Odair José, o artesão da música popularíssima brasileira
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 26 de novembro de 2007
O cantor e compositor goiano Odair José de Araújo é o cronista das pessoas que amaram, já choraram muito por causa deste sentimento com nome de paçoca que se esfarela na boca e não têm o menor pudor em admitir isso. É o menestrel das pessoas que amam, porém vivem com medo de perder o ser amado, relatando seus dramas em canções que possuem como eus líricos putas, operários, empregadas domésticas, taxistas e outros representantes das classes sociais menos favorecidas. Não à toa, foi apelidado de “Bob Dylan da Central do Brasil”. Suas letras são diretas, despojadas de firulas metafóricas, e calam fundo no peito daqueles que têm suas dores e sentimentos esquadrinhados por canções como “Deixa Essa Vergonha de Lado”, “Esta Noite Você Vai Ter Que Ser Minha” e “A Maçã e a Serpente”.
Antes de se tornar sucesso popular e vender milhões de discos, Odair José passou por muitos perrengues. Fugiu de casa para tentar a carreira artística no Rio de Janeiro. Lá, dormiu na rua, na praia e até no banheiro do Aeroporto Santos Dumont. Trabalhou cantando em bares, puteiros e inferninhos, testemunhando cotidianamente histórias que seriam fundamentais para a sua carreira de repórter musical dos desafortunados da vida.
Odair gravou seu primeiro disco em 1970, e não tardaria para fazer sucesso em todo o país com músicas simples e marcantes, que dispensavam preliminares e iam direto aos finalmentes. Em entrevista a Pedro Alexandre Sanches, Odair explica porque, em plena época da ditadura, compunha composições que eram consideradas “pornográficas” por sua própria sogra (quando uma música de seu genro tocava no rádio, ela simplesmente o desligava): “O namoro das pessoas já não era mais o namoro do portão, nem de olhar estrelas no céu. Era também isso, mas na verdade as pessoas já estavam transando, o relacionamento do namoro já era sexo mesmo. Não estavam mais se apaixonando apenas por pegar na mão, como se falava nas músicas, negócio de cordão, anel, beijo na boca. Não, já estavam transando. Eu observei aquilo e comecei a fazer minhas letras nesse sentido”.
Em depoimento dado ao excelente site Censura Musical, Odair revela que houve tempos em que, de cada 12 canções que fazia, sete sofriam tesouradas impostas pela ditadura.
Não é difícil compreender o porquê de tamanha perseguição. Em declaração dada a Paulo César de Araújo para Eu Não Sou Cachorro Não, livro fundamental para a revisão da importância dos artistas considerados bregas ou cafonas na história da MPB, Odair explica: “Eu vim falando de cama, de pílula, de puta, de empregada doméstica, porque essa é a realidade do Brasil. Foi por isso que eu me tornei um artista polêmico, e a censura começou a me proibir”. Diga-se de passagem, o ex-marido da cantora Diana não sofreu represálias apenas da Censura. Devido a obras como a ópera-rock O Filho de José e Maria, de 1977, livremente inspirada na vida de Jesus, Odair foi excomungado pela Igreja Católica.
Ao longo dos anos, em um processo lento mas paulatino, o valor de Odair José vem sendo reconhecido. Em 2006, por exemplo, diversas bandas reuniram-se para gravar um tributo às composições do goiano, Vou Tirar Você Desse Lugar, com a participação de grupos como Pato Fu, Mombojó, Columbia e Mundo Livre S/A. Um alento para um artista subestimado que até hoje mantém a capacidade de escrever músicas que reverberam os anseios e preocupações populares, compondo canções genuinamente honestas. Em seu álbum mais recente, Só Pode Ser Amor, de 2006, destaco a faixa “Pensão Alimentícia”: “Todo mês no dia certo/ Você se lembra de mim/ Na sua conta do banco/ Meu valor nunca tem fim/ Na sua vida eu já sei/ Minha importância é só essa/ Sou pensão alimenticia/ O resto não lhe interessa”.
Eis o meu Top 5 Odair José:
1. “Revista Proibida” - Sob um arranjo à base de violão, teclado e cordas, Odair José narra a insólita história de um homem que encontra seu ex-amor na capa de uma revista de mulher pelada. Eis a descrição: “Uma foto simplesmente toda nua/ Deitada a beira da piscina/ Seu corpo estava exposto/ Pra quem quisesse ver/ De repente uma saudade tão antiga/ Trouxe de volta o meu passado/ Momentos de ternuras/ Vividos com você/ Momentos com você”. O refrão é cantado por Odair com a mais melancólica das entonações: “Quando você foi embora/ Não quis me dizer/ Vendo você na revista/ Eu começo a entender”. É o tipo de causo que faz a gente rir, mas só porque não está na pele do desgraçado. Quer saber o que é tristeza, mon ami? Então ouça a voz de Odair nesta música.
