo algum. Tenho duas gatas no "apertamento", uma siamesa e uma street cat. Estou acostumada a dormir com elas enroladas em cobertores de lã nas noites de inverno. Tudo bem, era outono. Porém, as noites de outono de Petrópolis (pelo menos as que tive a oportunidade de passar lá) não se comparam às mais frias madrugadas invernais cariocas. É inconcebível ter um animalzinho de estimação e deixá-lo no frio, pelo menos para mim. Se bem que o lobinho nem era tão inho assim... Tentei imaginá-lo dormindo no quarto e achei prudente que ele ficasse do lado de fora quando percebi que a cama seria pequena demais para nós dois.

Na hora em que fomos dormir tinha esfriado ainda mais, o vinho e a lã não surtiam o efeito anterior e a chuva soava mais forte caindo no telhado. Reforcei o aquecimento do quarto com uns três cobertores e tudo se acertou. Até o amanhecer.

Quando o sol começou a brilhar, expulsando o foggy matinal e invadindo o meu quarto, os cachorros começaram a latir desesperados. Acordei assustada, achando que algo acontecia por ali. Arrastei-me até a sala, com aquela cara de quem acabou de acordar, para comer um sanduíche e descobrir o que causava tanto barulho.

- Bom dia.

- Ótimo. Que horas são?

- Onze e vinte. Como dorme a princesa!

- Por que tanto barulho a essa hora da madrugada?

- É o nosso despertador natural. Serve para avisar que estamos dormindo demais e que ele já está com fome. Nada que um prato de Bonzo não resolva. Pode deixar, o Bruno já providenciou tudo. Vamos para a sala?

A galera tinha incorporado um espírito intelectual e resolveram todos estudar. Eu estava saindo de uma semana de provas quase cansativa e queria descansar; tendo em vista a falta de companhia e de opção, fui ler um livro de História e fazer uns exercícios atrasados para a escola.

Percebo uns ruídos estranhos na janela e um focinho úmido na minha perna. Era o lobinho, forçando uma entrada por onde ele jamais conseguiria passar. Depois de muito tentar, sem o menor sinal de sucesso, deixou-nos de lado e foi brincar com sua mãe no jardim. Bruno e Pedro se empolgaram com a brincadeira de Galileu e puseram-se a lembrar das estripulias do cachorro, desde a época que eles também tinham gato em casa.

- Devia ser um zona - resumiu sabiamente Renata.

Um fim-de-semana bastou para que me acostumasse com os barulhos de noite, os latidos de manhã cedo, os focinhos invadindo a sala pela janela, a corrida casa-carro-casa na hora em que saíamos e o saco de comida na cozinha. Era como se sempre tivesse convivido com ele - do lado de fora. Infelizmente o domingo chegou rápido demais e tivemos que voltar para o amado, barulhento, poluído e quente Rio de Janeiro. Galileu estava triste com nossa partida. Certamente estava.

- Ele sempre fica assim quando as pessoas vão embora, acho que não gosta de ficar sozinho.

- Tadinho, olha a carinha dele...

- Também não precisa exagerar, Carol. Na sexta, ele era um lobo. No domingo, já virou tadinho?

- Tadinho dele que vai ficar sozinho!

- Desiste, Pedro. Eu desisti e estou com a Renata há oito meses. Deixa rolar.

Galileu devia estar com aquela carinha por saber que era nossa despedida. Nunca mais o veríamos e sequer poderíamos imaginar.

- "Carol, você alguma vez leu no jornal que um pastor alemão desse tamanho morreu de frio em Petrópolis?"

Galileu era indestrutível, não era plausível pensar em sua morte. Por mais que a casa estivesse protegida com suas trancas, cadeados, correntes e alarmes, o que na verdade a mantinha intacta era a presença ameaçadora do lobinho. Que viraria Lobão Mau se necessário fosse para defender o nosso paraíso perdido, que deixava distante os engarrafamentos da cidade.

