Quando eu era criança…

Por Alexandre Inagakisábado, 24 de dezembro de 2005

Não é fácil ser adulto. Basta dar uma passada de olhos pelas manchetes dos jornais para que o ceticismo corroa nossa alma: violência, desemprego, recessão, terrorismo. Às vezes é até uma tarefa inglória alimentar sonhos, quando estamos tão ocupados procurando maneiras de como arranjar dinheiro para pagar as contas no final do mês. Como meu amigo Mário costuma dizer, “a vida é que nem rapadura, é doce mas é dura“.

É por essas e outras que admiro as pessoas que, mesmo batalhando pela sobrevivência no dia-a-dia, conseguem manter viva a criança dentro delas. Não é tão difícil identificar alguém assim em meio à multidão acinzentada: procure por alguém com sorriso fácil, capacidade de rir de si mesmo, mousepad com estampa do Snoopy ou que possua a mania de fazer origamis no meio do serviço ou encontrar nuvens com formato de Bart Simpson pairando no céu.

Imaginação, eis o diferencial. O aspecto que mais admiro na infância está na capacidade desconcertante que as crianças possuem em enxergar cada detalhe do dia-a-dia de maneira espontânea, talvez por ainda não terem sido bitoladas pela visão acachapante dos adultos. Porque uma criança possui a mente aberta, seja para acreditar em Papai Noel ou coelhinho da Páscoa, seja por recriar as coisas do mundo de acordo com o poder de sua imaginação.

Inspirado no site I Used to Believe, que descreve crenças e recordações infantis de internautas do mundo inteiro, faço a seguir um Top 10 de reminiscências e coisas nas quais acreditava quando era criança. Algumas lembranças podem soar tolas hoje, mas ao mesmo tempo me dão saudades de uma época na qual eu era menos cético e mais inocente.

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1) Quando eu era criança, acreditava que as estrelas eram os olhos de Deus, que piscavam de vez em quando para a gente apenas para que soubéssemos que havia um cara lá em cima de olho nas traquinagens que aprontávamos. Continue Lendo

Virunduns reloaded

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Um dia ainda hei de ver a palavra “virundum” tornar-se verbete de algum dicionário. Desde que publiquei um texto em 31 de março de 2002 sobre esse neologismo criado pelo pessoal do Pasquim para definir os equívocos que cometemos ao cantarolar músicas (exemplos clássicos: “Virundum Ipiranga às margens plácidas”, “trocando de biquíni sem parar”, “Alagados, cristal, favela do Avaré”), muita água rolou por essa ponte. O artigo rendeu tanto burburinho que acabou por inspirar a criação de um blog exclusivamente sobre virunduns, que por sua vez repercutiu a ponto de rendido matérias em tudo quanto é jornal nos idos de 2003. Porém, a brincadeira acabou por cansar, e o site atualmente anda repleto de teias de aranha virtuais. Outro dia, no entanto, ao deixar comentários no excelente blog do Pedro Alexandre Sanches (diga-se de passagem, o primeiro jornalista a fazer uma matéria sobre o Virunduns, na época em que ainda escrevia para a Folha de S. Paulo), o assunto voltou à tona, provocando ainda boas gargalhadas.

Hoje, ao reler os arquivos do blog dos Virunduns e as discussões na comunidade no Orkut, não pude deixar de resistir à compulsão de compartilhar algumas das mais sensacionais pérolas auditivas e/ou cognitivas causadas por ouvidos incautamente desatentos. Divirtam-se, enquanto o site Virunduns.com não entra no ar…

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Liah:
“Em uma música do Roupa Nova que falava ‘se você sente o corpo colar, solte seu medo bem devagar‘, minha mãe cantava: ‘se você sente o corpo colar, solte seu membro bem devagar’. Safadiiiiiiinha…”

Áureo Dias de Souza:
“Minha irmã canta na música da Marisa Monte: ‘... e eu quero ver o seu corpo PELUDO junto ao meu, vem meu amor, vem pra mim…’”

