[S p a m  Z i n e]
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    : 03 de junho de 2001
    : curitiba, são paulo, jundiaí, londrina
 
::: e d i t o r i a l
::: Ricardo Sabbag <
[email protected]>
 
LUDOPÉDIO
 
E voltamos à vaca fria. Seleção lá se contorcendo, o negócio é prestar atenção no meu querido verdão coxa-branca, que fará sua partida mais importante dos últimos dez anos (não é piada) na próxima quarta. Tem que ganhar de dois do Grêmio. Foda. Bem foda. Mas vamos lá torcer. Torcida coxa vai lotaaaaaaaar o Couto Pereira e esperar que o tio Evair opere milagres frente a massa alviverde. Ah, para quem não conhece, o verdão coxa-branca é também conhecido pela alcunha de CORITIBA FOOT BALL CLUB.
 
Mas isso não é bobagem. Eu tinha cinco anos quando o Coxa foi campeão brasileiro. Ainda lembro da decisão por pênaltis. Lembro do Lela, o negão que fazia careta quando marcava gol. Nascer em Curitiba e não optar por Atlético ou Coritiba era quase como não ter sido batizado (Colorado e Pinheiros, os dois outros times da capital que se fundiram no Paraná Clube, anos depois, nunca juntaram duas Kombis de torcida).
 
Então eu nasci coxa, porque meu pai era coxa e meu avô era coxa também (mais do que isso ainda não existia o time). Quem não é do sul não sabe a importância que o futebol tem por aqui. A rivalidade é grande, fortíssima. O Paraná é o Piauí do sul, mas tem amor ao futebol. Será que o Piauí tem futebol, também? Não sei. Mas é bom poder assistir aos jogos do Coxa na TV, depois de tanto tempo penando com a orelha no radinho em partidas pela segunda divisão. Era um tal de Democrata, Goyatuba, Moto Clube... e sempre o zumbido caracetrístico do radinho. Gerações e gerações de times do Coritiba que eu só conheci pela voz dos locutores da Rádio Clube B2.
 
Lembro como se fosse hoje de uma decisão entre o meu Coxa e o Guarani do Inagaki, pela segunda divisão. Foi em 92 ou 93. O jogo era em Campinas. A partida de ida tinha dado 1x0 para o Coxa, gol de Heraldo aos 40 do segundo tempo. Quem vencesse o confronto, disputaria a final da segundona. Mas o prêmio maior era o acesso à 1ª divisão.
 
O jogo, claro, não passou na TV. O árbitro era o José Roberto Wright, então o juiz mais famoso do Brasil. Dizia a rádio (pouco clubista, imaginem só) que o Coxa tinha ficado preso no vestiário e sofrido outras violências inomináveis. No primeiro tempo, o Wright deu pênalti em favor do Bugre. 1 x 0. O resto da partida foi só sofrimento até a chegada da decisão nos penais.
 
Não lembro exatamente qual foi o placar. Só lembro que o Nardella errou um dos últimos... e o sonho se desfez naquele "pra foooooooora", que ecoava no meu rádio-relógio Technics. Cê lembra disso, Inagaki? Saiba que naquela noite, verti lágrimas de tristeza pelo meu verdão... O medo do goleiro diante do pênalti, diria o Wim Wenders.
 
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VESTINDO A CAMISA
 
Confiram abaixo a estréia de José Roberto Pereira, a.k.a. JRP, no Spam. O texto "Contraprova" é a primeira parte de uma série deliciosa que vem por aí. Não deixem de conferir. Ian Black chama JRP de "Bukowski brasileiro". Não sei se JRP é a versão tupiniquim do Old Buk, mas certamente seus textos merecem atenção. E sua verve é bastante parecida à do velho safado.
 
Outro que desvirgina em letras os espaços deste e-zine é José Kazi, ex-editor do zine Panacea, e que ultimamente posta sua produção no blog Hana-Bi <http://www.thethirdnipple.com/kazi/Hana-Bi>. A participação de Kazi começa um tanto quanto discreta, mas deve crescer a partir das próximas edições.
 
Atentem também para o retorno do curitibano Luiz Andrioli, que andava meio desaparecido batendo seu Del Rey por aí, mas estás de volta para abrilhantar o escrete desta e-publicação.
 
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ESPECIAL NAMORADOS
 
E semana que vem tem Spam Zine especial do Dia dos Namorados. Opa, não poderíamos deixar passar em branco tão nobre data, né? Semana que vem estaremos esmiuçando o amor pueril em seus meandros, intimidades e partes pudentas. Quer colaborar? Escreva para nós: [email protected]. Ah, sim, e vamos tratar de fazer um Achados e Perdidos e um Papo-Aranha a la Almas Gêmeas também. Vá preparando o seu currículo pra deixar de ficar pra titio (a).
 
