Deixa Ela Entrar
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 02 de novembro de 2009
Não é fácil a transição da infância para o mundo adulto. Que o diga Oskar, um pré-adolescente solitário e tímido de 12 anos, vítima de bullying na escola e filho de pais separados. Imerso em seu mundo particular, alimenta fantasias de vingar-se um dia dos valentões do colégio ensaiando ataques com sua faca, enquanto cola em um caderno recortes de jornais com notícias sobre crimes cometidos na região em que mora, o subúrbio de uma cidade sueca coberta pela neve.
Oskar achará, enfim, companhia na figura de sua nova vizinha: Eli, uma menina pálida que aparenta ter a sua idade e, como ele, não tem amigos. Encontram-se casualmente no pátio do condomínio em que moram, quando Oskar empresta à garota seu cubo mágico, brinquedo que ela não conhecia e que a intriga. A partir disso, surge uma cumplicidade natural entre duas pessoas solitárias, que paulatinamente passam a compartilhar segredos e experiências. Eli mora junto com Håkan, um enigmático senhor de idade que cuida dela como se fosse seu pai. Mas nós, espectadores, logo descobriremos que essa figura paterna é um assassino que mata pessoas para levar sangue para aquela menina, na verdade uma vampira que aparenta ter 12 anos de idade há muito, muito tempo.
A partir desse plot, o diretor Tomas Alfredson faz de Deixa Ela Entrar um delicado filme sobre solidão e amizade. Possivelmente, quando for lançado em DVD, a maior parte das locadoras o catalogará como um filme de terror. Porém, apesar de certas sequências sanguinolentas (em especial o clímax numa piscina), creio que seria mais adequado classificar Deixa Ela Entrar como um drama focado nos temas universais: amor e morte, desejo e destruição. Trata-se de uma obra delicada, que pode até ser interpretada como uma fábula romântica pré-adolescente. Porém, quem atentar para o destino do personagem de Håkan, o senhor envelhecido que logo se mostra incapaz de sustentar os hábitos alimentares de Eli, poderá analisar o filme como uma parábola sobre a fugacidade dos homens diante da passagem inexorável do tempo.
Deixa Ela Entrar é um filme sutil sobre o ritual de preparação de um adolescente; também para o amor, mas especialmente para as regras de conduta de um mundo no qual é preciso destruir para sobreviver, pois o afeto conviverá lado a lado com as pulsões de morte. A partir do momento em que o personagem de Oskar compreende e aceita as particularidades da situação, está selado o seu destino e o seu crescimento definitivo: um menino que deixa suas vinganças imaginárias e sentimentos de autocomiseração de lado, em nome da entrega definitiva à solidão, agora compartilhada, de outra pessoa. Em outras palavras: um ato definitivo de amor, com tudo que ele possa implicar de mais generoso e destrutivo.
P.S. 1: Foi um hiato de mais de um mês neste blog. Durante este período, andei trabalhando mais do que minha sanidade recomendaria. Mas foram dias bastante produtivos, relatados em meu Twitter ou na página que recém-criei no Facebook. Quem me acompanha por aqui já sabe, pois, onde me encontrar enquanto o blog junta poeira…
P.S. 2: Como tantos outros filmes europeus, o sueco Låt den Rätte Komma In ganhará um remake hollywoodiano, a ser dirigido por Matt Reeves, de Cloverfield.
P.S. 3: A página do IMDB de Deixa Ela Entrar, que cita várias informações extraídas do livro de John Ajvide Lindqvist, que deu origem ao filme, ajuda a compreender diversas situações e detalhes mostrados en passant no cinema.
P.S. 4: Um texto meu neste estranho dia de Finados em que não choveu em São Paulo: “Morte e vida digital”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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