Geração cover
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 19 de setembro de 2004
Você já deve ter participado de uma dessas rodinhas de violão em que algum camarada seu toca “Stairway to Heaven”, “Pais e Filhos”, “Patience”, “Maluco Beleza” ou qualquer outra música pra lá de batida, e toda a galera (a essa altura do campeonato pra lá de manguaçada) canta desajeitadamente em uníssono, acendendo isqueiros enquanto paqueras se desenrolam e a lua tapa os ouvidos com tamanha desafinação. Até aí, tudo zen. Mas o que dizer quando esses mesmos cantores de rodinhas de amigos tornam-se os campeões de vendas da indústria fonográfica brasileira?
O cantor mineiro Emmerson Nogueira vendeu mais de 700 mil cópias dos quatro álbuns que gravou pela Sony Music até hoje. Detalhe: nenhum deles possui qualquer composição própria e um ainda foi gravado ao vivo. Seu repertório? Regravações de sucessos conhecidos do pop/rock internacional em versões acústicas. Ou, como afirmam seus produtores, “com cara de barzinho”. É uma fórmula sem erros: ao regravar músicas conhecidas de bandas e cantores como Pink Floyd, Extreme, Eric Clapton, Oasis e Janis Joplin, com arranjos apurados e fiéis às versões originais, Nogueira montou um repertório apinhado de sucessos. O resultado: sucesso comercial garantido. Quem pensa que ele poderia se incomodar com o fato de fazer sucesso às custas de composições alheias engana-se. Em entrevista concedida ao site Universo Musical, Emmerson declara: “A cada dia lembro de uma música que poderia ter gravado. É algo que ainda quero fazer por muito tempo”.
De olho no sucesso de Nogueira, outras gravadoras trataram de correr atrás do mesmo filão. A Universal trouxe para o seu casting Alex Cohen, que recebeu a alcunha de “O Fenômeno dos Bares”, gravou seu primeiro álbum ao vivo. Embora o repertório do CD inclua seis composições próprias, as vendas têm sido puxadas por suas versões de sucessos de Roberto Carlos, Air Supply, Guilherme Arantes e Peter Frampton. Enquanto isso, a gravadora BMG investe em Danni Carlos, atriz e cantora cujos álbuns “Rock n’ Road Acústico” e “Rock n’ Road Again” já venderam mais de 100 mil cópias, graças a suas covers de bandas como U2, The Calling e Pretenders (que tiveram seu hit “Don’t Get Me Wrong” transformado em “Não Me Leve a Mal”, versão de título mui sugestivo).
É certo que toda essa onda de “cantores de barzinho” nada mais é do que um reflexo da pasmaceira da indústria fonográfica brasileira, que chafurda na própria incompetência. Em um mercado no qual singles sequer são oferecidos ao mercado consumidor, quem ainda se dispõe a gastar 35 reais para adquirir um álbum no qual uma ou duas músicas são veiculadas ad nauseam nas rádios e TVs à base de jabás, enquanto as restantes permanecem desconhecidas? Não admira, pois, que as pessoas estejam optando por comprar álbuns que mais se assemelham a coletâneas, porque querem gastar seu dinheiro em um CD do qual gostem de todas as músicas. A não ser, é bóbvio, que prefiram adquiri-lo em uma barraca de camelô (discos piratas amealharam nada menos que 60% do mercado) ou baixar arquivos mp3.
Em meio a esse cenário, qual é a resposta da indústria? Investir no que seja teoricamente mais seguro. Ou seja, explorar seu catálogo até o último acorde através de coletâneas como “Minha História”, “Millenium” e “Geração Pop”, ou abarrotando as lojas com álbuns ao vivo ou da franquia MTV (isso quando não lançam um “MTV ao Vivo”). E assim, enquanto grupos e cantores como Mombojó, Grenade, Wado, Gerador Zero, tara_code e os irmãos Assad passam ao largo de rádios e TVs, os executivos das gravadoras insistem em investir em CDs e DVDs embalados por capas e encartes luxuosos (mas dispendiosos), rostinhos e corpanzis bonitos (mais adequados a ocupar capas de revista e pôsteres do que palcos e set lists de rádios) e profissionais de marketing tomando o lugar de pessoas que realmente entendam de música.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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