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ONE MORE TIME WE'RE GONNA CELEBRATE!
 

::: Misérias Humanas - 2
::: Orlando Tosetto Junior <
[email protected]>

Entre ser honesta e ser feliz, Janete optou absurdamente pela primeira alternativa. Deixou Adalberto, que era casado, e ficou à espera das compensações que a vida lhe ofereceria.
 
A vida lhe trouxe Gomes. Ele não era bonito, nem tinha muito dinheiro, e também não era moço. É de se supor que seu interior reluzisse como ouro, mas temo que nem isso. Enfim, era comum e sem opcionais.
 
Janete ficou com ele. Era tudo muito suportável, exceto o maldito momento em que, toda noite, ele tirava a camisa social e ficava só de camiseta. O peito dele parecia o de um frango congelado, e ela se sentia completamente desesperada. Felizmente durava pouco, porque ele ia tomar banho e voltava de pijama.
 
Numa noite, porém, ele tirou a camisa e sentou-se na poltrona.
 
- Não tou bem, Janete.
- Que que você tem?
- Dor na nuca. Tonteira.
 
Teve uma convulsão. Caiu de cara no chão. Estrebuchou. Morreu.
 
Ela o olhou um longo minuto.
 
- Eu nunca saí para dançar, sabia?
 
Botou na vitrola um disco de bolero. Pegou o corpo dele como deu (tão leve que ele era), encaixou seus braços sob as axilas dele, apertou contra o seu aquele peito de galinha agora morta, e saiu girando pela sala aos compassos de "Jealousie". Entre os dentes, murmurava: "E eu lá posso ter ciúmes de ti, Gomes?".
 

::: L i s t a s   A b o b r o l
 
Cinco pequenos prazeres (e coisas que os tornam ainda melhores):
José Kazi <
[email protected]>
 
- andar de moto (no frio);
- beber café expresso sem açúcar (com bagel);
- conversar (com gente inteligente);
- beijar na boca (beijo roubado);
- treinar kung fu (duas horas seguidas ou mais).
 

::: Uma noite a sós contando novidades e trocando confidências
::: Aline de Mello <
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Me esperavam, mas não fui. Nada haveria de novo, a não ser tudo o que seria, e seria ótimo, mas não fui. Estava com frio, deitei na cama, fiquei olhando a porta do armário. Várias fotos, nenhuma paisagem. Só pessoas. Fotos de pessoas, eu no meio, ou no canto, ou no lado, ou no colo. Fiquei lembrando dos meus amigos que se largaram por aí, numa vida um pouco mais real que essa. Precisava conversar com alguém, me acordei para bater um papo comigo.
 
Pensamos em ligar o som, mas foi melhor não. (Às vezes eu tenho medo de, ao dormir ouvindo música, não conseguir escutar meus sonhos.) Entre a cama e o sofá, dois livros no carpete. Entre a coberta e eu, um pouco de risada. Falei para mim mesma que tudo ia dar certo. Me consolei, me alegrei, me deixei no clima, me ofereci café e recusei. Sem cerimônias quando o jogo é aberto.
 
Conversamos sobre a imbecil que eu era quando tinha quinze anos, e a que sou agora e não sei ainda. Analisamos, eu mesma e eu própria, aquilo que eu já fiz, que não é nada, e tudo passou num flash nas nossas cabeças, e vi o quanto sou pequena diante de uma parede branca. Me disse umas verdades e me dei conselhos. Dormi contando para mim a história do Homem do Futuro, e lembro que concordamos na loucura. Sonhei com quem nem está na porta do meu armário, acordei pela manhã, alguém apagou a luz. O papo comigo foi até tarde. O cobertor no chão, nessa manhã fria, não explica minha garganta rouca.
 

::: R á p i d a s   R a s t e i r a s
 
"Não mige (sic) aqui. Se não gosto (sic), entre e reclame com a gente".
(Aviso simpático pintado em tapumes de uma construção em Curitiba. Vai encarar!?)
 

::: Contraprova
::: José Roberto Pereira <
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Homem nasce com medo de mulher.
 
E vive com medo de mulher.
 
Quando eu comecei a ver as mulheres como algo mais que objeto de nojo, isso lá pelos meus 8 anos, ao mesmo tempo em que os hormônios cantavam uma suave canção em minhas veias, muitos medos foram aparecendo.
 
