editorial
alexandre inagaki [http://www.pensarenlouquece.com]

silly love songs

Que amar emburrece, isto é fato líquido e certo. Noites de insônia, olhar perdido e bobado dirigido a lugar algum, e crises de choro a cada reprise de "As Pontes de Madison" são apenas alguns dos efeitos colaterais mais perceptíveis. Mas há muitos outros. Andar com um sorriso bobão e feliz no rosto, de mãos dadas e com os braços balançando pra lá e pra cá. Acompanhá-lo no futebol em frente à TV, mesmo que o jogo seja entre Friburguense e XV de Jaú. Elogiar o pavê de jaca da sogrinha. Ah, os estranhos desígnios da paixão.

Amar, mais do que nunca, é um ato de coragem. Porque estes são tempos em que "in" é ter sempre um certo ar blasé estudado ("não esquecer de arquear as sobrancelhas, citar ussell e Vidal"), com um quê de cinismo e outro de ceticismo. Ter sempre uma tirada corrosiva na ponta da língua, e manter as emoções sempre sob rígido controle. Apelidos carinhosos como "Mozinho" ou "Free Willy" em absoluto sigilo. Evitar beijos-desentupidor-de-pia em público. NUNCA, NEVER, JAMAIS, NECAS DE PITIBIRIBA confessar que pediu no Dia dos Namorados aquele CD do Kenny G.

Ah meus caros, não tem jeito: amar é brega, é piegas, é meloso e é bom pra dedéu. Como bem disse Paul McCartney, nada como "silly love songs" para descreverem as estranhas e maravilhosas sensações que nos acometem quando somos pegos pela arapuca da paixão. Um exemplo: poucas vezes vi uma descrição tão exata como nos versos cantados por Carmen Silva -

O amor é um bichinho
Que rói rói rói
Rói o coração da gente
E dói dói dói.


Sim, dói. Mas é demais de bão. =^)

* * *

tá bonito, tá gostoso

A edição de hoje não tem seções, pelo simples motivo de que está robusta, repleta de textos legais relacionados com a data. Humor, erotismo, ironia, lirismo, ficção, reminiscências: Pedro Vitiello, Nicole Lima, Carolina Linden, Ricardo Sabbag, Eduardo Fernandes, Aline de Mello, Orlando Tosetto Junior, Cecilia Giannetti e o convidado especial Gustavo de Almeida, meu colega de Falaê, me ajudaram a fazer uma das melhores edições do Spam Zine em termos de textos. Árdua, apenas, foi a tarefa de fazer um editorial que não afastasse vocês das boas leituras a seguir.

Mas antes de se desvencilharem de mim, dois recados.

Antes de mais nada, preciso dar meus parabéns a Sergio Faria, colaborador do Spam Zine e que, como vocês já cansaram de me ouvir dizer, é responsável por um dos melhores blogs da Internet brasileira, o Catarro Verde, responsável pela descoberta de que o discurso de renúncia de ACM plagiou descaradamente um discurso do deputado Afonso Arinos pronunciado em agosto de 1954. Com a preciosa ajuda de outro blogueiro, Charles Pilger, a descoberta de Faria chegou aos jornais de todo o país, mostrando que a Web, por meio de iniciativas pessoais, pode muito bem ser mais do que estéreis webcams e e-commerce.

Last, but not the least. Já está no ar a nova edição da Enloucrescendo, desta vez comandada a oito mãos, todas elas de amigos & colaboradores do Spam Zine: Renata Parpolov, Ian Black, Erick Muller e Orlando Tosetto Junior.

* * *

todo casal já passou por isso

Atrasou, e MUITO. Mas enfim, o Spam Zine finalmente chegou. Ufa!

Agora, é relaxar e gozar. Bom Dia dos Namorados!

(ilustração da página: Henrick Manreza)


meias palavras
pedro vitiello [[email protected]]


Normalmente eu faço o gênero "engraçadinho" nos textos porque toda vez que escrevo sério me acho um chato. Vou tentar (não muito) falar sério desta vez. Quase todo mundo consegue achar seu pé-de-meia na vida, cedo ou tarde (exceto se a sua amada faxineira tiver perdido ele, mas isso é outra história), quando o assunto é amor. É verdade que as vezes o pé-de-meia pode ser velho, mal-cheiroso, com um sensual furo no dedão ou gostar de futebol, mas que a gente encontra, geralmente encontra.

Eu achei o meu pé-de-meia, que se chama Patrícia, não tem furos no dedão, odeia futebol (como eu) e cheira muito bem, obrigado, e sou muito muito feliz de poder estar com ela (o que é uma sorte, já que a gente se casou na igreja sábado passado, hehehe).

Em uma época como a nossa, sem romantismo que não seja aquela coisa piegas do Leonardo di Caprio em um barco que vai afundar (viva o iceberg!), e músicas do Wando, Katinguelê, etc, é mais difícil ser romântico sem fazer o seu objeto de amor vomitar.

Desde que o mundo é mundo, o amor é objeto de discussão, seja entre teólogos e filósofos, entre cientistas, artistas, pessoas inteligentes, eleitores do Maluf, etc etc. A bem da verdade, o amor é motivo de discussão até entre casais (neste caso normalmente quando um deles pega uma carta de amor a outra pessoa).