2. “A Noite Mais Linda do Mundo” - Nos versos deste clássico da música mais do que popular brasileira, está a quintessência da filosofia hedonista das letras de Odair José: “Vamos fazer dessa noite a noite mais linda do mundo/ Vamos viver nessa noite a vida inteira num segundo/ Felicidade não existe/ O que existe na vida são momentos felizes”. Arroubos interpretativos à parte, quantas canções foram capazes de resumir de maneira tão precisa o sentido desta vida?
3. “Nunca Mais” - Faixa inicial do polêmico álbum O Filho de José e Maria, a música é um funk suingado, que surpreende a qualquer um acostumado em carimbar toda a obra de Odair José como brega melado. Em um arranjo com direito a guitarras sincopadas e sopros ao fundo, Odair cunha aqui uma das melhores “pedras de toque” de toda a sua carreira: “Morri de tristeza pra viver de alegria”.
4. “Deixa Essa Vergonha de Lado” - A melodia é parecida até demais com algumas canções do mestre Roberto Carlos, mas eu perdôo Odair José por seu quase-plágio devido à agudeza desta crônica musical. Diz a letra: “Eu já sei que nessa casa onde você diz morar/ Onde todo dia no portão eu venho lhe esperar/ Não é a sua casa/ Eu já sei que o seu quarto fica lá no fundo/ E se você pudesse fugia desse mundo e nunca mais voltava/ Eu já sei que esse garoto que você leva pra brincar/ E que todo dia na escola você vai buscar/ Não é o seu irmão/ Ele é filho dessa gente importante/ E às vezes também é seu por um instante/ Apenas dentro do seu coração”.
Toda vez que ouço essa música, lembro daquela verdadeira instituição dos anos 70 em casas de classe média: empregadas domésticas que moravam em casa, num quartinho dos fundos, na companhia de aparelhos de TV em preto e branco ou radinhos de pilha. E é lembrando de empregadas que me fizeram companhia na infância, como a Glória ou a Maura, que eu ouço com emoção estes versos da singela crônica que Odair gravou em seu LP de 1973, o primeiro em sua carreira a vender mais de 1 milhão de cópias: “Mas você de uma coisa pode ter certeza/ O amor que você tem por mim é a maior riqueza/ Que eu preciso ter/ Deixe essa vergonha de lado/ Pois nada disso tem valor/ Por você ser uma simples empregada/ Não vai modificar o meu amor”. Diga-se de passagem, vale a pena citar que Odair José participou de dois shows em apoio à regulamentação da profissão das empregadas domésticas.
5. “Vou Tirar Você Desse Lugar” - Seu primeiro grande sucesso nacional foi lançado em compacto em 1972 e vendeu 800 mil discos. A composição é a prova da ousadia nas temáticas das canções de Odair: a história de um homem que vai a uma boate, toma uma cachaça, pega uma puta pra se distrair e acaba se apaixonando. Por causa desse inesperado amor, decide tirá-la da prostituição, como relata o refrão: “Eu vou tirar você desse lugar/ Eu vou levar você pra ficar comigo/ E não me interessa o que os outros vão pensar”. E não importa se os personagens de suas letras sejam putas, porteiros, ascensoristas, diaristas ou peões de obra. Aqui, Odair mais uma vez prova a sua habilidade em descrever, por meio de palavras simples mas expressivas, todas as dúvidas, angústias e alegrias que se passam no coração de um apaixonado. Não à toa, nomes como Caetano Veloso, Los Hermanos e Paulo Miklos já gravaram esta pérola do cancioneiro popular tupiniquim. Com a palavra, o trovador do povo: “Eu quero que você não pense em nada triste/ Pois quando o amor existe/ Não existe tempo pra sofrer”.
P.S. 1: Este artigo é uma espécie de resposta ao mote lançado por Théo, do Ato ou Efeito, que escreveu um texto intitulado Vista a Camisa do Brega. Mas, pô, o Théo trapaceou. Enquanto ele redigiu um post citando Talking Heads, Queens of the Stone Age e Foo Fighters, recorri a mestre Odair para assumir a defesa incondicional do ato de ouvir música despido de quaisquer preconceitos, afinal de contas “não me interessa o que os outros vão pensar”.
P.S. 2: Pesquisa da Revista Bula, feita em parceria com o Laboratório de Pesquisas de Opinião Pública e de Mercado da UEG/GO, junto a 706 participantes de nove estados mais o Distrito Federal, fez a seguinte pergunta: quais os seus blogs favoritos? Pensar Enlouquece ficou em primeiro lugar na pesquisa. E eu, é lógico, agradeço a todos que citaram meu blog. Servimos bem para servir sempre. ;)
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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