O primeiro medo que tive foi o toque. As meninas que me tocavam eram visivelmente diferentes. Tinham coisas nos cabelos, metais nas orelhas, unhas pintadas, não tinham calças, nem cuecas. Falavam mais fino.
 
Minha vizinha me puxou num canto e disse que queria brincar de casinha. Eu, amigo, fui. Ela passava as panelinhas em minha perna, guardando as tampinhas dentro de meu short. Ela me fez abaixar meu short e expor meu pirulito, com que ela brincou um tempão. Eu, inocente, deixei-me manipular, sentindo um medo estranho, animal, de fumaça aonde não havia fogo.
 
Outra vez em que o medo virou real, foi quando a filha nova da empregada foi dormir no mesmo quarto que eu. Ela era uma pretinha feia, bocuda, mas muito alegre e brincalhona. Quando eu disse que ia dormir, ela, que tinha pouco mais de um ano que eu, disse que queria me mostrar uma coisa. Ela sabia que eu era curioso e concordei em descobrir a tal coisa. Ela sentou na cama, levantou o vestido e abaixou a calcinha, mostrando que não tinha pintinho.
 
O medo criou cara.
 
Os hormônios desceram em cascata, anos depois. Eu virei uma espécie de pára-raios de meninas provocadoras. Elas sentiam o cheiro de meu medo e vinham farejando minha perna, meu braço... e meu pescoço.
 
Nas aulas, tinha Valéria, uma loirinha de nariz de batata, que me pegava por trás e apertava seu corpo contra o meu. Me lembro que ela esfrega os ombros e eu sentia seu mini-soutien em minhas costas. No ano seguinte, as brincadeiras dela ficaram mais ousadas: ela aproximava o nariz de minha nuca e o esfregava em mim, ao mesmo tempo que me assoprava. Eu ameaçava chorar de medo, ela parava, e saída de perto de mim, rindo feliz e satisfeita com a tortura.
 
A segunda mulher que me mostrou mais detalhes do medo foi Nely (lê-se Nê-líh). Cabelos curtos e crespos, ditadora, retrucona, excelente aluna, me intimava constantemente. Me jogava giz (eu sentava lá na frente, ela lá atrás), bolinhas de papel expelidas pelo corpo da Bic laranja, papel de bala.
 
Um dia ela jogou-me um apagador que acertou em cheio minha testa. Abriu um galo, caí no chão, meio demente pela dor. Só me lembro de ver o sapato preto dela, brilhante, fivela com florzinha de plástico, perto de nem nariz, e algumas salivas que caíam em meu rosto, saindo das gargalhadas que ela dava.
 
Aos 12 anos veio a Ligia me atormentar, parecia que elas coreografavam os ataques. Ela era menina mais linda da escola. Disputada por tudo quanto era marmanjo, tinha cara da sétima série mandando bilhetinho pra ela. Loira também, olhos verdes grandes, peitinhos de pomba, cabelos arrumados em duas marias-chiquinhas, presos por laços ora azuis, ora vermelhos. Era moda na escola.
 
Ligia foi a menina que mais medo me deu. Ela via quando a Nely me jogava coisas e me olhava com uma cara esquisita, como se eu fosse uma lesma amassada por um sapato, uma barata que levou uma chinelada. Tentei conversar com ela um monte de vezes, pra entender o porque da coisa, mas Ligia recuava sempre que eu chegava perto. Uma vez ela me mostrou a palma das mãos, quando cheguei perto demais.
 
Um dia o Raimundo, um baianinho branco como cal e cara de maracujá novo, me empurrou na classe e sem querer caí em cima da Ligia. Ela me empurrou e me bateu como se eu fosse um cachorro. Quando me abaixei em posição fetal, no chão, ela começou a me chutar violentamente, como se eu fosse culpado pela morte de Jesus. Até que o servente impediu-a de quebrar uma costela minha.
 
Me lembro dela sendo arrastada pelo corredor de ladrilhos vermelhos, as mãos como garras unhando o ar, os olhos soltando um vapor mistura de lágrima, suor e fúria, os pés batendo no chão um sapateado sem ritmo, epilético.
 
Quando entrei na adolescência, me vestia de preto o tempo todo. As espinhas chegaram e tudo quanto foi mulher se afastou de mim. Até minha mãe me evitava.
 
Mas Lucia não me evitou. Magra, nariz arrebitado, morena, cabelos compridos, ela tinha 16 anos. Eu, 14. Estudávamos na classe do colégio Maria José. Eu não tinha amigos, só o Lobo, um mulatinho que fazia maromba e que ria de minhas piadas. Era o único.
 
