O assassinato de Benazir Bhutto

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 27 de dezembro de 2007

É triste constatar que faço parte de uma minoria neste país que efetivamente se interessa pelo caderno “Mundo” dos jornais. A não ser que a notícia seja sediada nos Estados Unidos, e de preferência tendo como protagonista algum astro hollywoodiano, a repercussão do que acontece em outros continentes é quase pífia. Meu recente post sobre o Soda Stereo, grupo argentino solenemente esquecido pela mídia tupinambá, é apenas um exemplo de nosso ilhamento na área cultural. Também me estarrece o nosso desconhecimento acerca do cenário político, econômico e social de outros países. O resultado: as opiniões recorrentes sobre políticos internacionais como Hugo Chávez, Nicolas Sarkozy, Mahmoud Ahmadinejad ou Vladimir Putin são quase invariavelmente baseadas em estereótipos descontextualizados que desconhecem nuances. E isso na hipótese otimista de que o interlocutor tenha idéia de quem sejam essas pessoas.

Em um cenário no qual nossa população de analfabetos funcionais ou internautas alienados deve crer que “Farc” é uma onomatopéia que reproduz o som de um peido e “Protocolo de Kyoto” possivelmente tenha algo a ver com alguma configuração de rede de computadores japoneses, imagino que a péssima notícia do assassinato de Benazir Bhutto não terá sequer um décimo do impacto de mais um vídeo mostrando Paris Hilton transando com desconhecidos. Benazir, que foi por duas vezes premiê do Paquistão, havia retornado há pouco tempo de oito anos de exílio voluntário do seu país, e estava engajada na campanha pelas eleições parlamentares que ocorreriam em janeiro de 2008.

Benazir descendia de uma família com longa tradição política. Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que os Bhuttos são uma espécie de filial dos Kennedys no Paquistão, não apenas pelas ligações com o poder, como principalmente pela desgracenta série de tragédias ligadas ao sobrenome. Senão, vejamos: o pai de Benazir, Zulfikar Ali Bhutto, foi presidente e primeiro-ministro paquistanês, mas foi destituído do poder por um golpe militar, preso, condenado à morte e executado por enforcamento em 1979. A mãe, Nusrat, ainda vive, mas padece com o Mal de Alzheimer. Os outros irmãos de Benazir (que era a mais velha dos quatro) não tiveram sortes melhores. Murtaza, que também seguiu a carreira política, foi assassinado pela polícia paquistanesa em circunstâncias misteriosas em 1996 (o marido de Benazir foi inclusive apontado como um dos possíveis mandantes do crime). Shahnawaz, o irmão caçula, foi encontrado morto em seu apartamento na Riviera francesa por overdose de drogas em 1985, embora sua família creia que ele tenha sido envenenado. Agora apenas a irmã mais nova, Sanam, permanece viva, muito possivelmente por ser a menos ligada em política dos quatro filhos de Zulfikar e Nusrat Bhutto.

Os mais apressados tratam de responsabilizar o atual presidente do Paquistão, o controverso general Pervez Musharraf (que tomou o poder num golpe de Estado em 1999), pela autoria intelectual do atentado. Contudo, o fato é que este crime ocorreu em um país assolado por turbulências de caráter político e religioso. Não são poucos os fanáticos militantes islâmicos, simpatizantes da Al-Qaeda, que estariam dispostos a cometer atentados suicidas semelhantes ao que matou a ex-primeira-ministra. Os tumultos que estão pipocando no Paquistão após a confirmação da morte de Benazir não dão motivos para crer que a crise política no país possa se resolver a curto prazo.

Embora lamente profundamente o assassinato de Benazir Bhutto, não posso dizer que ela era a solução para sua conturbada nação. Seus mandatos anteriores foram marcados por sérias acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, constantemente ligadas à figura obscura de Asif Ali Zardari, seu marido. E Fatima Bhutto, filha de Murtaza (assassinado durante o segundo mandato de sua irmã Benazir como primeira-ministra), escreveu recentemente um artigo para o Los Angeles Times intitulado “Aunt Benazir’s false promises”, no qual já alertava para os perigos causados pela presença de sua tia em território paquistanês. Fatima, atualmente com 25 anos, é a principal candidata a herdeira do legado da família Bhutto no cenário político do Paquistão. Resta saber se ela, que é poeta e já publicou dois livros, aceitará seguir a sina de seu sobrenome.

