Django Livre

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Nos filmes de Quentin Tarantino, a História é um conto livremente baseado em fatos reais. E assim, do mesmo modo que em Bastardos Inglórios Hitler morreu tendo seu corpo estraçalhado por balas de metralhadoras em meio a uma sala de cinema em chamas, no delirantemente divertido Django Livre temos um faroeste que é protagonizado por um falso dentista alemão que ganha dinheiro como caçador de recompensas, na companhia de um ex-escravo com nome de personagem de bang-bang à italiana.

Estes dois protagonistas, interpretados respectivamente por Jamie Foxx (Django “Freeman”) e Christoph Waltz (doutor King Schultz), passarão por todo um périplo de aventuras, até chegarem ao objetivo principal: o resgate da esposa de Django, escravizada na fazenda de Calvin Candie (Leonardo di Caprio), sulista incestuoso cujo passatempo principal é ver negros lutarem feito galos de briga até a morte.

Tendo a escravidão como tema da história, este faroeste poderia ser um daqueles dramas melodramáticos de denúncia. Mas, quando o diretor e roteirista é Tarantino, seus espectadores podem esperar de tudo, menos o tédio. Afinal, em que outro western a cena mais engraçada do filme é protagonizada por membros da Ku Klux Khan? E que tal ser surpreendido por uma trilha sonora com um mashup de James Brown e 2Pac, em um faroeste que mescla influências de Sergio Corbucci, Sam Peckinpah e Sergio Leone?

Em um gênero cinematográfico cujos maiores ícones são John Wayne e Clint Eastwood, são raros os faroestes protagonizados por um negro, sendo que os mais conhecidos são as comédias As Loucas Aventuras de James West (com Will Smith) e Banzé no Oeste (de Mel Brooks, com Cleavon Little no papel principal). Um cenário que passa, agora, por uma mudança em grande estilo com Django Livre, que concorre a cinco estatuetas do Oscar 2013. E que, além do herói do filme interpretado por Foxx, apresenta Samuel L. Jackson no papel de um escravo velho e puxa-saco do patrão fazendeiro, capaz de ser mais racista que os próprios brancos.

Em uma trama na qual seu roteiro dispara ideias do mesmo modo que o sangue jorra aos borbotões em cenas violentíssimas, citando frenologia, o mito germânico de Sigfried e Brünhilde e O Nascimento de uma Nação de D. W. Griffith para falar de racismo, vingança e amor, só quem nunca viu um filme de Tarantino ficará surpreendido com a facilidade com que ele mescla tudo isso em uma narrativa constantemente envolvente. Quem se lembra, por exemplo, do prólogo de Bastardos Inglórios, no qual o oficial nazista Hans Landa está à procura de judeus em uma casa no interior da França, sabe bem do nível de tensão até as raias do insuportável que Tarantino é capaz de propiciar a seus espectadores. Do mesmo modo, em Django Livre há diversas outras sequências nas quais cinéfilos se sentirão como uma pessoa dentro de um carrinho que se desloca, lentamente, até o topo de uma vertiginosa montanha-russa.

Django Livre foi justamente indicado a cinco estatuetas do Oscar, para as categorias de melhor filme, roteiro, fotografia (em mais um trabalho magnífico de Robert Richardson), edição de som e ator coadjuvante (Christoph Waltz, repetindo aqui o mesmo reconhecimento obtido com sua atuação antológica em Bastardos Inglórios). Quentin, porém, foi esquecido justamente na categoria de melhor direção. E, aliás, é melhor que ele permaneça dirigindo e roteirizando filmes, pois quem assistir a Django Livre verá que a arte da atuação não é exatamente o seu forte. E, se a indicação de Waltz como um carismático caçador de recompensas é merecida, lamento por Leonardo di Caprio e Samuel L. Jackson, os expressionantes vilões do filme, não terem sido igualmente reconhecidos.

Não creio, contudo, que Django Livre seja a obra-prima de Tarantino (para mim, a definição desse posto está num páreo duro entre Pulp Fiction e Bastardos Inglórios). O filme padece de problemas de ritmo, principalmente no terceiro e último ato, e eu não reclamaria se tivesse uns 20 minutos a menos. Fica a dica, aliás: por causa de suas duas horas e 45 minutos de duração, cedi aos apelos de minha bexiga apertada e acabei perdendo uma cena que é exibida após os créditos finais (se você perdeu essa sequência, clique aqui para ler a sua descrição).

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • http://www.anunciogratis.blog.br/ Anúncios Grátis

    RGSL

  • kauany rafaela barros

    esses filmes antigos são muito legais !!

  • Fellipe Melo

    Eu só achei muito injusto o Christoph Waltz ter sido indicado e o DiCaprio não, tive a impressão que o Waltz fez um personagem muito parecido com o Hans Landa.

  • Elias

    Quando Django estava sendo levado para morrer nas minas,no final,quando ele mata os três que o escoltavam, aquele que é explodido,não é por acaso o Tarantino fazendo uma rápida aparição em seu próprio filme??

  • Charles|Chronos

    Gostei do texto e só faço uma correção, o Dr. Schultz não é um falso dentista. Ele só não exerce a profissão, a trocando por caçador de recompensas.

  • http://www.facebook.com/rutileiasiqueira Rutiléia Siqueira

    P.S: Estou tentando deixar este comentário no Top Blog a respeito de suas aulas, ” Aprendendo a Blogar “mas não consigo, deixo aqui no seu blog então,ok?

    Oi Alexandre.

    Iniciei hoje o curso, e estou louca pra continuar aprendendo mais e mais.

    Desde 2002 também iniciei um blog por hobby, fiz e desfiz vários. Hoje estou com o Rutiléia Acessórios há 1 ano e 7 meses,e já decidi que quando “eu crescer” quero ser igual o ” Pensar Enlouquece ” ,rs, afinal adoro pensar mesmo! rs

    Obrigada pela sua disposição e de toda sua equipe em nos ensinar sempre um pouco mais.

    Até mais.

    Rutiléia

    http://www.rutileiaacessorios.blogspot.com.br

  • Luís Felipe

    Precisava mesmo do spoiler de Bastardos Inglórios?

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Luís, sinto muito se você ainda não assistiu a um filme produzido há QUATRO anos, e que já foi exibido várias vezes na televisão. A esta altura do campeonato, se você não viu Bastardos Inglórios, foi por falta de interesse, e não é um spoiler de um filme de 2009 que vai lhe impedir de ver a produção agora. Depois de tanto tempo, eu subentendo que uma pessoa genuinamente interessada em um filme já o assistiu. E a citação em meu texto de Bastardos Inglórios, se você realmente prestou atenção nele, foi feita para exemplificar o fato de que, no universo de Tarantino, a História é livremente recriada em prol da ficção.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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