[S p a m  Z i n e]
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    : 17 de junho de 2001
    : curitiba, são paulo, são leopoldo

::: e d i t o r i a l
::: Ricardo Sabbag <
[email protected]>

MUTATIS MUTANDIS

Espero que todos tenham gostado da edição especial do Dia dos Namorados. Eu gostei muito, apesar de ter passado a data festiva, novamente, sozinho.

Não sei até que ponto isso é ruim. Depois de um certo tempo, você vai se acostumando
a viver sozinho, sobrevivendo daquilo que meu colega Alexandre Inagaki chama de "relações McDonald's". Mata o desejo, mas não alimenta.

No último carnaval, eu, o Luiz Andrioli e o Ítalo Gusso passamos na casa de praia do Luiz em Matinhos-PR. Nossa única providência antes de pegar a estrada foi encher o Ka roxinho do Ítalo com um monte de Miller six pack, o que foi suficiente para a festa.

Foi bacana também assistir ao show do Ira! em Caiobá, diante de uma platéia mauricinha que rebolava à dança da motinha pouco antes da entrada do quarteto paulistano. "Rock n' roll no carnaval é do caralho!", gritava o Nasi.

Mas fico lembrando do Luiz dizendo que carnaval era pra se passar assim, perto dos amigos e longe das namoradas. Uma ode à solteirice. Acho, no entanto, que aquilo se tornou uma espécie de maldição também, porque nenhum de nós desencalhou desde então. Sad, but true.

Ao que interessa: tivemos alguns problemas técnicos no envio da última edição, o que resultou em parte dos assinantes receberem o Spam no domingo, como de costume, e parte receber na terça, depois dos festejos namoris.

Para evitar que esse problema nos acometa novamente, decidimos abolir a versão HTML. Ou seja: a partir de agora, não haverá mais distinções entre as edições do
[S p a m  Z i n e]. É tudo em texto sem formatação. Perdemos na estética, ganhamos na segurança. Porque, afinal de contas, pedra que rola não cria limo. Mudando o que deve ser mudado. 

***

VEM PRA CÁ BALANÇAR

Um número significativo de leitores nos enviou contribuições a fim de que sejam publicadas por aqui. Por motivos óbvios de espaço, não poderemos publicá-las todas de uma vez. Mas continuamos conclamando aos leitores: enviem seus textos, palavras de carinho, xingamentos, reclamações e dúvidas sobre o imposto de renda. [email protected]. Comunicação deveria ser como o amor: livre e gostosinho para todos.

E esta edição está recheada de textos masculinos, nenhuma participação feminina. Por quê? Absolutamente nenhum motivo em especial. Acho que nossas escribas se deram menos mal no último dia 12 do que este que vos escreve e resolveram dar um tempo das letras. Mas temos muita coisa boa abaixo, é só conferir.

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AND NOW, FOR SOMETHING COMPLETELY DIFFERENT

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::: Mais contraprova
::: José Roberto Pereira <
[email protected]>

Depois que a Lucia me usou naquela primeira vez como seu rápido boneco sexual, eu entrei em minha primeira profunda depressão. Nunca mais deixei de ser deprimido.

A depressão que se seguiu me fazia andar pelas ruas de São Paulo como se eu estivesse num corredor de cimento armado. Paredes longe pareciam perto, e coisas perto pareciam (e estavam) perto. Eu fumava pra caramba e ficava zanzando do viaduto Maria Paula, para debaixo da Câmara Municipal, pela avenida São Luis, passando pela República, caindo para a Santa Efigênia, até sentar nas escadas da estação de trem da Luz. Sempre de madrugada.Sempre de noite.

Quando as espinhas sumiram de minha cara, entrei para trabalhar no Banco Real, na Fábrica de Cheques. Quinto sub-solo do prédio ao lado do Masp. Um barulho infernal, desgraçadamente infernal, máquinas baixas, montando talonários de papel poeirento, me fazendo tossir e soltar tabaco. Emagreci 10 quilos em um ano.

