editorial
alexandre inagaki [http://inagaki.blogger.com.br]
 
TAKE 1 - PRENDAM OS SUSPEITOS DE SEMPRE
 
os olhos azuis de adele h. brilham na noite negra,
ela sempre aguardará por seu amado com lúcida e serena loucura.
- o amor é a mais negra das pestes, mas ninguém morre de amor, e quase sempre passa.
 
susan alexander kane grita para que forrest gump cale a boca.
norman bates observa deliciado a filha-neta de noah cross.
kowalski acelera seu dodge challenger em direção à luz perdida.
as luvas de gilda ainda evocam seu sexo doce e receptivo.
travis bickle sorri ao sentir o cheiro de napalm no ar.
blanche dubois sempre dependerá da bondade de estranhos.
michael corleone assobia melancólico a canção de nino rota.
norma desmond observa a tudo com olhos boquiabertos.
numa estrada empoeirada john huston orienta o seu elenco:
montgomery clift e clark gable entreolham-se cansados sem nada dizer,
mais uma vez marilyn esqueceu seu texto e ela cheira a mofo.
 
humphrey bogart morde a nuca suculenta de lauren bacall.
john wayne e steve mcqueen sorriem, sem pressentir o câncer ainda discreto.
pixote dorme, cego e inebriado, no colo de marília pêra.
toshiro mifune faísca estrelas ao manejar sua espada de samurai.
ginger e fred giram pelo salão disfarçando suas aversões mútuas.
bernard hermann assobia para hitchcock a trilha de vertigo.
ao fundo, james stewart personifica com perfeição um velho necrófilo,
devorando com o rabo do olho o decote de kim novak.
na sala do olvido, william holden agoniza, bêbado e solitário.
 
- nós sempre teremos paris.
aqui em texasville os mortos morrem de verdade, e precisam ser enterrados.
quanto a mim, sou apenas um figurante recortado um céu de celulóide,
que estraga todas as cenas sorrindo em direção à câmera.
(it's a wonderful, a wonderful life.)
 
***
 
TAKE 2 - PSIT, Ô DA POLTRONA
 
O filme que tirou meu hímen cinematográfico foi "Os Trapalhões na Serra Pelada". É quando recordo esse tipo de coisas que me conscientizo de como estou ficando velho. Oras, sou de uma geração que assistia aos Trapalhões no cinema! E pensar que provavelmente tive minhas primeiras ereções conscientes ao assistir, bem sorrateiramente e escondido de meus pais, à Sala Especial, exibido na Record todas as sextas às onze da noite, sessão de pornochanchadas produzidas pela Boca do Lixo paulistana nos anos 70. Dos poucos filmes que ficaram registrados em minha memória, destaco "Superfêmea", um "cRássico" da ficção científica com Vera Fischer, "O Homem de Itu", surreal produção com o carismático Nuno Leal Maia, "Lua-de-Mel e Amendoim", "Os Bons Tempos Voltaram - Vamos Gozar Novamente" e outras atrações estreladas por Rogéria, Helena Ramos e Zélia Martins. Uma pena que essas produções queimaram o filme do cinema brasileiro, que até hoje é sinônimo de sacanagem e diálogos recheados de palavrões para muita gente.
 
Com uma iniciação dessas, eu poderia certamente ter me tornado outro delinqüente cinematográfico, daqueles que desopilam o fígado assistindo a filmes de Adam Sandler, ou colecionando DVDs de "O Pestinha". Mas consegui escapar desta triste sina: me embebedei com Kurosawas, Capras, Truffauts, Wilders, Fellinis. Por um bom tempo da minha vida, alimentei a ilusão de me tornar cineasta. Infelizmente, como não sou filho de banqueiro, caí na real: me tornei bancário. E hoje, compenso a minha verve desperdiçada editando e-zines. O destino é um senhor cujo senso de humor é mui exótico.
 
***
 
TAKE 3 - BONS COMPANHEIROS
 
Antes de pedir a todos os espectadores que desliguem seus celulares e não joguem pipoca no chão, duas breves notas:
 
a) o Spam Zine saiu no no.com.br, mais precisamente na coluna de Pedro Doria, dentro do artigo "Literatura para o século 21". A citação foi realmente legal, mas é preciso dizer que houve um certo exagero. A história de "um novo movimento de escritores" que está surgindo graças à Internet é meio hiperbólica. E lembra muito o grande golpe de marketing cometido pelos cineastas dinamarqueses do movimento Dogma, que nada mais é do que um rótulo atraente para chamar a atenção da mídia & público a filmes bons independentemente de seguirem ou não suas regras, como "Os Idiotas" e "Festa de Família".
 
O assunto pediria mais reflexões e linhas do que vocês estão dispostos a aturar. De qualquer modo, se o marketing pegar, e o movimento começar a invadir nossos desavisados cadernos culturais, estas páginas precisam estar relacionadas como exemplos do melhor que pode se encontrar Internet afora:
 
http://www.falae.com.br
http://www.meninasnacaverna.cjb.net
http://entreparenteses.blogspot.com
http://www.pijamaselvagem.com
http://catarro.blogspot.com
http://orbita.starmedia.com/~socialmente_aceitavel
 
Ah, não dá pra deixar de citar outros e-zines como o MOL, o Tijolão e o CardosOnline, o pioneiro na Internet tupiniquim, capitaneado pelo grande Mr. André Czarnobai. As experiências visuais das colunas do Guilherme Pilla no COL, que lembram a inventividade gráfica dos tradicionais fanzines de papel, figuram certamente entre as melhores coisas que li ultimamente.
 
b) o Spam Zine passa a juntar forças com A F@brica, revista eletrônica editada há seis anos por jornalistas que se reuniram, via Internet, para exporem idéias, opiniões e comentários sem qualquer tipo de conexão com grupos políticos ou religiosos. Juntamos forças para que, munidos com ingenuidade, pretensão ou o que quer que seja, resgatemos da Internet a saudável anarquia que vigorava em tempos anteriores à invasão de banners publicitários que estão fazendo da Web um mediocrizante shopping virtual.
 