Nós voltamos e o lobinho ficou.

Passei muito tempo sem notícias suas, o que era um bom sinal. Notícia ruim chega ligeiro. Não pensava em Galileu rotineiramente, ele naturalmente surgia sempre que me lembrava dos dias na serra, minhas pequenas férias de outono.

Muito tempo depois, mais de um mês para falar a verdade, toca um telefone em Copacabana. Era de manhã cedo, entre sete e oito horas, de uma sexta-feira. Mariana ignora o estridente ruído, coisa que eu também faria se algum infeliz me ligasse tão de madrugada. Ouviu a voz de sua mãe e acordou assustada, provavelmente adivinhando o que viria.

- Meninos... - a voz enrolada e as lágrimas lavando as bochechas - tenho uma notícia horrorosa... O Galileu... Ele... Ele...

- O que houve com o Galileu, mãe?

- Ele morreu... Caiu na piscina e se afogou... O vizinho acabou de ligar...

Foram suas últimas palavras antes do choro familiar coletivo.

Não consigo imaginar como foram os próximos dois dias em Petrópolis. Fiquei sabendo na própria sexta-feira, de noite, sentada no bar de uma boate, bebendo uma Diet Coke. Mary estava arrasada. Eu prometi-lhe, então, que ainda escreveria a história daquela sexta fatídica, mas ela levou mais na brincadeira que a sério.

Tentei diversas vezes, reescrevia sem encontrar uma homenagem decente, à altura do lobo. Voltando para a escola depois do almoço, vou pensando em Galileu no meio de uma tumultuada de Rio Cidade rua Voluntários da Pátria. E no meio daquela zona, poeira entrando nos olhos e barulho de britadeira fazendo doer a cabeça, encontro a solução. Sinto falta de um notebook para escrever o que seria o rascunho definitivo. Mas cheguei logo em casa e deu no que deu.

Hoje é terça e sábado vou a um churrasco em Petrópolis. Tudo estará como nós deixamos, exceto o lobinho, que não estará latindo, lambendo o pára-brisa do carro ou tentando entrar na casa pela janelinha. Mas fora isso, tudo o mais deve ir bem.

...

- Galileu! Desce daí agora!


::: Novamente
::: Ítalo Gusso <
[email protected]>

Incondicionalmente estou amando você. Mais forte do que eu imaginava, sentia, percebia, ou até mesmo queria.

Pensamentos se perdem nas tardes, nas noites notívagas que ando passando. Dentro da noite o sono não esta vindo; a noite anda veloz. Semelhante a tudo que se instalou aqui dentro.

Dói saber o que sinto

dói saber a proporção

dói saber que nada posso fazer, que estou impassível nisto.

Dói sentir

dói.

A chuva cai lá fora, e o dia não amanhece apesar da velocidade em que andam as madrugadas. As palavras já não soam mais como antes. A inspiração de belas palavras quedaram e quedam na resignação do coração calado e dolorido... agora, nesse momento exato, nesse dia chuvoso, nessa madrugada, peço a Deus para voltar a ser criança e poder me refugiar naquela cabana feita de cobertor e passar um bom tempo indolor e sem nada... sem pensamentos, lembranças, sem rosto, sem sorriso, sem cheiro, sem tato... sem mim mesmo...

Ando, corro... nada adianta, imagens passam como um filme... seu sorriso permanece aberto entre os lábios. Cai a chuva, molha a janela, pingos escorrem lentos e silenciosos.

Fecho os olhos, tento esquecer do filme... e nada, ele esta aqui dentro, dentro da retina, do coração, do pulso.

Presto atenção em outras coisas. Tudo recai sobre você... uma boa notícia, um raio do sol, uma lembrança, um convite... a lua.

Peço a Deus novamente que me leve a ser criança. Ou que me faça adormecer lentamente. Confesso, você esta sendo mais forte. Muito mais forte que Deus e que meu sono.