Nessa época, acho que em 1984/85, eu comecei a ter estranhas compulsões. Comecei a comprar mangá e mais mangá. Meu quarto ficou entulhado de tudo quanto é tipo de mangá, Shonen Jump, Shonen Magazine. Shonen Hooker, Shonen Mother Fucker, Shonen Kenya, Shonen Bichonen, eu tive todos. Gastei fortunas colecionando mangás que eu não fazia a menor idéia do que falavam, do que se tratava a história, mas lá eu ia despejando meu salário em listas telefônicas em forma de gibi.

Eu dormia até tarde, comia pouco e ia para a rua, ouvindo um prosaico Aikoman, com uma mochila carregada de fitas cassete Basf T-160, raríssimas, com tudo quanto é tipo de disco music, funk e progressivo besta gravado. Eu subia até a Paulista a pé, pela Brigadeiro, e descia pela Nove de Julho, caindo aqui pelo Anhangabaú. Meu passo era rápido, apesar do coturno meio que feito de chumbo e pneu de caminhão, as calças largas e a jaquetona de couro. Meu pai dizia que eu tinha olhos de rato.

No Banco Real, na conferência dos talões, haviam dezenas de mulheres. Nenhuma me dava bola, porque os turnos se alternavam, quando eu entrava... elas saíam.

Mas uma noite houve hora extra das conferentes e uma coisa aconteceu. Eu saí da máquina, passei pela guilhotina e fui para fora do barulho. Eu queria mijar.

No que entrei no banheiro, fui empurrado. Bati com a cara na porta, mordendo meu lábio inferior. O chão foi pro lado e caí, batendo o peito na maçaneta da porta. Meu óculos voou longe e o ouvi quebrar, em outro mundo.
 
Alguém me catou pelo cabelos e me arrastou para dentro.
 
Senti um peso doloroso no meio de minha espinha e o ar saiu de meu pulmão, alguém estava usando o joelho em mim. Meu tórax estava querendo quebrar e eu sentia as juntas estalando, enquanto minha língua sentia o sabor ferruginoso de meu sangue. Uma unhada em meu rosto me fez voltar do quase desmaio, e um monte-de-vênus foi esfregado em meu rosto.

Ouvi risadas de escárnio, palavras esquisitas, palavrões e tomei uns tapas por tentar olhar para cima. Minha orelha inchou e senti um líquido quente saindo de meu ouvido esquerdo.

Uma coisa chegou perto de mim, uma sombra, que colocou meu óculos de volta.

Era Michiko, a conferente. Uma japonesa baixinha, parecia uma menina, mas tinha 26 anos. Rosto redondo, cara achatada, olhos apertados, com uma marca vermelha debaixo dos olhos. Ela ria ao mesmo tempo que tremia a cabeça, suando.

Me esbofeteou e lá se foram meus óculos de novo. Pessoas riram. Ela fechou a mão e me deu socos e mais socos. Pegou meus cabelos e bateu minha testa no chão. Minha cara inchou e um dente saiu, um pré-molar. Eu não sentia dor, só queria que a coisa acabasse logo, pelo amor de Deus.

Flutuei, levantado pelos braços e com o rosto torto.

Apanhei no estômago, nos rins, no peito. Aonde havia chuva, havia porrada. Minha carne, meu corpo, meu corpo magro, foi amassado pela surra. A dor não tinha graduação e eu me engasgava com meus líquidos, com minha janta que queria voltar ao mundo do lado de fora.

Rodei no ar, cai no chão e um tapete preto enrolou-se em meus olhos. Tentei dizer alguma coisa mas minha boca estava tão inchada que só saiu um apito borbulhante. No escuro, senti o cheiro de saco de lixo, de papel, de remalina, de café, de merda. Mexi meus braços mas os dedos estavam inchados, só movia mal e porcamente meus ombros. E foi usando meus ombros que me mexi por cima dos sacos de lixo, cavando passagem até a luz do
estacionamento do primeiro sub-solo.

Seu Eugênio, o vigia, passava e me viu. Eu não o vi, tudo estava vermelho. Meu sangue tomara o lugar de minhas lágrimas. Só pude levantar a cabeça, depois o tronco, me apoiei nos ante-braços e finalmente gargarejei um barulho que era semelhante a um peido diarréico.

Desabei e só acordei cinco dias depois, na Santa Casa.