E agora, vamos ao que interessa. Peço a todos os presentes para que desliguem seus pagers e celulares. Boa sessão!

(ilustração da página: Henrick Manreza)
 
 
cinema mudo
nicole lima [[email protected]]
 
Domingo, aquele dia comprido de sol, dia de tomar refrigerante e comer a comida dos outros, dia de ir à missa. Domingo, invariável, aquele dia em que todos estão em casa, dia de brigar com o irmão, dia de fazer bolo e tomar café da tarde.

Dia de fugir de casa, sempre depois do almoço, enquanto a louça ainda pingava no escorredor, enquanto meu irmão se trancava no quarto com seus discos, minha mãe corrigia provas e meu pai monopolizava a TV variando entre canais de esporte e programas de auditório. Eu não tinha muitos amigos, nem discos, também não era boa aluna e nem
gostava de ler jornal, domingo era meu dia de ir ao cinema.

Dia de matinê em cidade pequena.

Adorava aquele mundo pouca luz, silêncio quebrado por risos, sustos e pipoca sendo triturada em punhados. Os primeiros minutos eram os melhores, toda aquela gente concentrada, os olhos fixos na tela, depois disso o filme podia ser ruim, o filme podia até acabar, nada era melhor do que aqueles primeiros cinco minutos, hipnose, "senta que lá vem história". A história mesmo não importava muito (alguém aí se importa com o que passa na sessão da tarde?)

O cinema era meu, era a minha poltrona, meu saquinho de pipoca, minhas duas horas de fuga semanal, ritual.

E foram anos, meu primeiro namorado na quarta série eu só via na matinê aos domingos. Ele nunca conseguiu pegar na minha mão, apenas dividíamos o mesmo pacote de balas, cenas, duas horas de silêncio compartilhado. Namoramos quase um ano assim, depois ele cansou e me trocou por outra que não ia ao cinema mas deixava beijar na boca. Nada traumático.

No ano seguinte minha mãe e eu nos mudamos para um cidade maior. Cidade dessas onde é difícil andar a pé. Fiquei sem pai nem irmão pra mudar o canal aos domingos e um ano inteiro sem ir ao cinema. Um dia minha mãe me chamou para sair. Eu, onze anos de idade, num inverno lascado, meio de semana, às oito horas da noite, sentada quietinha assistindo a um filme estrangeiro de quatro horas de duração censurado para menores de quatorze anos num cinema sem pipoca e sem lanterninha: "A Insustentável Leveza do Ser". Melhor que perder a virgindade.

Quatro horas sem piscar, olhos grudados na tela, brilhando, o mundo em volta desaparecendo. Chorei até desidratar. Um choro que não era por mim, por mim eu choro até sozinha em banheiro público, no cinema é uma tristeza falsa, cúmplice, coletiva, é uma tristeza qualquer.

Desenvolvi a partir daquele dia um paixão quase mórbida por filmes dramáticos, bom era sair do cinema com os olhos inchados, borrados, nariz vermelho. Bom era voltar pra casa e ficar horas em silêncio, a cabeça borbulhando de frases roubadas.

Descobri outros filmes, outras pessoas sentadas em filas numa mesma sala, gente que eu não vi, não conheço, gente que não vai me oferecer nem lenço, nem ombro nem carona pra casa. O melhor horário é a sessão das cinco, a gente entra de dia e sai quando já está escuro. Sensação de blecaute, anos fora do mundo, fora de mim, vivendo os devaneios de um outro alguém qualquer. Nada como pagar pra esquecer de si.
 
 
p a p o - a r a n h a
O guia moderno da cantada virtual. Encontre você também a tampa da sua panela: [email protected].
 
anúncios filmes "B" (parte 2 - a missão)
pedro vitiello [[email protected]]
 
D a r t h   V a d e r

Venha conhecer minha espada laser! Como chefe de um exército conheci muitas pessoas pelo universo, mas agora quero conhecer você!

Sou militar reformado, de grande respeito em meu meio, mas sem amigos (todos eles morreram inexplicavelmente). Procuro por princesas interessantes, mas inférteis, por gentileza (meu filho me trouxe muitos problemas, e minha filha é insuportavelmente chata). Sou responsável (tudo que acontece de ruim no universo é responsabilidade minha) e determinado.

Se você quer fortes emoções e não se importar com meu pequeno defeito na fala, sou o seu homem (ou meio homem e meio máquina). Eu garanto que você não vai querer se divorciar de mim (pois se quiser...)!!! Conheça o seu lado mais sombrio ao meu lado.
 
F r e d d y   K r u g g e r
 
Procuro por mulher companheira cega que goste de jardinagem e manicure. Tenho um pouco de acne, mas nada que seja feio. Sou o homem dos seus sonhos, pode crer!
Filme Predileto: Edward Mãos-de-Tesoura
 
Endereço: Elm Street, numero 13
 
J a s o n

De infância difícil e solitária, tive, no amor de minha mãe, um exemplo a ser seguido. Procuro por um emprego de segurança em acampamentos, mas por alguma razão, tudo dá sempre errado.

Meus hobbies são jardinagem, acampamentos selvagens e assassinato em massa. Sou meigo e carinhoso, sempre obtenho gemidos de minhas pretendentes. Você vai morrer de rir comigo, sou mortalmente engraçado.

