[S
p a m Z i n e]
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: 13 de maio de 2001
: são paulo, curitiba, rio de janeiro, goiânia, jundiaí, porto alegre, salvador
"Dormingão",
o dia mundial da preguiça. Os neurônios espreguiçam-se malemolemente na
minha cabeça, e a manhã fria em Sampa City me dá mais ânimo para voltar
à cama, sempre tão sedutora, lassa, lânguida. Ainda mais depois da festa
de ontem, na qual fiquei até às seis da madruga. Reencontrar amigos, conhecer
gente nova, ouvir música boa, conversar com pessoas legais: eis os motivos
pelos quais a vida vale a pena.
A edição
de hoje traz tudo isso. Colaborações de velhos conhecidos da gente,
como o Ian, o carlãO, a Rennie, o Mateus, a Aline de Mello, o Orlando
Tosetto. Amigos novos com textos bons pra compartilhar conosco: a Daniela
Sigaud, o Orlando Lopes. Muitos sorrisos, gargalhadas gostosas, confissões
olho-no-olho, historinhas boas pra compartilhar. Cá estamos, mais uma vez,
trazendo letras que, espero eu, sejam mais edificantes que careações no
Senado, e quase tão divertidas quanto ver o Van Damme armando barraco ao
ver a Gretchen rebolar.
Enquanto
ainda houver luz no fim do túnel, estaremos aqui, jogando papo fora em sua
caixa postal. E quando o racionamento de luz começar, um conselho ululantemente
óbvio: aproveitem o tempo livre sem computadores ou televisores conversando
com os amigos, fazendo amor, tomando vinho, lendo Cortázar. Vida é
uma coisa do caralho.
Havia
a Porta Da Esperança, aonde nunca sortearam a minha carta pedindo a
coleção completa de Star Wars da Estrela. O Qual É A Música e suas
disputas históricas entre Silvio Britto e Placa Luminosa, ou Gretchen e Sidney
Magal. E durante os comerciais havia a Semana Do Presidente, que eu
não entendia bulhufas, e aquele Jesus Cristo loirinho conversando com Deus.
...e
eu gostaria tanto de chamá-lo de meu filho...
Mas
chegava a noite e eu torcia para que meus pais ficassem mais um pouquinho
na casa da minha avó. Porque a vovó sempre assistia ao Show De Calouros.
Não que eu gostasse das palhaçadas do Sérgio Mallandro ou da antipatia do
Pedro de Lara, muito menos do fato da minha avó se parecer com a Aracy de
Almeida. Confesso que até sonhava em ganhar aquele troféu "honra ao mérito".
Mas o verdadeiro motivo que me fazia gostar de ficar na casa da minha avó
era porque ela não assistia ao Fantástico.
Quando
a gente chegava em casa mais cedo, meus pais ligavam a televisão no Fantástico.
Eu até tentava rodar o seletor de canais, já que o controle remoto ainda era
um sonho lá em casa, mas minha mãe me dava uma bronca e colocava de volta
no Fantástico.
O
video-clipe de "Thriller", do Michael Jackson foi exibido pela primeira vez
lá no Fantástico. e eu assisti e fiquei com medo do escuro por quase dez anos.
E
ainda havia a zebrinha que narrava os resultados da loteria esportiva. Era
ela começar a falar da coluna 1, coluna 2, coluna do meio, que eu corria para
debaixo dos meus cobertores.
Mas
o que me dava mais medo naquele show (de horrores) da vida eram as garotas
que ficavam dançando na abertura do programa. Elas eram supermaquiadas e usavam
roupas futuristas, num cenário, óbvio, futurista (maldito Hans Donner, malditos
anos 80). Para completar, elas ainda ficavam acompanhando o tema de abertura
com um "uuuuuuu" que era pavoroso. Eu até enfretaria os monstros de "Thriller"
montado em zebrinhas da loteria esportiva, contanto que eles não chamassem
as garotas da abertura do Fantástico.
Meu
irmão mais velho vivia tirando um sarro da minha cara. Como eu poderia ter
medo de mulher. Eu não tinha medo de mulher. Sempre adorei minha mãe, minha
avó, minha irmã e ainda era tinha uma quedinha pela Gigi, a menina bonita
do pré. E nenhuma delas usava aquelas roupas e maquiagens e nem moravam naquele
cenário estranho e não saiam cantando o terrível "uuuuuuu".