Bruno (vocalista do Biquíni Cavadão):
“- Um dia a mãe do Toninho tomou conta de mim (Tédio)
- Me deixe cavalgar nos seus desatinos, fazer voadas e demoninhos (Vento Ventania)
- Eu carrego comigo a grande agonia de pensar em você no dourar do dia (Timidez)”

Marcos VP:
De: “mais fácil aprender japonês em braille
Para: “mais fácil apedrejar pôneis em Bali…” (Djavan)

Érika Christina Piol de Paula:
“Tinha uma música do Cláudio Zoli que a gente cantava: Na madrugada a vitrola rolando um blues/ RODANDO O PENIQUINHO sem parar…”

Claudia:
“Quando era pequena e assistia na TV Domingo no Parque e outros programas do Silvio Santos, a Gretchen sempre aparecia para cantar. Ela começava a rebolar o piripiripiri e cantava: ‘Jecirandá, ooo, jecirandá, ooo, jecirandá, ooo, o mon amour, ai ui‘. Anos e anos depois fui descobrir que a letra verdadeira era ‘je suis la femme, ooo, etc‘”.

Kelen:
“A minha alma tá lavada e apontada para a cara do sossego. Os spice boys, spice boys não é mais o mesmo” (Rappa)
“É como não provar o néctar do amor, depois que o coração defeca a mais fina flor” (Skank)
“Eu perguntava tu e o Holandês, e te abraçava tu e o Holandês” (Roupa Nova)
“Fui numa festa genicubra livre, e na vitrola o whisky aloprou” (Roupa Nova)
“Será que o meu cílio tem haver com o seu” (Claudio Zoli)

Marko Mello:
“Quando eu era pequeno e ouvia Lobão, na música Radio Blá, ele falava: ‘… é a onda da paixão PARANÓICA’. Eu, na minha ignorância juvenil, pensava: ‘Quem diabos é Nóica??’, porque entendia ‘onda da paixão para Nóica‘… Que coisa de retardado…”

Arnaldo:
“Cuidado com o disco voador, tira essa escada daí.
Essa escada é pra ficar aqui fora,
Eu vou chamar o síndico: SILMARA! SILMARA! SILMARA! SILMARA!”

José Roberto Rodrigues:
“Um grande amigo meu assassinava a música Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones desta forma: ‘Era um garoto que como eu amava os FLINSTONES e os Rolling Stones… Stop com Rolling Stones, Stop com PETER SON, mandado foi ao Vietnã, lutar com o KING KONG’”.

Pedro Alexandre Sanches:
“tem um outro que talvez não ganhe dos pôneis apedrejados de bali, mas é campeão em mobilizar minha gargalhada interna a cada vez que me lembro. era de ‘desculpe o auê’, da rita lee, naquele trecho que diz que ‘por você vou roubar os anéis de saturno‘. a pessoa, olha que doçura mais maldosa, entendia ‘por você vou roubar os anéis e usar tudo‘. outro dos meus virunduns prediletos, ouvido por cristina naumovs (sumiiiiida) quando era pitoca: pra ela, em vez de ‘e o nosso beijo era uma bomba atômica‘, a blitz cantava ‘e o nosso chuveiro jorrava água tônica‘, hahaha”.

Carol:
“Sabe aquela música do Raul Seixas Medo da Chuva? Pois bem, aos 5 anos eu cantava “eu perdi o meu dedo, o meu dedo, o meu dedo na chuva…”

Naila:
“Minha irmã mais nova cantava ‘QUE BOM PODER ESTAR COMIDO DE OVO‘ em vez de ‘que bom poder estar contigo de novo‘ naquela música da Elba Ramalho. Dou um desconto, ela só tinha 7 anos…”

Silvia Curiati:
“Eu cantava a música Eva, do Rádio Táxi, com a maior convicção do mundo: sabia a letra direitinho…
Meu amor olha só hoje o sol não apareceu
É o xis da aventura humana na Terra
Meu planeta adeus fugiremos nós dois naca di num é
Olha meu amor, o final da unicéia terrestre
Suadão e você será…
Minha pequena égua, o nosso amor na última astronave,
Além do infinito eu vou pro ar
Sozinho e com você
Evoluando bem alto,
me abraça pelo espaço deslizante,
Me cobre com teu corpo de lua
A força pra viver…
E minha vida é um splash de controles, botões enditômicos…”