Sua natureza não importa, mas apenas saber que o amor arruma a vida da gente, que nem a minha faxineira deveria fazer com minha casa; dá uma sensação de segurança, que nem meu porteiro deveria fazer; leva a gente a lugares longínqüos, como o meu mecânico deveria fazer meu carro ir. Ou seja, é o sentimento mais sublime de se ter - além de não pedir caixinha, não tocar seu interfone às três da matina, e, principalmente, não faltar sem
avisar, deixando você com pilhas de louça na pia. Amor é uma coisa incrível!

Por isso, no dia dos namorados, ame, dê vexame, cante Fuscão Preto em uma serenata para ela, agrade à sua sogra, não chute o cachorro poddle dela, seja bobo, seja divertido, seja criativo, seja feliz!

Espero que dia 12 possa ser um dia para se descobrirem com alguém especial como eu já me descobri!

Ps: Se algum dia você estiver derretido de amor e em um barco com a Celine John gritando, por favor verifique se os blocos de gelo na região também estão. Não custa nada e você ainda pode jogar aquela canadense histérica num deles!


você já beijou o seu monitor hoje?
nicole lima [[email protected]]


A primeira vez foi há mais de um ano, durou uns dois meses (o que nesses casos já é muito) entre e-mails, links, attachments e webcards atrás da moita.

Na época eu ainda não tinha internet em casa... nem número de icq.... matava aula na faculdade pra ir ler meus e-mails nos computadores do laboratório de informática... e quando teve greve então? Quase morri, liguei até pra telefônica de São Paulo pra descobrir o telefone do moçoilo... Achei que nem ia ter telefone nenhum... mas tinha. Tava lá o número e o nome completo, tudo anotadinho em cima da mesa num pedaço de papel...e aquele papel olhava pra mim de um jeito... Demorei dois dias pensando se devia ligar ou não, claro que não devia... (Primeira lição: nunca telefone sem ter sido devidamente autorizado a fazê-lo...a menos que queira fazer papel de psicopata neurótico-obsessivo)

Liguei...

Só pela voz de susto do meu ALMO Gêmeo percebi a caca que sucedeu o meu nada criativo "adivinha quem tá falando????"

Aliás, o teste da voz... muito sério esse negócio de voz... porque você fica semanas lendo e-mails mudos, mas eles têm uma voz, uma entonação... eles têm ummmm...uma alma.

Depois de um tempo, não se sabe porque, os e-mails foram sumindo...
Acabou É estranho acabar um amor que você nem sabe pra quem deu... imagina, mas não sabe... meio que nem bola de sorvete que cai no chão antes de você dar uma lambida.

Também não é difícil achar outro. Tem gente que manda até o mesmo e-mail recortado e colado para várias pessoas para ver o que dá... deve ser algum tipo de egolatria mal resolvida... "diga-me como eu sou lindo legal e interessante" vai saber! Site é o que não falta... parperfeito, loveconnection, almas gêmeas, eutofacinho... (atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu)

Há várias maneiras de saber se você foi contaminado por esse love bug: o primeiro indício é uma súbita alegria seguida de gargalhadas solitárias frente a tela do computador... computador que aliás pode ser QUALQUER UM (Nunca deixe um desses seres apaixonados se aproximar do seu... a menos que você não tenha amor a sua cadeira...). Apaixonados virtuais têm uma atração inexplicável por computadores de qualquer espécie, desde que equipados de um modem e uma linha telefônica... é a clássica "posso ver o meu e-mail?"...só que repetida a cada meia hora... o pobre não consegue ficar mais de duas
horas afastado de um computador sem ter suadeira, taquicardia, dor nas juntas, falta de ar e coceira na mão.

O segundo indício são as freqüentes visitas a sites de cartões virtuais, o que na verdade não passa de uma desculpa muito da sem vergonha para disfarçar todo o tempo que se perde com a  florzinha do icq verdinha verdinha esperando aquele outro infeliz aparecer... e espera e espera e espera (ir ao banheiro depois da meia noite só em caso de vida ou morte)... até que... "toc toc toc... o ou"...

Caso brabo mesmo é quando o fulano conquista uma pastinha amarela só pra ele no seu outlook.

Passa uma semana... duas... aí um belo dia aparece uma  mensagem  com um attachment em JPG.

(oi  tum... tum... bate coração oi tum coração pode bater.... )

Vai lá..abre... aí você amplia amplia amplia amplia... e vai despindo aquela figura idimensional pixel por pixel... olha meio de lado, vira ao contrário, inverte, muda a cor... não adianta, você não vai conseguir ver quem é aquela cabeluda (ou será um cabeludo?) atrás dele. Depois de alguns dias aquela foto dele já conta com uma sua  recortada e sobreposta, só pra ver como vocês ficam juntinhos... UTI para os que colocam a foto do amor virtual de fundo de tela.

A média de um viciado em amores virtuais é de cinco a seis casos de amor eterno por ano... e o mais engraçado é que eles sempre marcam seus primeiros encontros nos mesmos cafés... é só olhar aquele cara que sempre chega e fica lá sentando no fundo, com um livro na mão, a capa bem visível, olhando sem parar pra porta. não sei porque, mas deve ter alguma coisa a ver com o fato de que os homens sempre vão a um motel conhecido quando estão com uma namorada nova.