Uma lágrima cai, lenta e silenciosa, semelhante à chuva na janela.

A vontade de ficar junto de você é mais forte do que qualquer tipo de desculpa que eu tenha aceito. Infelizmente mais forte do que qualquer história ou explicação negativa que eu tenha recebido, ouvido e sentido.

Onde está minha alegria, meu cansaço?

Desculpe-me por tudo isso.

Sem rastros de drama. sem drama. sem manha. sem manhãs.

Queria agora poder engolir todas essas lágrimas, ir até seu encontro e te dar um abraço. O maior abraço do mundo. Debruçar sobre seu ombro e me acalmar. Queria poder agora afagar seu cabelo, olhar nos olhos, fazer você adormecer.

"O que está sentido em mim, comigo ficará guardado, se lhe dá prazer te peço apenas um favor, se puder. Não me esqueça em um canto qualquer"

E hoje, mais uma vez, você estava linda.

Linda e infelizmente intocável.

Vai, corre. Sê feliz! Longe dos olhos meus: sê feliz.

E da ansiedade pelo ter, passei para vontade desgarrada do esvair... tudo o que sinto.


::: Novelinha barata em alguns capítulos - Capítulo VII
::: Mateus Potumati <[email protected]>

. trilha sonora .

|+| garagem 69; convidado: o mala do Supla - precariamente via real audio direto de www.garagem.net.
|+| jimi hendrix: first rays of the new rising sun.
|+| itamar assumpção: beleléu e banda isca de polícia.
|+| sepultura: beneath the remains.

alguma coisa diferente ia acontecer naquele dia, definitivamente. peguei o elevador com esta determinação e fiquei me olhando no espelho, bem nos olhos, dizendo mentalmente a mim mesmo "não seja um bunda-mole, Chico. você pode, você vai". não sabia o que, mas eu ia. seria insubmisso, arrumaria uma briga, seria simplesmente diferente do que era sempre. e um ímpeto auto-destrutivo (ou auto-preservativo, sabe-se lá) dentro de mim torcia secretamente para que isso acabasse em demissão.

subiram comigo pelo elevador mais duas pré-adolescentes. uma era gordinha e atarracada, com tranças que a deixavam parecendo um personagem de seriados infantis mexicanos. a outra era mais alta e apesar do excesso de roupa por causa do frio era possível notar que o corpo já tomava as formas de mulher. eu fiquei no canto dos botões e elas se encostaram do outro lado, em frente ao espelho.

minha barba estava grande naquela época e talvez isso contrastasse um pouco com o gato embaixo do meu braço. sei lá. o fato é que, quando percebi, instaurou-se aquele silêncio tremendamente constrangedor de elevadores. nem com vários anos de rotina, subindo e descendo inúmeras vezes pelo mesmo elevador, se consegue evitar a sensação ruim, quando ela vem.

as duas garotas deram uma olhada ao mesmo tempo para mim, enquanto eu ainda mirava o espelho. percebi pelo reflexo que a mais alta fez algum comentário olhando em minha direção, possivelmente a meu respeito. elas não perceberam que eu as via e deixei que continuassem por mais uns segundos. virei-me, então, de uma vez, e as garotas abaixaram a cabeça. a gordinha deu uma olhada de lado para a mais alta, que quis começar a rir, mas segurou. como era de se esperar, a gordinha foi a primeira a não agüentar. começou a soltar o riso pelo nariz. em seguida, foi a vez da outra, que virou de costas para o canto do elevador em uma última tentativa inútil de esconder o riso.

logo as duas gargalhavam abertamente. a gordinha chegou a perder a força nas pernas e se ajoelhou no chão, chorando de rir. riam tanto que ecoava pelo fosso do elevador. eu também ri, que remédio. ataques de riso são a melhor reação possível ao contrangimento de elevadores.

                             *
                            
sétimo andar, como sempre. fui até a porta, respirei e dei uma olhada geral no ambiente. porra, que deprimente. entrei, a Sandrinha me viu primeiro, e franziu a testa em descrença, apontando para o gato.

