Parte da experiência
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 21 de junho de 2007
Cometendo o cabotinismo de citar minhas próprias palavras, escrevi em um poema:
Carrego dentro de mim sonhos e sentimentos que morrerão comigo,
momentos que não existem em nenhum lugar mais
além do meu coração:
pôr-de-sol, brisa no rosto, conversa com amigos, sorriso de mulher.
Instantes que valeram por uma vida inteira,
rastro de estrelas num céu poluído e aparentemente vazio.
Não é de se estranhar, pois, que uma das minhas cenas preferidas em filmes seja a seqüência em que o personagem de Woody Allen em “Hannah e Suas Irmãs” explica como conseguiu superar uma crise existencial assistindo a um filme dos irmãos Marx.
Em um mundo instável no qual não podemos ter certeza de nada a não ser através da mais profunda fé, como ficam os agnósticos? Eu, que acredito na existência de algo superior a nós, não atrelo minha crença a nenhuma religião. É uma postura estritamente pessoal, por certo, e espero que esta afirmação não faça com que leitores queiram me converter por intermédio de animações em Power Point ou convites para freqüentar templos budistas, reuniões da Opus Dei, sessões de passes espíritas, sinagogas ou terreiros de umbanda. Creiam-me, já fiz quase tudo isso.
Por sorte não sofro de TOC, transtorno bipolar afetivo, síndrome do pânico ou outras dessas malditas doenças da vida moderna que carcomem a alma e só podem ser controladas através de rigorosos tratamentos médicos. Posso, pois, dizer que consigo superar meus momentos depressivos através da valorização dessas pequenas grandes coisas que dão à vida o sentido necessário. Antes de transcrever o monólogo de Allen, quero, no entanto, citar outro filme. Em “Rushmore“, Max Fischer fala sobre o segredo da vida:
Você só precisa encontrar alguma coisa que você ama fazer, e depois… faça isso pelo resto de sua vida.
Solução simples demais? Bem, talvez o erro esteja em querer complicar demais algo que já é demasiadamente complexo.
Há um mês cheguei realmente ao fundo do poço. Sabe, eu pensei, não quero mais continuar vivendo num universo sem Deus. Então peguei meu rifle, carreguei-o de munição e coloquei-o em minha testa. E eu pensei: vou me matar. Mas… e se eu estiver errado? E se houver mesmo um Deus? Quer dizer, apesar de tudo, ninguém sabe realmente a verdade. Não, não. ‘Talvez’ é insuficiente, eu quero a certeza ou nada. E eu lembro claramente de ouvir os tiquetaques do meu relógio, e eu estava lá, congelado, com a arma em minha testa, pensando se deveria dispará-la ou não. De repente, a arma disparou. Eu estava tão tenso que meu dedo acabou por apertar o gatilho inadvertidamente. Mas, como eu estava transpirando demais, o suor fez com que a arma escorregasse da minha testa - a bala não me acertou e deve ter ido parar em uma parede. Vizinhos bateram à minha porta querendo saber o que havia acontecido, e a casa se transformou num pandemônio. Eu não sabia o que dizer a eles, eu estava embaraçado e confuso, mil coisas passavam pela minha mente naquele momento, e eu só pensava em sair daquela casa, eu tinha que tomar ar fresco e esvaziar minha cabeça. E eu lembro muito claramente de ter andado pelas ruas a esmo, e eu andei, e andei, e andei. Eu não sabia direito o que ia pela minha cabeça, tudo soava violento e surreal para mim.
Caminhei por muito tempo pela Upper West Side. Horas se passaram, meus pés doíam e minha cabeça estava latejando. Eu tinha que descansar um pouco, então fui até um cinema. Nem vi o que estava sendo exibido, eu simplesmente precisava de uma hora para organizar meus pensamentos e voltar a encarar o mundo com uma perspectiva racional. Então fui até a platéia e sentei numa poltrona. E o filme em cartaz era um que eu já havia visto muitas vezes na vida, desde quando era pequeno. E eu sempre o amei. E então vi aquelas pessoas todas na tela, e comecei a mergulhar na história do filme.
Rá! Como fui pensar em me matar? Mas que idiotice! Olhe para todas essas pessoas na tela, como elas são engraçadas. E se o pior for verdade mesmo? E se Deus não existir? E se a gente viver uma vez só e ponto? Oras, você não quer fazer parte da experiência? Você sabe, ora diabos, nem tudo é uma droga. Eu tenho que parar de atormentar minha existência procurando respostas que não vou conseguir, e aproveitar a vida enquanto ela está aí. Depois… quem sabe? Talvez exista realmente algo, ninguém sabe realmente. Sim, eu sei que o ‘talvez’ é uma corda frágil para que a gente se agarre nela com unhas e dentes, mas é a melhor que nós temos, não? E então voltei à minha poltrona, e comecei a valorizar minha própria vida.
P.S.: Este post foi publicado originalmente em 2004. Não estava mais disponível na Web, e aproveitei o pedido feito pelo meu leitor Pablo para republicá-lo por aqui. Providencial, já que há tempos ando sem tempo para atualizar este blog com regularidade. :-/
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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