Tem gente que vai buscar na rodoviária (hábito não recomendado para pacientes cardíacos). Ano passado no dia dos namorados eu ganhei um cartão virtual, um coração
todo costuradinho do BOL...

Este ano vou ao vivo, vou deixar de ser um holograma vou com o coração na mão, cara lavada e chuteira velha... mamãe estou indo pra São Paulo tchi bummmmm rodoviária aqui vou eu (amor virtual bom é aquele que não mora na sua cidade... qualquer coisa
mais próxima é realidade excessiva).

Dessa vez é sério, vou casar e tudo (será que tem marcha nupcial em MP3?) vou encontrar meu loiro tatuado de 1,93 de altura o amor da minha vida :o)

(eu tento me levar a sério, me aprumar, mas é o vício é o vício.)


os lemingues e a renúncia
gustavo de almeida [[email protected]
]

Mais gelo, por favor. É o que eu conseguia dizer naquela noite. Tédio. Aquela frase, que eu ouvira de uma mulher mais velha e sábia, "eu já conheço esse filme", ecoava, e eu só pedia mais gelo e pensava na lógica dos lemingues. São como pequenos ratos, quase hamsters (alguém consegue entender o que é ser "quase um hamster"?), que em determinado momento de suas vidas seguem em bando para o alto de uma falésia, e de lá vão se atirando às cegas. Sou um ignorante, nunca li nada sobre os motivos que levariam os lemingues a esse suicídio coletivo. Gosto da mitologia, de pensar que, como Ícaros oedores, o que eles querem é virar morcegos. Mas outro dia, vendo o site Darwin Awards, vi uma explicação terrível. Este site relata casos em que o processo seletivo de Darwin é confirmado, por meio de mortes estúpidas. Segundo o site, seres demasiadamente estúpidos morrem de uma forma estúpida tendo como objetivo "limpar" a raça, dando lugar a outros que não morrerão de forma estúpida. Assim, os lemingues, ao se suicidarem, contribuem para a melhora de sua espécie, pois assim ficam na Terra apenas os lemingues que não se suicidam.

Essa lógica assusta. Teriam os nossos suicidas este ímpeto embutido em seus
genes? Não sei. Será que os homens suicidam como lemingues? Pensei em Camus, quando disse que o suicídio é o grande problema filosófico do século 20. Mas respirei aliviado, já estamos no século 21, o suicídio não é mais um problema. Pensei então, naquela noite, que o grande problema do século 21 será a falta de lágrimas. Estamos acostumados a entender as mecânicas da sedução, da atração, e principalmente da rejeição. Sim, sim. Mais gelo. E vem uma moça e começa dançar com o cara, e pede para ele guardar a comanda das bebidas, como se ele fosse passar a noite com ela, mas na verdade ele
guarda e a moça se afasta. Em outro canto, uma mulher tenta se encontrar, procurando o homem de sua vida através das simples aparências. Há pré-requisitos: pelo menos 1,70m, cabelos lisos, moreno, bons ombros, olhos podem ser castanhos. E tomara que ele seja um cara legal. Tomara. Às vezes não é.

O que fazem os outros, nesta noite tão especial? Como lemingues, se dirigem ao abismo. Mais gelo, por favor. Acende outro. Bate mais uma. Cadê a seringa? A evolução cumpre seu doloroso papel. Empurra os lemingues com a ajuda da timidez, da insegurança, da frustração.

Mas, neste sonho, é incrível, mas os lemingues voam. Em direção ao sol, mas o que derrete suas asas é o amor.

Feliz dia dos namorados. Enloucrescendo.


dia dos namorados
carolina linden [[email protected]
]

Era dia 12 de Junho. Letícia e Bruno tinham se conhecido há praticamente um ano, em 13 de Junho, dia de Santo Antônio, casamenteiro. Era, obviamente, o primeiro dia dos namorados que passariam juntos, e Letícia mal poderia esperar. Tinha comprado aquele scanner que ele tanto queria e tinha feito uma reserva no restaurante favorito de Bruno, uma cantina italiana perto da sua casa.

Mas quando o convidou pela manhã, ele disse que ia ter um negócio para resolver naquela noite.

- É uma reunião inadiável, honey. Esperei quase cinco meses para conseguir marcar. esculpa... Não vai dar.

- Não, não... Tudo bem. A gente sai amanhã. Fazer o quê... Você tem o seu trabalho... É mais importante. Prioridades.

- Deixa de babaquice, Letícia. Você sabe que, se desse, eu até adiava. Só que dessa vez não dá. Sim, eu tenho o meu trabalho sim, e é importante sim. Quando você sair da faculdade e tiver que ralar para ter comida em casa no final do mês, talvez me compreenda.

- So is life.

- Olha, lembre-se de que o Charlie vai passar aí de tarde para ajudar você com a instalação do seu novo computador. Não o deixe esperando, você sabe como ele é com essas coisas. Have some fun. Ligo mais tarde, o.k.?

- Tchau.

Click.