Aos interessados em seguir os desdobramentos da morte de Benazir, recomendo que acompanhem All Things Pakistan, blog editado pelo jornalista Adil Najam, e os relatos dos Metrobloggings de Karachi (maior cidade do Paquistão), Islamabad (capital do país) e Lahore (capital da província de Punjab).

* * * * *

P.S.: O New York Times divulgou aquelas que possivelmente são as últimas fotos de Benazir Bhutto antes de sua morte. Através delas, é estarrecedor constatar a proximidade da ex-premiê junto a uma multidão de completos desconhecidos. As imagens, apresentadas em slides, são acompanhadas pelo áudio de John Moore, profissional responsável pelas fotos tiradas imediatamente antes e depois do atentado.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Maria José Speglich

    Não se trata de mentira. Acho arrogante você começar um texto menosprezando quem não lê.
    Deveria apenas dizer…eu que sempre leio o cadeno…entendeu garoto?

    Maria, o menosprezo está em seus olhos. Só fiz uma constatação. Creio, cara “senhora”, que ato muito mais arrogante é alguém querer dizer para outra pessoa: “você deve escrever desse jeito”.

  • Maria José Speglich

    Cara:
    Você é muito arrogante ao afirmar que você é um dos poucos que lê o caderno “Mundo” da Folha. Fique sabendo que eu o leio todos os dias.

    Ué. Maria, arrogante eu seria se dissesse que sou o único. Dentre os poucos, que bom que você está entre eles, oras. Escrevi alguma mentira ao afirmar que é uma minoria que se interessa pelo caderno internacional em vez de ler sobre esportes ou o suplemento sobre TV?

  • Carlos Braga

    Caros,
    Com certeza a morte de qualquer pessoa em tais condições é chocante e traumática. A parte de tudo isso, os fatos apontam o turbilhão político em que o Paquistão está envolvido. Porém novamente não vejo aqui (em comentários e notícias) análises mais realistas. gostaria de comentar rapidamente dois lados que tenho ouvido de colegas paquistaneses com quem tive o privilégio de estudar:
    1) Existe um tumulto político. Sim, isso é verdade, porém tudo isso chama atenção pelo fato do país possuir armas nucleares. Enquanto a política continua confusa (provável Ditadura Militar?!) as pessoas continuam vivendo e trabalhando. Não sei das notícias econômicas do último ano, mas antes de 2007, mesmo sob o atual regime e também com tumultos, a economia continuava se desenvolvendo. Quantos outros países (Brasil, por exemplo) passaram por ditaduras, tiveram assassinatos políticos, repressão e assim mesmo a vida continuou. Meu ponto é somente um, que pelos comentários o país é um caos civil. E isso não me parece exatamente verdade. Claro que a situação não é tranquila, mas me parece que nas notícias veiculadas mundo afora não se tem uma percepção real do que realmente acontece e como é o dia-a-dia do país.
    2) Quanto a morte de Benazir, me parece também que alguns passam a idéia de que ela estava lutando pela volta da democracia e que se tornou um mártir. Novamente, conheço pessoas que viveram sob seu regime em anos passados, e que não tinham qualquer esperança que ela fosse trazer grande desenvolvimento ao país caso voltasse ao poder, uma vez que em outras ocasiões pouco fez pelo povo.
    Abs.

  • deocclecio Souza

    Parabéns pelo Blog.Creio q o Senhor não é a minoria interessado no que acontece pelo mundo.O nosso mundo não é pequeno, existe espaço para muitas moradas.
    Quanto ao assassinato da Senhora Benazir o impacto não foi maior por se tratar de fato ja previsto e anunciado para quem acompanha política internacional. Obrigado

  • http://ligeirinhorj.blogspot.com Ligeirinho

    História de Benazir Bhutto irá virar filme

    Morta no dia 27 em um atentado suicida a bomba em Rawalpindi, no Paquistão, a líder política Benazir Bhutto já vai ter seu martírio contado no cinema. A notícia foi dada ao jornal Daily Times pela produtora paquistanesa Skies Unlimited Films.

    O longa, já em pré-produção, será produzido pelo indiano Mahesh Bhatt e escrito pelo poeta paquistanês Aqeel Ahmad Ruby. Um diretor deve ser anunciado em breve. Para interpretar a ex-primeira-ministra, a primeira mulher a ocupar um cargo de chefe de governo em um Estado muçulmano moderno, a produtora diz que “pode ser uma desconhecida ou uma atriz famosa”.

