Entrevista com David Baker, da The School of Life

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 16 de janeiro de 2015

David Baker tem um currículo e tanto. Jornalista, escritor, coach e consultor, foi um dos fundadores e editores da Wired. Também é colaborador de publicações do naipe de Financial Times, The Guardian, Wallpaper, The Independent e The Face. Mais recentemente, tornou-se um dos principais membros do corpo docente da The School of Life, criada pelo filósofo Alain de Botton, com sede em Londres e unidades em diversos países, inclusive o Brasil, onde está presente desde 2013.

Notabilizado por falar sobre os conflitos contemporâneos entre tecnologia e humanidade, David não se limita a estes assuntos em suas aulas e textos, falando também de temas como economia, antropologia cultural, o olhar humano do mundo, hemodiálise, o cultivo da cana-de-açúcar e o equilíbrio entre vida profissional e familiar. Recentemente, fez um curso de Mestre em Mergulho, no México. Depois de todas estas atividades, Baker está de volta ao Brasil para ministrar uma nova série de aulas, incluindo um dos programas mais completos da escola, o Intensivo da The School of Life, que será realizado de 23 a 27 de janeiro, em São Paulo. Mas, antes disso, reservou um tempo para conceder uma entrevista exclusiva ao Pensar Enlouquece.

Vivemos uma era que é aparentemente mais complexa e estressante do que há alguns anos, em um cenário cada vez mais globalizado, com a onipresença da internet e um mercado de trabalho mais competitivo. Em meio ao caos informativo que nos bombardeia diariamente, desconectar-se da internet é necessário para manter a serenidade pessoal?

Concordo que o mundo parece estar mudando rapidamente e que muitas pessoas se fazem perguntas sobre o futuro. Que tipo de trabalho iremos encontrar quando a tecnologia passar a fazer o que nós fazemos agora, por exemplo? Seremos capazes de sustentarmos a nós mesmos e às nossas famílias quando a globalização fizer com que nossos trabalhos possam ser feitos por pessoas em diferentes países? E assim por diante. Estas são perguntas importantes e a internet nos tornou ainda mais conscientes de que estamos competindo não apenas com pessoas de todo mundo, mas também com máquinas. Porém, não teremos a capacidade de nos desconectarmos totalmente do mundo digital. Isso seria negar os imensos benefícios que a internet nos trouxe. Em vez disso, creio que podemos moderar nosso uso. Não precisamos ficar conectados o tempo todo, da mesma maneira que não passamos todo o tempo que estamos acordados assistindo televisão. Podemos decidir por nós mesmos quando usar a internet e quando ficar sem ela. Deste modo, ela se torna uma ferramenta, não um ditador controlando as nossas vidas.

O recente atentado terrorista à redação da Charlie Hebdo é, infelizmente, apenas um dos indícios de que o mundo aparenta estar crescentemente intolerante e violento. Com base em suas experiências analisando o impacto da tecnologia em nossas vidas, o senhor crê que comentários agressivos postados na web, aliados à tendência que pessoas têm em seguir nas redes sociais apenas aqueles que já concordam com suas ideologias e opiniões, integram uma tendência comportamental de intolerância maniqueísta com gente que discorda de nossas ideias e pensamentos?

Acho triste constatar que a internet tenha se tornado um campo tão fértil para o ódio, porque as pessoas pensam que podem ficar anônimas na internet (embora possivelmente muito menos anônimas do que imaginam estar). Nós demos às pessoas poder sem responsabilidade. É muito fácil insultar alguém que não pode ver a sua cara ou não pode ir à sua casa, e eu sei como ataques nas mídias sociais podem ser incrivelmente dolorosos e destrutivos. Mas não creio que os ataques ao Charlie Hebdo se enquadram na mesma situação. O atiradores eram franceses nacionalistas que foram pessoalmente aos escritórios da revista francesa. De uma maneira horrível, eles foram menos covardes do que as pessoas que atacam as outras na rede. Além disso, somos muito seletivos sobre as coisas que nos importam. No mesmo dia destes ataques pudemos ver notícias na internet sobre um ataque da Boko Haram, na cidade nigeriana de Baga, que matou 2 mil pessoas. Mas não vi manifestações e hashtags criticando isso. O mundo é um lugar violento e a internet nos permite aprender mais sobre a violência que acontece nele e tentar fazer algo sobre nós mesmos. Mas quantos de nós se preocuparam com as mortes na Nigéria ou no Congo, por exemplo, ou com aquelas que ocorrem no Sul de Londres ou nas favelas no Rio ou São Paulo? Parece que filtramos e escolhemos o ódio que vai nos preocupar.

Vamos aprender, pessoalmente e politicamente, como lidar com pessoas que usam a internet como ambiente de ataque, talvez encontrando uma maneira de ignorá-los, e também como utilizá-la para fazer a diferença em lugares que são muito diferentes de onde vivemos - talvez fazendo empréstimos às pessoas em regiões mais pobres para que as pessoas possam ter melhores condições de vida. Pensando mais localmente, porém, me preocupo com a possibilidade de que ataques como o atentado ao Charlie Hebdo nos levem a um estado de vigilância. Edward Snowden mostrou a todos que a internet deu a governos - e empresas como Facebook e Google - o poder de nos vigiar de uma maneira que nem escritores como George Orwell e Aldous Huxley poderiam ter imaginado. E fomos nós que demos esse poder a eles, nos recusando a pagar pelas coisas na internet. Gostamos da ideia de que o Google e o Facebook sejam gratuitos. Mas o que damos em troca? Estas empresas - e os governos também - possuem informações detalhadas daquilo que costumávamos chamar de vida privada: não apenas o que a gente faz todos os dias, mas tudo aquilo com o que sonhamos. Nós realmente queremos dar nossos pensamentos mais íntimos a fim de poder jogar Candy Crush gratuitamente? No fim, estamos fazendo uma troca insana. Ainda vamos aprender junto com o mundo como usar a internet. São novos tempos e ainda somos aprendizes. Mas, enquanto isso, é nosso dever como indivíduos decidir como vamos nos comportar no mundo digital, o que diremos e o que vamos trocar por suas guloseimas. Neste momento, estamos agindo como crianças em uma loja de doces. Porém, eventualmente até mesmo crianças enjoam de doces gratis.