Merry:
“Trabalhei anos numa rádio popular e virundum era coisa comum entre os ouvintes. Mas o mais inesquecível foi este: meu amigo Rick, programador na época, penou muito para descobrir que raio de música era ‘MIKE LOVE - ERSO PLAY’, que o ouvinte pedia através de carta, para tocar no horário de flashbacks. Depois de umas duas horas rachando a cabeça, Rick, que era obstinadíssimo, conseguiu elucidar o mistério e literalmente chorou de rir com a descoberta… O que o ouvinte queria ouvir era a música MAKING LOVE do AIR SUPPLY!!!”

Observações ao léu

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Detesto dirigir. Pedestre convicto, também sou assíduo freqüentador dos ônibus e metrôs de Sampa City. Em vez de me estressar na posição de motorista enfrentando os ziguezagues dos motoboys, os faróis altos ou as agruras dos congestionamentos que pipocam pelas ruas saturadas da metrópole, atenho-me à condição de passageiro que aproveita os olhos livres para ler revistas, tirar breves cochilos ou simplesmente vendo as pessoas que passam por meus olhos.

É claro que nem tudo são louros. No ônibus a caminho para o trabalho invariavelmente viajo de pé, espremido feito os livros nas prateleiras abarrotadas do meu quarto. Mas é nessas horas que percebo o quanto tornou-se fundamental andar com meu iPod, que uso com fones de ouvido comprados em camelô (os fones brancos originais do iPod são tão discretos quanto um ornitorrinco fazendo cambalhotas). Nada como uma boa trilha sonora (no caso, “Everything Flows” do Teenage Fanclub) para tornar uma insípida viagem de busão algo mais palatável.

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O mais poderoso slogan cunhado neste ano não foi criado por nenhum publicitário. O (dúbio) mérito deve ser creditado aos traficantes que mataram os incendiadores do ônibus no Rio, que deixaram um recado do lado de fora do carro em que jaziam os corpos dos quatro bandidos assassinados: “do lado certo da vida errada”. De quebra, arremataram tal frase com o complemento: “fé em Deus”. Não sou ateu, mas às vezes a metralhadora diária das manchetes de jornais me obriga a pensar se não estou enganado quanto às minhas convicções. Continue Lendo

A tira mais triste de todos os tempos

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Em 21 de março de 2005 postei em meu endereço antigo no Gardenal.org uma tira desenhada por um fã de Bill Watterson que retratava o hipotético momento em que Calvin deixava de ver Hobbes como seu amigo (imaginário ou não), e o tigre tornava-se um mero bicho de pelúcia.

Na época houve uma certa repercussão, mas nada comparado ao que aconteceu quando a tira foi descoberta pelas comunidades no Orkut dedicadas ao personagem. Em uma comunidade de fãs de Calvin & Haroldo, por exemplo, um mero tópico com um link simples para o meu blog recebeu 154 postagens, com direito a um bate-boca dos mais exaltados entre os participantes, que discutiram a validade de uma tira que não havia sido desenhada pelo criador original do personagem. Mais recentemente, o post também acabou indo parar em uma comunidade em inglês, gerando novas discussões acerca de suas possíveis leituras.

Como meus arquivos no Gardenal sumiram, desapareceram, escafederam-se, e junto com eles todos os posts que publiquei em 2005, aproveito a ocasião para republicar aqui o texto original. Em tempo: a tradução da tira que ilustra este post foi feita por Eduardo Couto e publicada em 12 de abril.