A voz chorosa e o "Tchau" de Letícia quase partiram o coração de Bruno, embora ele oubesse que ela o desculparia tranqüilamente no dia seguinte. Ela o tinha tirado do sério. "Menininha mimada... Ela tinha que saber que se não fosse tão importante eu desmarcava. Letícia... Deixa quieto. É melhor eu me preocupar com a reunião. Cuido dela outra hora, amanhã ou quando eu voltar do trabalho. Com esse dinheiro entrando, os planos para o casamento vão poder ser antecipados..."

Enquanto isso, Letícia esperava a chegada do sócio do namorado para instalar o tal do computador. Uma enxaqueca não a deixou em paz a tarde inteira.

- Deve ser o chifre...

- Deve ser o quê, Charlie?

- É, Lê... Você sabe, né? Esse papo de reunião de noite no dia dos namorados é meio pesado. Ainda mais à noite. É... reunião onde mesmo?

- Ele não disse.

- Sei. Bom, está aqui, tudo instaladinho como manda o figurino. Que tal sairmos para beber alguma coisa? Comprei uns dvds legais na última viagem, talvez algum lhe interesse. Você não gosta de ópera?

Letícia acabou a tarde nos lençóis de Charlie, satisfeita por ter se vingado de Bruno. Como ele pôde fazê-la de idiota assim, tão descaradamente ? Mas agora sentia-se menos traída, menos humilhada. Charlie. Olhou para ele com pena, dormindo inocentemente ao seu lado. Vestiu-se e foi embora. Antes de sair, deixou um beijo de batom marcado no espelho do armário. Era noite. Bem tarde, quase madrugada. Tocou a campainha da casa de Letícia.

- Quem é?

- Letícia, sou eu, Bruno.

- Entra.

E ele entrou, trazendo um enorme embrulho debaixo do braço.

- Como foi a tarde com o Charlie? Ele ensinou você a usar o computador direitinho? A internet está funcionando bem?

- Claro. O Charlie passou a tarde inteirinha me explicando, como você pediu. Tadinho, fiquei com uma pena dele... É difícil ensinar Letícia de Mello a usar essa máquina curiosa. O que o Charlie não faz por você? Sócio é para isso mesmo, não é?

"O que ele não faz por você?" A própria Letícia estranhou a sua cara-de-pau e o seu cinismo. Passara a tarde na cama com o sócio do namorado e agora estava ali, falando sobre ela como se nada de mais tivesse acontecido.

- Você sabe se ele conseguiu testar o site que eu pedi? Queria ter certeza de que estava no ar...

- Acho que sim. Ele mandou um mail para você daqui de casa dizendo que tudo estava exatamente como vocês tinham combinado. Você não recebeu?

- Não checo meus emails desde ontem, ando ocupado com projetos mais importantes. Faz o seguinte: tenta ver o primeiro site da sua lista de bookmarks.

- O quê?

- Liga o computador e vai no primeiro site. Agora.

- Vamos para o escritório, então.

Era dia (noite?) dos namorados, os canais do IRC deviam estar explodindo e as linhas de seu provedor de acesso estavam ocupadas. Finalmente conseguiu, na terceira tentativa.

- Depois da tarde com Charlie, esse seu computador não vai mais dar pau de memória como o velho. Assim ela esperava. Mais uma vez se lembrou da tarde com Charlie. Olhou para o namorado com cara de quem tinha feito besteira estava escondendo.

- Letícia, você está bem?

- Estou ótima. Como foi a reunião?

- Foi ótima, tenho mil novidades, mas primeiro o computador.

- Pronto, aí está. Ligado e conectado.

- Vai para a lista de bookmarks e abre o primeiro.

O primeiro nome da lista de bookmarks era "Our home-page". Um click do mouse trouxe a página à tela:

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O U R   H O M E - P A G E

This is LETÍCIA & BRUNO'S HOMEPAGE, and you are very welcome here! I have made it as gift for her because today is June 12, 2001. Valentine's day at our country, Brazil. I decided to tell you our love story right here because it is surely one of the most beautiful I have ever heard about, losing only for two wonderful movies: "Gone with the wind" and "Rome adventures" (coincidentally, her favorites!).

I have met Lettie for the very first time almost a year ago (June 13, the day of St. Anthony, the marriage-blessing saint) in a computer's store. I was buying a CD-Rom and she was looking for a multimedia kit with a friend. We met there again and again; in the third time, I decided to give her my e-mail.

She wrote me a week after that evening in the mall and we started corresponding to each other. One night, Lettie invited me for a real-time chat. I hate these caht rooms, but I could not lose the opportunity of meeting her.

After evenings and nights of electronic dating, changing mails, photos and spending hours of chat, we went out for dinner. It was her nineteenth birthday. From then on, we have been going out more and more frequently. It was ten months ago...

Suddenly, I discovered that I had deeply fallen in love. I found myself unable to keep living without her. The faster the days go on, the more I need her by my side. I wanted her with me, from morning untill dark.

I want Lettie with me for the rest of my life, forever. I want to put our toothbrushes and computers together. I want to have ours e-mails changed to: [email protected].

Letícia, will you marry me?
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Acabando de ler, Letícia olhou para Bruno e viu uma garrafa de champanhe e duas taças na mesa ao lado do teclado. Em cima do mousepad, Bruno colocou uma caixinha preta de veludo.

- E aí, casa comigo?