Se quiser me conhecer, podemos marcar um encontro em uma floresta! Traga amigos! Estarei usando uma máscara de Hockey.
 
 
às que dormiram no meu ombro
alexandre carvalho [[email protected]]

Se a música nos remete a pessoas que marcaram ou mudaram nossas vidas, também o cinema teve esse efeito sobre mim. Provavelmente porque tenho sido um assíduo freqüentador de suas sessões, ao menos em relação ao cidadão comum.

Em meus dias de cinéfilo atuante, mantive uma média de quatro filmes por semana (no cinema, é claro); marcava-os em um caderninho, citando, além do nome da obra, seu ano de produção, o nome do diretor, a data e a sala em que a assisti. Mas vamos às pessoas.

Entrei na FAAP para fazer cinema. No primeiro dia de aula, conheci o Sérgio, que estudava publicidade. Passado um ano, em que aprendi pouco mais do que noções básicas de som no filme e história do cinema, desisti da aventura e me transferi para publicidade. Eu e o Sérgio começamos nossas carreiras de cinéfilos juntos. Saíamos correndo (literalmente) assim que os professores da segunda aula faziam a chamada, para chegar a tempo da sessão das dez. Começamos a freqüentar mostras, a ver sessões seguidas e a descobrir salas menos freqüentadas. A faculdade acabou e eu desisti de ser cinéfilo. Na verdade, vivo "correndo de um destino falido a outro, até desistir", e não me arrependo. Não combino com este tipo de compromisso, e o mesmo vale para outros assuntos da minha vida. Mas, enfim, deixei para lá.

O Sérgio continuou firme e forte, e hoje é a pessoa que eu conheço que mais entende de cinema. Nossos gostos divergem bastante (eu destesto os iranianos, ele ama Tarkovsky, que eu abomino), mas a amizade já dura doze anos, embalada em acaloradas discussões sobre música popular, saídas malucas e disputadas partidas de sinuca, em que ele consegue leve vantagem, apesar de alguns bons momentos de minha parte.

Meu namoro mais sério e mais longo também teve passagens memoráveis ligadas ao cinema. Eu era muito amigo dela, que era a ex de um amigo meu. Essa combinação de amizades nos aproximava, mas também criava obstáculos, embora houvesse olhares e insinuações sempre que estivéssemos juntos (e vivíamos grudados naquele tempo, fim da faculdade, como grandes amigos que éramos).

Numa tarde, acho que era outono, fomos assistir a "Singles - Vida de Solteiro", do Cameron Crowe, e há uma seqüência em que a Brigitte Fonda e o Campbell Scott (igualmente muito amigos no filme) se beijam e, após um momento de constrangimento, um dos dois (não me lembro qual) diz que "numa realidade paralela, seríamos amantes ardentes", ou coisa do tipo. Minha memória está afogada em álcool e som de pratos de bateria, o que me limita a precisão neste tipo de lembrança. Ela (a minha amiga, não a Brigitte) comentou que pensara em mim naquele trecho do filme. Pensei com meus botões, com um sorriso, "só a Ilane para comentar uma coisa dessas".

Mas ela tinha razão. Poucos meses depois, éramos amantes ardentes. Tivemos um namoro de pessoas apaixonadas e que se entendiam da forma como só os grandes amigos são capazes.

Até meu pai, sempre tão ausente às questões de lazer, teve o cinema como caminho de nossa aproximação, talvez até mais do que os jogos do Palmeiras. Frank Sinatra (em "O Homem do Braço de Ouro"), Paul Newman ("Marcado pela Sarjeta", "Gata em Teto de Zinco Quente"), Steve McQueen ("Fugindo do Inferno") e Montgomery Clift ("Um Lugar ao Sol") foram testemunhas de nossos momentos de maior união, ainda que assistíssemos a fitas de vídeo (meu pai não lidava com a idéia de ficar duas horas preso em uma sala, sem o cigarro que o levaria à morte).

Hoje, diminuí minha constância no cinema. Tenho me perguntado se as horas que passo assistindo às histórias de outros (fictícias ou não), na sala escura, representam um desperdício de minha própria história, ou se, como dizia um dos personagens de "As Coisas Simples da Vida", o cinema permite estender os limites de nossa vida, multiplicando as experiências a que, de outra forma, não teríamos acesso. Não sei. Juro que não sei, mas ainda descubro.
 
 
r á p i d a s   r a s t e i r a s

"Sou sensível às nuances de um personagem. Sou um sujeito que se exprime também, mas não apenas com palavras. 'Rambo' é um drama elizabetano sem texto, quase uma peça de mímica".
(SYLVESTER STALLONE, ator de filmes inesquecíveis como "Pare, Senão Mamãe Atira" e "Falcão, o Campeão dos Campeões", discorrendo sobre a composição psicológica de seu personagem Rambo)
 
"O que mais interessa as pessoas é o sexo. O amor é o efeito colateral".
(DOMINGOS DE OLIVEIRA, dramaturgo e diretor de um dos melhores filmes brasileiros que já vi, "Todas as Mulheres do Mundo", com Leila Diniz)
 
 
como construir uma sucursal burguesa numa ilha deserta
fernando s. goulart [[email protected]]
 
"Mamãe, quando crescer eu quero ser um náufrago". Essa é a impressão que temos ao sair do cinema após assistir ao novo filme de Tom Hanks, "O Náufrago" (CastAway). Pois é, Hollywood conseguiu novamente, transformou o desastre de um homem, perdido em uma ilha deserta, em um misto de spa com retiro budista.
 
