Editorial de Páscoa

Por Alexandre Inagakidomingo, 04 de abril de 2010

“1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 - então o 11, e você começa tudo outra vez”. Onze, a renovação da dezena: assim interpreta Joseph Campbell em O Poder do Mito. Viver é começar de novo, e de novo, e de novo. Nada mais apropriado, pois, do que uma edição número onze no dia em que se celebra a ressurreição de Cristo: morte e renovação.

Toda mudança carrega em si um pouco de morte e mais um tanto de renascimento. Como o adulto de hoje, que precisou matar muitas atitudes e ilusões da infância para se tornar o que é. Como eu, que assassinei, a sangue frio, muitos dos mitos que carreguei comigo em meus “wonder years“: o Papai Noel, o coelhinho da Páscoa, o “bom selvagem” de Rousseau, a minha futura carreira de cantor de rock, os amores que um dia se foram (sempre me identifiquei com o Charlie Brown, em seus constantes desencontros com a garotinha ruiva).

Hoje sou um homem mais cínico e cético do que gostaria, mas acredito que dentro da dosagem necessária para sobreviver a um mundo que vem sem manuais de instrução ou botes salva-vidas. Sei um pouco a respeito das engrenagens sujas que movem o teatro da vida, o bastante para acreditar que um pouco de ignorância é pressuposto fundamental para ser feliz no mundo em que vivemos. Mas, acima de tudo, tenho esperanças.

Sim, tenho esperanças. Não que eu seja um daqueles caras que acreditam que basta juntarmos nossas mãos e cantar “Imagine” para mudar o mundo: meu lado cínico não resiste a fazer piadas sobre hippies emaconhados (não aqueles mauricinhos da novela das seis, assépticos e domesticados como o som de uma boy band), ou esquerdistas que guardam suas camisetas com a foto do Che Guevara penduradas ao lado de suas calças Fórum e t-shirts Nike.

Minhas esperanças não estão atreladas a nenhum credo ou religião. Não tenho ídolos nem líderes a seguir, que pudessem me guiar em meio à alienação, ao tédio e ao torpor de um mundo devastado por guerras estúpidas, preconceitos acéfalos, desigualdade social e falta de amor. Não leio livros de autoajuda, não sigo paradas de sucesso, não faço doações à LBV, não sei qual é o sentido de nossa passagem por aqui e, por favor, não desejo receber nenhum anexo de Power Point com mensagens edificantes sobre a humanidade.

Tampouco sei porque fui acometido com estas reflexões. Talvez seja porque não ganhei nenhum ovo de Páscoa.

* * *

P.S. 1: O texto acima foi publicado originalmente na edição 011 do SpamZine, em 15 de abril de 2001. À guisa de contextualização: o SZ foi um fanzine, distribuído semanalmente por e-mail para mais de 3.500 assinantes previamente cadastrados, que durou 93 edições e circulou de fevereiro de 2001 a novembro de 2003. Criação minha e do cumpadi Ricardo Sabbag, o SpamZine surgiu na esteira do seminal CardosOnline, mailzine criado por André Czarnobai, a.k.a. Cardoso, que influenciou toda uma geração de novos autores que encontrou na internet o espaço ideal para divulgar seus trabalhos e achar novos comparsas.

Ao longo de pouco mais de dois anos, o SpamZine publicou textos de autores do naipe de Orlando Tosetto Junior, Nicole Lima, José Vicente, Eduardo Fernandes, Suzi Hong, Cecilia Giannetti, Índigo, André Machado, Ian Black, Mateus Potumati, Ione Yoshida de Moraes, Fábio Fernandes e Daniela Abade. Porém, como tudo que está na internet é volátil feito fama de ex-participantes de reality show, o site do Spam Zine saiu do ar, deixando poucos vestígios na web. Do mesmo modo, diga-se de passagem, que outros ezines contemporâneos daqueles tempos pré-blogs, como o Tijolão, o Alfinete, o MOL e o Ogden (o Givago é um dos raros que ainda mantém um site).

Mas enfim, como diz aquele clichê amarfanhado, recordar é viver. Citei o SpamZine em uma entrevista que dei a Augusto Nunes para o site da Veja. Bom pretexto para resgatar este texto sobre a Páscoa e lembrar dos bons tempos em que fui editor de um fanzine rodado em um mimeógrafo virtual. B)

P.S. 2: Sobre a época dos fanzines por e-mail, vale a pena ler este artigo do Pedro Doria: “Quando Cardoso inventou a internet”.

P.S. 3: Minhas opiniões sobre a Páscoa, escritas há nove anos, são essencialmente as mesmas. Mas houve ao menos uma diferença essencial neste ano de 2010: ganhei um ovo de Páscoa. ;)

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • http://www.emprestimo-online.net Miguel

    Faz tempo que esse artigo foi publicado mas me identifiquei com ele. Ha algum tempo venho acreditando que para ser feliz temos que ser ignorantes. Temos que parar de pensar e apenas viver….! O mundo de hoje nos leva a perder demasiado tempo em tudo o que ha de mau e deixamos de ver a beleza que ainda existe..!

  • Patricia Paixão

    Um ano depois…leio esse texto. Gostei muito do seu texto. Tem humor numa boa medida e tem um “que” (não sei agora usar uma palavra para explicar o que sinto), mas é algo que faz com que a gente queira mais e mais e nessa vou seguindo e lendo os arquivos.
    Parabéns!
    ¬ 11 foi o dia em que nasci. Começar de novo e de novo e de novo…

  • http://empregosempoa.blogspot.com/ Ana

    Olá!!!
    Adorei o seu texto.
    Pelo que li aqui no seu blog você é um dos grandes escritores desse nosso Brasil, parabéns Alexandre.

