Aspas

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 03 de novembro de 2004

Deus é justo, aconteceu no meu programa!!!

(GILBERTO BARROS, apresentador do programa “Boa Noite, Brasil”, incapaz de disfarçar sua alegria quando uma mulher sofreu um ataque cardíaco na platéia justamente no dia em que seu programa explorava o caso da morte do jogador Serginho do São Caetano.)

Senti uma dor física quando vi a minha foto, uma dor misturada com frustração. Se eu quisesse mostrar, já teria feito a Playboy, estaria rica. E o pior, por incrível que pareça, é que eu consumo isso. Eu me lembrei do dia em que a minha amiga me ligou dizendo ‘você não sabe o que eu tenho aqui - uma revista com o Brad Pitt pelado’. Eu falei: ‘mentira’ - e fui para a casa dela ver. E quando isso aconteceu comigo, eu me lembrei desse momento. Eu pensei: ‘meu Deus do céu, onde vai ter um ponto final?’ Depois que inventaram isso, bem depois do Fellini, depois que isso virou alvo de consumo mesmo e que neguinho descobriu que isso é uma máquina de fazer dinheiro, isso só aumenta. A fábrica de celebridades está cada dia maior. É uma foda. É o cachorro correndo atrás do rabo.

(LUANA PIOVANI, comentando o episódio da foto em que apareceu sem calcinha na capa do jornal carioca “O Dia”, em reportagem de Walmor Pamplona para o site No Mínimo sobre paparazzi.)

Quando ficamos completamente nus, puxo-a para a cama, com cuidado para não ir com sede demais ao pote. Mas ela contraria meu prognóstico, movimentando-se com surpreendente desenvoltura. A acoplagem dos corpos processa-se suavemente. Seu sangramento é pequeno, nada que atrapalhe a perfeição deste momento ímpar que estamos tendo o privilégio de usufruir. Permanecemos assim, por um longo tempo abandonados nos braços um do outro, como se de repente o mundo todo se resumisse a nós dois.

(Trecho de “Amizade Sem Fim”, romance de estréia de RENATO ARAGÃO, a.k.a. Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumo, no qual o ex-trapalhão descreve o momento em que o protagonista do livro desvirgina a enfermeira Sofia.)

As que ajeitam os cabelos são as piores. Há as que olham para o chão. Aquelas de peitões sob camisetas translúcidas olham para eles. Talvez para fazer uma rápida checagem ou então como se dissessem: são meus e você os quer, né? As de óculos escuros: há aquelas que olham por cima deles para você, e outras cujo olhar a gente perde completamente e fica apaixonado por elas. A não ser que ajeitem o cabelo. As de óculos de grau geralmente são as que olham para o chão. As mais raras são as que enfrentam o seu olhar, seguram-no, desaceleram o passo e aceleram o meu próprio passo e o meu coração. Destas você, o tímido, tem medo, mas também se apaixona por elas, a não ser que ajeitem os cabelos, claro. Apaixonar-se quer dizer levar o impacto da sua imagem gravado na retina durante um certo tempo.

(Excerto do texto “Como as Mulheres Reagem Quando Você as Encara na Rua: Pequeno Catálogo Desorganizado”, de MARCELO ROTA. Tem mais aqui.)

A diferença entre Super-Homem e Clark Kent

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 11 de outubro de 2004

O representante de uma outrora toda poderosa América.Clark Kent: humano, demasiadamente humano.

Um dos melhores filmes baseados em HQs é, sem dúvida nenhuma, Super-Homem, dirigido por Richard Donner em 1978. Desse longa-metragem, retive uma cena em especial na memória: quando o Super-Homem recebe a notícia da morte de sua amada Lois Lane em um terremoto. Desesperado, o super-herói voa várias e várias vezes em torno da Terra na direção inversa à sua rotação, cada vez mais rapidamente, até fazer com que o planeta passe a girar em sentido contrário. E assim, por causa de uma mulher (como diz a canção de Gilberto Gil), o Superman consegue fazer com que o tempo recue, trazendo Lois de volta à vida.