Meu
irmão sempre chamava seus amigos para jogar videogame em casa, o que me emputecia
muito, pois nestas ocasiões eu não podia nem chegar perto do Atari 2600. Um
dos amigos do meu irmão era o Cezinha. Ele costumava contar várias histórias
legais. Das vezes em que ele viajava para umas cidades legais, e eu sempre
aumentava um pouco para impressionar os meus colegas do prezinho, dizendo
que ele havia ido até para a Lua.
Mas
naquele dia, o Cezinha contou algo que me deixou muito feliz. Numa conversa
sobre mulheres, ele disse que havia comido a garota da abertura do Fantástico.
Eu que estava emburrado no meu canto, abri um sorriso enorme ao saber que
agora ela já não me assustaria mais nas noites de domingo, pois já estava
dentro da privada, ou no mínimo, dentro da barriga do Cezinha.
Eu
passei os dias que antecederam o Domingo me gabando para os colegas do prezinho,
pois era o amigo do meu irmão que havia comido e dado um fim naquela mulher
que aterrorizava as minhas noites de Domingo.
No
grande dia, estávamos na casa da minha avó e a minha coragem era tanta que
era capaz da zebrinha ter voltado para o zoológico de tanto medo. Meu pai
iria ficar um pouco bravo, pois ele sempre carregava aqueles bilhetes da loteria
no bolso. Quando estava para começar o Show de Calouros, corri para a frente
da televisão, fechei os olhos e respirei fundo e mudei o canal...
Ao
abrir os olhos, vi outras cores, outras mulheres muito mais bonitas, sem aquelas
maquiagens medonhas. E não havia aqueles cenários medonhos e muito menos o
"uuuuu", apenas um "é fantástico!!!" no final da música. Acho que eles ficaram
com medo do Cezinha comer outra daquelas garotas. Então voltei ao Show
de Calouros, e pensei comigo mesmo que o Cezinha era quem merecia ganhar
o troféu "honra ao mérito".
:::
L i s t a s A b o b r o l
PARTE
I
. Top
20 Motivos Pelos Quais R.E.M. é Melhor do que Sexo
1)
Você ainda pode ser amigo das pessoas com quem já ouviu R.E.M.
2)
É perfeitamente normal ouvir R.E.M. em grandes grupos...
3)
Ninguém vai rir de você se você mostrar sua coleção do R.E.M.
4)
Você pode ouvir R.E.M. em público.
5)
Sua mãe não vai ter um ataque se pegar você ouvindo R.E.M. sozinho.
6)
Você pode ouvir R.E.M. com sua irmã.
7)
Se você ouvir R.E.M. não precisará pagar pensão alimentícia mais tarde.
8)
Você não pega nenhuma doença ouvindo R.E.M.
9)
Quando você ouvir R.E.M. junto com alguém, vocês vão SEMPRE chegar juntos
no final.
10)
Você pode ouvir R.E.M. com as pessoas sem que elas queiram levar isso a sério.
11)
Você consegue ouvir R.E.M. por mais de 15 minutos.
12)
Não é um grande problema se sua mulher te pegar ouvindo R.E.M. com outra pessoa...
13)
Não há problema se você decidir vender CDs do R.E.M.
14)
Você não vai pra cadeia se ouvir R.E.M. com uma menor.
15)
Não é atividade ilícita menores visitarem sites do R.E.M.
16)
É normal ouvir R.E.M. com uma pessoa diferente a cada noite.
17)
Não há problemas em ouvir R.E.M. no colegial.
18)
Você pode ouvir R.E.M. mesmo se tiver 60 anos.
19)
Você não precisa colocar um preservativo no seu CD Player..
20) Você não precisa ter uma conversa embaraçosa com seus
filhos sobre o que é o R.E.M...
PARTE
II
.
Top 20 Exemplos de Coisas Melhores do que Sexo
.
Orlando Tosetto Junior <[email protected]>, depois de ler o texto acima e se convencer de que
QUALQUER COISA é melhor do que sexo.
1)
Tatuar búfalos. Você ainda pode ser amigo das pessoas com quem tatuou búfalos.
2)
Morder ratazanas vivas em bacias cheias d'água. É perfeitamente normal morder
ratazanas vivas em bacias cheias d'água em grandes grupos. Quer dizer, normal
não é, mas e daí?