O médico me disse que eu encontraram dentro de minha boca um pedaço de arame
farpado.

NOTA DO EDITOR: O primeiro texto da série acima foi publicado na edição nº 018
do [S p a m Z i n e]. Se você não a tem, solicite através do [email protected].


::: Estados mentais
::: Pedro Vitiello <
[email protected]>

"Prever catástrofes não é, provavelmente, divertido e Poliana era muito mais feliz do que Cassandra. Mas os componentes cassândricos da nossa natureza são necessários à nossa sobrevivência!"

Carl Sagan "Os Dragões do Éden" - Edição Portuguesa.

Hoje em dia temos uma necessidade premente de sabermos tudo o que vai acontecer. A velocidade com que presenciamos o cotidiano é, sem dúvida, vertiginosa e, por consequência, perigosa.

Numa época em que ninguém mais têm certeza de nada, em que antigos padrões foram rechaçados (na aparência, pois continuamos preconceituosos como nunca), que o símbolo "austero" de várias tradições foram virados do avesso, as pessoas têm uma tendência bizarra a crendices.

A razão pela qual escrevo isso é meu inconformismo com as várias formas que a ignorância cotidiana nos têm levado a um precipício de valores. Estamos a todo vapor indo em direção a um nada de profundidade, mas com uma aparência de sabedoria irritante.

As pessoas se dividem hoje em dia entre as mentirosas, as preocupadas e as idiotas:

As mentirosas são aquelas que apresentam uma solução milagrosa para tudo, uma "formula mágica" para todos os males e dores., as preocupadas se dão conta de que isso é uma falácia, e os Idiotas compram, votam ou dançam as musicas dos Mentirosos.

Não é novidade pessoas assim (mentirosas) em nossa história. No século retrasado (séc. 19) haviam "tônicos" milagrosos, vendidos como remédios universais para dor de cabeça, enjôo, náusea, gonorréia e pigarro. Um certo refrigerante escuro e borbulhante, que nada mais era que uma coisa dessas bebidas para todos os males é sucesso de venda entre os Idiotas (ser idiota é isso aí).

Outros exemplos: Raízes indígenas, curas de alquimistas milenares, chifre ou pó de animais, como tubarão e rinoceropnte, aparelhos elétricos malucos, médiuns estrangeiros (ou locais que incorporavam estrangeiros) com conceitos "avançados" sobre a energia que permeava o universo, técnicas absurdas de tortura na forma de produtos estéticos, seres de outro planeta que queriam invadir a terra (na época, marcianos), promessas de médicos e farmacêuticos que iriam trazer uma revolução na vida cotidiana, etc.

Se você notou algo de semelhante com os números televisivos "ligue-compre", parabéns, você pode integrar a linha dos "Preocupados". Se não notou coincidências, felicidades, você é uma Poliana, uma garotinha loirinha, otimista e levemente prejudicada mental.

Nós somos a espécie inteligente mais burra conhecida no universo. Admitamos. A felicidade é algo efêmero, que existe apenas como passageira, como alívio de dores. O "nirvana", a felicidade eterna não existe. Existem apenas bons momentos que podemos ter e prolongar se os identificamos e valorizamos. Não há este negócio de "Almoço Grátis".

Os Mentirosos são os mais capazes de ganhar dinheiro, que para quem não sabe, é aquela coisinha de papel que sempre falta aos Idiotas no fim do mês porque torraram em um maravilhoso tênis, ou porque votaram num Mentiroso pela segunda vez e seu país esta correndo o risco de ficar meio apagado. Ganhar dinheiro é o que multiplica o número de Mentirosos e, portanto, o de Idiotas.

Alguns Idiotas fazem questão de morar na Barra, no Rio, ou Alphaville, em Sampa. Os Idiotas de Alphaville tem um pequeno problema com pedágios atualmente, promovido pela distância da cidade que deveriam morar e pelo Mentiroso que a maioria elegeu (DUAS VEZES). Na época que se mudaram se acreditavam Preocupados, hoje muitos se veêm Idiotas.

