Masoquista ludopédico
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 27 de novembro de 2006
Amor não se escolhe; simplesmente acontece. Tudo seria muito mais simples se pudéssemos escolher a pessoa por quem nos apaixonamos. Não correríamos o risco de amarmos sem sermos correspondidos, não cairíamos na cilada de oferecer nosso coração a quem não fizesse por merecê-lo… Enfim, esses riscos que todos que já amaram alguma vez sabem muito bem quais são. Mas, como diria Riobaldo, viver é muito perigoso.
Neste final de semana meu time foi rebaixado para a terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Mais uma dentre tantas decepções que eu, na condição de torcedor do Guarani Futebol Clube, tenho amargado nos últimos anos. Situação desgraçadamente corriqueira a torcedores que amam incondicionalmente o seu clube e que, feito eu, vivem em constante sofrimento: somos um bando de masoquistas ludopédicos. Por vezes me sinto como um marido cuja esposa me chifra inúmeras vezes, com meus melhores amigos, na minha própria cama. Ao chegar em casa, vejo seus amantes refestelados em meu sofá, com os pés na mesa e tomando da minha cerveja. E eu, na condição desgracenta de corno apaixonado, sou incapaz de ensaiar alguma represália, porque continuo amando essa ingrata desgraçada acima de tudo.
É duro acessar diariamente sites e rádios online e tomar conhecimento do amontoado de notícias deprimentes relacionadas ao meu Bugrão. Salários atrasados, jogadores despejados de flats por falta de pagamento, atletas que recorrem à Justiça para abandonar o time, total falta de recursos financeiros fazendo com que falte comida para os jogadores das divisões de base, torcida depredando a sede revoltada com os recentes resultados, etc etc. Faltam perspectivas, faltam alentos, faltam razões cartesianas para que eu possa vislumbrar dias melhores para o Guarani.
Mas o amor fomenta esperanças nos terrenos mais estéreis. Diante disso, abstraio as perspectivas sombrias, as piadas de outros torcedores, as decepções dos últimos campeonatos. É como diz o nosso hino: “Avante, avante meu Bugre/ Que nós vibramos por ti/ Na vitória ou na derrota/ Hoje e sempre Guarani“. Tenho a plena consciência de que meu time de coração não possui a mesma estrutura, muito menos o orçamento ou a quantidade de títulos arrematados por outras “grandes” agremiações. Ainda assim, sou capaz de vislumbrar na escassez de títulos um lado positivo: ao contrário de outros torcedores mal-acostumados, vibro intensamente com cada vitória conquistada, cada gol feito, cada avanço na tabela do campeonato.
Meu Bugrão permanece sendo o único clube do interior que foi campeão brasileiro (1978), além de ter conquistado a Taça de Prata (1981), a Taça dos Invictos (1970), a Taça São Paulo de Júniores (1994) e o bicampeonato da Copa Toyota de Futebol Juvenil no Japão (2001/2002). Também bateu recordes que perduram até hoje, como a de melhor ataque em campeonatos brasileiros (em 1982 o ataque formado por Lúcio, Jorge Mendonça, Ernani Banana e Careca fez 63 gols em 20 jogos - média de 3,15 gols por partida) e vitórias consecutivas (doze, em 1978). Pena que toda essa tradição de nada adianta no momento presente. A vida é assim mesmo: promessas de amor não valem nada, e se dissipam, voláteis, no etéreo território das ilusões.
Neste momento difícil, solidarizo-me com o sofrimento vivido por outros irmãos de sangue alviverde, como Bruno Ribeiro e Delfin, e busco forças em todos os bons momentos proporcionados pelo meu Bugrão, desde o primeiro jogo que assisti em um estádio (Guarani 3 x 2 América-RJ, em jogo válido pelo Brasileiro de 1980).
Afirmou Sergio Fonseca: “amor que não dói não é amor“. Viver é assimilar os socos desferidos na alma e prosseguir combatendo nas batalhas do dia-a-dia. E o amor é como uma lente de aumento que amplifica cada mínimo detalhe do cotidiano. Assim é a minha paixão pelo Guarani: uma profissão de sangue, coisa para poucos e privilegiados iluminados, cujos corações foram tocados por algo maior e inexplicável. Porque o amor desnorteia, e faz com que a lógica cartesiana dance rumba e saia de fininho.
Haja o que houver, eu sempre afirmarei que sou feliz, e muito, por possuir o privilégio de torcer para o Bugrão. Com muito orgulho. Com muito amor.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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