É impressão minha ou está havendo uma epidemia de Blogspots na internet?
Blogspot é uma espécie de diário. Só que feito para ser lido por outras pessoas. Se nos antigos diários a idéia era a privacidade, no blogspot é a publicidade. Eles são a antijanela indiscreta. Você convida as pessoas a darem uma espiada na sua vida.
Mas não ao ponto daqueles sites com webcams, que vigiam uma pessoa 24 horas por dia. Estes estão mais para anti-1984, de George Orwell. As pessoas querem as tele-telas em seus quartos e ainda pagam por isso.
Na época da Segunda Guerra Mundial e da Guerra fria a angústia era ser vigiado. Hoje a pergunta é: sou interessante o suficiente para merecer ser vigiado? Sou único? Sou "custom" ou "default"?
Mesmo que não tão radicais quanto às webcams, os blogs fazem parte deste desejo de estar em evidência, de se comunicar. De revelar detalhes sobre si, na esperança de encontrar uma audiência. E também um grupo que compartilhe dos nossos medos, dúvidas e opiniões.
Você deve estar pensando que eu detesto os blogs. Mas não é bem assim. Existem os bons e os ruins, é claro. Os bem e os mal escritos. Mas, definitivamente, o que faz um blog interessante é a qualidade do personagem retratado nele.
Personagem? Explico. Quando escrevemos sobre nós mesmos, raramente somos sinceros. Se ser sincero já é uma utopia, imagine ser sincero sobre si mesmo.
Consciente ou inconscientemente, criamos um personagem, que acentua, acrescenta ou subtrai detalhes de nós mesmos. De acordo com os objetivos (de novo, conscientes ou inconscientes) do seu autor. Assim, o blog funciona como um desses seriados de TV por assinatura.
Conheço pessoas que acreditam cegamente no personagem que criaram para si. Dedicam suas vidas quase que obsessivamente a dar vida a essa entidade. E escondem qualquer característica sua que pareça incoerente com ela.
Em todas as épocas da humanidade as pessoas agiram desta maneira. O xamã da tribo precisa parecer um xamã, o cidadão grego tem de se comportar com um cidadão grego, o capitalista tem de agir como um etc. etc.
A diferença é que hoje escolhemos mais facilmente a que identidades nos escravizarmos. Além de, geralmente, sermos obrigados a sobrepor vários desses personagens: somos o trabalhador eficiente, o porra louca na boate, o intelectual no artigo, o jovem torturado e sensível no blog. E assim por diante.
Por mais paradoxal que pareça, amamos e odiamos cada uma dessas identidades que mantemos. Às vezes elas nos oprimem, às vezes elas nos dão real prazer. Mas não conseguimos viver sem elas.
O fato é que cada vez mais convidamos as pessoas a entrar em nossas vidas. E, de certa maneira, pedimos que elas tenham e emitam opiniões sobre nós. Que vão nos forçar a criar mais e mais personagens, quase num fractal de identidades.
E no fundo somos isso: essa massa amorfa, moldando-se, moldando as circunstâncias e, ao mesmo tempo, sendo moldada por elas. Eternas tensões. Resistindo e nos enquadrando numa velocidade incrível, sem nos darmos conta.
Mesmo isso tem um lado positivo: cada vez mais pessoas podem se expressar e criar seus seriados pessoais. E vivemos num mundo que ainda acredita que se expressar é positivo.
No futuro talvez venhamos a descobrir que tudo isso era um grande engano. Que o nosso maior erro foi um dia querer nos expressar. E que, no fundo, todos os nossos personagens são absolutamente patéticos. Vai saber.
Por enquanto, ainda estou dando este tapinha no visual deste meu personagem escritor. E pensando como é que eu vou fazer para este artigo não terminar tão sombrio e inconclusivo.
Que tal eu criar um outro personagem, o de escritor sincero que termina dizendo que não terminou? E se... Ora, hoje é domingo, amigo. Relaxe. Nem sempre dá para ser Bernard Shaw.
Como podemos associar pássaros a mulheres? Eu pensava isso ser impossível até conhecer Delaine. Delaine devia ter no máximo uns 24 anos mas na verdade não importava a idade cronológica pois o tempo de Delaine descobri era o vento. Talvez por isso lembro-me agora ela ficava de olhos fechados quando o vento invadia seus cabelos negros e os impelia a um voar calmo quase slow-motion perante meus olhos estupefatos de espectador. Delaine não gostava de chamar a atenção mas chamava sem querer. Sim porque mulher assim não força um andar diferente ou um olhar diferente para o mundo quando acende um cigarro. Aliás tal procedimento escafedia-se de Delaine como quem não gosta das monções e as pessoas achavam que já tinham sacado a dela e davam com a cara no muro. Que mulher era essa? Delaine sabia eu sei o segredo das brisas e com certeza por essa razão ela atraía pássaros e refletia asas no seu olhar de longo alcance. Nada ela perdia nada ela deixava passar sem ter domínio sobre o que se passava ao seu redor. Como um melro altaneiro quando perde por momentos o dom da visão Delaine deslizava e acontecia guiada pelo seu coração. Um coração de plumas tão vermelhas quanto a saudade inestancável que sinto agora.
Nem preciso dizer que Delaine deixou-me prostado num dia de sábado em meio a uma ventania de verão eu ali feito palhaço tentando achar alguma marca minha no meio da sua mão. Eu achava que por entendê-la mais do que os outros eu teria a recompensa de beijar-lhe os olhos e confessar que adorava uma tempestade. Meu Deus Delaine não me deu outra alternativa senão contentar em vê-la sair sorrindo e saber que seu voar tem o gosto da eternidade. Delaine ainda a encontrarei baseado no meu parco conhecimento de idade?