Os Idiotas da Barra poderiam se intitular "Idiots", porque só em português não cabe tanta imbecilidade junta, então eles precisam de uma segunda língua para expressar sua capacidade de serem os IDIOTAS que são.

Os Preocupados são, ás vezes, Idiotas, claro, mas pelo menos tentam não serem e, tampouco, se orgulham de fazerem Idiotices.

A única coisa realmente em comum aos três grupos (ou seriam "posições" Mentirosa, Preocupada e Idiota, já que ninguém, com exceção de algumas atrizes e apresentadores de T.V. já apresentaram alguma vez o estado puro) é a necessidade de previsão.

Os Mentirosos tentam prever tendências e mercados para lucrar com isso.

Os Preocupados o fazem para tentar alertar os Idiotas. Geralmente não conseguem e se passam por Idiotas.

E os Idiotas tentam prever o clima para saber se vai dar praia.

Um dos efeitos disso é que popularizam instituições que se dizem Preocupadas, mas que são, ou Mentirosas, ou Idiotas (Igrejas, Seitas, Astrólogos com sotaque, Médiuns de bandas,  Técnicos e comentaristas Esportivos, Escravos da moda e Psicólogos-Sensitivos fazem parte deste tipo de organização).

Muitos vendedores, talvez a maioria, também engloba este tipo de perfil. Eles tentam convencer as pessoas que uma calça formato "saco de batata" é legal porque está na moda e você se acostuma (e só um Idiota gosta de se acostumar a vestir um Saco de Batatas), ou que o carro que você comprar vai te fazer pegar mulher ou que alcoolizado você achará qualquer mulher bonita (isso, claro, se não começar a alucinar com bundas de siris). A vida dos Idiotas é Quase linda, é quase boa, é quase feliz. Se não é feliz é
porque ainda não se consumiu o bastante. Só um Idiota para acreditar que deixará de
ser um Preocupado por ouvir um Mentiroso.

O problema é que os Idiotas acreditam no que os Mentirosos vendem. Acreditam que se fizerem tais rituais, se comprarem bilhete na loteria ou se usarem tal calça "esnobarão" outros Idiotas. O sonho de se tornarem "Mentirosos" e não simples Idiotas movimentam bilhoes todos os anos. Todo Idiota é, antes de tudo, um Mentiroso. Ás vezes fica difícil ser um Preocupado, quando o alvo de nossa preocupação, a "vitima" das mentiras, no governo, faria igual, só que de forma mais imbecil. Qualquer um que saiba como os aplicadores de golpes de rua ganham a vida sabe que, suas vítimas, são pessoas igualmente mesquinhas na maioria dos casos (há "louváveis" exceções, como as vítimas de instituições pró-determinados grupos carentes ou vitimas de doenças, por exemplo).

Só o nosso desprezo por nossas conquistas concretas para vivermos na Disneylandia dos Imbecis (ou Imbecilândia da Disney), sem nos queixarmos, comendo merda e achando lindo.

A vida melhorou um pouco, é inegável, de alguns séculos para cá. Não morremos mais porque demonios inexplicáveis atacaram a colheita ou criaram um caroço no peito da vovó. Morremos por causa de Stress. Temos armas para enfrentarmos isso, claro, mas sempre nos perdemos no discurso dos Mentirosos. Sempre deixamos de melhorar muito mais nossas vidas quando tentamos ser menos Idiotas e mais Mentirosos. A culpa é nossa por não assumirmos a responsabilidade de nos reconhecermos Idiotas, mas pelo menos
Idiotas que se Preocupam de verdade.

Um exemplo típico é o de que os homens das cavernas gastavam menos horas por dia para sua subsistência (cerca de 4 horas) do que o HOMO MODERNOS. A dona de casa do inicio do sec. 20 e uma de hoje gastam exatamente  o mesmo número de horas para lavar roupas e fazer a arrumação.

Uma coisa preocupante é o "Culto à Idiotia", com o qual os Mentirosos lucram. A idéia é a de que ser Idiota é mais fácil, portanto, ser um é sinal de inteligência e crítica social "avançada".