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Bill Watterson, provavelmente acometido pela Síndrome de Bartleby, teve publicada sua última tira de Calvin & Haroldo em 31 de dezembro de 1995, e nunca mais publicou um desenho sequer de sua maior criação. Desde então Watterson vive recluso com a esposa em Chagrin Falls, Ohio. Não vai a convenções de quadrinhos, não assina autógrafos, não concede entrevistas e ainda solicitou à Universal Press Syndicate, que distribui mundialmente as tiras de Calvin & Haroldo, para que ela não lhe encaminhasse mais correspondências de fãs.

É inevitável comparar suas atitudes com as tomadas por escritores como J. D. Salinger, Raduan Nassar ou Juan Rulfo, que espontaneamente abdicaram da literatura e foram cuidar de suas próprias vidas; que eles sejam felizes, porque merecem. Quanto à tira publicada ao lado, é preciso dizer que ela não foi desenhada por Bill Watterson. Encontrei-a em uma comunidade de fãs de Calvin, e infelizmente desconheço o seu autor. É, para mim, a mais triste, mas também uma das mais belas tiras que já vi na vida, por toda a riqueza de significados que ela apresenta. Poderia tergiversar horas sobre o universo de Calvin, amigos imaginários, conformismo social ou as asas que desaprendemos a usar. Mas, por ora, limito-me a citar as últimas palavras do último quadrinho desenhado por Watterson:

- “It’s a magical world. Hobbes, ol’ buddy… let’s go exploring!”

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P.S.: Eis um blog brasileiro exclusivamente dedicado à publicação de tiras do personagem: Depósito do Calvin.

Rápidas rasteiras

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Ótima a coluna mais recente de João Pereira Coutinho para a Folha Online, sobre Woody Allen. Mas sou obrigado a discordar do texto de JP Coutinho em três pontos:

a) à santíssima trindade de filmes woodyallenianos elencada por Coutinho (“Hannah e Suas Irmãs”, “Crimes e Pecados” e “Desconstruindo Harry”), eu acrescentaria “Annie Hall”, talvez o mais belo filme de todos os tempos a descrever um amor que nasce, cresce, morre e se transforma em amizade;

b) Peter Bognadovich dirigiu, na verdade, quatro longas excepcionais. Além dos citados “A Última Sessão de Cinema” e “Lua de Papel”, também foi o responsável por “Esta Pequena é uma Parada” (comédia com Barbra Streisand no melhor estilo das screwball comedies produzidas nos anos 30 e estreladas por atores como Cary Grant e Katharine Hepburn) e “Na Mira da Morte” (ótimo filme sobre um franco-atirador, com Boris Karloff no papel de um velho ator de filmes de terror que resolve se despedir do cinema por ojeriza à violência do cinema contemporâneo);

c) dizer que Truffaut só realizou três grandes filmes é uma enorme injustiça cometida por JP Coutinho. Tendo a imaginar que meu colega português não assistiu a “O Homem que Amava as Mulheres”, “A Sereia do Mississipi” ou “Fahrenheit 451″, por exemplo. Também não deve ter visto “Beijos Proibidos“, segundo longa-metragem protagonizado por Antoine Doinel, alter ego de Truffaut. É desse filme uma das minhas seqüências prediletas de todos os tempos. Nela, Antoine (Jean-Pierre Léaud) está sentado em um banco ao lado da mulher por quem está apaixonado, Christine (Claude Jade). Ela está sendo seguida semanas a fio por um misterioso homem, que, ao ver o casal sentado na praça, resolve finalmente lhe dirigir a palavra. Diz o estranho:

- Nunca havia provado o gosto do amor, até que conheci você. A vida é repleta de experiências provisórias, de pessoas provisórias. Mas eu sei que, para você, serei definitivo. Não estou pedindo para que você me diga “sim” neste momento. Eu lhe darei um tempo para pensar. Quero apenas que você saiba que eu a amo, muito. E que estarei aqui, para você, sempre.

O homem vai embora sem olhar para trás. Christine e Antoine se entreolham, ainda atordoados, em silêncio. Até que Christine desabafa:

- Esse homem é completamente louco!

Amor é como jazz ou zen-budismo: não é para ser explicado, vivencia-se.

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Ainda sobre cinema, saibam que continuo com minha coluna no site da Antena 1.