- o que é isso, Chiquito?
- hmn... me venderam como sendo um gato.
- sério? meu Deus, eu jurava que fosse um laptop!
- hah.
- mas por que você trouxe um gato pro trabalho, Cristo?
- ih, história longa. outra hora eu te conto.
- sei. onde você arrumou?
- arrumei o quê, eu comprei. numa feira de animais lá do shopping.
- comprou?! meu Deus, a Paula realmente acabou com você. mas é isso aí, depois do que você fez ela tinha mais é que te foder mesmo, já faz tempo que eu venho te dizendo isso. por que os homens sempre fodem com tudo, meu Deus? ... [enquanto a Sandrinha ia falando, e ela falava muito, e muito rápido, pus calmamente o gato no chão, arrumei um papel e coloquei um pouco de areia-de-mijar-e-cagar em cima. o gato abaixou-se na hora e expeliu um troço(ô) pequeno, mas fedorento como só os filhotes são capazes de fazer. peguei um copinho de plástico e deixei um pouco de leite quente também. durante todo o tempo ela me seguia e de vez em quando eu ouvia alguma palavra como "lição", "injustiça", "cachorrada", "ridículo" e "colheu o que plantou", coisas que cabiam a uma garota franca como a Sandra dizer naquela hora e a um cara bacana e sensível como eu fazer de conta que ouvia]... e se a gente for ver, no final das contas o Abbey Road é o melhor disco dos Beatles, mesmo.
- o quê?!
- o Abbey Road é o melhor, no final das contas.

nisso, entra o chefe. o chefe chefe, da redação. a Sandra pára de falar. ele me chama, "Chico, externa pra você". o repórter do Cidades tinha sido mandado embora, então eles queriam que eu fosse cobrir um estupro seguido de duplo homicídio no Parque Universidade. ele já vai me dando as coordenadas, Rua Florindo Baú, número tal. eu não quero ir, não é certo que eu vá. não tenho nada contra esse tipo de matéria, aliás foi por ali que comecei. mas desde 1990 fui promovido para a editoria de cultura e não faço mais reportagens assim. é uma disputa ideológica, sobretudo. "eu não vou". o chefe não escuta, e continua explicando como faço pra chegar no lugar. ele, contudo, pára quando seguro suas duas mãos, olho em seus olhos e digo alto e claramente:

- EU-NÃO-VOU.
- como assim, não vai?
- não indo. eu sou repórter cultural, e tenho um monte de trabalho pra fazer na minha editoria. arruma outro.
- ah, meu Deus, essa agora. não tem outro, e você é o único aqui com experiência neste tipo de matéria. sua cultura vai ter que esperar.
- escuta aqui, Jener, se vocês querem acabar com o jornal não sou eu quem vai pagar o pato. tô fora, completamente fora.
- estão acabando com o jornal, me tira dessa. olha, eu também não acho certo isso, Chico. todo mundo tá puto com essa situação. mas você não tem escolha, é ir ou ir.

fiquei quieto. ele continuou tentando me convencer, mas eu estava pronto para mandá-lo tomar no cu. dei um tempo, respirei fundo. esse foi o tempo exato para eu ter uma idéia genial. o crime foi no Parque Universitário, que fica... ao lado do Shopping Catuaí! eu poderia passar lá, ir a uma certa feira de animais e tal. um sorriso abriu-se em meu rosto. o chefe ficou feliz, porque achou que eu tinha me convencido com todo aquele papo de fazer como nos velhos tempos, pegar o cavalo no laço, etc.