Ao invés de aceitarmos tudo como gado, ou sacrificarmos um cordeiro, mesmo que um "Cordeiro de Deus" em um altar ou em uma cruz, o mundo ia ser bastante melhorado se aceitássemos nossa responsabilidade e prevíssemos o futuro um pouco de cada vez, aceitando nossos enganos, sendo humildes mas corajosos, aceitando defeitos e reconhecendo capacidades que vão além de ligar para um tele-shop. Chega de discutir política como se fosse futebol e futebol como se fosse política.

Gostaria de ser menos Preocupado, e mais Idiota, apenas para poder sonhar que depende de mim, e não de quem lê, mudar alguma coisa. Pelo menos gostaria de acreditar que depende só de quem lê, já ficaria feliz. Gostaria de poder prever o futuro, de saber o que adianta e o que não, de saber se o mundo vai continuar a ser de domínio de algum Idiota-Mentiroso, ou se vai virar posse, finalmente, dos Preocupados. Gostaria de conseguir ser um despreocupado.


::: A c h a d o s  &  P e r d i d o s
::: Vergonha na cara. Grana da CPMF. Orçamento da Sudam. Lista de votação do
Senado. Tudo o que você menos espera encontrar, aqui.

LEVI QUENNEHEN PROCURA: a Mariana, irmã do Paulo, filhos da dona Kim e do "Papai", sendo estes dois últimos um simpático casal de coreanos que tinham uma mercearia próxima a escola e minha casa. A Mariana era uma gracinha, estudávamos juntos no primário, em meados da década de 70(!), na Escola Adventista do Brooklin; assistíamos Super Dínamo, A Princesa e o Cavaleiro, Ultraman e outros seriados inesquecíveis, juntos. Certa vez, tínhamos 8 ou 9 anos, o irmão dela foi tomar banho e nós ficamos sozinhos... chegamos bem pertinho um do outro e eu perguntei, sentindo nossas inocentes respirações ofegantes: "Com quem você vai se casar quando crescer?". E ela: "Com você!". Gente, Sério, foi algo inesquecível, puro, inocente, que me marcou muito! A Mariana mudou-se para o Bairro da Liberdade, aqui em Sampa, não deixou endereço, mas a criança apaixonada que existe em mim clama por notícias, mais de 20 anos depois... Mariana, você prometeu!... Respostas para [email protected].


::: Deysy
::: Y. Nishi <
[email protected]>

Ela chegou toda orgulhosa, com sua camisa do Botafogo. Tocou a campainha e eu fui atender. Era a primeira vez que  Deysy vinha almoçar na casa de meus pais e eu demorei muito para convencê-la - tinha de fazer tudo para que ela gostasse. Ela achou engraçada a idéia de assistir o jogo entre Palmeiras e Botafogo na casa do "seu Lazarini", que ela chama de Lazaroni.

Deysy tinha esse nome por causa da mãe, que o ouviu num filme americano e achou mais bonito escrever com y. Ipsilones; dois; porque, afinal, o nome é americano, não é? Eu a apresento, orgulhoso, e meu pai aperta a mão da moça com reservas. Minha mãe aperta-lhe a mão estendida, e me olha com cara de censura. Pergunta se estamos com fome. Deysy diz que sim. Vamos para a mesa. O papo revolve em torno de futebol. Deysy habilmente não responde as perguntas de minha mãe sobre estudo e trabalho, e puxa conversa com meu pai. Eu acho que ela quer conquistar o "chefe da casa". Inteligente, como sempre.

Deysy come tanto que abre o botão da calça e dá tapinhas na barriga. Deysy sempre dá tapinhas na barriga. Sempre que está feliz. Depois de arrotar, sorri e diz:

- Essa macarronada tava boa pra caralho, dona Lurdes!

Minha mãe devolve a gentileza com um sorriso amarelo, visivelmente incomodada. Mas é um sorriso, e Deysy fica mais à vontade, levanta-se e me diz:

- Vou bater um barrão.

Deysy acha que fala baixo, só para mim (ela me deixa cada vez mais contente: está se esforçando), mas ela não percebe que seu "falar baixo" é alto o suficiente para todos na casa ouvirem. Meus pais ouvem. Minha irmã mais nova ri para dentro o tempo todo.