O filme consegue igualar negativamente "Clube da Luta", porém, enquanto este explicita e ironiza as mazelas da sociedade capitalista, aquele as exalta. Senão, vejamos:
 
Primeiramente, a divisão do trabalho: Tom Hanks, que interpreta um engenheiro de sistemas da FedEx, inicia o filme dando uma palestra a seus entregadores russos, para quem ensina o valor do relógio no  espírito do capitalismo. A cena termina com Hanks presenteando um garotinho com cds de Elvis Presley, afinal, não há melhor soldado que o rei para colonizar um bando de ex-comunas.
 
O spa: após sofrer um acidente aéreo, Hanks encontra abrigo em uma ilha deserta. Gordo e desajeitado no começo, o personagem termina o filme magro e formoso, perfeito para os padrões de beleza da nossa sociedade e ideal para vender inscrições em academias e spas. O dono do Sete Voltas adorou...
 
A sucursal burguesa: perdido na ilha deserta, Hanks refaz a trajetória capitalista e passa de coletor das caixas que a maré traz, para fabricante de ferramentas até chegar a construção de barcos, só faltou encontrar o Sexta-Feira e fazer dele o seu escravo.
 
Finalmente, a alienação: na verdade, é Hanks quem se torna escravo de Sexta-Feira, ou melhor, Dr. Wilson, uma bola de vôlei que é o melhor amigo do náufrago na ilha. Ele se aliena e transfere suas emoções para a bola, sua vida não mais o pertence porque Dr. Wilson, que era pra ser o produto final de um processo de produção que inicia com a confecção e termina com a entrega, se torna dono de Hanks.
 
Mas não é só isso, além de propiciar o aumento no consumo de bolas de vôlei, o filme clarifica a alienação que o trabalho proporciona, explico: Hanks é um trabalhador compulsivo - no estilo funcionário padrão que ganha medalhinha de outstanding e quadro com fotinha no refeitório da firma - ele glorifica de tal maneira o seu trabalho que mantém consigo uma das caixas perdidas no desastre para entregá-la ao dono e cumprir a sua função com méritos, ou seja, o cara se aliena totalmente para desempenhar aquilo que foi designado, tanto que quando vai parar na ilha e fica sem o seu trabalho, ele se transforma, ora tentando se matar, afinal, sua vida perde o sentido ao ficar fora do mundo capitalista, ora se alienando na figura do Dr. Wilson, ora retornando ao seu verdadeiro eu (em um estado tosco e primitivo).
 
Lembrando Marx: "o trabalhador coloca a sua vida no objeto; mas agora ela não pertence mais a ele, mas sim ao objeto... A exteriorização do trabalhador em seu produto tem o significado não só de que o seu trabalho se torna um objeto, uma existência exterior, mas também que ela existe fora dele, independente de e alheia a ele, tornando-se um poder autônomo frente a ele, o significado de que a vida que ele conferiu ao objeto se lhe defronta inimiga e alheia".
 
 
n a v e g a r  i m p r e c i s o
 
cenas insanas e defeitos especiais
O recanto dos trash movies na Internet. Conheça os trabalhos de Pepa, o Roger Corman do Grajaú, e mude a sua vida descobrindo jóias como "Coronel Cabelinho e o Assassinato do Portuga", "O Shaolin do Grajaú" e "Gordelo, o Traficante de Brinquedos".
 
o cinema é meu templo e nada me faltará
Segundo a própria descrição da página, a Hollywood Jesus procura analisar a "cultura pop sob um ponto de vista espiritual". Além de surpreendentes resenhas de filmes como "O Exorcista" e "Star Wars", não deixem de conferir aqui a "estranha conexão entre a Cruz e Hollywood". 
 

sobre cinema, montanhas-russas psicológicas e mãos-bobas
mateus potumati [[email protected]]
 
a primeira lembrança que eu tenho a respeito é de quando meus pais me levaram pra ver "Superman". nem sei quantos anos eu tinha, talvez 3, mas me lembro perfeitamente de ter ficado fascinado com o tamanho da tela, com o som, e com o azul dos olhos e da roupa  do Super. ele era perfeito, voava perfeitamente e sua história de garoto órfão do espaço sideral que adotou a terra como lar me comoveu. fiquei fã, comprei gibi até uns três anos atrás, quando a qualidade das histórias caiu ridiculamente (ok, os gibis do Super-Homem nunca foram os mais cool, mas depois daquele lance de morte e ressurreição eles conseguiram piorar - muito músculo e NEON pra pouco sangue), o preço subiu vertiginosamente, e eu cresci chatamente.
 
mas o cinema, ah que poder, que invenção americana deliciosa. sim porque, se foram os Lumière os criadores do mecanismo de projeção, foi a judeuzada americana que fez dele um excelente negócio. como o futebol, que nunca teria encontrado sua glória máxima se não fossem os brasileiros.
  
indiscutivelmente, os filmes de que mais gosto são americanos. de vez em quando aparece um inglês, um escocês (ainda ficando no universo anglo-saxão), ou um italiano, um francês, um japonês, ou até um brasileiro (é uma pena que o cinema brasileiro tenha sido extinto) pra lembrarem que, sim, o mundo é grande e belo. mas os americanos comandam, porque foram eles que criaram a noção de "montanha-russa psicológica", ou  seja, mesclaram entretenimento e arte como ninguém.

meus filmes prediletos? quem se importa? pule os parágrafos seguintes se não te interessar, porque agora já me empolguei. em primeiro lugar, vou dizer, como todo mundo sempre diz quando tem que fazer uma lista: difícil dizer, tarefa ingrata. não vou conseguir  fazer uma só e serão listas talvez bem pouco interessantes aos cinéfilos de carteirinha, mas vamos ver como seria a minha locadora de vídeos dos sonhos:

  ::Seção SANGUE::
  O Poderoso Chefão, lógico;
  Taxi Driver, lógico;
  Cães de Aluguel, lógico;
  Assassinos Por Natureza;
  Cova Rasa;
  Rebeldia Indomável (Cool Hand Luke);
  Pulp Fiction;
  Lúcio Flávio (o melhor filme brasileiro pra mim);
  Hannibal (de que gostei mais do que Silêncio dos Inocentes).