Ok, desconte-se o fato de que a História não é como uma fita cassete na qual se pode dar pause, forward ou rewind, manipulando-a cronologicamente ao gosto do freguês. Mas, liberdades científicas à parte, considero belíssima a concepção filosófica por trás dessa seqüência, na qual o Super-Homem joga todo racionalismo para o alto e usa seus poderes com o intuito egoísta (e por isso mesmo extremamente humano) de ressuscitar sua amada.

Hoje de manhã, quando soube da morte de Christopher Reeve (1952 - 2004), não pude deixar de lembrar dessa cena, em contraste com a inexorabilidade da vida. Por coincidência ou sincronicidade, recebi ontem (antes mesmo de sabermos do falecimento de Reeve) um e-mail do meu amigo Paulo E. Miranda sugerindo que eu comentasse neste blog uma fala de Kill Bill 2 na qual o personagem de David Carradine faz a seguinte observação: “o Super-Homem não se transformou em Super-Homem, ele já nasceu assim. Seu alter ego é Clark Kent. O que Clark veste, os óculos e as roupas de trabalho, aquele é o seu uniforme, é o que o Super-Homem usa para misturar-se conosco. Clark Kent é como Superman nos vê. E quais são as suas características? Ele é fraco, inseguro… é um covarde. Clark Kent é a visão que o Super-Homem possui da raça humana”.

Antes de mais nada, vale a pena ressaltar que o diálogo redigido por Quentin Tarantino foi 99% inspirado por uma tese escrita por Jules Feiffer em seu livro “The Great Comic Book Heroes”, publicado em 1965. Não sei se concordo com a fala de Carradine, mas subscrevo na íntegra a bela sacada de Feiffer: não era Clark Kent quem usava o uniforme de Super-Homem, e sim o super-herói quem se fantasiava sob os trajes de um jornalista tímido e medroso. Quanto à suposta visão crítica que o Superman teria sobre a raça humana, duvido sinceramente que esse baluarte da América fosse capaz de ter um olhar tão cínico a nosso respeito, por mais verdadeiro que possa ser.

E é.

Aberta a temporada de caça aos blogs

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 30 de setembro de 2004

Já escrevi, em ocasiões passadas, sobre as ameaças de processo judicial feitas a blogueiros como Alessandra Félix, Edney Souza e Cristiano Dias. Esses imbróglios foram os primeiros indícios de que a visibilidade crescente dos blogs e a liberdade de expressão exercida por quem os escreve começavam a incomodar.

Pois bem, agora é oficial: surgiu o primeiro caso de um blog brasileiro retirado do ar por conta de um processo judicial. O caso, inédito no país, limou da Web o blog coletivo Imprensa Marrom (disponível para visitação apenas no cache do Google). O aspecto mais surreal desse imbróglio é que a ação foi motivada por um… comentário. O autor do processo sentiu-se ofendido por um comentário deixado no blog, entrou com uma liminar na justiça e o Imprensa Marrom saiu do ar.

O precedente é perigossímo. Em um país que teoricamente defende a liberdade de expressão, ver um site fora do ar por causa de um comentário que sequer foi redigido por seus autores é algo de kafkiano. Fernando Gouveia, que escreve na Internet com o pseudônimo Gravataí Merengue e é o responsável pelo registro do domínio imprensamarrom.com.br, não esconde a angústia com o caso e alerta, sem esconder sua ironia: “muito cuidado com os comments que vão ao ar. Apaguem tudo que pareça minimamente ofensivo, pois alguém pode optar por, em vez de pedir a retirada do comentário, simplesmente processar o blog“.