Dizendo isso, abriu a caixinha e tirou as alianças de dentro. Colocou uma no dedo da namorada e estendeu-lhe a outra para que ela colocasse. - Casa comigo ?

O telefone começou a tocar. Letícia teria mais algum tempo para encontrar palavras.

- Lê? É o Charlie... O que aconteceu hoje de tarde?

Olhou para Bruno sem responder ao telefone.

- Letícia... O que está rolando?

Agora não conseguiu mais segurar o choro.


fragmento de um amor esquecido
ricardo sabbag [[email protected]
]

Tantas as vezes que pensei em te dar um beijo sorrateiro, em roubar de ti um mero toque nos lábios e poder sentir o gosto da tua saliva, que fui esquecendo aos poucos dos bons momentos que passamos como bons companheiros que fomos.

Será que fomos, será que já não somos mais?

Aos poucos, fui esquecendo das nossas longas conversas, do quanto a gente se entendia, do quanto eu era importante para ti e vice-versa. Em lugar disso, passei a espreitar o teu corpo, a estremecer com o teu toque, a inventar subterfúgios para te convencer de que dois amigos ficam, sim. E que isso é normal, apesar do teu puritanismo tão simpático. Daí o dia em que nós bebemos muito vinho e você deitou sobre o meu colo em frente à lareira - que eu já havia acendido de caso pensado -, arrisco dizer que a gente quis confortar um a carência do outro. Até que nos beijamos.

Lembro de ti com os olhos assustados quando fui aproximando minha boca da tua. Nós sabíamos que aquele momento estava por chegar e meu maior temor era que tu tivesses um lapso de lucidez e resolvesse virar o rosto no momento exato.

Mas não. Tu esperaste o meu lábio, a minha língua, a minha volúpia. Senti o teu corpo amolecer nos meus braços. Tu te jogando sobre os meus braços, agarrando a minha nuca, sugando a minha língua. E se aquilo não era desejo, não sei mais o que pode ser.

Passado o momento, tu quiseste conversar sobre como aquilo não era mais do que um gesto entre amigos. E que nossa amizade provavelmente iria amadurecer depois daquela experiência. Eu, tolo, queria fazer tu entenderes que eu já não queria mais ser o teu irmão. Queria te dizer como o meu amor por ti havia mudado depois de tantos anos, e que agora te desejava daquele jeito para sempre. Que queria me apoderar da tua nudez, te sentir em minhas mãos e tomar para mim o teu sexo.

E quem acabou ouvindo foste tu.

Agora tu estás distante, e não tenho mais como me aproximar senão tentando discretamente através de mal traçadas letras. Nos castigamos tanto forçando repetir o sucesso da nossa relação como companheiros, que acabamos por nos ferir um ao outro. Eu cansei do teu cheiro e dos teus gostos; tu não queres saber mais do gosto da minha boca ou das minhas excentricidades antes de deitar. Me ouve novamente, por favor, porque errei uma vez e não quero errar de novo. Não estamos mais lado a lado. Perdemos a chance da genuína alma gêmea.  Estamos solitários e distantes e não precisamos mais disso.

Mas o que será de nós a tantas milhas de distância?

O corpo desalmado não sente mais vontade. Sente simplesmente a dor da parte de si que foi embora.

Volta. Volta enquanto é tempo. Eu fiquei na estrada e me perdi.

Nunc scio quit sit amor
(Virgílio)


romances taquigráficos
cecilia giannetti [[email protected]
]

            quem? de mãos dadas
            fecha-se em mim descabido
            como era antes sem, não sei
            que, de tão eu, já não o distingo

O próximo Dia dos Namorados acontece numa terça-feira, o que poupa muito solteiro infeliz de recorrer a expedientes complicados para sublimar a data. Ela ficará obliterada no movimento de uma semana de trabalho. Quem, apesar disso, ficar muito consciente dela, é por ter pessoa que o obrigue à lembrança, para melhor ou pior. A segunda opção, de memórias a que uma lobotomia só faria bem, tem semelhantes nestes romances taquigráficos contrários à máxima nelsonrodriguiana "se acabou, não era amor".

O amor estimula as artes e a ciência. Sem ele não haveria música, literatura, dança, teatro, cinema e remédios de tarja preta. Não música, literatura, dança, teatro, cinema remotamente interessantes; não tarjas tão pretas. Cada manifestação do que se quer chamar de o sentimento maior de todos entre duas (e, às vezes, três, quatro, cinco...) pessoas tenta provar corajosamente, egoisticamente sua existência através dos séculos ou sua presença em uma vida, exigindo para si o contraditório epitáfio "Amor". É pequeno, é nada; cada um, numa vida, sabe o que foi. Aqui, alguns.

*Nietzsche e Lou Salomé*

"A mulher aprende a odiar à medida que desaprende a fascinar" é um dos aforismos anti-fêmea que Nietzsche passou a escrever depois de levar uns três tocos consecutivos de Lou Salomé. Ela preferiu dar mole pra Freud e pegar Paul Reé, mesmo porque Níti devia ser um sujeito infinitamente mais intenso que aqueles dois. (Sugestão para enquete: você sairia com o Níti?)