3)
Engolir peças de dominó. Ninguém vai rir de você se você mostrar sua coleção
de peças de dominó engolidas. Talvez sintam-se meio estranhas, mas rir, não
vão.
4)
Torturar taturanas. Você pode torturar taturanas em público. Ninguém liga
pra elas.
5)
Beliscar as pálpebras. Sua mãe não vai ter um ataque se pegar você beliscando
as pálpebras sozinho. É um jeito meigo de puxar a pelinha.
6)
Vomitar. Você pode vomitar com sua irmã. Ou em cima dela.
7)
Esfregar vidro na cara. Se você esfregar vidro na cara não precisará pagar
pensão alimentícia mais tarde.
8)
Morrer. Você não pega nenhuma doença depois de morto.
9)
Algemar-se a alguém. Quando você sair pela aí algemado a alguém, vocês vão
SEMPRE chegar juntos no final.
10)
Grudar bacon cru na parede. Você pode grudar bacon cru nas paredes das pessoas
sem que elas queiram levar isso a sério. Bom... pensando bem, talvez levem.
Melhor esquecer essa.
11)
Olhar mosquitos. Você consegue olhar mosquitos por mais de 15 minutos.
12)
Matar coelhinhos a pontapés. Não é um grande problema se sua mulher te pegar
matando coelhinhos a pontapés com outra pessoa. Talvez ela se horrorize com
a brutalidade de vocês, mas jamais vai pensar que são amantes, por exemplo.
13)
Vender carvão. Não há problema se você decidir vender carvão. Tanta gente
vende, não é?
14)
Escanhoar ursinhos de pelúcia. Você não vai pra cadeia se escanhoar ursinhos
de pelúcia com uma menor. Por mais sugestivo e bizarro que isso pareça.
15)
Mandar menores à merda. Não é contra a lei mandar menores à merda.
16)
Fazer patê de sardinha com pêssego. É normal fazer patê de sardinha com pêssego
com uma pessoa diferente a cada noite. Menos normal é comer isso, mas, de
novo: e daí?
17)
Degolar porcos. Não há problemas em degolar porcos no colegial. Ou será que
há? E se for num desses passeios didáticos ao frigorífico? Acho que tudo bem...
18)
Beber lisoform. Você pode beber lisoform mesmo se tiver 60 anos. Aliás, mesmo
se tiver 80.
19)
Tapar a narina esquerda com um dedo. Você não precisa colocar um preservativo
no seu dedo. Nem no seu nariz.
20)
Chicotear um milharal. Você não precisa ter uma conversa embaraçosa com seus
filhos sobre o que é chicotear um milharal.
Para
muitas pessoas, ir ao Teatro Municipal é um acontecimento. Você vê aquelas
mulheres chiquérrimas, super arrumadas, parece até que vão subir no palco
e cantar alguma coisa. São elas que te olham torto se você vai de jaqueta
de couro ou, horror dos horrores, de calça jeans. E também são elas as ladies
que nem reclamam quando toca o celular de alguém, só para não fazer mais barulho.
Algumas
dessas senhoras estão lá sentadinhas acompanhadas. Mas também se vê senhores
arrumados e engravatados sozinhos, apenas apreciando a boa música. Talvez
com saudade de algum tempo distante ou de alguma pessoa distante. Talvez descansando
depois de um dia de trabalho ou somente passando o tempo.
Era
um desses senhores que estava ao meu lado na apresentação de um coro europeu.
Se eu
fosse mais antiga do que de fato sou, diria que era um senhor muito distinto.
Distinto era uma palavra que se usava mais antigamente, na época em que mais
pessoas eram, de fato, distintas das outras. Este senhor distinto deveria
ser médico, engenheiro, advogado ou professor, profissões de senhores distintos.
E deveria ser viúvo também, pois um homem distinto daqueles não iria sozinho
ao Municipal deixando a senhora em casa.
Ele
estava sozinho na cadeira extra do canto.
O concerto
começa com Händel. Eu, sob efeito de xarope para asma e fazendo um esforço
danado para não tossir, fico dividindo minha atenção entre o concerto e as
pessoas à minha volta. É quando reparo nele sentado do meu lado.
Ele
cochilava. Não apenas cochilava, mas roncava. Baixinho, mas roncava.
