O dilema dos livros emprestados na era dos e-books (publieditorial)
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 09 de janeiro de 2012
Era uma coletânea reunindo obras-primas do conto como “Acender um Fogo”, de Jack London, “A Máscara da Morte Vermelha”, de Edgar Allan Poe, e “O Demônio da Garrafa”, de Robert Louis Stevenson. Histórias que li, reli e que me transportaram para lugares distantes e fantásticos, em algumas das melhores viagens que já fiz sem sair da minha casa. De quebra, todos os contos possuíam textos de apresentação de Ernesto Sábato, que escreveu prólogos saborosos, apresentando cada um dos autores selecionados. Julguei que seria, pois, o livro ideal para ser emprestado à minha amiga Lígia, que ainda não havia sido contagiada pelo vício da literatura. Tudo muito bonito, se não fosse por um detalhe: o livro nunca mais retornou à minha estante, e eu sequer sei se ela apreciou os contos e o objetivo foi cumprido.
A vida é curta. A gente precisa aprender com os erros e não repeti-los mais, já que o que não faltam são erros novos a serem cometidos. De lá para cá, rarearam os livros que emprestei por aí. Afinal de contas, há que se ter muita inocência e crença na humanidade para que a gente saia emprestando os volumes mais preciosos de nossa biblioteca. Meu “Toda Mafalda” autografado pelo Quino, meu exemplar de capa dura de “O Jogo da Amarelinha” repleto de anotações a lápis que fiz durante minhas leituras e releituras e a edição da Brasiliense de “Hitchcock/Truffaut” são três exemplos de livros que não sairão do meu alcance nem se a Scarlett Johansson os pedisse emprestados com olhos suplicantes e insinuantes.
Será que o futuro dos livros impressos está em se tornarem matérias-primas de esculturas de artistas como Brian Dettmer?
Sim, eu sei que ajo de forma egoísta. Mas toda essa possessividade digna de Sr. Scrooge se restringe a poucos livros, que trazem em suas páginas autógrafos e dedicatórias, ou que são fontes constantes de consulta e (ins)pirações. De resto, sou totalmente favorável à doação de livros, para que cumpram plenamente sua função de espalhar ideias mundo afora. E procuro seguir a certeira regra geral e efetiva para o empréstimo de livros cunhada pelo Alessandro Martins, que sabiamente vaticinou: “Só empreste aquilo com que puder presentear”. Afinal, por mais que existam atualmente ferramentas online como o Tempresto (site criado para controlar empréstimos de livros a amigos e conhecidos), a verdade é que você só deve abrir mão, ainda que de forma teoricamente temporária, de edições que não farão você remoer pensamentos e desfazer amizades caso não sejam devolvidas.
Pois bem: como fica essa história de empréstimo de livros na era dos e-books? Atualmente, posso repassar livros para bibliotecas em vez de deixá-los acumulando pó na minha casa. Mas, a partir do momento que adquiro um livro digital para ser lido em um e-reader ou aplicativo, como fazer para doá-lo ou emprestá-lo? Sim, eu sei que é possível, por exemplo, emprestar livros do Kindle. Mas, neste caso, só posso fazer isso com títulos que integram uma relação previamente autorizada pelas editoras, e por apenas 14 dias. E se eu quiser simplesmente doar um e-book e repassá-lo para outros possíveis interessados? Só poderei fazer isso se doar meu tablet ou e-reader com todo o restante da minha bibioteca digital inclusa?
Em tempos nos quais as vendas de e-books começam a superar as de exemplares impressos, você já parou para pensar nessas questões? Só agora, após ter me tornado um dos embaixadores do Submarino Digital Club, é que comecei a me deparar com esses dilemas, analisando os prós e contras desta nova era.
Um ponto indiscutivelmente positivo, por exemplo, é a possibilidade de carregar em um único dispositivo toda uma biblioteca. As colunas vertebrais das próximas gerações de estudantes terão muito o que agradecer. E essa praticidade também diversificará bastante as minhas opções de leituras em viagens. Por outro lado, há a questão dos empréstimos e doações de livros, que eu já citei. E se eu quiser pegar o autógrafo de um autor a fim de tornar ainda mais especial o exemplar de uma obra, como farei?
P.S.: Leitura complementar: Livros digitais e a solidão compartilhada de Quintana.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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