    No anúncio, a Skies Unlimited disse que a intenção não é criar polêmica, mas homenagear Benazir Bhutto com uma produção que seria lançada mundialmente.

    Fonte: Omelete (http://www.omelete.com.br/Conteudo.aspx?id=100010107&secao=cine#)

    Ôpa, valeu por postar aqui a informação, cumpadi Ligeirinho!

  • http://www.ocabulosodestino.net Israel Barros

    Madame Bhutto esta longe de ser uma santa, ou uma martir como muitos disseram. Nos temos uma imagem muito ocidentalizada dela e do seu clã. Não podemos esquecer e que Benazir vivia uma vida de luxuria em um pais pobre miseravel. O pai dela reprimiu manifestações na base do reio e ela mesmo foi acusada de corrupção mais de uma vez. Claro que todos esses fatos não justificam o seu assassinato cruel e covarde, mas sejamos francos: ela era longe de ser uma Aung San Suu Kyi.

  • http://www.amenidadesebobajadas.blogspot.com Daniel F. Silva

    Concordo com você, Inagaki: é lamentável que os brasileiros, em geral, não se importem com a política internacional, que poderá, por mais distante que seja, influenciar nossas vidas de maneira irreversível. Só querem saber de futilidades, pois parecem ter preguiça de pensar. E a impressão que temos é que estamos pregando no deserto.
    De todo modo, um bom Ano Novo a todos.

  • http://attu.typepad.com/universo_anarquico/ tina oiticica harris

    Que acrescentar se não que fui pega no contrapé? Minha amiga texana me disse à noite que Benazir havia sido assassinada. Comentei com ela sobre as páginas aqui que difamam a Hillary. Ela comentou sarcasticamente que não pode haver poder feminino, em termos mais crus, acho que tem razão.
    Agradeço-te por ensinar um pouco de conhecimento do mundo aos jovens brasileiros. Bem mandado, Alexandre Inagaki. Já está na rede anarchic_universe del.icio.us.

  • http://www.alexandresena Alexandre Sena

    Como se trata de uma nação surgida de um confronto (paquistaneses nada mais são que indianos que seguem o Islamismo, e não o Hinduísmo), é natural que o militarismo e o radicalismo religioso tenham dominado durante tantos anos a política do Paquistão. Por mais polêmica que fosse, Benazir Bhutto representava um contraponto aos militares e aos radicais islâmicos. Sua volta ao país contrariava os interesses de muitos poderosos. Era uma mulher marcada para morrer, infelizmente.

  • Janaina

    Até parece que só vc é culto neste país!!!

    É óbvio que não, Janaina. E em nenhum momento do post afirmo isso. Bem, se é que você o leu atentamente.

  • Cecília Castro

    Excelente post Inagaki!
    Adorei desde a bronca no início até o histórico da família.
    Abraços.

  • http://beths.zip.net BethS

    Ina,
    Discordo de você quando diz que Benazir Bhutto voltou ao país “um tanto quanto cega” do risco que corria. Veja o que ela diz em artigo que escreveu para o Le Monde, em setembro passado: “Voltarei ao Paquistão, neste outono, consciente que dias difíceis estão à nossa frente. Mas confio no povo e coloco meu destino nas mãos de Deus. Não tenho medo. Sim, estamos em uma tormenta, mas sei que o tempo da Justiça e as forças da historia estão de nosso lado”.
    Veja o artigo inteiro aqui:
    http://www.lemonde.fr/web/article/0,1-0@2-3232,36-950671@51-895309,0.html

    Tenho a impressão que ela se sentia uma pessoa predestinada, com capacidade de deixar a sua marca na Historia. Para pessoas assim riscos não tem a menor importância. São apenas desafios.
    Sua possível vitória nas eleições de janeiro estava deixando a comunidade paquistanesa espalhada pelo mundo cheia de esperança de poder voltar ao país – conheço alguns que acreditavam que ela podia realmente trazer democracia e modernidade ao Paquistão.
    Mesmo sendo uma morte anunciada, me deixou bastante preocupada e atenta – em 2008 não dá pra não ler as páginas internacionais das publicações e principalmente não se pode mais ignorar o Paquistão.
    Beijo, querido, uma boa passagem de ano pra vc e família.