Uma
solista no palco dá um agudo mais agudo e ele acorda. Sabe aquela cara que
a gente faz quando começa a cochilar na primeira cadeira da sala da escola
e o professor acorda a gente? Foi assim que ele ficou, tadinho, do meu lado.
E
só fez essa cara porque era mesmo muito distinto.
Mulher
- Já que vamos ser colegas, que tal nos apresentarmos? O meu nome é Magdalena,
e o teu?
Homem - Você vai rir... - disse ele, tentando um sorriso,
mas todos aqueles espelhos o constrangiam.
Mulher - Ah, vou rir, nada! Fala aí, vai...
Homem - Bom... é que meu nome é Hilário.
Mulher
- Tudo bem, eu já disse que não vou rir.
Ele,
ofendido, entendeu que ela não entendeu. Pigarreou. Ai ai ai.
Homem
- Não, o meu nome é Hilário, mesmo.
Mulher - Tá, cara, é hilário, mas eu já disse que não
vou rir! Me diz, como é que é o teu nome?
Ele, incrédulo, perdeu a paciência:
Homem - Mas eu já disse, caralho, meu nome é Hilário!
Mulher - Rimou, rá rá rá! Você é engraçado. (Fez uma pausa,
recuperou-se). Tá, mas e o nome?
Com essa ele enlouqueceu. "Pronto", pensou, "além desses
espelhos, ainda essa chata. Sei não..."
Homem - É Tadeu.
Ela, finalmente, ficou séria.
Mulher - E qual é a graça? Tadeu não é nada hilário! Meu
marido é Tadeu e ninguém acha engraçado! Meu filho é Tadeu Lucas João Jorge
Filho Júnior Segundo Sagrado Melo Pereira de Albuquerque e... (puf...puf...)
e acho lindo! Lindo! Não tem nada de engraçado com Tadeu, tá? E chega, você
fica aí, todo estúpido, se achando o tal, e me ver insultar meus parentes!
Seu... Seu... Cretino!
E
paf, deu-lhe um tapa no rosto. Depois saiu, balançando o coque.
brasil,
aí vai finalmente mais um capítulo de vossa "noveliiinha barata em alguns
episódios" (* ler com voz de "versão brasileira becaéssseee"). como vocês
já sabem, a periodicidade é caótica, e por isso apresento-lhes antes, orgulhosamente:
ººººººººººººººººººººººoºoººººººººººººººººººº
ºº "cenaaaas dos últimos capítuloooos" (*) ººº
ººººººººººººººººººººoºoºoººººººººººººººººººº
no primeiro episódio (spamzine edição 3), Chico vai ao shopping atrás de peças
para consertar seu chuveiro, no meio do inverno londrinense. angustiado por
causa da situação profissional e amorosa, busca conforto numa exposição de
animais, onde conhece Cíntia (que não é um animal, mas uma mulher).
compra
um filhote de gato para não dar na cara, e consegue convencê-la a jantarem
juntos. depois da janta (spamzine 4), convence-a a aceitar uma carona.
no meio da carona (spam 8), Chico tece um comentário infeliz e acontece uma
briga, que no final faz com que Cíntia jogue lama em sua cara e roupa.
Chico se arrepende, chama-a de volta para o carro (frio rigoroso, vento cortante,
chuvinha fina lazarenta, sentimento de humanidade e tal). quando vai deixá-la
na frente do prédio no bairro suburbano, é convidado a subir para trocar de
roupa, limpar-se, etc. (meu deus, que argumento esdrúxulo). a moça que divide
o apartamento com Cíntia não está, e eles estão a sós.
Chico vai tomar um banho (spam 10) e ao sair veste por engano uma blusinha
da moradora ausente. depois da tiração de sarro inevitável, Cíntia vai ajudá-lo
a tirar a peça, mas ela fica entalada no pescoço do nosso babaca-e-herói.
sai somente com muita força, machuca-o, recebe consolo de Cíntia e, ao final,
um beijo. e então é agora, um domingo qualquer de agosto do ano 2000.
