O assassinato de Benazir Bhutto
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
É triste constatar que faço parte de uma minoria neste país que efetivamente se interessa pelo caderno “Mundo” dos jornais. A não ser que a notícia seja sediada nos Estados Unidos, e de preferência tendo como protagonista algum astro hollywoodiano, a repercussão do que acontece em outros continentes é quase pífia. Meu recente post sobre o Soda Stereo, grupo argentino solenemente esquecido pela mídia tupinambá, é apenas um exemplo de nosso ilhamento na área cultural. Também me estarrece o nosso desconhecimento acerca do cenário político, econômico e social de outros países. O resultado: as opiniões recorrentes sobre políticos internacionais como Hugo Chávez, Nicolas Sarkozy, Mahmoud Ahmadinejad ou Vladimir Putin são quase invariavelmente baseadas em estereótipos descontextualizados que desconhecem nuances. E isso na hipótese otimista de que o interlocutor tenha idéia de quem sejam essas pessoas.
Em um cenário no qual nossa população de analfabetos funcionais ou internautas alienados deve crer que “Farc” é uma onomatopéia que reproduz o som de um peido e “Protocolo de Kyoto” possivelmente tenha algo a ver com alguma configuração de rede de computadores japoneses, imagino que a péssima notícia do assassinato de Benazir Bhutto não terá sequer um décimo do impacto de mais um vídeo mostrando Paris Hilton transando com desconhecidos. Benazir, que foi por duas vezes premiê do Paquistão, havia retornado há pouco tempo de oito anos de exílio voluntário do seu país, e estava engajada na campanha pelas eleições parlamentares que ocorreriam em janeiro de 2008.
Benazir descendia de uma família com longa tradição política. Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que os Bhuttos são uma espécie de filial dos Kennedys no Paquistão, não apenas pelas ligações com o poder, como principalmente pela desgracenta série de tragédias ligadas ao sobrenome. Senão, vejamos: o pai de Benazir, Zulfikar Ali Bhutto, foi presidente e primeiro-ministro paquistanês, mas foi destituído do poder por um golpe militar, preso, condenado à morte e executado por enforcamento em 1979. A mãe, Nusrat, ainda vive, mas padece com o Mal de Alzheimer. Os outros irmãos de Benazir (que era a mais velha dos quatro) não tiveram sortes melhores. Murtaza, que também seguiu a carreira política, foi assassinado pela polícia paquistanesa em circunstâncias misteriosas em 1996 (o marido de Benazir foi inclusive apontado como um dos possíveis mandantes do crime). Shahnawaz, o irmão caçula, foi encontrado morto em seu apartamento na Riviera francesa por overdose de drogas em 1985, embora sua família creia que ele tenha sido envenenado. Agora apenas a irmã mais nova, Sanam, permanece viva, muito possivelmente por ser a menos ligada em política dos quatro filhos de Zulfikar e Nusrat Bhutto.
Os mais apressados tratam de responsabilizar o atual presidente do Paquistão, o controverso general Pervez Musharraf (que tomou o poder num golpe de Estado em 1999), pela autoria intelectual do atentado. Contudo, o fato é que este crime ocorreu em um país assolado por turbulências de caráter político e religioso. Não são poucos os fanáticos militantes islâmicos, simpatizantes da Al-Qaeda, que estariam dispostos a cometer atentados suicidas semelhantes ao que matou a ex-primeira-ministra. Os tumultos que estão pipocando no Paquistão após a confirmação da morte de Benazir não dão motivos para crer que a crise política no país possa se resolver a curto prazo.
Embora lamente profundamente o assassinato de Benazir Bhutto, não posso dizer que ela era a solução para sua conturbada nação. Seus mandatos anteriores foram marcados por sérias acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, constantemente ligadas à figura obscura de Asif Ali Zardari, seu marido. E Fatima Bhutto, filha de Murtaza (assassinado durante o segundo mandato de sua irmã Benazir como primeira-ministra), escreveu recentemente um artigo para o Los Angeles Times intitulado “Aunt Benazir’s false promises”, no qual já alertava para os perigos causados pela presença de sua tia em território paquistanês. Fatima, atualmente com 25 anos, é a principal candidata a herdeira do legado da família Bhutto no cenário político do Paquistão. Resta saber se ela, que é poeta e já publicou dois livros, aceitará seguir a sina de seu sobrenome.
Aos interessados em seguir os desdobramentos da morte de Benazir, recomendo que acompanhem All Things Pakistan, blog editado pelo jornalista Adil Najam, e os relatos dos Metrobloggings de Karachi (maior cidade do Paquistão), Islamabad (capital do país) e Lahore (capital da província de Punjab).
P.S.: O New York Times divulgou aquelas que possivelmente são as últimas fotos de Benazir Bhutto antes de sua morte. Através delas, é estarrecedor constatar a proximidade da ex-premiê junto a uma multidão de completos desconhecidos. As imagens, apresentadas em slides, são acompanhadas pelo áudio de John Moore, profissional responsável pelas fotos tiradas imediatamente antes e depois do atentado.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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