    Beth, eu sinceramente creio que havia um quê de populismo nas palavras de Benazir. Seu currículo político, conspurcado por diversas acusações de corrupção em seus dois períodos como primeira-ministra, e mais a ressalva feita por sua própria sobrinha sobre os riscos de suas aparições públicas no Paquistão, não me permitem cair na tentação de idealizar uma mulher que, se sem dúvida nenhuma provou ser destemidamente corajosa, ao mesmo tempo correu um risco pueril ao surgir tantas vezes em público após ter escapado por pouco de um recente atentado em outubro. No fim das contas, Benazir morreu e deixou seu país em completo caos. Reafirmo: atitude cega e lamentavelmente desnecessária. E, como você bem afirmou, Beth, foi uma morte totalmente anunciada. Anyway, que você tenha uma ótima passagem de ano também! Um beijabraço.

  • http://idelberavelar.com Idelber

    Caro Ina, recomendo com muita ênfase o excelente do paquistanês Tariq Ali na Folha de hoje (tentei postar o link, mas não rolou). Para quem quiser dar uma pesquisada nas raízes históricas de todo esse angu de caroço, o livro de Ali, The Clash of Fundamentalisms, é uma referência excelente. Explica bem o processo de partição do subcontinente indiano depois da Segunda Guerra Mundial e os conflitos que se seguiram a ela. Está disponível em tradução aí no Brasil, pela Editora Record. Abraço!

    Valeu pela dica, Idelber! Como o artigo é fechado a assinantes, segue abaixo seu conteúdo.

    Domínio militar é tragédia paquistanesa

    TARIQ ALI

    Mesmo aqueles dentre nós que criticavam severamente o comportamento de Benazir Bhutto e as políticas que ela adotou quando estava no poder e depois de perdê-lo se sentem atônitos e enraivecidos diante de sua morte. Indignação e medo tomam o país uma vez mais.

    Foi essa estranha coexistência entre despotismo militar e anarquia que gerou as condições que resultaram no assassinato de Bhutto. No passado, o governo militar tinha por objetivo preservar a ordem. Mas isso deixou de ser verdade. Hoje, o domínio militar cria desordem e destrói o domínio da lei. Que outra explicação poderíamos encontrar para a demissão do presidente e de oito outros juízes da Suprema Corte paquistanesa por terem tentado sujeitar a polícia e os serviços de informações aos ditames da lei? Os substitutos não têm firmeza moral para tomar providência alguma, quanto mais conduzir a investigação sobre os delitos das agências, a fim de encorajar a revelação da verdade por trás do assassinato cuidadosamente organizado de uma importante líder política.

    De que maneira o Paquistão seria outra coisa que não uma conflagração de desespero hoje? Presume-se que os assassinos sejam jihadistas fanáticos. Pode ser verdade, mas agiram por conta própria?

    EUA e coragem

    Benazir, segundo fontes próximas a ela, sentiu-se tentada a boicotar as falsas eleições, mas não teve coragem política de desafiar Washington. Tinha muita coragem física, e recusava-se a ceder às ameaças de seus oponentes locais. Bhutto estava discursando em um ato em Liaquat Bagh. É um espaço batizado em homenagem ao premiê que formou o primeiro governo paquistanês, Liaquat Ali Khan, assassinado por um atirador em 1953. O matador foi imediatamente abatido a tiros por ordem de um policial envolvido no complô.

    Não muito longe dali, existia uma estrutura da era colonial que servia de prisão aos militantes nacionalistas. Era a prisão de Rawalpindi, o local em que Zulfikar Ali Bhutto, pai de Benazir, foi executado em 1979. O tirano militar responsável por seu assassinato fez desaparecer o lugar da execução. A morte de Zukfikar Bhutto envenenou o relacionamento entre o seu Partido do Povo do Paquistão e o Exército; ativistas do partido foram torturados, humilhados e, ocasionalmente, mortos.

    A turbulenta história do Paquistão, como resultado de contínuo domínio militar e de alianças internacionais impopulares, agora apresenta sérias escolhas à elite governante, que parece não ter qualquer objetivo positivo. A maioria esmagadora do país desaprova a política externa. O povo também se sente irritado pela falta de uma política doméstica séria, se excetuarmos os esforços para enriquecer ainda mais uma elite insensível, cujas fileiras incluem as Forças Armadas, superdimensionadas e parasitárias -as mesmas que assistem, impotentes, ao assassinato de líderes políticos.