O senhor já ministrou palestras em português. Como foi vivenciar dessa experiência? Qual é a maior dificuldade que encontrou no aprendizado da língua portuguesa?

Eu amo a língua portuguesa e é um privilégio ser capaz de falá-la aqui no Brasil. Mas meu português ainda é muito pior do que o inglês das pessoas que frequentam as nossas aulas. Então, são elas que deveriam receber os parabéns porque elas me permitem voltar ao inglês quantas vezes eu precisar. Espero que um dia eu seja capaz de dar aulas aqui na língua portuguesa, mas neste momento eu sou o aprendiz e eles são os experts. Quando comecei a estudar o idioma, minha principal fonte eram músicas de pessoas como Caetano Veloso e Marisa Monte, artistas que amo. Mas, com isso, a maior parte das coisas que eu dizia em português envolviam “amor”, “coração” e “saudade”. Agora, toda vez que venho ao Brasil tento ter mais aulas a fim de poder falar mais sobre coisas um pouco mais mundanas que corações partidos e desejos reprimidos. Mas meu português é cheio de erros. No ano passado descobri o tempo subjuntivo pela primeira vez, e agora posso cometer erros em todo um novo conjunto de tempos verbais. Enquanto isso, torço para que as pessoas considerem que os erros que cometo em português sejam mais charmosos do que irritantes.

O fenômeno da literatura de autoajuda e a busca crescente por cursos livres, como os ministrados pela The School of Life, que de alguma maneira possam nos ajudar a viver de forma mais produtiva, serena e equilibrada me faz pensar que pessoas andam em busca de uma espécie de “manual de instruções para a vida”. O senhor crê que isso é uma consequência de uma crise de credibilidade de instituições como o Governo e a Igreja? Ou tem mais a ver com a ânsia por soluções a curto/médio prazo no ritmo acelerado dos nossos tempos?

Como um visitante, não gostaria de comentar sobre assuntos como o governo ou a igreja no Brasil. Mas eu sei que em meu país a confiança em políticos é muito baixa e as pessoas estão procurando por lideres em outros lugares. Este é o motivo porque a religião está vivendo um revival no Reino Unido, especialmente o islamismo, e isso tem consequências negativas e positivas. Eu mesmo sou religioso (sou judeu) e acredito em Deus. Mas, na verdade, não acho que ninguém pode nos dizer como viver nossas vidas. Sócrates estava certo quando afirmou que uma vida sem questionamentos não vale a pena ser vivida. Creio que temos que estar continuamente olhando para dentro de nós mesmos, encontrando maneiras de viver que sejam autênticas para nós, muito mais do que aquilo que é esperado pelos outros. Isso pode significar uma mudança de status e dinheiro, por exemplo, e pode ser difícil de ser colocado em prática, mas será muito mais recompensador em termos de satisfação e contentamento.

“Ano novo, vida nova”. Como fazer com que esse clichê se torne realidade, a fim de que as clássicas resoluções de ano novo não sejam esquecidas após o retorno à rotina e às preocupações cotidianas?

Bem, ao menos aqui é verão. Imagine alguém na Europa que volta do trabalho após o ano novo e dá de cara com dias frios e chuvosos nos quais escurece às 4 da tarde. Isso é muito desanimador e todas essas resoluções de ano novo acabam se dissipando rapidamente. Mas, em qualquer hemisfério no qual estejamos, eu me pergunto se não estamos com o timing errado. Muitos de nós usam as resoluções para criticar seus comportamentos anteriores: preciso comer menos, ficar em forma, parar de fumar… Me parece que a primavera é uma época melhor para se fazer resoluções, porque aí, o momento será positivo em suas vidas mais em termos de futuro, não de passado. A natureza se renova na primavera, talvez nós devessemos fazer o mesmo.

Qual é a principal diferença entre o programa de cursos da The School of Life no Brasil em comparação com a matriz em Londres e as unidades em Belgrado, Istambul e Antuérpia? Houve alguma dificuldade ou desafio maior no processo de criação da filial brasileira da The School of Life em comparação com as demais?

Por trás de todo curso da The School of Life existe o desejo de ajudar as pessoas entenderem a si mesmas melhor e viver de forma mais autêntica. Os tópicos que ensinamos são os mesmos em todo mundo, mas, na verdade, cada lição é diferente porque os participantes são diferentes. Quando ensino, tenho noção que existe uma enorme quantidade de conhecimento nos próprios estudantes que está aguardando para ser liberada, e para um professor isso é emocionante. Todos nós aprendemos uns com os outros porque essas aulas são sobre viver e como estamos vivendo nossas vidas. Meu trabalho é ajudar as pessoas a perceberem que eles são muito mais experts nisso do que imaginam.

P.S.: Além do Intensivo The School of Life, David Baker ministrará aulas sobre como ser mais confiante, como pensar com a mente de um empreendedor, no Rio e em São Paulo, entre os dias 19 e 27 de janeiro. Confira todas as informações sobre os cursos no site da The School of Life.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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