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Abram a porta, pelo amor de Deus! Minha filha é uma criança!“. O Rio de Janeiro continua lindo, mas saber de notícias como a do atentado contra o ônibus da linha 350 me obriga a ficar com os três pés atrás com relação ao meu projeto de um dia morar na Cidade Maravilhosa. Em meio à guerra urbana que assola o Rio, a governadora Garotinho permanece afastada por stress, enquanto seu marido ainda fomenta o plano de se candidatar à Presidência. Este país definitivamente não é para principiantes.

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Blog Tour. O post que a Viva publicou no dia 29 de novembro, na nova URL do Nós por Nós, é uma das mais belas declarações de amor que li nos últimos tempos. Luciana, mulher movida a paixões, acabou de passar no vestibular para Jornalismo (muita sorte pra você, mon ami!). Recomendação entusiástica da casa: conferir a poesia de Bruna Beber em sua Cutelaria & Chapelaria. Dois dos meus gurus na blogosfera: Mario AV e Zel. Manobra, 1979 é, com sobras, o melhor dos novos blogs surgidos nos últimos tempos. Por fim, a indefectível nota ególatra: segundo o Yahoo! Search, existem 33.103 links apontando para o domínio pensarenlouquece.com (servimos bem para servir sempre).

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Deus está na fé que ainda insistimos em ter no outro“. (Gabriela Franco)

Casa em obras

Por Alexandre Inagakidomingo, 11 de dezembro de 2005

Aos poucos os filhos pródigos do condomínio virtual Gardenal.org retornam à Terra Prometida. Por supuesto não foi uma jornada das mais serenas. Eu e outros colegas de imprudência perdemos todos os posts publicados em 2005 por um motivo deveras prosaico: não fizemos backup de nossos blogs. Pra vocês verem como a coisa foi feia, perdi até o template, que foi parar no buraco negro destinado a guarda-chuvas, promessas de campanha eleitoral, tampas de Bic e outros itens que somem para nunca mais. Não vou negar que senti o baque. Mas a vida tem dessas coisas, como diria o Ritchie. Às vezes é preciso levar uns jabs na alma a fim de mexer a bunda da cadeira e sacudir a apatia. E eu, que andava há algumas semanas de saco cheio do blog, de repente me vi novamente motivado a escrever. Nada como uma porrada pra tomar vergonha na cara (drink shame in the face) e acirrar ânimos, huh? Enfim.

Por enquanto estou me virando com o template básico do Movable Type. Consegui ao menos resgatar os textos da maior parte dos meus posts, que republicarei em doses homeopáticas, enquanto assimilo mais uma valorosa lição que provavelmente esquecerei daqui a duas semanas. Ao pessoal que durante esse ínterim acompanhou os textos publicados na barraca de camping que montei no Blogger Brasil, obrigado pela fidelidade. E bola pro mato que o jogo é de campeonato!

Como era gostoso o meu cinema brasileiro (lembranças da Sala Especial)

Por Alexandre Inagakisábado, 10 de dezembro de 2005

Nos anos 50 e 60, Carlos Zéfiro “catequizou” diversas gerações de adolescentes que fizeram muita justiça com as próprias mãos ao ler seus quadrinhos pornográficos. A partir da década de 70, foi o cinema brasileiro o (ir)responsável pela (des)educação sexual de muita gente, através das pornochanchadas produzidas em sua vasta maioria pela Boca do Lixo paulistana, região localizada no Centro velho de São Paulo. Se por um lado filmes como “O Grande Gozador”, “Xavana - uma Ilha do Amor”, “Aventuras Amorosas de Um Padeiro” ou “Reformatório das Depravadas”, lançados durante os tempos da ditadura, são acusados de despolitização e alienação, por outro é inegável constatar que foram produções que refletiram o zeitgeist de uma época marcada pelo surgimento da pílula anticoncepcional, na efervescência sexual de tempos pós-hippies e pré-discotecas.