*Clarice Lispector e Chico Buarque*

Em 1968, enquanto a maioria prestava atenção ao inflamado discurso do líder dos estudantes Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil, Clarice Lispector falava doçuras e, segundo o testemunho de Nelson Mota, manjava languidamente os olhos verdes de Chico (e mais todo o conjunto da obra que ainda hoje faz enorme sucesso). Até onde vão os registros oficiais, não deu em nada.

*Dorothy Parker e Robert Benchley*

Da biografia de Dorothy Parker (ED. Civilização Brasileira):

"Certa manhã, em 1919, Dorothy depara-se com um indivíduo pálido, de gestos acanhados, transpirando puritanismo, que parece querer partilhar seu escritório na Vanity Fair. Robert Benchley encarna a tal ponto o protótipo daquilo de que ela gosta de zombar que esquece de tirar seus óculos, gesto ritual de sedução (n.r.: lembre-se do versinho do Dorothy: "Men seldon make passes at girls who wear glasses"). Percebe que rói as unhas e logo imagina que use cuecas compridas. Por que Crownshield teria admitido esse escoteiro, interroga-se.

Benchley é o tipo de homem de quem os amigos costumam dizer 'se ele fosse mulher, eu me casaria'."

Ela era dona do senso de humor mais ácido a desfilar pela mesa redonda do Algonquim e ele fazia o tipo "perdedor" de humorista, personagem que brinca com seus próprios fracassos. Referiam-se um ao outro como "Sra. Parker" e "Sr. Benchley" e protagonizaram uma longa história de tesão reprimido, trabalhando juntos, saindo juntos, bebendo juntos. Mas apenas roçando a qualidade de amantes na mente maldosa do seu círculo de amigos e, muito provavelmente, na sua própria imaginação: nunca... nunca. Nunquinha. Dorothy, segundo Edmund Wilson, o considerava um santo, mesmo sabendo que ele traía a esposa suburbana com uma vedete enquanto ajudava Dorothy a recuperar-se de suas eventuais tentativas de suicídio. Quando ele morreu de cirrose hepática em 1945, Dorothy foi ver o corpo e declarou, repetindo o convidado de Gatsby ao olhar o antigo anfitrião morto: "Coitado do filho da puta!"

*Glauber Rocha e Helena Ignes*

"Metro Goldwyn Mayer. High Society, Uísque e mambo. Uma das amigas me cochichou: "Vá dançar com Leninha". Na dança, nos colamos, a beijei, mordi, lambi boca, orelha, pescoço. Era quente, Veio. (...) A Bahia queria comer Helena. Era nossa Brigitte. Nossa Marilyn. Eu possuía a mulher mais desejada da Bahia. (...) Intelectual de classe média, estudante de Direito e de teatro, casada com Glauber Rocha, cronista social e animadora de TV,
candidata derrotada a Miss Bahia, bonita, elegante, loura, fuma, não sabe dirigir, úlcera, ligeiramente nervosa, radical com a mediocridade (...)"

"Ela me comeu e foi embora." (retirado de Revolução do Cinema Novo - Glauber Rocha)

Precisa dizer mais?

*Goethe e Charlotte / Werther e Charlotte / Karl e Sra. Herd*

Na época em que escrevia Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe era a fim de uma menina que havia conhecido num baile em Wetzlar e, aos primeiros contatos, não soube que era comprometida com um sujeito chamado Kestner, de quem depois tornando-se amigo mesmo depois de saber que era ele o embarreirador oficial da situação. Pulou fora, claro, sensatamente, não sem antes revelar várias vezes seu amor à menina (Charlotte) e deixando o próprio Kestner saber da história.

No mesmo círculo de amigos de Goethe e Kestner e Charlotte em Wetzlar, havia um jovem chamado Karl Willhem Jerusalem que também gostava de manjar a mulher de outrem. Ele era muito apaixonado pela dona dum tal secretário Herd.

Aí cêis vejam a esperteza do Goethe: na primeira parte do Werther, o sofrimento é o dele; na segunda, quando o indivíduo finalmente mete uma bala no meio dos cornos, aí já é o tal do Jerusalem, entende? Que, de fato, se matou por causa da mulher do tal do Sr. Herd. E quem contou pro Werther, digo, Goethe, que o Jerusalem tinha se matado foi o próprio Kestner.

O livro provocou suicídios entre os jovens que o leram à época de seu lançamento. Não tentem fazer isso em casa. Ou melhor, em lugar algum.

*Gore Vidal e James Trimble*

James Trimble é o JT a quem Gore Vidal dedicou seu primeiro romance, A Cidade e o Pilar, de temática abertamente homossexual, o que era novo e considerado impróprio em 1948. Os dois se conheceram em um internato para rapazes por volta de 1940 e logo ficaram amigos. Até que um dia ficaram amigos e peladões sobre um chão de azulejos brancos. A partir daquele dia, "o prazer sexual mal podia dar conta do enorme deleite que desfrutávamos da nossa mútua companhia".

Jimmy foi para a guerra e morreu em um ataque em Iwo Jimo, em 1945.

Gore Vidal em sua biografia, de 1995, Palimpsesto, em que se declara parte de um casamento branco (aquele no qual "não se faz coisinha"): "Vivo agora há meio século com um homem, mas o sexo não desempenhou um papel no relacionamento e assim, onde não há busca nem desejo, não existe completude. Mas existem estados menores satisfatórios, migalhas."