    Benazir foi atingida por tiros e logo houve uma explosão. Os assassinos garantiram duplamente a operação, dessa vez. Queriam-na morta. Agora, é impossível a realização de uma eleição, ainda que fraudulenta. O pleito terá de ser adiado e as Forças Armadas estão contemplando a imposição de um novo período de domínio militar direto caso a situação se agrave, o que pode facilmente ocorrer.

    O assassinato representa uma tragédia multidimensional em um país que está na estrada para novas tragédias. Há despenhadeiros e cataratas à frente. E há a tragédia pessoal. A família Bhutto perdeu mais um membro. Pai, dois filhos e agora a filha.

    Morte do pai

    Fui apresentado a Benazir na casa de seu pai, em Karachi, quando ela era uma adolescente que só queria se divertir, e voltei a encontrá-la mais tarde, em Oxford. A política não era sua inclinação natural, e ela desejava ser diplomata, mas a história e suas tragédias pessoais a conduziram em outra direção. A morte de seu pai a transformou. Ela tornou-se uma pessoa nova, determinada a enfrentar o ditador militar daquela era.

    Estava instalada em um pequeno apartamento em Londres, no qual discutíamos o futuro do país. Ela concordava quanto à necessidade de uma reforma agrária, grandes programas educativos e uma política externa independente, como passos cruciais para salvar o país dos abutres que estavam à espreita, com ou sem uniforme. Sua base eleitoral eram os pobres, e ela se orgulhava disso. Mas Benazir mudou de novo, ao se tornar primeira-ministra.

    No início de seu governo costumávamos discutir, e ela dizia que o mundo havia mudado. Ela não podia se colocar “do lado errado” da história. E, como outros, fez as pazes com Washington. Foi isso que a levou, por fim, a fechar um acordo com Musharraf e voltar ao país. Em diversas ocasiões ela me disse que não temia a morte. Era um dos perigos inerentes da vida política paquistanesa.

    É difícil imaginar que algo de bom possa surgir dessa tragédia, mas existe uma possibilidade. O Paquistão precisa desesperadamente de um partido político que fale em nome das necessidades sociais da maioria de seu povo. O Partido do Povo, fundado por Zulfikar Ali Bhutto, foi criado pelos ativistas do único movimento popular de massa que o país já viu: estudantes, camponeses e trabalhadores que lutaram durante três meses, em1968/9, pela derrubada do primeiro ditador militar do país. Os militantes consideravam a organização como o seu partido, e o sentimento persiste ainda hoje em determinadas áreas do país.

    A morte horrível de Benazir deveria fazer com que seus colegas parem e reflitam. Depender de uma pessoa ou família talvez seja ocasionalmente necessário, mas isso representa uma fraqueza estrutural, e não uma vantagem para uma organização política.

    O Partido do Povo precisa ser recriado como organização moderna e democrática, aberta ao debate e discussão honestos, defendendo os direitos sociais e humanos, por meio da união dos muitos grupos e indivíduos paquistaneses dispersos que estão desesperados por qualquer opção de governo minimamente decente e que apresente propostas concretas para estabilizar o Afeganistão, ocupado e dilacerado pela guerra. Isso pode e deve ser feito. Não deveríamos solicitar novos sacrifícios à família Bhutto.

    TARIQ ALI é historiador anglo-paquistanês e editor da revista “New Left Review”. Prepara para 2008 o livro “The Duel: Pakistan on the Flightpath of American Power” (O duelo: o Paquistão na rota do poder americano)

  • Mariângela de POA

    também fiquei consternada quando o marido veio com a notícia ontem pela manhã, não que acreditasse em grandes mudanças caso fosse a nova governante o que era tido como certo mas agora o país vai mergulhar num caos pior do que sempre esteve. Pelo menos seria um sopro de novas perspectivas para aquele povo tão sofrido.Creio que o que mais me choca é o ato terrorista ,esta insanidade de fazer justiça com as próprias mãos de acordo com crenças obtusas, neste fim de ano,quando a gente ingenuamente acredita em renovação de esperanças,bons sentimentos e tal para o ano vindouro não deixa de ser um soco no estômago . Beijo!

  • http://outforlunch.blogspot.com bobmacjack

    Tive um choque ao saber disso ontem. A covardia dos “heróis suicidas” não tem mesmo limites. Cada vez mais me convenço de que a felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes, como bem observou o poeta e filósofo Odair José. O estado natural das coisas parece ser a dor e o horror, enquanto a humanidade caminha para o caos.