O aspecto mais aterrador de todo esse caso é constatar que mergulhamos, oficialmente, no território das incertezas. A partir desse precedente, sou obrigado a fazer alguns questionamentos sobre a natureza de meu blog. Até que ponto posso emitir as minhas opiniões sem que algum melindrado ameace tirá-lo do ar por algum critério subjetivo? Chegará o tempo em que necessitaremos de consultoria jurídica prévia para a publicação de um post? Vale a pena permitir a publicação de comentários, ou será mais prudente limitar a interação do meu blog? Devo me limitar a escrever sobre o cardápio do meu café da manhã e as cólicas do meu cachorrinho?

Com a palavra, Fernando Gouveia:

Esta é a PRIMEIRA AÇÃO JUDICIAL promovida contra um blog por causa de comentário. Vamos criar jurisprudência. Essa causa, desculpe o pieguismo, é ‘de todos nós’. Não podemos deixar que ‘o outro’ ganhe essa ação, porque aí vai ser uma festa contra todos nós. Qualquer assuntinho mais polêmico pode ser alvo de uma medida assim, e os blogs definitivamente se condenam a ser um diarinho bundamole que versa sobre o umbigo do dono (e cuidado para que o umbigo - ou uma aliança do mesmo com o resto do abdômen - não processe o autor)“.

Geração cover

Por Alexandre Inagakidomingo, 19 de setembro de 2004

Você já deve ter participado de uma dessas rodinhas de violão em que algum camarada seu toca “Stairway to Heaven”, “Pais e Filhos”, “Patience”, “Maluco Beleza” ou qualquer outra música pra lá de batida, e toda a galera (a essa altura do campeonato pra lá de manguaçada) canta desajeitadamente em uníssono, acendendo isqueiros enquanto paqueras se desenrolam e a lua tapa os ouvidos com tamanha desafinação. Até aí, tudo zen. Mas o que dizer quando esses mesmos cantores de rodinhas de amigos tornam-se os campeões de vendas da indústria fonográfica brasileira?

Emmerson Nogueira, o precursor da moda.O cantor mineiro Emmerson Nogueira vendeu mais de 700 mil cópias dos quatro álbuns que gravou pela Sony Music até hoje. Detalhe: nenhum deles possui qualquer composição própria e um ainda foi gravado ao vivo. Seu repertório? Regravações de sucessos conhecidos do pop/rock internacional em versões acústicas. Ou, como afirmam seus produtores, “com cara de barzinho”. É uma fórmula sem erros: ao regravar músicas conhecidas de bandas e cantores como Pink Floyd, Extreme, Eric Clapton, Oasis e Janis Joplin, com arranjos apurados e fiéis às versões originais, Nogueira montou um repertório apinhado de sucessos. O resultado: sucesso comercial garantido. Quem pensa que ele poderia se incomodar com o fato de fazer sucesso às custas de composições alheias engana-se. Em entrevista concedida ao site Universo Musical, Emmerson declara: “A cada dia lembro de uma música que poderia ter gravado. É algo que ainda quero fazer por muito tempo”. Continue Lendo

A Vila

Por Alexandre Inagakidomingo, 12 de setembro de 2004

Esta é uma das verdades mais óbvias: propagandas enganosas levam a expectativas equivocadas. Vide, por exemplo, o trailer veiculado em cinemas e TVs de “A Vila” (EUA, 2004), que levou muitos espectadores a pensar que assistiriam a um “Sexto Sentido II - A Missão” e provavelmente saíram decepcionados, o que é uma pena. Porque “A Vila” é um belo filme, talvez o melhor do diretor M. Night Shyamalan desde aquele do garoto que via fantasminhas nem sempre camaradas.

Seu ilusório trailer leva a crer que estaremos diante de um daqueles filmes com final retumbantemente surpreendente, induzindo o espectador a assisti-lo como quem brinca de Detetive (“foi o Coronel Mostarda, com o candelabro, na sala de estar!“). De fato, não foram poucas as pessoas que saíram da sala de cinema se gabando por terem descoberto o grande “segredo” da trama após alguns minutos de exibição. E assim, porque a “charada” é mais ou menos previsível, o espectador sai fazendo biquinho, dizendo que o filme é uma porcaria e que foi ludibriado pela propaganda.

