Fahrenheit 451, o indefectível questionário
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 09 de maio de 2005
Meg Guimarães, Maira Parula, Rafael Galvão e Marcos VP me convocaram para a roda. E eu, que relutei para responder a este questionário que se espalhou feito meme pela blogosfera lusófona, finalmente sucumbo e posto minhas respostas:
1- Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Antes de mais nada, vale a pena recordar que Fahrenheit 451 é um dos melhores livros do meu escritor predileto de ficção científica, Ray Bradbury. O romance (adaptado para o cinema por François Truffaut) narra a história de um futuro no qual livros são considerados nocivos à sociedade, uma vez que propagam idéias que deixam as pessoas tristes, ansiosas e raivosas. Além disso, instigam pensamentos e reflexões, tornando-se “fontes de infelicidade”. Por essas razões, ficou decretado que todos os livros deveriam ser sumariamente queimados. No entanto, alguns malucos desta distopia de Bradbury rebelam-se contra as ordens governamentais, e dedicam-se a decorar, parágrafo por parágrafo, algum de seus livros prediletos, a fim de protegê-lo do esquecimento.
O livro que eu gostaria de ser é “O Jogo da Amarelinha” de Julio Cortázar, por uma razão simples: é o melhor de todos os tempos.
2- Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Segundo explicação dada pela Meg, “apanhadinho” é ficar “caidinho”, ou seja, abobadamente apaixonado por alguém. Posso dizer, portanto, que já fui apanhado de jeito várias vezes em minha vida de leitor. Algumas de minhas paixões platônicas foram: Tina (da turma da Mônica), Capitu (dos inolvidáveis olhos de ressaca), Helena de Tróia (uma mulher capaz de incitar uma guerra não pode ser desprezada) e Jocasta (ah, meu Complexo de Édipo mal resolvido…). Confissão quase inconfessável: adoraria protagonizar um ménage à trois com Simone e Marcela, as duas perversas da “História do Olho” de Georges Bataille.
3- Qual foi o último livro que compraste?
“Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano”, de Martin Scorsese e Michael Henry Wilson.
4- Qual o último livro que leste?
“Cão Come Cão”, magnífico romance policial escrito por Edward Bunker, que recomendo convictamente a qualquer um que me leia. É um livro que deixa no chinelo “O Assassino Dentro de Mim” de Jim Thompson (que eu já considerava excepcional) como retrato da mente de um criminoso. Pudera: Edward Bunker passou mais de 20 anos de sua vida atrás das grades, e boa parte desse tempo foi gasto com leituras de autores como Faulkner e Dostoiévski. Seus personagens são execráveis (o primeiro capítulo, diga-se de passagem, descreve com precisão de detalhes dois assassinatos dos mais torpes), e no entanto é se de admirar a capacidade que Bunker tem para construir personagens que transcendem a condição de marionetes ficcionais, dando dimensões humanas até para o maior dos psicopatas, graças à sua vivência, domínio de linguagem e, principalmente, talento narrativo. Mas, se minhas palavras forem insuficientes para convencer alguém a comprar “Cão Come Cão”, recomendo a leitura da impecável resenha de Rafael Lima.
5- Que livros estás a ler?
Os volumes 9 e 10 das Obras Completas de Carl Barks, publicadas pela Editora Abril, e “Contra o Consenso”, título apropriado para a coletânea de textos de Reinaldo Azevedo, colaborador das revistas “Bravo” e “Primeira Leitura”. Embora discorde de sua postura ideológica (e tenha passado ao largo de quase todos os seus textos sobre política), não posso deixar de assinar embaixo do que Azevedo escreve a respeito do cenário contemporâneo da poesia brasileira em seu ensaio sobre Mário Faustino, crítico literário e um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, morto precocemente em um acidente de avião aos 32 anos de idade. É um livro que merece ser lido, nem que seja para xingar o autor (como muitas vezes tive vontade) por conta de suas opiniões provocativas a respeito de Cazuza, Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassuna, Denys Arcand, Otavio Frias Filho, etc etc.
6- Que livros (cinco) que levarias para uma ilha deserta?
A melhor resposta a essa pergunta já foi dada por Luciana Naomi Hikawa: “Mil e Uma Receitas com Coco, Mil e Uma Receitas com Peixe, Aprenda a Construir sua Própria Jangada, Sinais de Fumaça e Código Morse em 10 Dias e, é claro, Robinson Crusoé“.
Agora falando sério (ho ho), eis os livros que eu levaria: “O Jogo da Amarelinha”, “Infinite Jest” (David Foster Wallace), “Ulysses” (James Joyce), as “Mil e Uma Noites” e a Poesia Completa de T. S. Eliot.
7 – A quem vais passar este testemunho e por quê?
A ninguém, porque eu gosto de quebrar correntes e estou ansioso para saber se é verídica a história de que se eu não passar este questionário para frente uma horda de elefantes albinos invadirá meu quarto nesta madrugada dançando macarena em cima de meu corpo agonizante.
P.S.: Na estréia oficial do novo template deste blog, quero deixar aqui meus agradecimentos a Bruno Furnari, criador do novo visual desta página, por sua paciência comigo, e Suzi Hong, minha amiga e consultora oficial para assuntos aleatórios.
P.P.S.: A fotomontagem que ilustra este post é de Scott Mutter, artista que enfileiro ao lado de George Perec, M.C. Escher, Murilo Rubião, Man Ray, Federico Garcia Lorca, René Magritte e Campos de Carvalho na lista de transgressores que admiro pela capacidade de reinventar nossa embotada realidade com suas obras.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.