Lucia conversava comigo e eu a ajudava nas matérias que ela não sabia e vice-versa.
 
Ela me chamou ao apartamento dela para estudarmos. Eu, fumante inveterado, acendi meu cigarro e ela o dela. Era um quitinete na Nove de Julho, uma caixa de concreto. A tia dela tinha ido trabalhar de enfermeira. E eu lendo sobre a batalha dos Farrapos.
 
Lucia tirou a blusa na minha frente e mostrou seus seios.
 
- Você sabe o que quer, heim? - comentei, pela primeira e última vez na vida.
 
Ela me empurrou no sofá, abriu minha braguilha e o botou na boca. A cabeça dela subia e descia entre minhas pernas, suas costas se esticando para o chão, suas pernas debaixo da mesinha de centro. O aparelho de som, um três em um da National, cara preta e azul, tocava Planet Patrol.
 
Manipulado oralmente, ele cresceu como eu nunca vira. A boca de Lucia ficou pequena demais para ele mas ela insistiu na coisa, subindo e descendo. Suas mãos abaixaram a calça jeans e os chinelos de pompom foram para direções diferentes e aleatórias.
 
Ela tirou ele da boca, veio  de joelhos para cima de mim, afastou minha jaqueta de couro, levantou minha blusa preta e me unhou o peito, ao mesmo tempo que se ajeitava sobre o que acabara de chupar.
 
Lucia ajeitou aqui, ajeitou ali e ele entrou nela. Ela rebolou no mesmo ritmo da batida eletrônica e abaixou a boca na minha, enfiando sua língua dentro de minha garganta. Tive vontade de vomitar, ao mesmo tempo que sentia um forte prazer.
 
Lucia rebolou umas vezes e a cada vez que eu entrava fundo dela, ela apertava as pernas, agitava a cabeça e mordia os dedos. Ela dançou daquele jeito umas cinco vezes, desmontou de cima de mim e foi ao banheiro.
 
De lá de dentro ela disse:
 
- Vá embora.
 
Acanhado, confuso, chateado, com o saco doendo, decepcionado...
 
Eu fui embora.
 

::: Chocalho dele que espera por você
::: Luiz Andrioli <
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Numa esquina qualquer ele sempre te espera. O falso dia de sol, revelado a frieza apenas pelo vento gelado lhe faz companhia. Ele fica lá, contando e recontando as moedas do bolso e a conta sempre para nos setenta e oito centavos. O tilintar das moedas no bolso faz lembrar o chocalho que deu para o filho, agora as cuidados de uma vizinha gorda que já foi freira.
 
Seis horas da tarde. Ônibus cheios, calçadas intransitáveis, o trânsito voa feito louco, levando cansados trabalhadores para os bairros de Curitiba. Filas. Alheio ao mundo, ele pensa numa história engraçada para te contar. Você sempre gostou de histórias engraçadas, mesmo sabendo que não eram de verdade... "Isto não aconteceu, né?", e ele as vezes confirmava que sim, as vezes que não... Mas você ria sempre. E ele gostava de te fazer rir. E você gostava de rir dele. E ele pensava que o engraçado era a história. Mas não existem histórias engraçadas. Existem apenas pessoas engraçadas que contam histórias e ele era uma destas pessoas. E você sabia disto. E ele (no fundo) também. Agora ele se pergunta porque há tempos não conta histórias para você.
 
Seis e trinta e oito. O relógio que ele carrega no pulso é digital. Sabe que há exatos oito minutos o sino bateu. O trânsito ainda cheio vai lento para os bairros. Levanta a gola da jaqueta de pano. Reconta o dinheiro. Você ainda não veio. Caminha até a banca. Pede um cigarro solto, filtro amarelo. Não olha as revistas, acende o Free no isqueiro na porta da banca.
 
Agora são dois números na cabeça: sessenta e três centavos e sete horas e dois minutos. Você não veio. O tilintar no bolso é mais fraco, o chocalho faz menos barulho nas mãos da criança... Quem sabe amanhã?
 

::: N a v e g a r   I m p r e c i s o
 
Infância 80
http://www.infancia80.com.br
Tudo para quem viveu a aurora da sua vida nos anos 60. O pessoal do Infância 80 desenterrou Juninho Bill, ex-Trem da Alegria e jogador de futebol no Mato Grosso numa entrevista explosiva! Tem também mp3 das canções que embalaram seus dias pré-púberes e lista de assinantes para quem quiser ficar por dentro das "novidades" da infância nos anos 80. Punk.
 

