“Horas Decisivas”: um filme sobre coragem e liderança

Por Cíntia Cittonsegunda-feira, 08 de fevereiro de 2016

Horas Decisivas é um filme que, desde o seu trailer, promete cenas de tempestades marítimas cheias de ação e efeitos especiais, mas é bem mais do que isso. A história real do maior resgate feito por um barco de pequeno porte é também uma lição de liderança em momentos de extrema incerteza e pressão, apoiada por atuações convincentes e uma trilha sonora que sabe destacar o suspense e mostrar momentos comoventes de homens que se encaminham para uma missão quase suicida.

AVISO: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS DO FILME

A história

No inverno de 1952, os navios-tanque SS Pendleton e SS Fort Mercer, que sobreviveram à II Guerra Mundial, naufragaram na costa leste de Massachussets, nos Estados Unidos. Os navios se partiram pela metade com poucas horas de diferença em um mar gelado, sob uma tempestade de neve e enfrentando ondas de mais de 20 metros de altura. O filme conta como um barco de madeira com uma tripulação de 4 pessoas e capacidade para 12 navegou sem bússola por uma tempestade de neve em uma costa repleta de bancos de areia, enfrentou ondas gigantes e resgatou 32 sobreviventes do naufrágio do SS Pendleton.

Fotos: 1. Costa de Chatham, de onde partiu o resgate/ 2. Bancos de areia na Costa de Chatham/ 3. SS Pendleton

Não sou uma crítica profissional de cinema, por este motivo resolvi abordar essa resenha da perspectiva que conheço, relacionada ao empreendedorismo e à liderança. Em um momento em que mercados inteiros estão ruindo e novos modelos de negócios desbancam indústrias estabelecidas, me parece adequado traçar um paralelo com uma história que mostra como dois homens foram capazes de liderar com sucesso suas equipes através de uma situação bastante adversa, para a qual nenhum dos envolvidos havia sido preparado.

Os homens que inspiraram esse filme precisaram aprender a liderar quando sequer sabiam se sobreviveriam para contar a história, e o fato de terem sido bem-sucedidos nos mostra que, mais do que um sorriso brilhante e um mantra decorado em MBA, a liderança depende de uma atitude de entrega.

Casey Affleck é Robert Sybert, o engenheiro de máquinas que trabalha no SS Pendleton. Sua capacidade de se relacionar com a equipe inicialmente é quase nula, mas é o único que sabe o que é necessário para conduzir uma popa de navio-tanque (sem timão ou nem outros instrumentos de navegação) até um banco de areia que os ajude a ganhar tempo enquanto esperam por um resgate. É interessante ver como ele evolui de começar a contar sua estratégia quase gaguejando a ganhar a confiança da equipe e se firmar como líder. Ele enfrenta sua própria dificuldade em comunicar, a oposição de um dos marinheiros e mais uma série de imprevistos até a chegada do resgate, feito sob chuva e ondas que ameaçam a operação até o último momento.

Robert Sybert (Casey Affleck) e a tripulação do SS Pendleton, numa manobra para improvisar um timão

Do outro lado, Chris Pine interpreta o tímido patrão de barco Bernard C. Webber, cuja equipe é formada por um marinheiro novato, um chefe de máquinas que nunca saía da base e um marinheiro ressentido pelo fracasso de um resgate anterior liderado por Webber. Ele precisa enfrentar seus medos e inseguranças, a desconfiança de seu colega Richard (Ben Foster) e as ordens de seu chefe para atravessar ondas de mais de 20 metros, com tubos que deixariam os surfistas mais malucos com medo, sem bússola (perdida já nas primeiras ondas) e salvar 32 pessoas com um barco cuja capacidade era para 12.

Bernie Webber (Chris Pine), partindo para um resgate quase impossível

É interessante ver como o filme apresenta simetria entre os desafios de Sybert e Webber, e de como eles os enfrentam. Listei abaixo o que se destacou para mim, adoraria saber se quem me lê agora concorda, se tem uma opinião diferente ou percebeu algum outro detalhe interessante do filme:

  • Ambos avançam mesmo com medo, no início eles não têm escolha e estão à mercê de chefes que não lhes dão ouvidos. A desconexão de seus chefes com as equipes fica clara enquanto Sybert tenta convencer seu capitão a reduzir a velocidade para preservar o barco e quando o capitão Daniel Cluff (Eric Bana) ordena que Bernie recrute uma equipe para fazer um resgate considerado suicida pelos marinheiros mais experientes.
  • Sybert é conduzido à liderança por ser quem melhor conhece o Pendleton, Webber porque a equipe mais experiente já saiu para fazer o resgate do Fort Mercer.
  • Nenhum deles é o rei da retórica, mas ambos conhecem bem seus ofícios, ainda que Webber esteja psicologicamente abalado pelo fracasso de seu resgate anterior.
  • O ponto de virada de cada um deles vem com situações extremas: Sybert precisa cortar a corda do bote salva-vidas para que seus marinheiros vejam que se o usassem para sair não durariam 2 segundos, e Webber precisa desligar o rádio e desobedecer às ordens de seu chefe para confiar na própria experiência, diante de uma situação que nenhum comandante poderia imaginar a partir da base.
  • Nenhum tem certeza de que se salvará, mas precisam confiar em si mesmos para conseguir que suas equipes façam o que é necessário. Transmitir segurança mesmo em situações de muita incerteza é uma necessidade para qualquer líder. Nesse caso, transmitir segurança para que a tripulação acredite em si mesma e em sua capacidade de se salvar, não apenas nos planos ou no líder.
  • Quando os dois estão no mesmo barco, Sybert demonstra empatia com Webber, e manifesta sua confiança no atual capitão do barco, ajudando a acalmar os demais marinheiros resgatados. É uma situação extrema onde vida e morte caminham lado a lado, e não há espaço para líderes de ego inflado.
  • Obviamente, o capitão é o último a deixar o barco, em ambos os casos. Primeiro garantem a segurança de toda a tripulação.

Quien lo mira lo ve por vez primera, siempre.
Con el asombro que las cosas elementales dejan: las hermosas tardes, la luna, el fuego de una hoguera.
¿Quién es el mar, quién soy?
Lo sabré el día ulterior que sucede a la agonía.
- El Mar, Jorge Luís Borges

Além da perspectiva de liderança, achei muito bonita a maneira como o filme retrata os medos de cada um dos marinheiros, afinal entendo que os momentos decisivos mencionados no título são aqueles em que a iminência da morte é capaz de resgatar o que temos de mais humano. Fica mais fácil entender a necessidade de acreditar em algo maior,  num momento em que uma força da natureza mostra sua assustadora superioridade. A partir de agora, a música “Haul Away, Joe” sempre vai me lembrar de uma cena em que homens conscientes da proximidade da morte tentam afastar seus medos cantando. Outra sequência que me parece digna de menção é quando a comunidade se reúne e leva todos os carros para a praia quando a cidade fica às escuras, ótimo lembrete da importância desse tipo de estrutura para o sucesso de qualquer empreitada.


Pense Nisso!
Cíntia Citton

Cíntia Citton é consultora de Inovação e facilitadora de cursos de Design Thinking e Modelagem de Negócios. Já trabalhou em Gestão Estratégica, Comércio Internacional e Organização de Eventos no Brasil, França, Alemanha e Espanha. Foi moderadora em eventos como o Iguassu Social Media, palestrante no Curitiba Social Media 2014 e foi voluntária na organização e mentorias de eventos Startup Weekend. É colaboradora do Pensar Enlouquece nas áreas de Inovação e Empreendedorismo.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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