Ajudo minha mãe a tirar a mesa enquanto Deysy está no toilette e respondo aos murmuros dela que "é o jeito dela, mãe, ela vem de família de classe média que nem a gente."

- Os pais dela são simples, e daí? Papai é de Guarulhos, a senhora é de Diadema. Nós nunca tivemos dinheiro. Não sei por que a implicância...

Deysy sai do banheiro e vai até a sala, senta-se ao lado do meu pai e dá um tapinha na perna dele.

- Tudo em ordem? - pergunta meu pai, com aquele tom que eu nunca sei direito se é de afabilidade ou ironia.

- Castiguei a porcelana, seu Lazaroni! - e ri-se toda.

Meu pai se levanta e vem até a cozinha, pegar um café. Leva um para Deysy também. Eles estão se dando bem! Que bom!

Minha mãe fica conversando o tempo todo com minha irmã na cozinha, eu fico olhando Deysy falando com meu pai. Ele fica só aquiescendo com a cabeça. Meu pai não gosta muito de ser interrompido durante os jogos do "Palestra", como ele diz. Mas ela está falando de futebol, de como o Botafogo está jogando mal e por que. Pelo menos ela entende de futebol - eu iria ficar ali, calado.

O jogo acaba 1 a 0 para o Palmeiras, o que deixa Deysy enfurecida, e ela fala alguns palavrões, durante e depois do fim do jogo. Fico apreensivo, mas lembro que o Tio Juca também pragueja bastante quando assiste jogos com meu pai. E com certeza não fica impassível quando o Corinthians perde. Deve ser coisa de quem gosta de futebol. Está desculpada, penso.

Deysy levanta e diz que vai-se indo, que ainda tem coisas para fazer em casa. Minha mãe aparece para se despedir enquanto Deysy abre o Classe A com o controle remoto (acho lindo quando ela faz isso) e diz para eu ir com ela, que ela quer me mostrar umas coisas, que quer minha ajuda hoje. Minha mãe diz qualquer coisa sobre ajudar em quê.

- Dona Lurdes, apesar do um metro e oitenta, seu filho não é nenhum Long Dong, mas dá no couro. E ri.

Minha mãe volta para dentro de casa. Minha irmã, da janela (com os pés em cima do sofá, vai levar uma bronca de mamãe), continua rindo para dentro. Meu pai fecha a cara, não entendo por que (ele deveria se orgulhar, não?) e fecha o portão. Entro no carro (que sempre cheira bem com esses sachês que ela compra) e saímos. Minha vizinha cartomante, a dona Nema, acertou em cheio, que eu ia encontrar a mulher da minha vida no emprego novo. Deysy, minha chefe, é tudo. Tudona, como ela diz. E foi a primeira mulher a me chamar de gostosão.


::: Um afeto
::: m2b <
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Não há inovação que altere a tendência do homem de querer estar com a mulher que ama - mesmo assim, talvez por isso, era inverno da alma. Foi que num mês de novembro a rua era a de uma tarde de outono, com a diferença das flores nas árvores. Ou então era o homem, criatura suscetível, que ficava como esteve naqueles tempos para sentir-se menos fora - estando de acordo com os dias, pelo menos algo tinha... O que não cultivava em si era estômago para seguir com um conviver solitário, estares unilaterais, falas dependentes de um. Apesar de apreciar os (quase) instantes a dois, imaginou que ainda
havia algo mais dentro daquela mulher, mas enganou-se, ou teve idéia errada, ou
sabe-se lá o que, julgamentos que os façam os outros, ou ela (hábito), e tudo o que ouviu, com os braços da mulher a empurrá-lo, levemente, para trás, foi que era afeto.