  ::Seção adolescência demente e feliz - alguns assistidos após a adolescência cronológica usual::
  De Volta Para o Futuro;
  Curtindo a Vida Adoidado;
  Quanto Mais Idiota Melhor;
  O Sentido da Vida;
  A Vida de Bryan;
  Top Secret;
  Banzé no Oeste;
  Como Enlouquecer Seu Chefe (Office Space);
  South Park - Bigger, Longer and Uncutted (ou algo assim);

  ::Seção pirou o cabeção::
  Quero Ser John Malcovich;
  2001 - Uma Odisséia No Espaço;
  Planeta dos Macacos;
  Os Pássaros, Um Corpo Que Cai, Janela Indiscreta;
  Os Suspeitos;
  Matrix, Clube da Luta, Beleza Americana;

  ::Seção terror::
  O Bebê de Rosemary;
  O Iluminado;
  Poltergeist;
  O Exorcista;

  ::Seção pode falar o que for, mas é um filmaço::
  Predador;
  Rambo - First Blood;
  Mad Max 1 e 4;
  Alien - o Oitavo Passageiro, Alien - o Resgate.

fora isso, posso fazer uma seção "embalos do cúmulo da tarde" (nota: a genial expressão "cúmulo da tarde" foi cunhada pelo meu irmão Pedro Paulo e designa o momento em que você constata que acabou "Vale a Pena Ver de Novo" e você ainda não arrumou nada melhor pra fazer, então resolve encarar a sessão da tarde): qualquer um da série Star Wars, qualquer um da série Indiana Jones, qualquer um do Roberto Carlos, qualquer um com Michael J. Fox e Matthew Broderick, Goonies, Aventureiros do Bairro Proibido, qualquer um dos Corram Que a Polícia Vem Aí, Mazaroppi (grafia temerária). como nem tudo são flores, algumas decepções: Tempestade de Gelo, A Bruxa de Blair, Dogma, Alta Fidelidade (que, confesso, tenho a firme convicção de que o Nick Hornby só deixou sair do jeito que saiu por causa da grana), Stigmata, o Batman do George Clooney, a pataquada A Vida é Bela/Central do Brasil, a pataquada Gladiador, Caetano Veloso. opa, este é decepção, mas não é filme.

ia fazer uma seção pornô também, mas chega. deixo a estante pro Mojo Pellizzari porque ele manja mais.

                        *     *     *
                        
fora assistir ao filme, tem toda a experiência de ir ao cinema, o escurinho e tal. Forrest Gump é um filme de que não me lembro muito bem, porque fiquei a sessão inteira bolinando uma namorada nova, que se revezava entre soltar gemidinhos e chorar com mais um drama tipicamente Tom Hanks.
 
também tenho saudade da época em que eu morava em Marília, fazia colegial e ia com uns amigos dementes ao cinema de vez em quando. um deles, o Gordo, uma vez ficou durante as duas horas inteiras do filme (Predador, eu acho) arrancando seus próprios pentelhos e jogando-os no cabelo da garota sentada à frente. teve essa fase, o Gordo: mandava envelopinhos cheios de pentelhos escarrados (para dar um efeito espermático) às garotas ocludas da sala, fez até um FLUFFY (ei, lembra disso, Inagaki?) de pentelhos espetando-os minuciosamente com uma lapiseira numa borracha escolar. enfim, coisas normalíssimas no primeiro colegial.
 
pois ficou lá o Gordo, deve ter arrancado tudo, jogando pentelho na pobre. quando as luzes se acenderam, a imagem era bizarra e inesquecível: aquele pusta cabelão loiro, ondulado e quase até a cintura, pentelho preto e escroto de um moleque porco e punheteiro de cima abaixo. a gente riu muito daquilo, claro, mas só anos depois, quando as garotas começaram a entrar mais na minha vida, fui me dar conta de que deve ter sido um choque muito grande pra ela, se bobear deve ter raspado a cabeça (eu teria feito isso). moleques podem ser terrivelmente maus, e o cinema sabe disso (vide O Anjo Mau e, principalmente, The Bucther Boy). garota loira, onde você estiver hoje por favor me perdoe por ter rido de sua desgraça e não tê-la impedido quando pude.

pois é, boas lembranças. eu gosto de cinema e me arrependo de ter perdido alguns de meus filmes prediletos quando estavam em cartaz. vídeo é sempre um modelo reduzido, uma emoção limitada, mesmo que seja um dvd com home theatre e os diabos. ainda fico com o salão escuro, a bala de caramelo, a pipoRca e a mão boba.
 
 
oscar
carlãO [[email protected]]

filme comum
desses que assistimos
e apenas dizemos
humm

mas verídico passou-se em meu olhar
não precisou de encenação
entre takes toques e desenrolar
fez-se a produção
cujo custo foi errar de tanto amar
e um grande furo no coração

meu cartaz e o teu sem nítidas cores
atores canastrões deselegantes
rodeados dos filhos coadjuvantes
sem explicações do que se sente

quando anunciarem os vencedores
estaremos satélites sem planeta
feitos a matéria da estatueta
fria e com caricatural esboço de gente
 
 
l i s t a s  a b o b r o l
 
top 10 cenas de sexo no cinema
 
Cena 1:
O documentário "Canal 100", de Carlos Niemeyer, que passava antes dos "trailers" dos filmes. Eram 5 minutos somente sobre cenas de futebol. Com tomadas "fechando" nos detalhes do gramado, da bola, da chuteira... os músculos das "batatas da perna" (que os cronistas e repórteres de campo insistem em chamar de "panturrilhas") dos jogadores correndo... o "close" no olhar do artilheiro acompanhando a trajetória da bola... o suor respingando... a torcida... o Gol... gritos, bandeiras, foguetes... or-gas-mo "purinho".
 