No entanto, “A Vila” é uma envolvente parábola de tempos nos quais armas de destruição de massas são tão verossímeis quanto monstros na floresta. Se seus espectadores apreciassem o filme menos preocupados em montar supostos quebra-cabeças, talvez pudessem admirar a capacidade que Shyamalan possui em criar climas de suspense a partir de uma escolha precisa de enquadramentos (vide a cena em que a cega admiravelmente interpretada por Bryce Dallas Howard estende as mãos na varanda de sua casa enquanto as misteriosas criaturas se aproximam).

E assim, a partir da história de um pequeno vilarejo aterrorizado por criaturas que habitam as matas ao seu redor, M. Night Shyamalan constrói aquela que talvez seja a melhor parábola cinematográfica produzida até agora sobre o novo estado de coisas surgido após o dia 11 de setembro de 2001. Veja as pesquisas que apontam Bush Júnior em vias de se reeleger (isso sim é o que eu chamo de uma história de terror) às custas de campanhas em cima do discurso do Medo e da Paranóia, e pense nos métodos utilizados pelos líderes da vila para convencer os jovens a sequer cogitarem uma fuga para a cidade.

Quem leu o imperdível livro de entrevistas que Alfred Hitchcock concedeu a François Truffaut (recentemente reeditado pela Companhia das Letras) certamente se lembra do conceito de McGuffin: um elemento na trama que serve para distrair a atenção do espectador e alavancar a ação do filme, mas que não passa de um pretexto para que o verdadeiro tema da obra seja abordado pelo autor. Por exemplo, a maleta de “Pulp Fiction”, os microfilmes de “Intriga Internacional”, o dinheiro roubado por Janet Leigh em “Psicose”. Pois bem: ouso dizer que toda a trama em torno “daqueles-de-quem-não-podemos-falar” não passa de um McGuffin engendrado em um filme claramente inspirado pela cultura do medo.

Vale a pena citar ainda a recorrência de um tema caro ao diretor e roteirista M. Night Shyamalan: o ressurgimento da esperança em tempos sombrios. Temática que já se fazia presente ao final de filmes como “Sinais” (uma trama sobre ETs como pano de fundo para a história de um pastor que recupera sua fé) e “Corpo Fechado” (o surgimento de um super-herói em um mundo infestado por serial killers e lunáticos), e que volta a ser apresentada nesta espécie de paráfrase da caverna de Platão, sob a personificação de um amor (literalmente) cego.

Domingo no Parque

Por Alexandre Inagakidomingo, 22 de agosto de 2004

Sábado, dia 21 de agosto, o Parque do Ibirapuera completou 50 anos de existência. Só quem mora em São Paulo é que sabe da importância que esse oásis possui para os seus habitantes deveras saturados de cimento e fumaça. Um dado ilustrativo: a ONU recomenda que cada cidade possua pelo menos 12 m² de área verde por cada habitante. Pois bem: São Paulo possui apenas quatro desses metros quadrados, sendo que seus parques municipais representam apenas 1% da área total desta metrópole cinzenta.

Com seus quase 1,5 milhão de metros quadrados, não é difícil entender a paixão dos paulistanos por aquela que é a maior área de lazer da cidade de São Paulo. De fato, quase todo morador desta cidade tem uma história vivida no Ibirapuera. É o caso do casal Pedro, publicitário, 25, e Júlia Shimomura, agente de viagens, 26, que enquanto passeia por entre os ipês, tipuanas e sibipirunas do viveiro Manequinho Lopes recorda um domingo semelhante ao de hoje, quente e ensolarado. “Nós nos conhecemos em uma Bienal do Livro“, confidencia Júlia. “Eu trabalhava como recepcionista do stand da editora Record, e ele me abordou perguntando onde é que estavam as edições atrasadas da Mad“, comenta sorrindo. “Até hoje me pergunto como é que fui me apaixonar por alguém que vai até uma Bienal, com tantos livros interessantes, procurando por aquelas revistas idiotas“. Responde Pedro: “ainda bem que o amor, além de cego, é burro“.