  • http://www.duniverso.com.br/ Tomé Ferreira

    Você escreve muito bem, Alexandre!
    Parabéns!
    Como você, também “assassinei” muitos mitos (rs).

    Forte abraço!

    R: Valeu pelo comentário, Tomé. Um abraço!

  • http://www.detetivemg.com.br/detetive-particular-na-cidade-sao-paulo-sp-sao-paulo.htm Sônia

    Muito bom o site.

  • http://fiquelouco.blogspot.com Guilherme C. Grunewald

    Belo texto sobre páscoa Inagakitão bom que nem tenho o que comentar sobre ele,porém a questão levantada sobre os fanzines virtuais muito me interessou, apesar de ter 26 anos comecei bem cedo na internet, depois de passar de um msx HotBit para um 386 com modem 14.400, nessa época os sites eram poucos, as ferramentas de buscas ruins, mas o senso de comunidade era algo fabuloso. Chats não eram para pornotrafia, as amizades de IRC saíram do ambito virtual e foram para o real e se estendem até o dia de hoje, e muita coisa boa e boas discussões eram travadas, tinham fórums, listas de discussões por e-mail, fanzines.

    A questão é que o boom da internet nacional levou tudo isso, sem contar que as pessoas que produziam esse conhecimento cresceram e se ocuparam com outros afazeres, mas de qualquer forma é sempre bom relembrar (até porque nos tempos virtuais os vestígios de criação somem mais rapidamente) para vermos que a internet não nasceu ontem com msn, orkut, google e wikipedia, e tem uma História que merece ser contada.

    R: Fala, Guilherme! Valeu pelo seu ótimo comentário, que resgatou um pouco da história da internet no país. De fato, há muito para ser resgatado e registrado em algum lugar por aí. Espero ajudar a recontar essa história em breve… Um abraço!

  • Dica Banys

    gostei! grata pela republicação!

    R: Thanks. Um abraço!

  • http://www.centrodeassistenciatecnica.com.br/assistencia-tecnica-sony Assistência técnica Sony

    hoje conheci o seu blog e gostei muito dele…e este post ficou muito bacana…adorei…e não fique triste por não ter ganhado um ovo de páscoa…ano que vem é um novo ano e talvez as pessoas estejam animadas para compartilhar esta data e festejar com muito chocolate…

    bjs
    Marta

    R: Bem Marta, quando este texto foi publicado originalmente eu realmente não havia ganho ovo de páscoa, mas em 2010 não tive do que reclamar. :)

  • http://barbarizandoestabarbaridade.blogspot.com/ BARBARA ARAUJO

    inteligência é o que há por aqui!

  • http://www.conscienciacoletiva.com.br Lola…

    Olá,

    Gostei do texto, das indicações, da volta ao passado…

    Pelo que pude ver nos comentários, ganhou bem mais que um ovo de páscoa em 2010. Junto com ele veio um pouco de felicidade… :)

    Beijo.

    R: Pois é, Lola. Nada como receber da vida felicidade sem contraindicações, né? :D Um beijo!

  • http://sindromemm.blogspot.com sindrominha

    veja o meu blog de sindrome do panico, muito obrigado. adorei o seu blog.

  • http://jccbalaperdida.blogspot.com JULIO CESAR CORRÊA

    Sua sensatez e de outros tantos é que faz o mundo valer a pena.
    abração

    R: Obrigado pelas palavras generosas, Julio. Aquelabraço!

  • http://creditos-online.blogs.sapo.pt/1806.html credito Pessoal

    Boas reflexões… se mudar de ideias em relação aos anexos de powerpoint, eu tehno aqui um monte deles que ainda não abri. :)

    R: HAHA! Obrigado pela oferta, José, mas prefiro deixá-la para uma próxima reencarnação. ;)

  • http://www.seuwebsitenainternet.com.br/ Mêlanie

    Muito interessante o texto. Parabéns!

    R: Obrigado, Mêlanie! :D

  • Aninha

    Você é o ovo de Páscoa que eu ganhei de presente. :] - A vantagem, é que agora eu tenho chocolate todo dia. Vai ver por isso não tenho mais tanta TPM. beijim :**

    R: Hi hi! \o/

  • Gabriel

    Gostei do que pensas…rsrs…www.gabrielperdidonatrilha.blogspot.com, da uma olhada lá, acho que talvez goste, abraços e continue assim;]. ps.: Tb não ganhei ovo de páscoa…aspokpasokpaoks.

    R: Gabriel, melhor sorte na próxima Páscoa… :D Um abraço!

  • http://www.sojogosgratis.com.br Dimitri

    é interessante o texto!
    :D
    lembrando sempre dos ovos de chocolate, né?
    abs,

    R: Dimitri, a gente precisa aproveitar essa época em que temos salvo-conduto pra se deleitar com chocolate, não? B)

  • eliane malpighi

    que bom que sua perspicácia continua intacta;completada pelo seu bom humor inteligente.
    melhor ainda que tudo isso independa do fanzine!

    beijo saudoso

    R: Bom te ver por aqui, Eliane! :D Um beijabraço e obrigado pela visita. ;)

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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