Cena 2:
Sharon Stone. Basta o nome. E precisa escrever mais? Tudo bem. Vocês pediram. Por exemplo todas as "comidas" que ela dá no Michael Douglas no filme "Instinto Selvagem" ou a "tradicional comida por trás usando a mesa como apoio" que   Baldwin (o irmão do Allec) dá nela no filme "Invasão de Privacidade".
 
Cena 3:
O final de "Cinema Paradiso". Não vou dizer qual é a cena, pois seria maldade para quem não assistiu ao filme, que eu re-comendo.
 
Cena 4:
"Susie and The Baker Boys": Michelle Pfeiffer cantando e dançando. Chega.
 
Cena 5:
O filme chama "Mapa do Coração". Assisti na "TV acabo comigo". Só me lembro que o casal transa em cima de um balão... balão de verdade, gente! Não é em balão de festa de aniversário de criança, não. Aliás, transar no salão de uma festa infantil, pode ser até excitante... difícil é encarar o pessoal na festa do próximo ano. 
 
Cena 6:
Jack Palance pintando as telas da "amada nua" - filme "Bagdad Café".
 
Cena 7:
Robert Redford e Kristin Scott Thomas dançando uma Country Music em "O Encantador de Cavalos".
 
Cena 8:
Clint Eastwood. O filme é "Pontes de Madison", com a Meryl Streep. Assista a este filme e depois me diga o que achou da cena que ela atende ao telefone, de pé, atrás dele. Ele está sentado à mesa. Ela, falando com uma amiga ao telefone, coloca a mão sobre o ombro do Clint (deixa eu chamá-lo de Clint; é porque eu já tomei uns "goles" com o Clint em Tijuana, México, cidade fronteiriça de San Diego-CA, USA...); ele, surpreso com este carinho despretensioso, resolve levar a mão direita dele até a mão da Meryl que está no ombro dele. Pessoal, eu não estou delirando não. Eu vi isto! Juro! Tá tudo filmado. A gente vê a mão dele subindo. Mas ele pára na metade do caminho...
 
Cena 9:
Vocês assistiram a "Uma Cilada para Roger Rabbit"? Filme que mescla, com perfeição, as imagens dos "humanos" com as cenas do "desenho animado". A cena é a primeira aparição da Jessica, a "namorada" do coelho "Roger Rabbit". Eu s-e-i que vocês vão me achar exagerado por dizer que aquela "desenha animada" é muito "tesuda". Pois eu disse! Vocês devem estar achando que eu sou tarado. Vamos então contemporizar. Eu retifico o que disse: ela é muito "coelhuda"! (faço aqui um agradecimento literário à Nicole Lima pelo neo-lingüismo "saiúda curtuda" in [S p a m Z i n e] - edição 012).
 
Cena 10:
Esta Cena é 10! (putz! "- Não acredito que eu escrevi isto". "- Nem eu".)
 
Filme "A Dama e O Vagabundo". 
Atores Principais: Ex-Diretora do Prodasen e Ex-Senador da República. Não me perguntem qual será o Ex-Senador. Dizem que um vai renunciar. O outro, será que vai ser cassado? Só sei que "rolou" alguma coisa "que ainda não foi contada": A troco de quê a Ex-Diretora do Prodasen "atendeu" ao "pedido/ordem" para violar o painel eletrônico do Senado? Se tivesse umas pitadinhas de "dólares" e umas doses de "adultério", dava para entender melhor este filme...
 
Pessoal, na verdade desde o início deste texto, eu estava "guardando" a cena do filme "A Dama e o Vagabundo" (desenho animado de Walt Disney) para finalizar esta coluna. Este filme foi o primeiro a que eu assisti, com 7 anos, há 30 anos (corre e pega a calculadora... 7 + 30 = 37. B-I-N-G-O ! descobriu minha idade). A cena é aquela em que os dois estão comendo espaguete, no mesmo prato, começam a "chupar" o macarrão... mas estão chupando o mesmo fio... à medida que vão engolindo o macarrão, se aproximam e acabam "se beijando".
 
Reeditei esta cena, recentemente, em New York City, no bairro "Little Italy", junto com a minha Rainha Branca, numa cantina italiana, comendo "Spaghetti a Carbonara"...
 
Em tempo: não reeditei a cena do macarrão; somente a do beijo... as demais foram t-o-d-a-s "cenas de cinema"...
 
 
kinema
orlando tosetto junior [[email protected]]
 
Em 1972, São Paulo era para mim “a cidade”, o centro velho. Saíamos a pé da Maria Marcolina, no Brás, aos domingos, cerca de oito e meia da manhã. Íamos a pé. Kinema. Subíamos a Rangel Pestana, passando pelas porteiras, e logo à esquerda havia o Cine Piratininga, “a maior sala do Brasil” (hoje é um estacionamento). Antes, no Largo da Concórdia, à nossa direita ficava o Teatro Colombo, no mesmo lugar em que hoje se ergue a Caixa Econômica; e a uma quadra, na Firmino Whitaker, esquina com Saião Lobato, o cine-teatro Oberdan (onde Bill Halley e seus cometas tocaram numa tarde de sábado, nos anos 50, e a platéia ainda achou forças para quebrar umas cadeiras, e que hoje é loja da Zelo).