::: Novelinha barata em alguns capítulos - parte VI
::: Mateus Potumati <
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trilha sonora:
 
|+| coletânea do ócio (do fanzine londrinense Produto do Ócio), ainda inédita, a que este colunista tem acesso em primeira mão porque é camarada do Rafael e vai gravar umas cópias pra ele. bandas (que eu consegui distinguir): Búfalos D'Água; The Cherry Bomb; Grogues, Cegas e Violentas; Subtera; Os Picaretas; Vermes do Limbo; Trio do Ócio; e, claro, Espíritos Zombeteiros.
 
às seis e dez o relógio despertou. Cíntia levantou-se depressa, com uma disposição criminosa, enrolou-se precariamente num lençol e foi tomar banho. a bunda redondinha ficou à mostra quando ela virou de costas, e fiquei admirando-a até que saísse do cômodo. peguei no sono de novo. às quinze pras sete ela estava arrumada, com aquele cheiro de quem tem um dia todo pela frente, e me acordou.
 
comecei a me vestir, ainda no limbo entre estar acordado e dormindo. "e o gato?", balbuciei. "está bem, parece que não estranhou os outros". ah, sim: ela havia arrumado lugar para o bicho dormir, e também lhe dado comida. agradeci, dizendo que isso nunca teria passado pela minha cabeça. "ahá, olha ele aí. vem cá, meu amorzinho. já pensou num nome pra ele?" "não tive muito tempo. tem uma sugestão?" levantou o gato à frente do rosto, olhou-o por alguns instantes. "deixa eu ver do que você tem cara... você foi comprado como pretexto para uma transa, então é meio bastardo, veio de engano. mas é esperto e escapou de levar um banho de lama, e nem ligou pros gatos grandes que tem aqui em casa. é um sacana-esperto-sossegado, então. tem cara de... Xaveco. mas não um xaveco furado, como o do seu dono, um xaveco esperto, refinado". eu ri um pouco, enquanto enfiava o tênis. "é, Xaveco parece legal. fica esse mesmo", concluí.
 
terminei de me vestir e às sete estávamos na rua eu, Cíntia e o Xaveco. deixei-a no shopping vinte minutos depois. fui beijá-la na boca, mas ela beijou-me a testa
antes, apertou minha bochecha e saiu rápido do carro, rindo docemente enquanto eu fiquei ali, estático, com cara de merda. as mulheres sabem o que fazem quando agem assim.
 
segui para o centro, pensando firmemente em não ir trabalhar naquele dia e nem nos seguintes, e nem nunca mais. o jornal estava mandando todo mundo embora, o trabalho tinha acumulado nas costas de quem tinha ficado, e, claro, o salário filho da puta continuava o mesmo. além do mais, tinham saído os meus colegas mais bacanas, gente que não se subordinava a tudo que os donos e o núcleo de puxa-saquismo, que era como a gente chamava os baba-ovo da chefia, deliberavam. muitos dos que foram mandados embora eram pessoas extremamente competentes, alguns premiados internacionalmente, outros com anos de casa. eu mesmo só conseguira manter o emprego porque, por algum capricho do destino, os consultores de downsizing tinham ido com a minha cara na reunião de dias atrás. de camaradas mesmo continuavam ali na editoria o Birva e a Sandrinha, e só. o resto ou era puxa-saco ou era peão, carne-morta, replicante. eu não queria estar lá.
 
fiquei dando voltas no centro indefinidamente. a neblina era densa e estava baixa, tomando todo o bosque, e eu estava curtindo passar dentro dela de carro. tinha um cara dormindo junto com um cachorro na porta do correio, que ainda não estava aberto. uns velhos sentavam às mesas da frente do Zaqueu de Melo e iniciavam as primeiras partidas de dama do dia. à frente, a tia crente gordinha erguia a porta da loja de caldo-de-cana, que provavelmente não venderia muito naquele dia incrivelmente frio, e dava "paz'deus" pra alguns irmãos na fé.
 
sempre gostei de ver a cidade acordar, acho que é isso que me faz suportar o suplício de ter que levantar cedo todo dia. tinha sete anos quando meu pai me fez levantar às quatro e meia da manhã para ir com ele e o meu tio Altair fazer não-sei-o-quê numa firma da cidade vizinha. preparei-me com ansiedade para isso, e quando meu pai veio me chamar eu já estava acordado. senti-me orgulhoso por estar fazendo coisa de adulto, por estar tomando café-com-leite bem quente e ver a manteiga derreter no pão junto com os homens, que usavam cinto e botina de couro. até hoje a imagem do céu clareando no horizonte, quando as luzes da cidade ainda estavam acesas, me faz ter saudade de quando eu ia ser um homem. andei mais um pouco e, quando vi, estava na frente do prédio do jornal, de volta ao mundo dos homens que acordam cedo.
 
parei o carro, deixei o gato dentro e lembrei que tinha uma encomenda na farmácia da galeria. o balconista, velho conhecido meu, estava com cara de quem tinha dormido por três dias seguidos.
 
