Agora estou sozinha com meus pensamentos. Alguns pensamentos são demônios. Fique sozinha com seus demônios por muito tempo e enlouqueça, já disse alguém que eu não sei bem quem é, mas que estava muito certo. Caminhar sem um rumo definido, olhar pro céu e não ver estrela alguma e tentar colocar as idéias em ordem alfabética, numerada ou qualquer uma que impeça que elas virem nós dentro da gente é muito doloroso. Tristeza vira nó dentro do peito e aperta até explodir. Foi uma das nossas conclusões naquelas conversas em que a gente falava, sorria, chorava um pouco, fazia declarações bobas, infantis ou então ficava em silêncio, absortos, sonhando o impossível, com pensamentos diferentes, mas com as mãos dadas para apertar quando alguma coisa doesse mais do que o esperado. Cúmplices de algo que nem nós sabíamos o que era.
Quando as nossas mãos se soltaram um nó nasceu em mim. Em ti não?
Expurgar os demônios é a parte mais perigosa. Há dias em que eles simplesmente não querem ir embora, nem dialogar. Daí vem aquelas insuportáveis sensações me remoendo por dentro e o nó não vai embora, apenas muda de lugar pra tentar machucar um pouco mais.
Nessas horas eu precisava que meu peito virasse uma janela pr'eu poder abrir, escancarar, deixar o vento entrar remexendo as cortinas e tirando o pó dos cantos, derrubando coisas. Ou simplesmente fugir por ela. Tenho a impressão de que pra qualquer lugar que eu vá, parto pra longe, nunca vi tanto caminho.
Olho pro lado e não vejo ninguém. Onde estão as pessoas todas? Sempre tinha alguém por perto...
Preciso aprender a ser só. Porque até hoje não aprendi, nem a ser só nem a só ser. Vou me guardar de novo. Pode ser covarde mas pelo menos não machuca. Dizem que quando a dor é insuportável, se dilui e passamos a não sentir nada. O pior que alguém pode sentir é nada. Fico então nessa pausa. Dessas que a gente dá em conversas sérias pra dar um tom mais dramático. Só que a pausa continua mesmo depois do fim da conversa que nem aconteceu.
Uma chuvinha fina começa a cair. Uma dessas chuvas bobas, que segundo a minha vó servem só pra umedecer roupa quase seca no varal, e que a meu ver não serve nem pra esconder as lágrimas. Nessas horas a saliva faz o papel de lágrima e o corpo chora por dentro sem dar nenhuma bandeira. São Paulo, cidade-monstro, engole as pessoas a todo instante. E é grande, grande, grande, embora nessa imensidão toda não haja espaço pra minha fuga de ti. Mudo rota, troco o caminho e sempre acabo passando por algum lugar que tenha gerado um comentário, uma risada, ou que apenas tenha ganho novas cores quando nos percebeu passando.
Sabe, às vezes sinto o teu cheiro doce em mim, ainda durmo com aquela camiseta enorme que tu me deste e sigo sentindo sede antes de pegar no sono. Só que agora, quando eu acordo de madrugada, ainda com medo daqueles pesadelos que sempre tenho, não tenho ninguém pra sonolento me abraçar e garantir que nada de mal vai me acontecer enquanto eu estiver ali. (nesses momentos, eu quase esquecia que o destino sempre me quis só.) Então eu me encolho nas cobertas e choro e berro bem berrado que é pra ver se aquela mágoa toda vai embora. Mas tenho o cuidado de chorar e berrar bem berrado baixinho, que é pra como diria o nosso poeta, não incomodar o sono dos passarinhos que a cidade-monstro ainda não engoliu.
Tenho a sensação de que cheguei na hora errada. Não pedi licença nem fiz como as pessoas educadas que ligam antes pra dar tempo de esconder a bagunça da sala, atirando as bitucas de cigarro e as almofadas sujas pra detrás da cortina. E vim com essa minha mania de ocupar espaços e necessidade de ser ouvida, discordada, atendida. Antes isso era bacana. Ou talvez nunca tenha sido. Já nem sei mais. Modéstia a parte, sempre fui legal. Por isso tenho me esforçado pra te entender. Só que nunca consegui ser boazinha por mais de 30 segundos. E entender, aceitar passivamente me sufoca. Aliás, como foi que eu te sufoquei a ponto de nada valer a pena? Tudo vale a pena, lembra?
"Não deu certo, desculpe." No exato instante em que tu disseste isso, alguma coisa se espatifou dentro de mim. E eu tentava pensar em alguma outra coisa, disfarçar, fingir que não tinha ouvido nada, mas as palavras dançavam na minha frente. Queria que tu disseste que era mentira, que foi brincadeira, modo de falar ou qualquer absurdo que justificasse as coisas estarem tão resumidas em ti. Mas tudo que tu fizeste foi suspirar devagar, como se fosse a coisa mais normal, como se não tivesse feito desabar o chão sobre meus pés. Como alguém tem coragem de me despedaçar assim e continuar existindo?
Givago é a língua materna de cerca de 130 milhões de pessoas. Pertence ao ramo oriental da família linguística atlântida. Apresenta infinitos dialetos e todos eles com características peculiares. Essa variedade é tão grande que uma única pessoa pode passar dias sem se comunicar com outras.
Givago é a Pangéia, que bebe água no oceano-mundo. Sente o calor do abraço mais forte da Terra e produz um único grito. Apresenta uma única garganta. Um único fôlego. Um último suspiro.
Givago é a marca de tênis preferida. Milhares de modelos configuram o seu grande catálogo. Existem nuvens para todos os pés.
Givago é um monte de letrinha de plástico.