::: Weblogs - os escribas estão soltos
::: Nemo Nox <
[email protected]>

A mídia descobriu os weblogs. Nos últimos meses, eles foram assunto em uma infinidade de sites, revistas e jornais. O buraco da fechadura sempre atrai, mesmo quando é uma coisa consentida. Há quem acompanhe weblogs como se fossem telenovelas, querendo saber ansiosamente se a autora vai reatar aquele velho namoro ou não. Mas grande parte dos leitores de weblogs busca mesmo algum tipo de indentificação com os autores para a partir dali aproveitar dicas sobre interesses comuns que possam ter. É a fragmentação e
multiplicação dos formadores de opinião. Enquanto a estrutura da mídia pré-internet forçava o veículo grande como principal fonte de informação, hoje vemos microgrupos que se formam ao redor de ezines e weblogs. O internauta se identifica muito mais facilmente com o webwriter independente e de perfil bem definido do que com a opinião muitas vezes sem rosto dos grandes veículos. Mais confortável levar em consideração o que diz alguém
com quem nos identificamos de alguma forma (mesmo gosto musical ou cinematográfico, mesmo time de futebol, mesma cidade, etc) do que com um cronista de renome mas do qual pouco sabemos.

Um aspecto pouco lembrado é que os weblogs representam uma gloriosa volta à palavra escrita. Nos primórdios da web, por deficiências tecnológicas, o texto era uma prioridade em qualquer site - imagens estáticas demoravam uma eternidade no download, e sons ou filmes eram um luxo impensável. Numa sociedade dominada pelos meios audiovisuais, voltávamos subitamente ao domínio do texto. Depois, com a aproximação da mítica banda larga, a web começou a ser invadida pelo visual, e fomos inundados por sites bonitos
porém desprovidos de conteúdo. Para muitos que não tinham o que dizer, numa paráfrase de mau gosto a McLuhan, o design passou a ser a mensagem, a única mensagem. Hoje os weblogs mostram que nem tudo está perdido para as belas letras. Pelo contrário, poucos imaginavam que poderia haver tanta verborragia espalhada pelo mundo, e legiões de escribas se lançaram à web mal os obstáculos para a publicação foram contornados (para fazer um weblog hoje não é necessário qualquer conhecimento de html, ftp ou outras siglas assustadoras para os neófitos).

Os weblogs são bem mais que uma versão online dos velhos diários escritos à caneta num caderninho trancado a sete chaves. As influências são múltiplas, e vão dos velhos fanzines e jornaizinhos escolares mimeografados até os sites pessoais e os cronistas da grande imprensa on e offline. É curioso que os grandes veículos de comunicação, em geral, tenham dado tratamento de curiosidade ao fenômeno dos weblogs. Muitos jornalistas não se sentem confortáveis com a concorrência que surgiu de todos os lados e se manifesta
diariamente na web, sem diplomas e sem compromissos, e prefere descartar o movimento como moda passageira. Mas é nos weblogs que vai surgindo uma nova geração de formadores de opinião, bem aos moldes anárquicos da internet, variando de modestos palpites sobre o último lançamento cinematográfico às grandes denúncias políticas. São milhares de Spider Jerusalem (personagem de "Transmetropolitan", de Warren Ellis) soltos pelo mundo, relatando, denunciando, opinando.

* Nemo Nox é blogueiro e atualiza diariamente o "Por um Punhado de Pixels"
(http://www.nemonox.com/ppp).


::: Eu odeio rock alternativo
::: Ian Black <
[email protected]>

nando gostava de ir toda sexta-feira ao alternative, lá na vila madalena. vez ou outra havia alguma banda tocando por lá, ou ele ia apenas para encher a cara com uma mistura de sub-zero e gatorade de limão e groselha e lamentar-se da sua vida pseudo-burguesa.

numa dessas idas, ele estava na pista, dançando aquela musiquinha ruim do elastica. nando ficou com vontade de cagar. mas o banheiro do alternative era um porqueira sem par, principalmente as 3 horas da manhã, quando muitos já haviam entrado e fumado e trepado e cagado e mijado por lá.

as paredes pichadas com vários nomes de bandas, anúncios do tipo "adoro dar o cu, me ligue" acompanhado de algum telefone, o chão molhado, a pia entupida com vômito, a privada suja por todo os cantos. não seria possível sentar. ficou a alguns centímetros da borda, e aliviou-se.

toda aquele desespero fez com que ele não percebesse algo essencial: NÃO HAVIA PAPEL HIGIÊNICO. ele olhou por todo o banheiro, até no teto, em busca de algum pedaço de papel higiênico limpo. olhou para o cesto de lixo e desistiu imediatamente da idéia de utilizar a parte limpa de algum papel usado. suas pernas já davam sinais de fraqueza. olhou para o chão, e iria chorar por sua (falta de) sorte, se uma idéia não tivesse surgido.