"fala, Jão."
"e aí, Chico, pulou cedo hoje", o sorriso amassando ainda mais os olhos orientais. eu chegava sempre às 8:30 no jornal. "frio do caralho hein meu?! fez 5 negativos ali na minha área, Vale do Rubi", disse esfregando as mãos.
"cacete, tudo isso? bom, pelo menos eu tive um cobertor massa".
"ôôô, voltou com a Paula?"
"nem, é outra".
"ahhh, o cara não marca touca. então desencana daquele remédio pra caspa?". soltou uma gargalhada pigarrenta - inverno e rompimentos amorosos me dão caspa, muita caspa, todo mundo sabe disso. quando enfrento rompimentos amorosos no inverno, então, a coisa fica crônica. "não, ainda não superei a Paula. vou ter que tomar essa porra de novo. ficou pronto?"
"pera aí, vou pegar".
o japonês entrou pela portinha do estoque e voltou com o pacotinho. paguei e saí. pensei em levar o gato pra casa, mas resolvi subir com ele só de sacanagem. aquele não ia ser um dia como os outros.
 
[continua]
 

::: A c h a d o s  &  P e r d i d o s
::: Dentaduras. Guarda-chuvas. Agulhas em palheiros. Ruivas solteiras. Lateral-direito pra seleção. Você procura e nós achamos.
 
LUIZ ANDRIOLI PROCURA: descobrir em qual filme do Van Damme que tem uma briga de galos. Eu juro que é por um bom motivo. É que o "motivo" é bailarina é pretende fazer uma coreografia baseada em rinhas. Ah, em tempo: o motivo tem 1,70m, uns 54 quilos, cabelos morenos compridos e pernas longelíneas... Vocês me entendem, né??? É um bom motivo! Respostas para [email protected].
 

::: Então
::: Ítalo Gusso <
[email protected]>
 
Então... a boa filha à casa torna.
 
Lá encontra seus antigos pertences:
um diário nunca levado a sério,
uma caixa de música com uma bailarina já sem os braços...
lembra-se do irmão,
os velhos discos,
roupas que não lhe cabem mais,
o travesseiro de penas,
a colcha de retalhos,
o som das folhas abanadas pelo vento leste,
a luz cadente de um sol cansado,
o cheiro de chão encerado,
panelas batendo na cozinha,
a tábua que range no corredor... lembra-se do pai,
as tardes passadas no lago,
a aranha de trás do relógio,
o relógio barulhento do corredor,
o primeiro amor,
a primeira dor,
o vazio das perdas... lembra-se da mãe,
o vazio das perdas... lembra-se do pai,
o vazio das perdas... lembra-se do irmão,
e na estante, sem perceber sua presença,
a boneca de porcelana deita seus olhos no horizonte de sempre.
Sem jeito ela se afasta,
como sempre sem jeito ela sempre se afasta.
A velha vó lhe oferece um chá e percebe as lágrimas...
mas sem jeito ela se afasta,
e corre,
e foge!
Pela janela, a boneca de porcelana tudo vê...
sem nada poder fazer!
 

::: Pessimista, eu?
::: Eduardo Fernandes <
[email protected]>
 
Acordo aflito no meio da madrugada. Nunca fui de ter insônia. Mas havia algo estranho naquela noite. Levanto-me, ando de lá pra cá, sem saber o que fazer ou pensar. Decido ler alguns e-mails.
 
Abro minha caixa postal e, entre amenidades e informações, leio a frase: "você é muito pessimista". Sinto o estômago revirar. Meio febril, desligo o computador. Vou ao banheiro. Lavo o rosto e tento parar de pensar naquilo. Não era uma boa hora para autocríticas.
 
Olho-me no espelho. Noto algo diferente no meu rosto, mas não sei bem o que é. Uma espinha? Parece. Mas não uma comum. Coloco o dedo, para examinar. E, de repente, a "coisa" começa a crescer, vertiginosamente. Transforma-se numa espécie de verruga, saltando do rosto.
 
Não há tempo de reclamar. Sinto dores fortes nas costas e começo a cambalear. O braço se mexe sozinho, as pernas perdem a força. Sou atirado na cama, como no filme Exorcista.
 