  • http://alessandromartins.com Alessandro Martins

    Também ando acompanhando por aqui. A mim me parece que eles estão entre o fogo e a frigideira por lá.

  • http://maroma.wordpress.com Marília

    Valeu pela notícia!
    Eu acho essencial saber o que acontece no mundo, não que eu saiba muito…

  • aninha

    Eu tinha medo por ela, sabia? Corajosa demais, audaciosa demais, inteligente demais e, consequentemente, perigosa. Que triste fim de 2007.

  • TG

    Eu posso citar meu blog como um não divulgador da morte de Benazir Bhutto, por um único motivo: tento fazer humor(mais um!).
    E, justamente por isso, quando vi a notícia, já estava pronto para mandar um email pra Tutty Vasques falando da “caravana do fim do mundo”. Até porque o humor político brasileiro (na minha opinião) é 130% dele. E ele já havia postado sobre o assunto.
    Então, mesmo sendo um cara bem politizado e informado, que não lê apenas o caderno de esportes d’O Globo, não noticiei.
    Não sei se fui muito sucinto em meu comentário, mas vale a intenção da justificativa, não?
    Um grande abraço

    TG, humor é sempre do contra e não carece de justificativas. Aliás, o brasileiro possui isso de fazer piadas de qualquer assunto, talvez como uma forma de melhor aceitar certos fatos, vide a proliferação de piadas de gosto duvidoso (mas, talvez por isso mesmo, engraçadas) sobre as mortes do Senna ou dos Mamonas. Em tempo: você não deixou o link do seu blog.

  • Giane

    Eu pouco entendo disso tudo (e para ser sincera de muita coisa)mas a morte de Benazir deixa-me triste. É a prova mais que cabal que a intolerância - sob muitos aspectos vai continuar governando o Paquistão.

  • http://poemasdeandreluis.blogspot.com/ Andre L. Soares

    Também fui pego de surpresa, hoje pela manhã, com essa triste notícia. Contudo, já era previsto, pois no dia em que ela retornou ao Paquistão sofreu um atentado que deixou vários mortos. Então, parecia ser só questão de tempo, infelizmente.

  • http://www.etcetceetc.blogspot.com Rodrigo Dias

    Não sei como são os jornais do Brasil, mas a maioria aqui do RS coloca no Mundo apenas o básico do básico nas notícias internacionais. Dificilmente temos alguma contextualização.
    Maldita busca pelo furo e falta de espaço para o futebol.

  • http://helenaella.blogspot.com.br Helena

    Não é necessário ir muito longe para atestar que poucas pessoas se interessam pelo que acontece pelo mundo…as pessoas não se interessam nem pelo Brasil!
    Parabéns pelo Blog.Bj

  • http://rosebud-nyc.blogspot.com Andréa N.

    Ina, aqui em casa estamos acompanhando enlouquecidamente o assunto, ao vivo, pela CNN. Não tive tempo de escrever sobre isso no blog porque trabalhei o dia inteiro. Mas vc tem razão quando fala da falta de interesse do brasileiro pelo cenário político mundial.
    Eu tinha avisado aqui em casa, quando a Benazir voltou do exílio, que ia dar alguma merda e que ela era doida de aparecer tanto e se colocar em situações tão perigosas em público, mas ainda tô custando a acreditar que isso acaba de acontecer.

    Andréa, depois do aquecimento global que o pra lá de desrespeitado Protocolo de Kyoto é incapaz de refrear, essa morte da Benazir é a pior notícia que a humanidade recebeu neste ano de 2007. Oremos para que alguém lá em cima dê um mínimo de serenidade ao povo paquistanês.

  • http://www.laboratoriopop.com.br Rodney

    Esse desfecho era mais que inevitável. Em outubro, quando Benazir voltou ao Paquistão, aconteceu um outro atentado, que deixou quase 140 mortos. Será que ela estava consciente de que era um alvo ambulante desde que voltou ao país? Ou ela não estava ou deram garantias que não foram cumpridas.

    Rodney, a impressão que tenho é de que Benazir, que sempre foi uma política ambiciosa, estava um tanto quanto cega diante das perspectivas concretíssimas que ela tinha de retomar o poder no Paquistão. Se ela confiou na segurança fornecida pelo presidente Musharraf, incorreu numa ingenuidade digna da Velhinha de Taubaté. E, como previu precisamente sua sobrinha Fatima Bhutto no artigo que linkei do LA Times, seu retorno ao território paquistanês era um risco alto demais pra ser pago. Que acabou sendo quitado com juros estratosféricos.