*Caetano Veloso e Caetano Veloso*

Em seu livro "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba", o jornalista Pedro Alexandre Sanches investiga o caso de amor mais duradouro da história da MPB. Caetano Veloso tem amado vertiginosamente Caetano Veloso desde a sua infância em Santo Amaro da Purificação com resultados caóticos para a evolução da música brasileira, canções com letras verborrágicas chatas e farpas lançadas à imprensa que ousa criticá-lo. Se essa história de amor deu certo ou não, cabe à interpretação do ilustre leitor.

*Walther Moreira Salles e minha mãe*

Eu também sou filha dele!


when i get that feeling i want sexual healing
eduardo fernandes [[email protected]
]

Encostou-se na parede do quarto. Ergueu os braços, me convidando a tirar sua camiseta. A cabeça ligeiramente pendida. Um olhar de Laranja Mecânica. Mas com um sorriso diferente. Tão perverso quanto sensual.

Há quanto tempo estávamos ali? Impossível saber. Estamos em outro tempo, em outra realidade. Ofegante e intensa.

A camiseta apertada sai com certa facilidade. Deixa ver uma barriga perfeita e, como era de se esperar, um piercing no umbigo. Seios fartos, firmes, morenos, com bicos pequenos e delicados.

O que me dava mais prazer naquele momento? A visão de um corpo tão milimetricamente perfeito, feito com uma paciência artesanal? A sensação de passear língua e dedos por uma textura tão rica e fina de pele, lábios e cabelos? A satisfação de ter conseguido chegar até ali, como se aquela mulher fosse uma concessão do destino, uma alegria não merecida que a vida me oferecia?

Não agüento e digo:

- Um ano esperando isso.

- Hmmmmm. (Sorri). Tanto assim?

- Vai dizer que você não percebeu?

- Hehehe. Tinha como não perceber?

- Então você me torturou todo esse tempo?

- Claro!

- Você é muito cruel. Olhe o estado em que estou agora.

- Assim é melhor, muito melhor. Mas vai dizer que você não notou que eu também fiquei louca pra te experimentar...

- Ah é?

- Quando eu te vi pela primeira vez, você já me olhava assim, vampiro. Eu me senti...

Minhas mãos chegam à sua buceta, aos poucos. Vou me familiarizando:

- Sentiu como?

Enfio um dos dedos nela:

- Assim?

Ela solta um longo suspiro, morde os lábios e encosta o corpo em mim:

- Éhhhhhh, (engole seco), assimmm.

Sinto minhas mãos empaparem. Ela beija e lambe meu ombro. Empurro-a. A visão agora é cada vez mais alucinante. Seu corpo ganha tônus e um colorido mais vivo ainda. O cabelo preto, liso, extremamente brilhante. Boca farta, nariz
delicado. Uma mistura única e sem genealogia.

Ela abre as pernas. Ajoelho-me, aceitando o convite. Não sem fazer ritual. Estico suas pernas e degusto seu corpo com uma calma que surge inesperadamente. Pés, coxas, virilha. É como se eu sentisse cada poro seu. Religiosamente, agradecendo cada sensação.

Seu corpo treme, quando minha língua chega à buceta. As pernas se fecham às minhas costas. Ela segura firmemente minha cabeça. Fico preso, apenas segurando a sua cintura, lambendo-a e sentindo seu cheiro.

Ela se joga para trás, se contorce. Suspira novamente. E aquilo me faz sentir poderoso, infantil e pleno de autoconfiança.

A temperatura aumenta. Passeio a língua pelo umbigo, enquanto os dedos continuam a brincar com a buceta. Sinto-a fremir.

O momento supremo: os seios. Respiro longamente e apenas olho. Sua expressão é de ódio, de quem teve um prazer roubado.

- O que está esperando?

Sorrio, maldosamente. Seguro os seios com certa força e beijos-os. Minha boca chega aos bicos e fazem movimentos circulares. A ponta da língua se diverte, como se eu fosse um bebê. Empurra o bico de lá para cá. Tup, tup. Eles estão duros, excitados, a pele arrepiada.

Ela me segura pelo pau. Num movimento rápido, chupa-o. Sabe que não pode faze-lo por muito tempo. Qualquer precipitação agora pode atrapalhar muito.

- Me aperta. - Ela diz. - Forte. Muito forte.

É a deixa. Seguro-a pelas pernas, coloco-as por cima dos ombros. A menina se larga, indefesa. Novo suspiro. Estou em seu corpo. Uma pequena e prazerosa dor. Que depois se dissipa, junto com a consciência, com o sentido claro e distinto de espaço e tempo.

Seu corpo ganha mais um novo sabor. Seu rosto uma nova beleza. Suada, com os cabelos desordenados, colando no rosto, entrando na boca.

Ela se vira e sobe em mim, me dando o presente de vê-la ofegante, fora de controle. Com a boca semi-aberta e olhos fechados. O melhor clichê do mundo.

Há muito tempo o dia acabou. Lá fora, há quem insista na dor ou se entorpeça na autopiedade. Há até mesmo quem não tenha escolha. Isso faz nosso prazer ter um certo gosto de culpa.