Um segundo de inconsciência. Sonhos estranhos. Quando dei por mim, havia me transformado. Onde estariam meus braços? O que seriam esses tentáculos gosmentos? Por que meu corpo está cheio de ventosas? Não deveria ter lido tanto Kafka.
 
Volto ao espelho, correndo. Ou me arrastando. Não sei. Era uma situação muito nova. Meu rosto também se transformara. Em algo disforme, cheio de escamas. Meus olhos ficaram vermelhos e não havia mais pupilas. Que espécie de monstro eu havia me tornado?
 
Tenho vontade correr e gritar, pedindo ajuda. Mas não: as pessoas não poderiam me ver com aquela aparência. Eu teria de fazer algo, sozinho. Mas o que?
 
Novamente, vago pelos cantos da casa, confuso. E logo já sentia o tédio de ser um monstro. Canso-me de pensar no assunto. Não me ocorria nenhuma idéia. Assim, resolvo ler os e-mails novamente.
 
Bzzzzzzz. O computador trava. Na tela, surge um estranho texto: "O que é pessimismo?" O que seria isso? Uma nova versão dos enigmas de Édipo?
 
O computador insiste: "O que é pessimismo?" Sem alternativas, respondo: "Não sei. Talvez enxergar sempre o lado ruim das coisas?". A tela responde: "Resposta incorreta".
 
Sem entender, deixo-me levar pela situação. O computador continua: "pessimismo é precisar desesperadamente sempre ver o lado bom das coisas. No fundo, o otimista é alguém que não suporta que tudo dê errado. Não gosta de pensar nem nesta possibilidade". Achei aquilo meio radical e até reducionista. Mas não havia um botão "questionar".
 
Aparece outra pergunta: "Um copo está meio cheio ou meio vazio?" Respondi: meio cheio (pra fazer uma pose de rapaz saudável). "Resposta incorreta. O copo está pela metade, obviamente".
 
Finalmente, alguma possibilidade de interatividade: "Você tem direito de fazer uma pergunta. Apenas uma".
 
Hmmmm. Você está dizendo que eu devo ser realista? Resposta: "Não seja estúpido. Realismo é um conceito vazio. Geralmente, acontecem coisas que, num primeiro momento, parecem absolutamente irreais e improváveis".
 
E então? "Temos de estar preparados para tudo. Inclusive para a felicidade". Senti um ar de auto-ajuda naquilo. E, realmente, a tela passou a exibir anjos, músicas bucólicas etc. "Quando se está preparado para o pior, as coisas boas têm um sabor bem mais forte, pois parecem presentes ou frutos de um trabalho exaustivo. É uma conquista e não um costume".
 
Eu já estava me debulhando em lágrimas. Na televisão, começa a passar uma reprise de Carrossel, aquela novela do SBT. Maria Joaquina, Cirilo...
 
Mas o computador estava realmente empenhado em me ensinar o que é "ser feliz". Ele parecia ter a fórmula disso. "Seja forte e ousado. Nas ações e nas análises. É isso que interessa. A verdadeira cegueira é o medo". Essa frase é do Bruce Lee, eu me lembro.
 
Milhares de frases começaram a circular pela tela, numa velocidade impressionante. "Esquecerás de tudo, todos esquecerão de ti", "é triste mas eu não me queixooom". Estava completamente hipnotizado.
 
De repente, o apagão. A cidade inteira está no escuro. Passo a mão por aquilo que restara da minha cabeça. Hora de se desligar. Afinal, o dia seguinte seria longo e cansativo. Eu ainda teria de aprender a viver com meus novos tentáculos e escamas. Mas pode vir que eu encaro.
 

::: F a l a   q u e   E u   t e   E s c u t o
::: Respostas para quem tem perguntas, mais perguntas para questões sem resposta. Em breve: concurso para ombudsman do Spam Zine. Mande desde já suas considerações a respeito do assunto.
[email protected]
 
"Boa tarde pessoal... faço jornalismo (1º. período) e gostaria muito de receber as publicações de vocês. De quem foi a brilhante idéia de elaborar esta revista on-line? Muito legal mesmo!!!!!!!!!! Parabéns a vocês, e gostaria de pedir-lhes, se possível, visitar o ambiente onde vocês trabalham... É aqui no Rio? Tenho muita curiosidade de saber como vocês escolhem as pautas, por quê se decidiram por esse tipo de editorial. Vocês poderiam me dar essa ajuda? Obrigado e aguardo as publicações dominicais."
Juciana M.S.
 