- tudo bem, caralho. eu vou. mas com uma condição.
- tá, fala.
- quero levar um estagiário comigo.
- pra quê? ô complicação, Chico! eu tô tirando você daqui e já tá sendo muito, imagina se tirar um estagiário. você sabe que eles tão segurando as bombas por aqui.
- então não vou, porra.
- tá bom, tá bom. vai um estagiário. mais alguma coisa?
- não, tá ótimo.

era isso. eu dava as coordenadas pro estagiário, jogava na cabeça dele alguma idéia sobre ser a sua grande chance e vazava pro shopping. perfeito. deixei o gato com a Sandrinha, peguei o estagiário e descemos pra pegar a Kombi. o dia ainda tinha salvação, ah sim.

 
::: F a l a   q u e   E u   t e   E s c u t o
::: Tipo assim... a nossa seção de cartas é mais animadinha que a do seu vizinho (a menos que a mulher dele seja uma ruiva de 19 anos exibicionista). Nesta edição: a difícil tarefa de superar seus próprios limites.

"Mil perdões pessoal, mas eu andei de férias pelo litoral paulista e por Curitiba (minha linda cidade natal), por isso não pude ler e também parabenizá-los pela excelente edição especial do dia dos namorados. Acreditam que vocês conseguiram até me arrancar lágrimas??? Até contei um dos textos para o pessoal na empresa... ehehehehhe. Parabéns de novo. Eu que não tinha passado o dia dos namorados com meu namoradinho, voltei a ficar nas nuvens, cheia de corações flutuantes ao redor. E viva os corações apaixonados! :))"
Fernanda Lima

OS EDITORES: Fer, ficamos felizes por ter propiciado momentos de emoção com o nosso especial, tanto ao pessoal da empresa quanto a ti e ao teu namorado. Agora, resta o desafio de conseguirmos criar novas edições que agradem tanto assim. Ósculos fraternais do R.S.

"Eu acho que vocês irão achar essa pergunta boba, mas não dá mais para ficar com ela na cabeça... Por que todas as pessoas frias têm que ser calculistas? Por que?? Apertos de mão virtuais (a mão está meio fria, e calculista.....)"
Ana Maria Tomei

OS EDITORES: Ana Maria, essa é uma das grandes dúvidas que assola o nosso saber. Eu mesmo acabo de me perguntar, "por que todas as pessoas que são frias são, concomitantemente (observe a erudição), calculistas?". Bem, como a gente não dá o peixe, mas ensina a pescar, eu te devolvo: Setembro chove? Vamos por aí. Amplexos friorentos do R.S.


::: C r é d i t o s   F i n a i s

Olheiros:
Ricardo Sabbag <[email protected]>
Alexandre Inagaki <[email protected]>

Peladeiros:
Carolina Linden <[email protected]>
Mateus Potumati <[email protected]>
Pedro Vitiello <[email protected]>
Suzi Hong <[email protected]>

Próxima:
Ítalo Gusso <[email protected]>
Renato Aydes de Almeida Junior <[email protected]>
Ricardo Nishizaki <[email protected]>

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P. S.:
 
1) Por motivos amnésicos, o co-editor distraído que vos escreve esqueceu-se de acrescentar o nome do grande carlãO nos créditos finais do Spam Zine passado. carlãO estará de volta na semana que vem. Enquanto isso, seus fãs estão convocados a clicar aqui para conhecer melhor nosso amigo de Goiás. (Inagaki)
 
2) O filme é bom, mas o título em português... "Brother", do diretor japonês Takeshi Kitano, recebeu o tétrico complemento "A Máfia Japonesa Yakuza em Los Angeles", que, convenhamos, é um subtítulo de singela redundância redundante. Nossas distribuidoras parecem se esmerar em rebatizar horrendamente filmes estrangeiros - o exemplo clássico é "The Sound of Music", conhecido por aqui como "A Noviça Rebelde". O assunto gerou piadas clássicas, como a lenda urbana que afirma que "Psicose" teria sido renomeado em Portugal como "O Filho que Era Mãe". Alguém mais se recorda de traduções aberradoras de títulos de filmes no Brasil? (Inagaki)
 
3) Morreu Jack Lemmon. É, ninguém é perfeito. (Inagaki)