Se a gente descesse a Celso Garcia no sentido do Belenzinho, teríamos a cinelândia do Brás diante de nós. Em frente à Pirani (falida em 1972 – em 1989 ainda havia, pendurado numa parede, um anúncio de “baralhos a Cr$ 3,00”) havia o Fontana, quatro salas com a melhor programação (hoje um pedaço é igreja, outro é shopping de outlets com barbearias e outras besteiras). Na mesma calçada da Pirani, quase esquina com a Bresser, havia o Cine Universo, onde vi com a minha mãe, num sábado aterrorizante, “Marcelino Pão e Vinho”, e depois o primeiro Super-Homem. Mas antes do Universo, na esquina da Carlos Botelho com a Costa Valente, havia o cine-teatro onde era gravado “Astros do Ringue”, cujo nome eu nunca soube, e do qual resta, além de um suntuoso balcão externo, uma lira estilizada no telhado. É um belo posto de gasolina.

Passando a Bresser, e do outro lado da avenida, estava o Cine Roxy. Hoje é a sede da Universal, que aproveitou e arrasou todo o lado esquerdo do quarteirão para fazer um estacionamento a céu aberto. E, no quarteirão seguinte, esquina com João Boemer, havia o infausto Cine Brás, que tem lugar de proeminência nas minhas futuras memórias pornográficas, e que, depois de cinema, foi casa noturna, bailão, e hoje parece ser centro de estoques de algum magazine.

Mas nós não descíamos a Celso Garcia, e sim subíamos a Rangel, pra “cidade”. Passando a Praça Clóvis, geralmente entrávamos na Roberto Simonsen onde, quase esquina com a Venceslau Brás, do ladinho mesmo do Solar da Marquesa, havia um cinema cujo nome também não lembro, e que também foi transformado em estacionamento. Dali contornávamos a Sé, e havia duas opções: Rua Direita, com o Viaduto do Chá, ou XV de Novembro, passando ao lado do Martinelli. Se o domingo fosse sem pressa, descíamos a Direita, passávamos pela Praça do Patriarca, ganhávamos o Chá, e entrávamos pela Barão de Itapetininga, onde havia o Cine Barão, na mesma galeria que abrigou a saudosa Wop Bop Discos (já não há mais nenhum dos dois). Se, porém, escolhêssemos atravessar o Anhangabaú, sobre o Buraco do Adhemar, teríamos quase de frente pra nós o Cine Cairo (em cuja passarela, no quarto centenário, vários hollywoodianos de sucesso desfilaram, e que passa hoje o trivial variado do sexo explícito) e, já na São João, quase em frente aos correios, teríamos à nossa esquerda o Cine Saci (mesma programação). Ainda não havia as salas dos cines Avenida e Las Vegas, rebentos recentes do sexo, e que hoje lá estão, exibindo o vigor possível.

Então cruzávamos pelo Largo do Payçandú (atenção, Inagaki: é essa mesma a grafia correta, graças a Mr. Amauri, meu primeiro chefe, e seu histérico dicionário de locações) e, esticando o pescoço, víamos à direita o suntuoso saguão aberto do Cine Paysandu (escrito erradamente, e que hoje é um bingo). À esquerda, estavam, pela ordem, o Art Palácio (sexo explícito), a saída das três salas do Olido (que ainda resiste) e, passando a Dom José de Barros, o Ritz, com seu salãozinho turco (ou de chá, com cadeirinhas de ferro – fechado e para alugar). Na Dom José, só alguns metros pra cima, havia e há o Cine Dom José (onde, numa inesquecível semana santa em 1983, havia três cartazes de filmes – à direita, “As C... de C... Que Dão O C...”; à esquerda, “Pervertidas e Depravadas”; e, no meio, a “Paixão de Cristo”).

Depois atravessávamos a Esquina do Caetano tendo à nossa esquerda, e no mesmo quarteirão, o Cine Regina, o Ipiranga com suas duas salas, o Marabá, com sua imensidão e o balcão (que hoje está fechado), e o Cine República (sexo explícito). Se a gente seguisse mais pra frente, tinha chance de ir parar no Cine Copan, em forma de anfiteatro e que hoje abriga mais uma malfadada igreja (não sem antes passar pelo Cine São Luiz, escondidinho naquela galeria que dá na Praça Dom José Gaspar - fechado). Ou, se contornássemos a Praça da República e descêssemos a Vieira de Carvalho, saíamos no Largo do Arouche, bem perto do Cine Arouche, onde, no inverno de 1990, acompanhado por um LP do Sam Cooke, vi o “Cinema Paradiso”, pensando nela e chorando (hoje, é boate de strip-tease). Mas não; nós seguíamos a São João no rumo do cine Metro e sua matinée, com Tom & Jerry e Pato Donald.
 
Podíamos continuar andando pela avenida e ver, mais à frente, o Cinespacial, redondo e com quatro telas (fechado), e depois o Comodoro, com sua tela de Cinerama (fechado). Mas não íamos. Ficávamos no Metro (que hoje também é igreja), sem pipoca nem refrigerante (e sem nem pensar nisso). Eu era menino de 5 anos, fitava vidrado a tela onde o gato levava pauladas estrondosas e gritava escandalosamente, sentindo a dor do bicho e esperando meu pai rir pra rir depois. Meu pai, um sisudo senhor italiano que acreditava nas ruas e ia de paletó a uma matinée dominical. Que começava por volta das dez, então era a conta certa de um homem de cinqüenta e dois anos e um menino de cinco andando uma hora e meia por avenidas e ladeiras.
 