OS EDITORES: Juciana, a idéia partiu do Alexandre Inagaki. Ele já era colaborador de outros zines e resolveu montar um próprio, mesmo sem a ajuda do Sebrae. Hehe. Daí ele chamou a mim, que moro em Curitiba, para tocar o projeto ao seu lado. Sucede que o Spam não tem redação, Juci. As edições pares são comandadas por mim, de Curitiba; e as ímpares, pelo Alexandre, de São Paulo. Nós temos um time de colaboradores e publicamos textos que eles escrevem, sem pauta pré-definida. Também publicamos textos de leitores que se disponham a colaborar, desde que eles passem pelo nosso crivo de qualidade ISO-2001. Enfim, quanto ao editorial, nós também abusamos da liberdade, e escrevemos de acordo com o nosso espírito e do que temos para dizer aos nossos leitores. Sem amarras. Por isso pregamos amor livre e gostosinho para todos. Beijos do R.S.
 
"Alexandre, essa última edição do Spam (017) foi a melhor edição de todos os tempos."
Luis Gustavo Claumann
 
OS EDITORES: Vindo de quem veio, não podíamos deixar de registrar. Valeu, Claumann. Aos leitores: não deixem de visitar a nova página do 700Km, que cresceu e virou revista eletrônica, com domínio próprio e tudo! http://www.700km.com.br. Salutos do R.S.
 

::: C r é d i t o s   F i n a i s
 
Akelás:
Ricardo Sabbag <[email protected]>
Alexandre Inagaki <[email protected]>
 
Lobinhos:
Aline de Mello <[email protected]>
Eduardo Fernandes <[email protected]>
Ian Black <[email protected]>
José Kazi <[email protected]>
José Roberto Pereira <[email protected]>
Luiz Andrioli <[email protected]>
Mateus Potumati <[email protected]>
Orlando Tosetto Junior <[email protected]>
Suzi Hong <[email protected]>
 
Baloo:
Ítalo Gusso <[email protected]>
 
Spam Zine é um fanzine distribuído gratuitamente por e-mail todos os domingos. Para assinar o Spam Zine, visite http://www.spamzine.cjb.net (a casa é modesta, mas é limpinha). Envio de colaborações, pedidos de edições anteriores, cancelamento de assinaturas, críticas anárquicas, dúvidas existenciais e/ou mensagens de amor? Escreva: [email protected].
 

::: P. S.
 
1) Ai que dor de cabeça. (Sabbag)
 
2) E atenção: registraram o domínio spamzine.com.br. A página, a princípio, presta o valoroso serviço de criar uma lista de discussão anti-spam (não o zine). Notável o fato de escolherem o nome SPAMZINE para um grupo de discussão, mas tudo bem. Visitem o endereço e dêem uma olhada na peça. Queremos deixar claro que não temos nada a ver com os responsáveis pelo sítio e que somos contra quem registra domínios com nomes ligados a outras instituições com a simples e pura intenção de lucrar com a revenda do endereço. (Sabbag)
 
3) Aos meus amiguinhos & inimiguinhos: meu Outlook caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu. Tá certo que quem me conhece sabe que eu demoro MUITO para responder aos e-mails. Mas ao menos desta vez tenho um álibi, hihihi. (Inagaki)
 
4) Mais uma vez decisão nos pênaltis. Nada libertador para mim, torcedora histérica do Verdão, sofredora de taquicardia quando o lance é jogador cara-a-cara com o goleiro. Faz-se silêncio e meus ouvidos são todas batidas rápidas, respiração nula e olhos estáticos. Só não morri de enfarte na semifinal da Libertadores por vários milagres - de São Marcos e um soprinho de Deus. E que venha o Boca Juniors, o Corinthians de Buenos Aires (blargh). (Hong)
 
5) FESTA DE (RE) LANÇAMENTO DA PÁGINA ENLOUCRESCENDO!!!
 
:: FESTA DO AMOR - Leve o seu ou encontre um por lá
 
:: Show com a banda Berne
 
:: Na pista: Orlando Tosetto Jr. - Erick Muller - Renata Parpolov - Marcos Câmara a.k.a. Ian Black.
 
+ pop.rock + 80's + 90's + indie.gestos + rock.nacional + esquisitices + new.wave + muitas.outras.coisas +
 
DIA 9 DE JUNHO - AS 23:03 HORAS
 
BritRock Bar - Rua Cardeal Arcoverde, 1857 - Vila Madalena, Pinheiros - São Paulo (próximo a esquina com a rua Mourato Coelho)
 
Consumação: Meninos - 4 reais / Meninas - 2 reais
 
Informações: [email protected] (Black)