O apelo popular das pornochanchadas provém de vários elementos, sendo o mais óbvio de todos a exibição dos corpos de musas como Vera Fischer (na época atriz iniciante, ingressando na carreira artística após ter sido coroada Miss Brasil em 1969), Aldine Müller, Helena Ramos, Zélia Martins, Nicole Puzzi, Zaira Bueno e Matilde Mastrangi. Ao erotismo, os produtores acrescentavam doses generosas de comédia, com vasta utilização de personagens estereotipados que até hoje fazem sucesso em programas como A Praça é Nossa ou Zorra Total. Por exemplo: o garanhão cafajeste, o velho tarado, a frígida gostosa, a moça “liberada”, o marido traído, a bicha histriônica, o safado engravatado e a empregada boazuda (sobre o assunto, confira o artigo A rica fauna da pornochanchada, de Ruy Gardnier).

Se nos primeiros anos as pornochanchadas não passavam de comédias de costume com uma e outra cena mais caliente (vide os sucessos de bilheteria “Como Era Boa a nossa Empregada” e “A Viúva Virgem”, ambos com mais de 2 milhões de ingressos vendidos), ao longo dos anos os filmes foram ficando mais apimentados. Um marco dessa virada foi a produção de 1977 “O Bem Dotado, o Homem de Itu“. Dirigido por José Miziara, definitivamente não pode ser considerado um filme para toda a família. Sua singela trama apresenta a história de um caipira chamado Lírio (Nuno Leal Maia) que é trazido para a cidade grande por senhoras da alta sociedade atraídas por sua “peculiar” anatomia. Eis o texto da sinopse original do filme: “Ao chegar em São Paulo Lírio conhece Julinha (Helena Ramos) e, pela primeira vez, sente o clamor do sexo. O ímpeto é tão forte que suas calças rasgam“.

Deste cRássico, guardo na memória as cenas de Nuno Leal Maia deixando todas as mulheres mancas após transarem com ele, assim como a inolvidável sonoplastia (o tóóóóóóóóóiiiim ouvido a cada ereção do personagem é simplesmente antológico). Eram tempos nos quais as produções não exibiam sexo explícito nem pêlos pubianos; em compensação, viam-se peitos e bundas em generosa profusão. Ou seja, exatamente o perfil dos longas-metragens exibidos na Sala Especial, sessão de filmes que a TV Record apresentava todas as sextas-feiras, às 23 horas, em meados dos anos 80.

Foi por intermédio da Sala Especial que vi pela primeira vez coxas, peitos e bundas, antes mesmo de começar a me interessar pelo sexo oposto. Assisti a muitos filmes toscos como “A Ilha das Cangaceiras Virgens”, “Histórias que Nossas Babás Não Contavam”, “Os Bons Tempos Voltaram - Vamos Gozar Outra Vez” escondido de meus pais, protegido pela penumbra da sala, com o volume no mínimo e a excitação que só as coisas proibidas podem nos trazer.

Em 1982, surgiu o primeiro filme de sexo explícito made in Brazil: “Coisas Eróticas”, de Rafaelli Rossi. A novidade teve repercussão imediata nas bilheterias: 4.525.401 brasileiros pagaram ingressos para assisti-lo nas salas de cinema. Foi o ápice de público, e ao mesmo tempo o começo da derrocada da Boca do Lixo paulistana. A recessão econômica e a popularização dos videocassetes, em sua maior parte abastecidos por títulos estrangeiros, foram as principais causas do fim das pornochanchadas. Hoje, com a popularização da Internet, que traz diretamente para as casas de adolescentes repletos de espinhas no rosto e hormônios no sangue vídeos pirateados por aí, falar em pornochanchadas é como recordar os tempos em que Papai Noel tinha barba preta. Mas foi bom enquanto duro.

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P.S.: Os pôsteres de cinema que ilustram este post foram criados por José Luiz Benício. De seu site, tomo emprestadas estas palavras: “Durante mais de 30 anos, Benício foi o responsável por mais de 300 cartazes do cinema nacional obtendo diversas premiações. Benício também ficou conhecido pela exaltação às formas femininas em suas obras no período das pornochanchadas”.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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