ººººººººººººººººo0oººººººººººººººº
ººº novelinha barata, capítulo 5 ººº
ººººººººººººººººoOoººººººººººººººº
|+| radiohead: ok computer, the bends;
|+| pedro: reclamações sobre o jean e o futuro da banda;
|+| south park - bigger, longer and uncut;
|+| the beatles: let it be;
|+| j. mascis: martin and me;
|+| coletânea que eu gravei com as bandas: pizzicato 5, beastie boys,
trail of dead, jon spencer, chili peppers, primal scream;
[frase da semana: "hahah! could you please tell us what our discussion is
all
abOUt?!"]
foi um beijo meio inocente, com licença da palavra, o que ela me deu - sem
língua, quase um beijo de consolo. mas foi um beijo na boca.
fiquei parado, sem reação, e só fechei meus olhos. quando acabou, ela me fitou
com um olhar cândido, sorrindo docemente, e afagou meu cabelo. desci minhas
mãos até sua cintura, e quando cheguei ali a segurei firmemente, puxando-a
para perto de mim. Cíntia inclinou sua cabeça para trás e jogou os braços.
o moletom subiu e deixou à mostra o umbigo longilíneo, o abdôme cheinho de
garota comum, e um pedaço da calcinha. com os polegares, segui a linha do
elástico e rocei a pele por debaixo. ela começou a rir meio sarcasticamente,
dando trancos no corpo, mas continuou na mesma posição. levantei seu dorso
com uma das mãos e olhei-a nos olhos. ela olhou para a estante atrás de mim
e apontou com o dedo. virei-me, era uma garrafa de um vinho italiano quase
cheia. "pega ali, vamos beber", disse.
sem soltar sua cintura, peguei a garrafa com a mão esquerda, tirei a rolha
com os dentes e dei um bom gole. Cíntia tomou-me a garrafa e deu um gole maior
ainda, desatando a rir depois. devolveu-me, sorvi outro tanto e ela soltou-se
de mim, fazendo um gesto engraçado como o de quem se desvencilha de uma criança
grudenta. ligou o som e pôs um vinil pra rodar, que consegui distinguir depois
de alguns segundos como sendo da Perla.
fui empurrado pra cama e, com a garrafa como microfone, Cíntia começou uma
dublagem hilária de "Chiquitita do meu coração". ela empenhava ao mesmo tempo
emoção e palhacice na performance, entre um gole e outro. os gestos eram intensos
e exagerados, perfeitamente harmônicos com a letra e as entonações da música.
ri até minha barriga doer e bati palmas efusivas no final, ao que ela agradeceu
curvando-se três vezes. deu-me a garrafa de volta, disse "bebe" e saiu do
quarto por uns instantes. fiquei ali, na cama, ouvindo incrédulo ao disco
da Perla e bebendo o vinho, que já iniciava seus milenarmente conhecidos,
louvados e sublimes efeitos.
qualquer resíduo de angústia - meu limbo existencial e tudo mais - foi sendo
aos poucos eliminado pelo álcool. eu bebia rápido, porque o vinho era bom
e fazia frio, e fiquei tendo pensamentos desconexos e rindo de mim mesmo.
comecei a fuçar nos discos, e perguntei a ela se podia trocar o som. ela gritou
que sim, à vontade, e pus um do Happy Mondays.
Cíntia voltou com uma pequena caixa de madeira, de onde tirou uma bolinha
preta e um cachimbo metálico. era haxixe. "vamos fumar?". eu não estava
mais fumando maconha fazia tempo, porque tinha parado de ser divertido pra
mim, mas costumava ser legal quando vinha por cima do álcool. além do mais,
não era maconha, era haxixe, e não é sempre que aparece por aqui. "dou umas
bolas", disse. sentou-se no meu colo, de frente pra mim, tirou uma lasca generosa
da bolinha e colocou-a no cachimbo. logo, aquele agradável cheiro verde-musgo
tomou conta do cubículo. com três bolas, mais o efeito do vinho, eu estava
no estado em que os homens têm certeza de que são deuses.
beijei-a, segurando-lhe a cabeça por trás enquanto descia suavemente com a
outra mão pela coluna abaixo. coloquei a mão por baixo do moletom e senti
a pele lisa e quente. ela me beijava mais vorazmente à medida que eu subia
em direção aos seios. toquei-os, senti-lhes a firmeza, apertei os bicos durinhos,
e ela começou a mexer a bunda por cima do meu pau, que também já estava duro.
total sincronismo de intenções, é disso que eu gosto.
ficamos nos bolinando até não agüentarmos mais de vontade, e depois nós acabamos
de transar.