Poucos sabem que Ibirapuera, em tupi-guarani Ypy-ra-puêra, significa “pau podre”. A origem desse nome vem do seu solo, que era bastante úmido e alagadiço até meados do século XIX, quando aquela área pantanosa começou a ser transformada pela crescente urbanização paulistana. No começo do século XX, a região do Ibirapuera era uma planície coberta de pastagens destinadas aos animais que puxavam os carros do Corpo de Bombeiros e aos bois que seguiam caminho até o Matadouro Municipal localizado no bairro da Vila Mariana. Suas feições atuais foram idealizadas na década de 20, quando o prefeito José Pires do Rio decidiu transformar aquelas pastagens em um parque. Porém, como o terreno era alagadiço, eis que entrou em cena o funcionário da prefeitura Manuel Lopes de Oliveira. Entomologista formado na Alemanha, Manuel (melhor conhecido pelo seu apelido, Manequinho Lopes) organizou em 1927 o plantio de centenas de eucaliptos australianos capazes de eliminar o excesso de umidade do solo, além de um grande número de plantas ornamentais. Esse viveiro, que posteriormente ganhou o nome de seu criador (morto em 1938 aos 68 anos por intoxicação com pesticidas), possui atualmente 300 espécies plantadas e produz 850 mil mudas por ano, e foi o embrião do futuro parque freqüentado por casais como Pedro e Júlia.

Projetado para ser o grande presente à metrópole paulistana no dia de seus 400 anos de fundação (25 de janeiro de 1954), o Parque do Ibirapuera acabou sendo inaugurado alguns meses mais tarde, devido a atrasos nas obras que duraram quase dois anos. Projetado por uma equipe capitaneada por Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx, o parque foi finalmente aberto ao público em 21 de agosto, ostentando diversas atrações como um ginásio poliesportivo (capaz de receber 20.000 espectadores), um planetário (previsto para ser reaberto à visitação pública ainda neste ano), dois lagos artificiais, o pavilhão da Bienal (que teve a honra de abrigar, por ocasião das comemorações do IV centenário de São Paulo, “Guernica”, a obra-prima de Pablo Picasso), a abóbada da Oca, o Monumento às Bandeiras (escultura de Victor Brecheret popularmente conhecida como “Deixa Que Eu Empurro”), o Pavilhão Japonês e o Museu de Arte Moderna.

Em meio a tantos atrativos, pesquisa recentemente feita pela Secretaria Municipal do Meio-Ambiente revelou que o principal motivo de visitação do parque, apontado por 33% dos freqüentadores, é “práticas esportivas”. Pudera: o Ibirapuera também abriga quatro quadras poliesportivas e uma pista de cooper com 1.500 metros de distância. O escrevente judiciário Gérson Guerrero, 30, palmeirense fanático e assíduo freqüentador das quadras de futebol, visita o parque todos os domingos a fim de jogar na quadra de terra, menos concorrida do que as três de salão. Gérson explica sua preferência: “na terra, os jogos duram meia hora ou dois gols, enquanto nas quadras de salão, que são de futebol society, o máximo que dá para jogar é vinte minutos“.