apoiou-se com uma mão na parede, e com a outra, tirou o sapato do pé direito. tirou sua meia vermelha. olhou em volta do banheiro na esperança de uma fada-madrinha ter materializado algum rolo de papel higiênico. abriu a torneira e molhou a meia, e limpou o rabo. teve que tomar cuidado quando foi limpar a meia novamente, a pia começou a transbordar, entupida com o vômito. esfregou bem. e a meia estava limpa o suficiente para ser usada novamente, como papel higiênico.

depois de mais outras duas limpadas, seguidas de duas lavadas, nando torceu bem a meia e a colocou no bolso. respirou aliviado de verdade. encarou as paredes pixadas e a pia transbordando e o chão sujo. sentiu-se um herói por enfrentar tudo aquilo. olhou para toda a merda transbordando e vitoriosamente deu a descarga. saiu em direção a pista, dançando e feliz.

agora estava tocando hüsker dü.


::: F a l a   q u e   E u   t e   E s c u t o
::: Respostas para quem tem perguntas, mais perguntas para questões sem resposta. A caixa postal mais festiva da internet brasileira. Correspondência auditada por Ernesto, o Jovem (a.k.a. Ernest Young).


"Mensagem de amor pro pessoal do Spam: amo ler vocês todos os domingos (mesmo que se atrasem) e, definitivamente, essa é uma das melhores edições! Vocês são apaixonantes. Beijo pra todo mundo."
Isabella Tedesco

OS EDITORES: Isabella, obrigado pela demonstração de carinho. Créditos da última edição aos nossos colaboradores e ao Alexandre Inagaki, que transformou pedra em ouro para conseguir enviar a edição depois da hecatombe que houve em nossos computadores. Ah!, esperamos sua participação, também. Beijos do R.S.

"Alexandre, quero dar os parabéns pela edição do dia dos namorados (que por cá comemoramos a 14 de Fevereiro, dia de S. Valentim) que está, a meu ver, do melhor que já li. Excelente! :-))"
João Verde

OS EDITORES: Abraços ao colega luso João pelo carinho. E lembrando, visitem o Código de Barras: http://cdb.pnorte.pt/. Mas permanece a dúvida: se nos EUA e na Europa se comemora o dia de São Valentim, o que diabos nós comemoramos aqui, fora meus insucessos amorosos? O povo quer saber! Atenciosamente, R.S.


::: C r é d i t o s   F i n a i s

YMCA:
Ricardo Sabbag <[email protected]>
Alexandre Inagaki <[email protected]>

Macho men:
Ian Black <[email protected]>
José Roberto Pereira <[email protected]>
Pedro Vitiello <[email protected]>
Except for - Suzi Hong <[email protected]>

Too sexies for themselves:
m2b <[email protected]>
Nemo Nox <[email protected]>
Y. Nishi <[email protected]>


Spam Zine é um fanzine distribuído gratuitamente por e-mail todos os domingos. Para assinar o Spam Zine, visite http://www.spamzine.cjb.net (a casa é modesta, mas é limpinha). Envio de colaborações, pedidos de edições anteriores, cancelamento de assinaturas, críticas anárquicas, dúvidas existenciais e/ou mensagens de amor? Escreva: [email protected].


::: P. S.

1) Obrigado a todos que me felicitaram pela gloriosa campanha do verdão na Copa do Brasil. No final, deu o óbvio (mas perder de 1x0 em casa irritou muita gente - especialmente eu e papai). Agora, juro que tô torcendo de fininho pro Corinthians. Huhuhu. (Sabbag)

2) Bah, vou falar de notícia véia mas que me veio à cabeça quando olhava o céu azulzinho de Sampa Hell (coisa rara). Olha, se conseguiram fazer crescer uma orelha de gente nas costas de um rato, por que não fazem crescer asas de um cisne nas costas de gente? Eu me habilito como cobaia, com muito prazer. (Hong, bebendo no gargalo uma garrafa barata de cabernet sauvignon).