  • http://fudeblog.zyakannazio.eti.br Cesar Cardoso

    Só lembrando de uma coisinha: o Paquistão, país à beira do caos total, tem armas nucleares.

  • Anônimo

    Apesar da cobertura internacional dos grandes veiculos serem baseadas em agências de notícias tendenciosas (certamente seria bem melhor mandar você ou outro aficcionado como correspondente em algum rincão do globo), pude constatar a importância desse fato em uma rápida passada nos grandes portais. Aproveito pra registrar aqui minha pergunta leiga: que tipo de merda pode dar um atentado aos direitos democráticos iguais a esse num país apinhado de bombas nucleares?

    André, os tais atentados aos direitos democráticos já estão acontecendo há tempos no Paquistão. Mas o assassinato de Benazir Bhutto representa um gravíssimo golpe para a estabilidade política no país. A transição do poder, que sairia das mãos do presidente Pervez Musharraf para, muito provavelmente, Benazir (que liderava com folga as pesquisas eleitorais) representava a esperança de que militares e civis finalmente fizessem uma aliança capaz de garantir um mínimo de tranqüilidade em um país que há cerca de dois meses estava em estado de exceção (no qual Musharraf havia mandado prender juízes da Suprema Corte e opositores em geral).

    Agora, sem a liderança carismática e histórica de Benazir, as perspectivas de um entendimento entre os principais setores da sociedade paquistanesa são pra lá de sombrias. O fato de o outro líder da oposição, o ex-premiê Nawaz Sharif, ter convocado greve geral no país, exigindo a saída imediata de Musharraf do poder, não ameniza a encrenca. Meu temor é de que os militares resolvam cancelar as eleições de vez, impondo um estado de exceção ainda mais rigoroso a uma população crescentemente revoltada, à beira de ingressar em uma guerra civil que teria proporções catastróficas. É preciso lembrar ainda que o grupo Al-Qaeda decretou Guerra Santa contra Musharraf desde o massacre cometido pelo exército na Mesquita Vermelha de Islamabad, que matou quase 300 fundamentalistas.

    Ou seja: é tanto conflito interno que a questão do Paquistão ser um país muçulmano com armas nucleares quase passa desapercebida. O que dizer de uma nação em que um cientista como Abdul Qadeer Khan, que passou segredos nucleares para nações como Líbia, Irã e Coréia do Norte, é considerado herói nacional? Outro fator que deve ser levado em questão: os EUA injetaram bilhões de dólares na economia paquistanesa, devido à sua “guerra contra o terror”. Por sua importância estratégica, o Paquistão certamente está tirando o sono de todas as forças armadas norte-americanas. Aliás, de todos que estão minimamente atentos ao cenário político paquistanês…

  • diego goes

    Infelizmente, tenho a vergonha de assumir que a única vez que ouvi falar em Benazir foi na música de Chico César, Benazir:

    Não aponte o dedo para Benazir Bhutto, seu puto
    Ela está de luto, pela morte do pai ( x2)

    Não aponte o dedo para Benazir (x3)

    Esse dedo em riste esse medo triste é você
    Benazir resiste e o olho que existe é o que vê.

    Caro Diego, essa rima que o Chico César encontrou para “Bhutto”… Putz. Menos mal que ao menos desse sofrimento a Benazir foi poupada. XX(

  • http://locutorius.blogspot.com simone

    querido, vou deixar aqui um obrigada e um parabéns e um feliz 2008 pra você! tudo junto assim, meio embolado, porque é assim que nós somos!
    qto ao tema do post, sim, estou aqui acomapanhando, assim como o caso dos reféns das farc. leio com tristeza o que acontece ao nosso redor.
    um beijo!

  • http://www.serbon.blogspot.com Serbão

    bom, como tbem sou jornalista, estou sempre ligado nas notícias, e o caso da Benazir me chocou hoje. sei que as circunstâncias são diferentes, mas me lembrou o assassinato da Indira Gandhi na vizinha Índia. também acho que a repercussão na blogosfera se limitará a poucos.
    abç

    Serbão, inseri links para o Pedro Doria e o Update or Die, que também comentaram a morte da Benazir. Mas, concordando com a sua observação, serão exceções dentro da blogosfera brasileira.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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