*
ela adormeceu antes de completar o último pensamento sobre o desentendimento
com o gerente da exposição ("um paga-pau pervertido que tenta controlar a
vida dos empregados"). estávamos espremidos na cama de solteiro, eu com o
braço sob seu pescoço e ela com a bunda encaixada na minha pélvis. tentei
dormir também. fechei os olhos mas a insônia, como tem feito ultimamente,
tomou meus pensamentos com a ansiedade. a patrulha moral, que o vinho tinha
distraído com tanta eficácia, despertou com fúria, jogando contra mim fortemente
todas as verdades sobre o meu fracasso pessoal.
você
é um coitado, chico. é um pobre vagabundo que sonha demais, que flutua a meio
metro do chão e que não agüenta o tranco quando vê que vive de ilusões de
poder. pior do que isso, é um paranóico (ou sei lá o nome certo pra isso)
que imagina e sofre antecipadamente por desgraças que nunca acontecem. pior
do que isso, envolve-se amorosamente muito depressa, com qualquer uma que
idealiza, com você mesmo vendo sua mãe, no fundo. pior do que isso, é um perdulário
inconseqüente, e é bem capaz de não conseguir pagar suas contas este mês.
vangloria-se por possuir uma erudição precária, é intolerante e incapaz de
admitir qualquer erro seu. é violento com as palavras, e sofre de diarréia
verbal, sorri hipocritamente para pessoas que despreza, tenta mesmo ser gentil
com elas, e guarda sua animosidade para os mais próximos, com quem é mais
implacável do que consigo mesmo. de que adianta toda essa babaquice de taoísmo,
de Lévi-Strauss e Castañeda, de Nietzsche e Wittgenstein, de Morphine e Dinosaur
Jr. e Jorge Ben, se continua sempre sem saber a hora de calar a boca? mete
logo uma faca no peito, viadinho, reconhece que você é um fraco mesmo e faz
o mais fácil de uma vez. se matar é idiota, é patético, mas ficar vivo também,
e você não tá dando conta de fazer isso decentemente, então se livra desse
fardo.
fiquei mais algum tempo me depreciando, até que comecei a pensar em
alguma coisa agradável e peguei no sono também.
:::
M o m e n t o B r o d a g e m
:::
Mural de recados da nossa galera - quem é da nossa gang não tem medo.
Um
certo dia de 1986 acordei extremamente bem-humorado, dei uma revisada
geral em todas as minhas indignações, percebi que elas ficariam perdidas
nas seções "Cartas dos Leitores" dos jornais se eu decidisse botar a boca
no mundo e, então, criei a minha própria mídia. A F@brica nasceu assim,
comigo e mim mesmo, amparada na expectativa de se tornar um território para
a livre expressão do pensamento - todos eles.
Os colaboradores que hoje deixam A F@brica permanentemente aberta também foram
surgindo do nada profundo que é a própria Internet, aliando-se ao meu
desejo de observar as coisas e as gentes com olhares anticonvencionais. Não
quero falar da Xuxa - quero falar da menininha que berra na loja para ganhar
o brinquedinho e a roupinha que a moça jogou no mercado de consumo. Não me
interessa o show dos Backstreet Boys, mas a mocinha que sai desmaiada nos
braços do segurança. Passo longe de qualquer partido político, mas cerco na
esquina as pessoas que deles fazem parte.
Assim fomos indo, fomos indo...pode completar a frase com aquela piadinha
que, certamente, você conhece. Não temos a intenção, lá na F@brica, de
reiventar a roda ou modificar o mundo - prá quê? Não somos visionários ou
profetas, apenas um punhado de jornalistas que em suas respectivas redações
ganham o leite das crianças mas na F@brica encontram-se para gozar o
extremo prazer que é digerir idéias e jogá-las no espaço da Internet sem
absolutamente nenhum tipo de mordaça.
Jornalistas. Somos onze lá na F@brica - e se você quer um sabor especial no
tempero que mescla a união dessa pequena tropa, saiba que nunca nos vimos
e sempre nos amamos. Moramos na mesma cidade - e, no entanto, não nos
encontramos para tomar chope ou para xeretar a vida alheia. Gostamos que
seja assim, pois boa parte dos encontros fortuitos peneirados via Internet
acabam se revelando uma aporrinhação sem tamanho. Amando-nos à distância,
fervorosamente ligados ao nosso objetivo comum, mantemos o mistério das nossas
caras porque já desvendamos nossas almas. Isso é o que importa.