Atualmente o parque do Ibirapuera encontra-se aberto à visitação pública das 5h às 24h, recebendo em média 20 mil usuários de segunda a sexta e 200 mil aos finais de semana. Basta uma breve conversa com freqüentadores como a publicitária Joana Martins, 21, que sai para passear com seu golden retriever todas as manhãs pelo parque e já perdeu a conta de quantas vezes perguntaram o telefone de seu cachorro (“inclusive por algumas mulheres“), ou o farmacêutico Humberto Luz, 52, que afirma que o melhor show que viu na vida foi um de João Gilberto na Praça da Paz (“fiquei de pé das seis da manhã até às duas da tarde, mas valeu a pena“), para constatar: todo paulistano possui ao menos uma boa história para contar sobre o “Ibira”, este recanto tão amado por aqueles que moram nesta máquina de fazer malucos chamada São Paulo.

Flip

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 12 de julho de 2004

O tempo em Parati/Paraty, talvez influenciado pela súbita aterrissagem de tantos paulistas por aquelas paragens, viveu dias de típica esquizofrenia climática: amanhecia plúmbeo, depois ensolarava, daqui a alguns instantes ventava rasgantemente, mais acolá brilhava um solzinho macambúzio. Mas, no geral, foram dias de clima soporiferamente paulistano.

Caminhar pelo centro histórico de Parati foi um exercício de equilíbrio. Os olhos precisavam se manter grudados ao chão, sob pena dos pés tropeçarem por entre um e outro vão deixado pelas pedras irregulares do chão de Paraty, tornadas mais esquivas que o habitual pela constante garoa que pontuou os últimos dias da Flip. No entanto, nada que fosse capaz de ofuscar a ótima impressão que tive: foram dias repletos de encontros, reencontros e desencontros.

Assisti no Globo Rural a um acasalamento de emas na companhia de Emilio Fraia (Cardoso chegou pouco depois). Em um restaurante, Edgard Reymann falou de Martin Amis, mulheres peladas e comunidades esdrúxulas do Orkut. Após a oficina com Milton Matoum, seu xará Milton Ribeiro me confidenciou havia sido beijado pela Mônica Salmaso. Enquanto comia uma batata suíça no Casarão do Cunha, Daniela Abade revelou detalhes de seu surpreendente método de criação (mais tarde nos desencontramos em algum lugar aos arredores da Igreja da Matriz). Compartilhei com Suzi Hong, Gustavo de Almeida e Marcele Fernandes um mixuruca bife à milanesa enquanto um incauto atacava “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores” ao violão (algumas mesas à frente, Cecilia Giannetti era atendida por garçons com suspeito sotaque argentino). Recebi das mãos de Caco Belmonte seus “Contos Para Ler Cagando”, que eu, leitor desobediente, devorei antes do desjejum. Delfin ofereceu-me pastelina enquanto nós, torcedores incautos, desconhecíamos ainda o resultado do Derby. Fred Leal, Ivan Siqueira e Rafa Spoladore me acordaram no meio da noite chegando de alguma paragem etílica. Em meio a tudo, Augusto Sales parecia onipresenciar todos os eventos de Paraty.

Não assisti a nenhuma tenda, me desencontrei do Sergio Fonseca, do Hiro e da Barbara Axt, mal pude conversar com a Mara Coradello. Aliás, dizem também que o Tony Monti e a Ana Beatriz Ribeiro também estiveram por lá e não os achei porque sou desatento e estava com os olhos pregados nas pedras das calçadas de Parati, que além da Flip testemunharam as algazarras da Flipinho, da Off Flip e da Off Off Flip (se bobear, rolou também uma Off Off Flip do B). “Big Brother” cabeça? Evento para groupies? Sim, a Flip foi, indubitavelmente, um evento pop. Mas, ao mesmo tempo, e por incrível que pareça, também serviu para discutir literatura. E, a despeito dos caçadores de autógrafos, do atendimento lerdo dos restaurantes, da chuva fria e da falta de ingressos para as tendas de debates, aqueles dias em Paraty representaram uma festa para literato nenhum botar defeito (a não ser o João Ubaldo).

Ano que vem nos (re)encontramos por lá.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Jé plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantêm este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.
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