Se fôssemos à avenida da Liberdade, chegaríamos ao Cine Niterói, onde passavam todas as produções japonesas que importavam (e todas as que não importavam também – virou uma espécie de dancing para orientais). Ou na R. Silva, ver o prédio neoclássico do Cine Liberdade (que é um restaurante desses de quilo, misturado com academia de judô). Mas era raro irmos lá; íamos mais ao Pari, esquina da João Teodoro com a Avenida Vauthier, onde havia o Cine Rialto (na esquina diametralmente oposta funcionou, anos depois, O Templo, boate punk da primeira hora). No Rialto vi, em 77, com o Pedro, “Guerra nas Estrelas”, e alguma coisa do Mazzaropi com minha mãe, um que tinha aquela música sertaneja que rezava assim: “Nestes versos tão singelos / minha bela, meu amor, / vou cantar para você / o meu sofrer, a minha dor / Eu sou como o sabiá / quando canta é só tristeza / Dá vontade de chorar”. Dava mesmo, e o povo chorava direitinho. De cinema o Rialto virou casa de danças do Zé Bettio, forró, e finalmente loja de pneus. Hoje não sei mais o que é.

Minha cidade é cruel. Há dúvidas de que seja mesmo uma cidade, e não prédios e ruas que brotam a esmo e estão perenemente de costas uns pros outros, esquecidos, isolados, sem relações. Ruas que não se falam, prédios que não se bicam, assassinatos anônimos. Deve ser uma besteira a gente se entristecer com a morte de um cinema, com a desaparição de uma sala escura onde apertamos um peitinho, onde roubamos um beijo de língua e depois saímos à rua, todos anchos, quase exclamando “eu também beijei uma mulher”, ou onde simplesmente ficamos de cabeças encostadas chupando balas Van Melle. Tudo muda na cidade cruel sem mais lamentações. As casas em que nascemos viram pó; as escolas se transformam em lojas, as lojas em prédios, os prédios em nada. Andamos por ruas quase escuras que na verdade não conhecemos, e que não nos conhecem.

Tudo se move na cidade cruel. Nós nos movemos. Kinema.

 
f a l a   q u e   e u   t e   e s c u t o
Mande suas críticas, sugestões e comentários engraçadinhos para [email protected]. Aqui, trechos comentados de correspondências recebidas na última semana.
 
"comentários sobre o último spamzine, que gostei muito, e sobre o texto sobre o Dancer in the Dark. (...) claro que chorei pra caramba. chorei, abri a boca, solucei, e olha que eu nem gosto da bjork. parando pra pensar um pouco mais, tive um pouco da impressão maldosa de que o filme é feito com o objetivo de fazer o público chorar, mesmo. objetivo catártico. da mesma forma que as comédias são feitas pra gente rir, mas é difícil achar alguém que acredite como eu que chorar e rir têm a mesma intensidade e o mesmo efeito terapêutico.
 
quando falei isso pra um amigo meu que viu o filme ele quase parou de falar comigo: 'como você tem coragem de dizer isso, etc etc', mas depois de uma semana ele reviu o filme, era isso mesmo. ficou tão decepcionado que começou a falar mal do filme, como se fala mal de uma namorada que você descobre que te traiu. calma, meu filho, o filme é uma belezinha, mas você de repente não tinha entendido direito. :) tudo bem que é realmente um filme pra quem crê na mulher maravilha. mas olha só: a gente acredita em tudo dentro do cinema".
Renata Parpolov
 
OS EDITORES: Renata, você matou a charada. Muitas vezes vamos a uma sala de cinema em busca de uma válvula catártica. Rir das piadas mais imbecis, ou mergulhar em histórias que sabemos não ser reais, porque o cinema é divã, é ombro pra encostar, é pausa que refresca, é o lugar onde a gente pode chorar à vontade, enquanto os créditos sobem dando aquele tempo estratégico pra enxugar as lágrimas. Esse Lars Von Trier é um tremendo filho da mãe, e eu confesso que também caí feito patinho com a história da Selma. Que bom. Aquele beijabraço, A.I.
 
 
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p. s.
 
1) Curiosamente eu e o Inagaki fomos desvirginados pelo mesmo filme, "Os Trapalhões na Serra Pelada". Tinha 6 anos quando minha prima me levou pela primeira vez ao centro da cidade. Lembro de ter almoçado no Mc Donald's, comprado uma aranha de borracha que sobia pelas paredes lá na Rua Direita, tirado foto com o Papai Noel em frente ao Mappin e depois ir no velho Cine Marabá, hoje uma casa pornô!, para assistir a película. Fazer o quê, o tempo passa, o tempo vôa, já dizia o Bamerindus. (Goulart)
 
2) ENREDO : O menino vê um mendigo pedindo esmolas e pergunta se ele não é o seu avô Noninho. O velho diz que não, que nunca tinha visto aquele menino na vida. Mas o menino insiste e começa chorar dizendo que morria de saudades do seu avô Noninho, que a família ia ficar muito contente em saber que o avô Noninho ainda estava vivo e o velho negando taxativamente que não era vovô Noninho porra nenhuma. NOME DO FILME: UM ESTRANHO NO NINHO. (carlãO ouviu isso por aí)
 
3) SOUNDTRACK DESTA EDIÇÃO:
 
. Espíritos Zombeteiros - O Tosco
. 4 Track Valsa - Na Pista
. Cinerama - Hard, Fast and Beautiful
. Air - Playground Love
. Katrina & The Waves - Walking on Sunshine
. The Delgados - Accused of Stealing
. Roy Orbison - Running Scared
 
(trilha disponível num mp3.com ou Napster perto de você - OUÇA NO VOLUME MÁXIMO)
  
THE END