Mas, droga, o que eu posso fazer? Talvez tudo seja apenas sorte. Agradeço novamente, ao que quer que seja. A Deus, a mim, sei lá. Só sei que, neste momento não preciso de mais nada. Absolutamente nada.


minúsculos contículos sobre paixões gigantescas
aline de mello [[email protected]
]

1. Sim! - gritou Joana, sorrindo, enquanto o via cada vez mais longe e pequeno, parado na plataforma do trem. No dia seguinte, marcaram a data e avisaram em casa.

2. Não! - gritou Joana, após ouvir a porta bater. No domingo foi encontrada desmaiada, segurando um vidro de remédios, e o ventilador de teto ia cada vez mais lento. Foi encontrada por ele, que voltava arrependido, mais uma (última) vez.

3. Pára, seu cretino! - esbravejou - Que mania de roubar meus pensamentos!

4. Até parece - disse Lucas, abaixando os olhos - que eu vivo sem você... - e saíram, reconciliados, rindo e sujos de areia, pelo pátio do Jardim de Infância.

5. Experimenta! - ameaçou - Experimenta desaparecer da minha vida outra vez...

6. Esquece! - disse Cris, já rouca, fechando a porta. Puxando-o pela mão, esqueceram que lá fora havia um mundo.

7. Presta atenção, isso não é brincadeira, é um teste! - e com esse pretexto, beijou-lhe a boca na escada rolante do shopping. Casaram no mês seguinte e tiveram gêmeos.

8. Eles viveram felizes para sempre, e depois que o sempre chegou ao fim, resolveram se divorciar e partir em busca de novas aventuras.


dessas coisas de estar sozinho
orlando tosetto junior [[email protected]
]

Há poucos dias uma amiga me contava, revoltada, que foi a um shopping center e que, quando retirava o cartão do estacionamento de uma dessas máquinas automáticas, foi saudada com um "feliz dia dos namorados".

"Que coisa mais idiota", contava ela, no tom sempre apaixonado com que diz as coisas. "O que é que essa máquina sabe da minha vida? E se eu fosse casada, separada, viúva ou freira?"

Essa minha amiga, evidentemente, não tem namorado. Mas ela tem razão quando reclama, sem o dizer explicitamente, do poder que essas datas têm sobre nós. Especialmente quando não somos presenteáveis, nem temos a quem presentear. Quando isso acontece, voltamos a nos lembrar que afinal de contas essa é uma data inventada pelos capitalistas para forçar as pessoas a gastar dinheiro com presentes; que a parcela "namorável" da população é relativamente pequena, e que mesmo entre elas o número de solitários é grande e estar sozinho não é nenhuma tragédia; e que, enfim, não há razão pra gente se
importar com esse tipo de bobagem.

É claro que estamos mentindo.

Porque namorar é tão bom que a gente quer independentemente das datas comerciais. Namorar é tão bom que podemos fazer isso mesmo sem ter lido nada sobre a vida de São Valentim (um santo meio sofrido, na verdade - mas não são sofridos todos eles? Sofrimento é com santo). E a amargura dos "sem namorado" se estende, na verdade, por todo o tempo que dura essa situação.

É verdade que sair à rua e ver as pessoas se beijando, ver as filas de carros nas portas dos motéis, ver os irritantes comerciais com pessoas belamente agasalhadas pondo fondue nas bocas umas das outras não contribui para melhorar o astral de nenhum solitário. Conheço gente que se recolhe em casa, com tudo desligado, e põe Chet Baker pra tocar, não achando nem um pouco estranho que uma "comic and funny Valentine" possa ter gerado uma canção tão suicida.

No dia seguinte, os solitários fogem cuidadosamente dos relatos que os outros vêm lhes contar. Preferem, se possível, conversar com a faxineira que foi visitar a tia com perna gangrenada no hospital a ouvir seus amigos falando dos jantares e dos amores que fizeram. Falam mais de futebol - repentinamente a campanha do Palmeiras toma uma importância enorme, e o fracasso da seleção vira questão de estado. Comentam a política, indignam-se com os senadores, invectivam contra a República. Debatem furiosamente a moral das novelas, e reclamam contra as máquinas automáticas de estacionamento, que roubam o emprego das pessoas, veja que sacanagem.

E por mais heróicos que se sintam em sua solidão, por mais sóbrios e estóicos, por mais inimigos das futilidades e das transitoriedades da vida que pareçam, por mais céticos que subitamente se tornem quanto à conversa de vendedor de carnê do coração - ainda assim, davam um braço para não estarem sozinhos.


c r é d i t o s   f i n a i s

all you need is love:
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Ricardo Sabbag [[email protected]]

strangers in the night:
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Carolina Linden [[email protected]]
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Eduardo Fernandes [[email protected]]
Nicole Lima [[email protected]]
Orlando Tosetto Junior [[email protected]]
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p. s.

lima: a nicole caiu do galho, tropeçou num vaso e não morreu mas quebrou dois dedos da mão direita e está engessada até os cotovelos, então ela não foi pra são paulo ontem pra encontrar o amor da vida dela e vai passar o dia dos namorados sozinha...

junqueira: não nos iludemos. Lembremo-nos sempre que o amor será aquilo que fizermos dele.