Sobre a redação da Fuvest e a blogueira francesa que trabalhava em um supermercado
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 07 de janeiro de 2008
Ontem os vestibulandos que fizeram a segunda fase da Fuvest foram desafiados a desenvolver uma dissertação sobre mundo digital. Um dos textos apresentados, escrito por Stephen Kanitz, fala de vigilância epistêmica: a desconfiança saudável que todo mundo necessita ter ao ler, ver ou ouvir alguma informação sendo difundida por aí. Em seu artigo, Kanitz refere-se especificamente à internet, denominando de “Era da Desinformação” estes tempos nos quais opiniões e palpites são publicados indiscriminadamente na rede.
A princípio, concordo com as palavras de Kanitz. De fato, tudo é muito dito e repetido, mas pouca coisa é efetivamente refletida pelos leitores. Porém, creio que esse tipo de problema não é exclusivo da internet. Em tempos nos quais jornais e revistas utilizam fartamente os serviços de agências como um modo de economizar com a produção de notícias (manter correspondentes nacionais e internacionais representa aumento de custos), os casos de pasteurização das mesmas notas em diferentes veículos fazem com que a qualidade (tanto do texto em si quanto da apuração que deveria ser feita antes de sua publicação) despenque de forma alarmante.
Um exemplo de notícia que encontrei reproduzida ontem em diversos portais: a agência EFE distribuiu ontem uma nota falando de uma caixa de supermercado da cidade de Rennes, na França, que ficou famosa graças ao seu blog. Segundo essa notícia, que encontrei em diversos lugares como o Yahoo, o Portugal Diário, o Jornal do Brasil, o Jornal de Notícias (outro site de Portugal), o El Universal (jornal do México) e o portal Terra, o nome dessa blogueira é Anna Sam, ela é formada em Lingüística e já foi convidada a publicar um livro relatando suas experiências. A notícia me deixou curioso e com vontade de visitar o tal blog, mas… cadê o link para ele? Em nenhum dos sites e portais que elenquei os redatores tiveram a preocupação de informar sua URL, talvez porque não constasse na nota original da agência de notícias.
Pois bem: recorri ao Google para descobrir o endereço do blog. Mas logo descobri que as buscas por “Anna Sam” caíam ou nas diversas reproduções da nota da agência EFE, ou em outros blogs e sites que nada tinham a ver com o assunto. Também não encontrei referências na fonte original citada pela nota, o Journal Du Dimanche, mas isso talvez seja explicado pela minha ignorância sobre o idioma do Asterix e da Sophie Marceau.
Foi só ao pesquisar por “Anna supermarché (‘supermercado’ em francês) blog” que encontrei, enfim, a URL da moça. Entendi o porquê do insucesso de minha primeira pesquisa: em nenhum dos posts que li em seu blog a caixa de supermercado atende por Anna Sam, e sim pela alcunha de “Miss Pas Touche”. Só na manhã de hoje encontrei um vídeo que, enfim, a trata por esse nome. O mais curioso (ou lamentável), ao assistir a reportagem abaixo, foi constatar que alguns sites (como o do jornal La Estrella, do Panamá) ilustraram a nota da agência EFE com uma foto que nada tem a ver com a blogueira francesa. Porém, justiça seja feita: a nota de hoje da Folha Online foi a única em que encontrei link (embora esteja quebrado até o presente momento) para o blog da caixa de Rennes.
France 3 ouest - reportage por misspastouche
A moral da história? Graças ao livre acesso de informações propiciado pela internet, pude apurar dados que, em outros tempos, desconheceria completamente, sendo obrigado a me satisfazer com as notas reproduzidas pela mídia tradicional (caso eu não tivesse nenhum amigo morando na França, é claro). A tal “Era da Desinformação” aplica-se somente a pessoas que deixam de contestar o que lêem, vêem, ouvem. O bom leitor é aquele que tem os três pés atrás de tudo que lhe é informado, e descobre que aquela crônica que lhe foi repassada por e-mail não foi escrita pelo Luis Fernando Veríssimo. Ou que sabe que o tal vídeo engraçado descrito por um jornal como verídico não passa de uma esquete humorística. Estes são tempos em que nenhum consumidor de notícias tem por que ser passivo. E não é obrigado a acreditar em tudo que lê. Nem no que você acabou de ler neste post, diga-se de passagem. ;) Basta ter senso crítico e a iniciativa de correr atrás das devidas apurações.
P.S.: Por falar em blog, um dos melhores projetos coletivos da blogosfera, o Faça a Sua Parte, sobre conscientização ambiental, acaba de estrear em novo endereço no condomínio Verbeat. Leitura recomendadíssima a todos que se preocupam com aquecimento global, meio ambiente e o futuro deste surrado planeta. Faça a sua parte você também. :D
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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